Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
144/07.8TMLSB-K.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: MEDIDAS DE PROTECÇÃO DE MENORES
PRORROGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Verificados os pressupostos substantivos legalmente estabelecidos para a revisão e prorrogação da medida determinada pelo tribunal e a sua adequação à ainda vigente situação de perigo da criança, não obstante o esgotamento do prazo máximo de duração da medida, é ainda admissível a sua prorrogação.
As medidas de promoção e protecção têm manifestamente um carácter de excepcionalidade, de urgência, de intervenção e de provisoriedade, destinando-se a promover uma alteração no meio e modo de vida do menor.
Por isso, a prorrogação não pode ser encarada como mais uma “tentativa” de alcançar a protecção e promoção da criança, quando nos 18 meses antecedentes o que ocorreu foi a falência da mesma, por inadequação, inércia, desajustamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A Magistrada do M.P junto do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, em 2009, instaurou o presente processo judicial de promoção e protecção a favor dos menores S..., nascida a (...) e M..., nascido em (....),alegando em resumo:

-são filhos de A.... e de A...., que se encontram separados desde 1 de Janeiro de 2007.

-Em Agosto de 2007 a situação destas crianças foi sinalizada à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da Amadora pela progenitora, por considerar que estes eram vítimas de maus tratos psicológicos perpetrados pelos pais

Inexiste qualquer interacção entre os requeridos focada no interesse das crianças, mas apenas uma carga de conflituosidade que se reflete no seu bem estar e gera uma situação de perigo grave para a sua segurança, formação, bem estar, desenvolvimento físico e intelectual


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Por decisão de 21 de Março de 2007, exarada nos autos de Regulação do Exercício do poder paternal foi estabelecido, provisoriamente, que as crianças ficavam confiadas à guarda e cuidados da mãe

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A intervenção da Comissão está inviabilizada

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Consta do último relatório da ECJ da Amadora que o Miguel sofre de obesidade e apresenta algumas faltas na escola, quase todas justificadas, Contudo, o menor está a ser acompanhado a nível de saúde

O Tribunal designou o médico adequado para as consultas de nutrição.

    Quanto às faltas, as mesmas não têm impedido o menor de ter rendimento escolar, tendo transitado de ano como se retira da informação de fls. 2282 e 2283


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Em 9-10-2012 foi proferido este despacho:

“No processo de regulação do exercício do poder paternal foi fixado um regime provisório de alimentos que consiste no pagamento pelo pai das mensalidades do colégio frequentado pelo menor Miguel (fIs. 858 do apenso A) e no pagamento pelo mesmo da pensão de alimentos no valor mensal de € 350,00 quanto à menor Sara (fIs. 1631 do mesmo apenso), nada estando determinado relativamente às despesas de saúde dos menores.

Também neste processo de promoção e protecção nada foi decidido quanto ao pagamento das despesas de saúde, em primeiro lugar porque estes autos não são o meio processual próprio para o efeito e, em segundo lugar, porque aquele regime provisório de alimentos contempla já a contribuição financeira do pai para o sustento dos filhos.

Contudo, como os progenitores não se entendem quanto ao pagamento das despesas de saúde dos menores e como as mesmas podem apresentar valores avultados, importa proferir decisão quanto a tal questão, de modo a que as mesmas sejam efectivamente pagas e não haja impedimento à continuação de tratamentos e acompanhamentos médicos já iniciados, no interesse dos menores.

Assim, e como o dever de prestar alimentos recai igualmente sobre ambos os progenitores (artigos 36°/3 da Constituição da República Portuguesa, 1874° e 1878°/1 do C. Civil), tais despesas de saúde (em que se incluem as consultas no CORPE e as de nutrição) serão pagas por ambos os progenitores em partes iguais, no prazo de 15 dias a contar da apresentação do respectivo comprovativo.

Tal pagamento deve ser efectuado independentemente da aceitação ou não pelo progenitor devedor do lugar ou médico escolhidos para a realização das consultas, tratamentos ou outros. Efectivamente, o progenitor não concorda com o acompanhamento no CORPE e a progenitora não concorda com as consultas de nutrição no Hospital dos Lusíadas mas nem por isso ficam desonerados de comparticipar no pagamento das despesas de saúde daí decorrentes
pois caso contrário só estariam a prejudicar os filhos ao colocar entraves à realização dos tratamentos e consultas em causa”


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Esta decisão foi impugnada pelo requerido que formulou estas conclusões:

1 - A decisão é nula, face ao previsto no artigo 668°, alínea d) do C.P.C., dado que os processos próprios para alterar os alimentos fixados a menores são os previstos nos artigos 182° e 188° e seguintes da O.T.M ..

2 - Pelo que, o tribunal ao proceder à alteração dos alimentos no processo de promoção e proteção, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento nos autos a quo (apenso K).

3 - Sendo que, também dispõe a Lei 147/99 de 01/09 quais são as medidas admissíveis no processo de promoção e proteção (nos seus artigos 34° e seguintes), não constando das mesmas nem a fixação, nem a alteração dos
alimentos devidos a menores.

4 - A decisão sobre a alteração de alimentos violou, ainda, o disposto no artigo 4° da Lei 147/99 de 01/09 (princípio da proporcionalidade e atualidade nos processos de promoção e proteção), na medida em que a mesma não foi fixada para afastar qualquer situação de perigo para os menores,

5 - Dado que, os menores não estão em perigo por falta de pagamento de despesas, mas sim porque a progenitora não cumpre o decidido na douta sentença de 31/03/2011, assim como não cumpre as decisões posteriores sobre o acompanhamento médico dos menores.

6 - A decisão também é nula, face ao previsto no artigo 668°, alínea c) do C.P.C., quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, o que se verifica no caso sub iudice.

7 - Na própria decisão consta que "estes autos não são o meio processual próprio para o efeito" (de alteração do regime dos alimentos),

8 - Pelo que, existe manifesta contradição com a decisão proferida, que não pode, de modo algum, assentar apenas na presunção de que os pais não se entendem.

9 - Porque, mesmo que tal se verificasse, o mesmo devia ser apurado no processo próprio, previsto nos artigos 1820 ou 1880 da O.T.M., com necessidade ou não da aplicação de medida provisória ao abrigo do previsto no artigo 1570 da O.T.M ..

10 - O próprio tribunal decidiu que as consultas de nutrição do menor Miguel devem ser no Hospital dos Lusíadas, mas decide agora que afinal qualquer um dos progenitores marca onde e com quem quiser, impondo a despesa efetuada ao outro progenitor.

11 - Mais se acrescentará que, é manifestamente injusto que um progenitor que tem o benefício da ADSE, com milhares de opções de cuidados de saúde comparticipados por esse sistema, tenha que pagar despesas não comparticipadas que foram decididas unilateralmente pelo outro progenitor.

12 - A situação de perigo para os menores não é a questão do pagamento das despesas de saúde, mas sim a progenitora guardiã não os levar às consultas, nem lhes proporcionar o acompanhamento decidido pelo tribunal.

13 - E não pode deixar de se referir que o presente processo de promoção e proteção começou há 3 anos, a sentença é de Março de 2011, com posterior decisão de Maio de 2012 em que se reconhece que não estar totalmente removida a situação de perigo que motivou a intervenção judicial, pelo que,
na verdade e lamentavelmente, os menores continuam na mesma situação (se não pior) do que há3 anos.

14 - A decisão violou, assim, o disposto nos artigos 82° e 1880 e seguintes da O.T.M., artigo 4°, alínea e) e artigos 34° e seguintes da Lei 147/99 de 01/09, sendo nula por ter decidido sobre questão de que não podia ter
tomado conhecimento (artigo 688°, alínea d) do C.P.C.), bem como nula por evidente contradição entre os seus fundamentos e a própria decisão (artigo 688°, alínea c) do C.P.P.), pelo que deve a decisão ora recorrida ser revogada.


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Cumpre decidir

Estatui o artigo 154.º da Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (e na redacção que lhe foi introduzida pelo artigo 1.º da Lei n.º 133/99, de 28 de Agosto), sob a epígrafe de “Competência por conexão” que: “1 – Se forem instaurados sucessivamente processo tutelar cível e processo de protecção ou tutelar educativo relativamente ao mesmo menor, é competente para conhecer de todos eles o tribunal do processo que tiver sido instaurado em primeiro lugar.

2 – No caso previsto no número anterior os processos correm por apenso.(…)

Por sua vez, dispõe o artigo 81.º, n.º 1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pelo artigo 1.º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro e a ela anexa, sob a epígrafe de “Apensação de processos”:

“1 – Quando relativamente à mesma criança ou jovem forem instaurados sucessivamente processos de promoção e protecção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar. (…)”.

Concentrar num só processo e perante o mesmo tribunal ou juízo todos os processos pendentes relativos à mesma criança ou jovem justifica-se neste âmbito, não só ou não tanto por razões de economia processual mas sobretudo por exigência dos princípios do “interesse superior da criança e do jovem” e da “proporcionalidade e actualidade da intervenção” previstos e definidos nas als. a) e e) do art. 4.º da LPCJP, os quais impõem a apreciação em conjunto e de forma harmonizada e actualizada de todas as situações que justificaram a sua instauração.

           A norma do art. 80.º (e de algum modo também a norma do art. 81.º) da LPCJP é complementadora do princípio sobre o “processo individual e único” instituído no art. 78.º da LPCJP, segundo o qual deve ser organizado “um único processo para cada criança ou jovem”.

Significa, isto, portanto, que tanto a instauração de processo único, como a apensação de todos os processos que respeitem à mesma criança ou jovem visam, concentrar num só e mesmo processo, a apreciação em conjunto e globalmente de todas as situações que justificaram a sua instauração,e permitir uma decisão harmonizada e adequada ao momento e necessidades actuais da criança ou jovem em perigo.

É neste sentido e contexto que a apensação se configura como um acto aglutinador, necessário e útil às finalidades dos processos de promoção e protecção pendentes,de modo a justificar um desvio às regras de competência territorial e/ou da distribuição entre Juízes do mesmo tribunal territorialmente competente, a que o superior interesse da criança e do jovem que caracteriza e domina este tipo de intervenção judicial terá sempre que sobrepor-se.

Ora, é precisamente esta preocupação do legislador, no fundo a abrangência de todas as circunstâncias factuais a ponderar em qualquer decisão que abranja o futuro da criança, que fundamenta a decisão impugnada. 

O que sucedeu nestes autos é que os progenitores, mais uma vez, não se entendem quanto ao pagamento das despesas de saúde. E como o assegurar a saúde das crianças é um factor essencialíssimo para afastar o perigo em que elas se encontravam, o Ex. Sr. Juiz no âmbito da concretização da medida de promoção e protecção decretada , estipula o pagamento das despesas.

Com efeito, já não está em causa o comportamento de cada um dos progenitores como causa para a situação criada para a criança ,mas pura e simplesmente a concretização de medidas ordenadas para o bem estar desta.      

Daí que o despacho impugnado não se insira na tramitação de um qualquer processo de regulação do exercício do poder paternal, mas seja visto como a única forma de sair de um impasse criado pelos progenitores, a fim de que a medida aplicada possa ter qualquer êxito.[1]

Logo, inexiste qualquer contradição entre fundamentos e decisão, mas apenas uma forma de salvaguardar os interesses das crianças

Termos em que improcedem as conclusões a este respeito.


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Por decisão de 31.03.2011 (fls. 1061 a 1073), em sede de debate judicial, foi aplicada a favor dos menores S... e M... a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, concretamente junto da mãe, medida essa que foi revista em 17.05.2012, tendo sido determinada a sua prorrogação.

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A 21-03-2013 foi proferida esta decisão:

“Por decisão de 31.03.2011 (fls. 1061 a 1073), em sede de debate judicial, foi aplicada a favor dos menores Sara Apolo e Miguel Apolo a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, concretamente junto da mãe, medida essa que foi revista em 17.05.2012, tendo sido determinada a sua prorrogação.

Nos termos do artigo 60°/2 da LPCJP, tal medida tem a duração máxima de 18 meses. É que esta intervenção judicial destina-se a garantir no imediato a protecção dos menores em risco mas a defesa dos seus direitos deve ser antes acautelada em termos definitivos no âmbito dos procedimentos judiciais adequados, designadamente dos processos tutelares cíveis. Daí que as medidas de promoção e protecção devam ter um limite temporal, fixado em 18 meses pelo legislador por entender ser o período suficiente para aquela protecção (neste sentido: acórdão do TR de Guimarães de 16.11.2010, sendo relatora a Exma. Juíza Ana Cristina Duarte, in bases de dados da DGSI, e Beatriz Marques Borges, Comentários e Anotações à Lei n° 147/99 de 01109, Almedina, 2011, 2a edição, pág. 223 e seguintes).

Como tal, decorrido aquele prazo, a medida deve ser declarada cessada e os autos arquivados, nos termos dos artigos 62°/3, al. a), e 63°/1, al a), da LPCJP.

Por outro lado, como é patente nos autos, o que persiste é o acentuado conflito entre os progenitores relativamente à guarda dos filhos e modo de exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente a nível de educação e saúde.

Ora, tal conflito deve ser resolvido no apenso A de regulação do exercício do então chamado poder paternal, processo próprio para o efeito, e não nestes autos, devendo aquele processo tutelar cível prosseguir os seus trâmites pois de momento encontra-se suspenso por força desta promoção e protecção e de modo a conciliar as decisões a proferir num e noutro processo em face do disposto no artigo 148°/1 da OTM.

Assim, tendo decorrido o prazo de duração máxima da medida de promoção e protecção, determino a cessação da medida aplicada e o arquivamento dos autos, ao abrigo dos artigos citados. “


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É esta decisão que é impugnada pelo requerido, formulando as seguintes conclusões:

1 - O Tribunal a quo violou o disposto no art. 4° da Lei n° 147/99 de 01109, dado que não atendeu prioritariamente ao interesse superior da criança ou jovem. "Os processos judiciais de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo são legalmente qualificados como processos de jurisdição voluntária e, por isso, 110 seu p/gomemo, o tribunal» não está sujeito a critérios de legalidade estrita, antes optando por critérios de oportunidade e conveniência.
Verificados os pressupostos substantivos lega/Rumie estabelecidos para a revisão e prorrogação da medida determinada pelo tribunal  e a sua adequação à ainda vigente situação de perigo da menor. lido obstante o esgotamento do prazo máximo de duração da medida. é ainda admissível a sua prorrogação, sem escamotear a estrita necessidade de, no mais curto prazo, ser (re)definido o projeto de vida do menor",
in Ac. TRP, Relator Maria Cecília Agante, 6.03.2012, in lTIJ.

2 - De acordo com o disposto no art. 1020 da mesma Lei, o processo em causa é de natureza urgente, cabendo ao Tribunal cuidar da promoção da realização dos atos necessários com celeridade assim como pelo cumprimento dos mesmos, o que não se verificou.

3 - Tendo a sentença sido emanada em Março de 2011 e decretadas medidas de apoio junto da progenitora, apenas oito meses depois e porque o progenitor o requereu é que o Tribunal insistiu com a ECJ para juntar relatório nos autos.

4 - Em 31/0112012 o progenitor alertou para o não cumprimento pela progenitora das medidas decididas em 31/0312011, com evidente prejuízo dos menores e que já havia passado um ano desde a decisão.

5 - Um mês depois, o progenitor solicitou que se determinasse a apresentação do relatório da ECJ com urgência e que as entidades competentes (que tinham contacto com os menores) apresentassem relatório sobre a situação dos menores desde 31103/2011.

6 - Em 27/03/2012 o progenitor apresentou requerimento ao abrigo do previsto no artigo 85° da Lei n" 147/99 (sobre a revisão das medidas de apoio), destacando que só em 09/0312012 foi elaborado o relatório pela EEJ) realçando o que constava do relatório, demonstrativo do incumprimento pela progenitora das medidas que lhe haviam sido determinadas um ano antes, evidenciador da continuação da situação de risco/perigo dos menores. O progenitor requereu a produção de prova testemunhal e que fosse apurado o modo como foram ou não executadas todas as medidas ordenadas em 3110312011, voltou a requerer a realização da avaliação psico-educacional do menor Miguel e a avaliação e acompanhamento psicológico da menor Sara, a realização de consultas de nutrição dos menores em instituição credível (devendo a situação de obesidade ser no Hospital dos Lusíadas) e a notificação das entidades com contacto com os menores para informarem da situação dos menores desde, pelo menos, a data da sentença.

7 - Em 17/0512012, foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, referindo que "de acordo com os relatórios da ECJ de fls. 1414 e segs., a medida em curso continua a beneficiar os menores, propondo-se a sua prorrogação, uma vez que existe algum absentismo escolar, irregularidade das consultas clínicas e hábitos alimentares nem sempre saudáveis", "assim, estando em cursa dilig2ncias requeridas pelos progenitores e não estando totalmente removida a situação de perigo que motivou a intervenção judicial, e porque o interesse dos menores o exige 11 prorrogou a execução de tal medida por mais seis meses.

8 - Em 1310612012 o progenitor juntou declaração da Ora. M..., do Hospital dos Lusíadas, na qual esta refere a necessidade de acompanhamento nas consultas de ambos os pais, tendo o Tribunal “a quo”
determinado que a progenitor a fosse notificada para proceder à marcação de consultas e exames de nutrição/obesidade infantil no Hospital dos Lusíadas, devendo esta dar conhecimento ao progenitor das datas e horas para que ele pudesse estar presente, devendo fazer comparecer o menor, cumprir as orientações médicas e fazer com que o Miguel seguisse a dieta
alimentar prescrita, mais determinando que o progenitor deveria indicar os quesitos das perícias a requerer ao IML.

9 - Em 17/08/2012 o progenitor informou o Tribunal a quo que até àquela data a progenitora ainda não o tinha informado de qualquer marcação de consulta ou exame do menor Miguel, apesar de no despacho de 03/07/2012 ter sido ordenado à progenitora que procedesse à marcação e disso informasse o progenitor, requerendo o progenitor que o tribunal diligenciasse de forma a que o menor Miguel recebesse, de facto, o acompanhamento nutricional de que há muito necessita

10 - O progenitor juntou aos autos o registo de avaliação do menor Miguel e dos registos de avaliação (2° e 3° períodos) e extratos de faltas da menor Sara.

11 - Em 19/09/2012, o Tribunal determinou que tendo o menor Miguel já sido observado pela Dra. Margarida Lobo Antunes no Hospital dos Lusíadas, deverá continuar esse acompanhamento e que fosse oficiado o IML a fim de proceder às perícias.

12 - Em 12/10/2012, o progenitor informou que, no dia 25/09, esteve presente na consulta que a progenitora havia marcado, mas que a progenitora não esteve presente, tendo a Dra. Ana Rita Lopes emitido declaração em como, após avaliação, tinha identificado a presença de Obesidade Infantil, que o acompanhamento dessa situação deveria ser multidisciplinar, mantendo um seguimento regular em consulta de pediatria, na vertente de Obesidade Infantil a realizar pela Dra. M..., sendo imprescindível a presença dos dois progenitores a acompanhar o Miguel, pelo que requereu que a próxima consulta a marcar para o menor M... fosse com a Dra. M... e para que a progenitora fosse notificada para estar presente nas consultas médicas do filho, reafirmando (o progenitor) a sua disponibilidade para proceder à marcação das consultas e dos exames;

13 - Em 3111212012, o Pai ficou notificado do relatório elaborado pela ECJ da Amadora (em 11/1212012), no qual consta que "não sendo de momento possível afirmar que se encontrem ultrapassados todos os indicadores de negligência quanto à supervisão educativa e acompanhamento de saúde da Sara e do Miguel, sugere-se a prorrogação da medida aplicada.”

 14 - Em 1 0/0 1/20 13 o progenitor veio reafirmar que os menores continuavam em risco:

- Destacando as dificuldades graves que o menor Miguel ainda mantinha a nível escolar e a nível da sua saúde;

- Relevando o elevado número de faltas dos menores, sendo que no 10 período deste ano letivo estão registadas 73 faltas da Sara e 33 do Miguel;

- Alertando que desde a consulta de 25/0912012 não tinha sido marcada mais nenhuma consulta ou exame do Miguel;

E, mais uma vez, insistiu que fossem obtidas informações sobre os menores;

- Marcando a audição das técnicas da ECJ~

-Oficiando as escolas dos menores e a Clínica do Parque;

- Oficiando o Hospital dos Lusíadas, para que informasse sobre o acompanhamento que tem sido efetuado ao Miguel no âmbito da Nutrição/Obesidade Infantil;

Assim como requereu a realização das perícias pejo IML.

15 - Em 05/0212013, o Ministério Público promoveu que, face ao teor do relatório da ECJ, se determinasse a prorrogação das medidas aplicadas a favor dos menores.

16 - Em 28/02/2013, o IML, em resposta a comunicação do tribunal de 18/02/2013, indicou os dias 22 e 27/03/2013 para a realização dos exames periciais aos menores.

17 - Em 06/03/2013 o progenitor insistiu em que, apesar de ao menor Miguel ter sido, há vários meses, diagnosticada uma situação de obesidade mórbida, desde Setembro de 2012 não se tinha realizado qualquer consulta ou exame, que o tribunal determinou (em. 03/0712012) que seriam a marcar pela progenitora no Hospital dos Lusíadas, voltou a alertar também para a situação escolar dos menores, requerendo que fossem ordenadas as diligências urgentes e necessárias para o efetivo acompanhamento médico do menor Miguel e para o apuramento da real situação escolar da menor Sara.

18 - Em 22/0312013, o Pai, que se encontrava de férias da Páscoa com o filho, compareceu com o menor Miguel no IML, onde, passado algum tempo após a hora indicada no ofício que lhe havia sido notificado, como o menor ainda não tinha sido chamado, foi, então, informado que o exame não se iria realizar, que o tribunal tinha informado que o processo estava arquivado e que não havia interesse na realização dos exames.

19 - Depois de tanto a ECJ como o Ministério Público, um mês antes, terem indicado como necessária a prorrogação das medidas aplicadas a favor dos menores e estar marcada a realização dos exames periciais , o Tribunal a quo, no dia anterior, decidiu arquivar os autos.

20 - Acontece que, além de tudo o mais e principalmente, tal como os autos a quo evidenciam largamente, os menores continuam em situação de risco/perigo, tanto na vertente da saúde (física e psicológica), como na vertente escolar.

21 - Ainda que se entendesse que os direitos dos menores passassem a ficar acautelados apenas com a mera tramitação dos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a verdade é que para que tal seja viável é necessário que o tribunal fique munido do máximo de elementos probatórios, para proferir a decisão que melhor acautele, de facto, os direitos e os interesses destes menores. Assim, nem sequer se entende porque considerou o tribunal que deixou de haver interesse na realização dos exames no IN.1L. É que no âmbito dos processos tutelares cíveis, ao abrigo do previsto no artigo 178'\ n° 3 e 1790 da OTM~ os exames periciais são provas admissíveis e ao abrigo do art. 14 nº 1 da O.T.M. sempre teriam utilidade.

Por todas as razões expostas e por clara violação do disposto no art. 4° da Lei n" 147/99 de I de Setembro, deve ser revogada a sentença, e ordenada a prorrogação das medidas, conforme foi doutamente promovido pelo Ministério Público.

O M.P responde, pugnando pela improcedência do recurso.


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O que aqui está em causa é saber se a medida de promoção e protecção dos menores deve ser prorrogada por estar ultrapassado o prazo.

As medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, sinopticamente designadas por medidas de promoção e protecção, visam afastar o perigo em que estes se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação,educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (artigo 34º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, doravante denominada LPCJP[2].

Entre as medidas de promoção e protecção conta-se a medida de apoio junto de familiar diverso dos pais, como no caso, a avó materna (não está expressamente referida a avó materna, mas as menções do relatório social indiciam-no) (artigo 35º, 1, a), LPCJP). Trata-se de uma medida a executar em meio natural de vida, procurando proporcionar à criança ou ao jovem condições adequadas ao seu desenvolvimento integral, através de apoio psicopedagógico e social e, quando necessário,de apoio económico (artigos 2º e 3º do Decreto-lei 12/2008, de 17 de Janeiro, que regulamenta o regime de execução das medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e jovens em perigo respeitantes, além do mais, ao apoio junto de outro familiar).

Esta medida está sujeita ao prazo máximo de 18 meses, nos termos definidos pelo artigo 60.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Ora, o artigo 63.º, n.º 1, alínea a), da LPCJP, estatui:

«As medidas cessam quando decorra o respectivo prazo de duração ou eventual prorrogação».

Será que este é um prazo determinante da cessação das medidas?

O tribunal deve assumir a defesa do interesse superior da criança e do jovem, tal como lho confia o artigo 4º, a), LPCJP, fazendo-o prevalecer sobre quaisquer outros interesses envolvidos, atendendo “prioritariamente aos interesses da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.
Logo, não obstante a oposição da menor à prorrogação da medida, continuando a verificar-se a situação de perigo que justificou a intervenção judicial, o seu superior interesse prevalece sobre a sua manifestação de vontade. Não foi pedido consentimento à menor para a prorrogação da medida, o qual não seria,em todo o caso, prestado, como resulta da sua expressa manifestação de vontade, no processo,em sentido antagónico.

Os processos judiciais de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo são legalmente qualificados como processos de jurisdição voluntária e, por isso, o tribunal está legitimado a investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e, no seu julgamento, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita,devendo antes adoptarem cada caso a solução que julgue conveniente e mais oportuna (artigo 100º LPCJP e artigos 1409º, 2,e1410º do Código de Processo Civil).

Daí que este tipo de processos se veicule por uma avaliação prudencial, casuística e fundada em juízos de oportunidade, conveniência e equidade e que afastam, quando proveitoso, certos princípios formais que disciplinam a actividade processual do tribunal.

E daí também que, verificados os pressupostos substantivos legalmente estabelecidos para a revisão e prorrogação da medida determinada pelo tribunal e a sua adequação à ainda vigente situação de perigo da criança, não obstante o esgotamento do prazo máximo de duração da medida, é ainda admissível a sua prorrogação.

No entanto, não podemos esquecer que as medidas de promoção e protecção têm manifestamente um carácter de excepcionalidade de urgência, de intervenção e de provisoriedade, destinando-se a promover uma alteração no meio e modo devida do menor. Por isso, a prorrogação não pode ser encarada como mais uma “tentativa” de alcançar a protecção e promoção da criança, quando nos 18 meses antecedentes o que ocorreu foi a falência da mesma, por inadequação, inércia, desajustamento.

Termos em que só podemos concluir que a prorrogação é possível, mas os critérios para a validarem terão que atender a outra perspectiva ,ou seja, a uma avaliação dos resultados da aplicação da medida no período em que vigorou

Voltando à situação em análise...

Ressalta dos autos que o conflito entre os progenitores é de nível máximo. E o mais grave é que esta relação de conflituosidade não tem qualquer fim à vista, antes pelo contrário. A cada fase deste processo de promoção e protecção aquela torna-se mais violenta, servindo os autos como forma de exteriorização , quiçá de “carburante” do litígio entre os progenitores.

Como é óbvio neste quadro de relacionamento entre os progenitores, sem que se esteja avaliar as razões de ambos, e ainda que estes pensem que protegem as crianças, sejam bem intencionados, o que sucede é que são eles próprios que criam o risco para os filhos.

Reparemos, nada é feito de comum acordo, nada corre bem (consultas, percurso educativo ,constantes alegações de incumprimentos de parte a parte).

Aliás, é o próprio requerido que reconhece tal, ainda que de forma implícita, quando formula esta conclusão acerca da anterior apelação:

E não pode deixar de se referir que o presente processo de promoção e proteção começou há 3 anos, a sentença é de Março de 2011, com posterior decisão de Maio de 2012 em que se reconhece que não estar totalmente removida a situação de perigo que motivou a intervenção judicial, pelo que, na verdade e lamentavelmente, os menores continuam na mesma situação (se não pior) do que há 3 anos.

Esta conclusão, ainda que descontextualizada do sentido do  texto do requerido, só nos pode levar a pressupor que  o  Tribunal não tem meios para combater a situação de perigo . E isto sucede porque os progenitores se movem numa esfera de um conflito levado ao extremo, perdendo a noção, ainda que involuntariamente, do que é melhor para os filhos .

Logo, reportando-nos às considerações efectuadas acerca da prorrogação da medida, a pergunta é: em que é que este processo irá proteger o Miguel, quando a situação real, nua e crua, é que ele é o alvo do litígio entre os pais?

A resposta surge clarividente e segura: em nada, tal como também o reconhece o requerido na conclusão acima citada.

Na verdade, se o requerido entende que a situação é igual ou pior do que a existente aquando da instauração do processo, não se percebe o fundamento para continuar um processo tão desgastante para todos os interessados, e em especial para o Miguel.

Daí que concordemos em absoluto com a decisão impugnada, porquanto:

--o cerne da discussão está na guarda dos filhos e quanto ao modo de exercício das responsabilidades parentais, sobretudo em matéria de educação e saúde.

Logo, o processo a seguir só pode ser a acção de regulação do exercício do poder paternal pendente. É que definidas as regras haverá a expectativa de cumprimento das mesmas e diminuição do conflito.

Na verdade, todas as preocupações do progenitor quanto aos aspectos de saúde e educação serão também aí devidamente acauteladas. Por outro lado, é nesse processo que a questão da guarda do Miguel, o que suscita divergência absoluta,colocada pelo progenitor será analisada.

E todas estas questões terão um suporte factual carreado por produção de prova, se assim se entender. Não há qualquer diminuição das possibilidades dos progenitores fazerem valer o melhor para o seu filho Miguel.

Assim, improcedem todas as conclusões.


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Concluindo: verificados os pressupostos substantivos legalmente estabelecidos para a revisão e prorrogação da medida determinada pelo tribunal e a sua adequação à ainda vigente situação de perigo da criança, não obstante o esgotamento do prazo máximo de duração da medida, é ainda admissível a sua prorrogação.

No entanto, não podemos esquecer que as medidas de promoção e protecção têm manifestamente um carácter de excepcionalidade, de urgência, de intervenção e de provisoriedade, destinando-se a promover uma alteração no meio e modo de vida do menor. Por isso, a prorrogação não pode ser encarada como mais uma “tentativa” de alcançar a protecção e promoção da criança, quando nos 18 meses antecedentes o que ocorreu foi a falência da mesma, por inadequação, inércia, desajustamento.


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Pelo exposto, acordam em negar provimento à apelação e confirmar as decisões impugnadas.

Custas pelo requerido.



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           Lisboa,23-10-2014

Teresa Prazeres Pais

Isoleta de Almeida e Costa

Carla Mendes


[1]                        O  excerto da decisão é claro: Também neste processo de promoção e protecção nada foi decidido quanto ao pagamento das despesas de saúde, em primeiro lugar porque estes autos não são o meio
processual próprio para o efeito e, em segundo lugar, porque aquele regime provisório de alimentos contempla já a contribuição financeira do pai para o sustento dos filhos. Contudo, como os progenitores não se entendem quanto ao pagamento das despesas de saúde dos menores e como as mesmas podem apresentar valores avultados, importa proferir decisão quanto a tal questão, de modo a que as mesmas sejam efectivamente pagas e não haja impedimento à continuação de tratamentos e acompanhamentos médicos já iniciados, no interesse dos menores.
     
     


     




     








[2]    














 Aprovada pela Lei n.º 147/1999,
de1deSetembro, alterada pela Lei n.º 31/2003,de22deAgosto.