Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
188/17.1T8VFC.L2-8
Relator: CARLA FIGUEIREDO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
LINHAS DE MUITO ALTA TENSÃO
SERVIDÃO
INDEMNIZAÇÃO
MONTANTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A fase processual para a apreciação liminar no processo de expropriação ocorre no despacho proferido pelo juiz ao admitir o recurso da arbitragem nos termos do art.º 59º do CE; assim, depois de admitido este recurso, realizadas duas avaliações, proferida uma sentença, alegações de recurso e um acórdão do Tribunal da Relação em que a questão agora levantada pelo tribunal recorrido não é de forma alguma suscitada, não cabe a este pronunciar-se sobre a “manifesta improcedência do pedido principal e subsidiário formulados”;
- O art.º 37º do Decreto-Lei nº 43335 de 19/11/60 ao prever que os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas “serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”, não especifica qualquer tipo de prejuízos decorrentes da instalação das referidas linhas, sejam eles directos ou indirectos ou aqueles que resultem da diminuição de rendimento;
- A constituição de uma servidão tem um efeito equivalente à expropriação, sempre que os danos decorrentes dessa constituição possam ser considerados impeditivos ou limitativos da plena utilização do bem serviente ou anulem totalmente o seu valor, como ressalta do art.º 8º do CE;
- O pedido efectuado pelos expropriados no recurso de arbitragem no sentido de serem indemnizados pela desvalorização do seu prédio em 100%, no que toca a sua aptidão construtiva e, subsidiariamente, na parte em que o prédio for classificado como solo apto para outros fins, indemnizados pelos prejuízos da cessação da actividade agrícola ali exercida, não pode ser confundido com um pedido de expropriação total previsto no art.º 55º do CE, devendo ser proferida decisão que determine o montante indemnizatório devido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA OITAVA SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – Relatório
Estão pendentes no Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, os presentes autos de expropriação por utilidade pública em que são expropriantes a R… e E…, sendo expropriados A... e B....
No dia 4/6/2023, foi proferida a decisão recorrida que considerou, que estando perante a constituição de uma servidão administrativa, a “sua constituição só dá lugar a indemnização, não se encontrando prevista a expropriação total dos imóveis objeto de servidão (aliás, o próprio conceito de servidão a exclui e com ela é incompatível). Considerando, ainda que os expropriados entendem que a desvalorização dos seus prédios é total “pelo que devem os mesmos ser totalmente expropriados e atribuída uma indemnização nos termos do Código das Expropriações (consistindo o pedido principal e o pedido subsidiário em valores distintos consoante se entenda que o solo dos prédios em causa sejam classificados como aptos para construção ou para outros fins, mas assumindo sempre como premissa principal a expropriação total de ambos)” e não podendo “o Tribunal convolar os pedidos expressamente formulados pelos Recorrentes de expropriação total num pedido de reapreciação da decisão arbitral quando não foi isso o expressamente peticionado e quando nem sequer foram alegadas as concretas razões da discordância da não atribuição de qualquer indemnização na decisão arbitral proferida (ao contrário do alegado no requerimento datado de 09/05/2023 pelos Recorrentes), entendeu que “a pretensão dos Recorrentes não merece qualquer acolhimento, atenta a manifesta improcedência do pedido principal e subsidiário formulados, por falta de fundamento fáctico e legal”.
Terminou com o seguinte dispositivo:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, designadamente por falta de fundamento fáctico e legal, julgo improcedente o recurso apresentado.
Condeno os Recorrentes no pagamento das custas da presente ação.
Mantenho a fixação do valor da causa e a dispensa do pagamento final da taxa de justiça nos termos e pelos fundamentos exarados na sentença datada de 10/04/2021, que aqui dou integralmente por reproduzidos.
Registe e notifique”.
Inconformados com esta decisão, os expropriados dela interpuseram recurso e formularam, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“A) O pedido que é feito nos autos é muito simples e compreensível: pede-se a alteração da indemnização: “Vêm, nos termos dos artigos 42º do Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1960, 8º da Lei 2063, de 3 de Junho de 1953, e 38º nº 3 do Código das Expropriações, apresentar recurso de arbitragem”. Aliás,
B) O recurso de arbitragem é por si próprio o pedido de alteração da indemnização, tal como o divórcio se destina à separação dos conjugues e a impugnação pauliana à ineficácia de determinado negócio em relação ao credor, mesmo que se peçam mais umas miudezas nesses respectivos Processos;
C) Tal como os artigos invocados correspondem a esse pedido – alteração de indemnização…
D) Tal como no final, ou conclusão, se pede expressamente: “revogando-se a recorrida última peritagem, (…), deve a indemnização ser fixada nos seguintes termos”, sendo certo que tudo o que está entre vírgulas é uma oração subordinada, não a principal, ou seja, juntamente com a alteração da indemnização a que se destina este Processo, “ordenando-se a expropriação total, a qual aqui se requer e apenas mediante o pagamento do valor abaixo indicado”, ou seja, o valor total que consta do n.º 1 do pedido final, o qual não sendo possível, nessas condições pedidas, é então substituído pelo pedido principal e normal destes autos (indemnização);
E) O presente Recurso foi admitido por douto Despacho de 05.07.2019, pelo que essa questão ficou aí resolvida e ninguém dela recorreu; por Despachos de 26.09.2019 e de 17.10.2019, afirmou ter entendido os dois pedidos; sendo assim inadmissível a sua alteração, nos termos do art.º 672º do CPC (caso julgado formal);
F) Assim como este Venerando Tribunal da Relação, no seu douto Acórdão de 18.11.2021, ao mandar repetir a Perícia, aceitou plenamente o pedido feito;
G) A causa de pedir é a invasão do prédio dos Recorrentes por uma linha de altíssima tensão e o pedido é uma indemnização em dinheiro, para ressarcir a desvalorização devidamente alegada (impossibilidade de construir, desvalorização da produção e alto risco para a saúde pela existência das linhas no prédio), sendo que toda a construção jurídica nada tem a ver com isso, nem sujeito o Julgador;
H) Os factos locais são as linhas, sobejamente provadas, e os factos públicos e notórios são os seus malefícios, cuja prova é de conhecimento científico e foi invocada com os Acórdãos citados no Requerimento Inicial deste Recurso de Arbitragem);
I) Salvo melhor opinião, o instituto jurídico da expropriação total é aplicável às servidões administrativas, elas próprias consideradas “expropriações de sacrifício”, sempre que as razões sejam as mesmas que estão consagradas para as expropriações, nos termos dos art.º 8º n.º 3, e isso, diga-se, nem é contraditório com o conceito de servidão, do mesmo modo que a expropriação de uma parcela não é contraditória com a expropriação de outra que não se pretendia expropriar, pois que a servidão deixa de o ser quando pela inutilidade que gera ao prédio passa a ser uma integral ocupação em vez de uma mera serventia. É o que se tem entendido e bem, pela Jurisprudência, no caso das linhas de alta tensão (desde o Acórdão de 5 de Junho de 2001 do Tribunal da Relação do Porto até ao Acórdão de 16 de Novembro de 2010 do Tribunal da Relação de Lisboa - onde se inserem os referidos estudos, os quais estão publicados e são de conhecimento geral).
J) Foram assim violados, entre outros, os artigos 42º do Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1960, 8º da Lei 2063, de 3 de Junho de 1953, 8º n.º 3, 38 n.º 3, 55º e 58º do CE e 412º, 554º, 555º, 609º n.º 1 e 620º do CPC.
Nestes termos, e nos melhores de direito que este Venerando Tribunal doutamente suprirá, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser, a douta Sentença de que ora se recorre, revogada e, nos termos do art.º 665º n.º 2 do CPC, substituída por outra, a proferir por este Venerando Tribunal, a qual ao menos mantenha o já decidido na douta Sentença de 10.04.2021, uma vez que a única questão aí posta em causa por este Venerando Tribunal – confirmação da Perícia à data da declaração de expropriação - ficou sanada e confirmada”.
*
A expropriante E... apresentou as suas contra-alegações, com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“1. Sendo a entidade beneficiária da constituição da servidão administrativa a concessionária do transporte e distribuição de energia elétrica para a R, por contrato de concessão outorgado em respeito pela Resolução n.º…, publicada no Jornal Oficial, I Série, n.º…, em regime de serviço público, tem o direito de atravessar prédios com linhas aéreas e montar nestes os respetivos apoios;
2. De acordo com o art.º 51º nº 2 do DL 43335 de 19/11/60, a E…, tem o direito, a atravessar prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios, sempre que isso se mostre necessário ao cumprimento das suas funções. Daqui decorre que beneficia do direito de servidão administrativa - encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 1052);
3. Encontra resguardo no art.º 8º nº 3, do Código das Expropriações, que “à constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código, com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial”. Em matéria de constituição de servidões administrativas de linhas elétricas regem os DLs nº 172/2006, de 23.08, nº 29/2006, de 15.02, e nº 43335, de 19/11/60;
4. O artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19/11/1960, na redação em vigor resultante da Lei n.º 30/2006, de 11/07, dispõe o seguinte: “Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas elétricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”. Ou seja, ao contrário daquilo que entendem os recorrentes, não se trata de um processo de expropriação, mas de mera aplicação do regime do Código das Expropriações relativa à fixação do montante da indemnização a atribuir;
5. Entender-se o seu contrário e concluindo-se pela total desvalorização dos prédios e, concomitantemente, pela expropriação total, é, salvo o devido respeito, desprovido de qualquer fundamento jurídico, razão pela qual a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo manter-se nos seus precisos termos.
Vossas Excelências farão a habitual JUSTIÇA”.
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O recurso dos expropriados foi admitido, com efeito meramente devolutivo, nos termos dos art.ºs 38º, nº 1 e 3, 52º, nº 1 e 58º, todos do CE.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Objecto do recurso             
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões dos recorrentes – art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
- se podia o tribunal recorrido, nesta fase processual, conhecer da “manifesta improcedência do pedido principal e subsidiário formulados, por falta de fundamento fáctico e legal”;
- se o pedido formulado pelos expropriados no recurso de arbitragem no sentido de serem indemnizados pela desvalorização do seu prédio em 100%, no que toca a sua aptidão construtiva em caso de constituição de uma servidão pela instalação de linhas eléctricas de alta tensão e, subsidiariamente, na parte em que o prédio for classificado como solo apto para outros fins, indemnizados pelos prejuízos da cessação da actividade agrícola ali exercida, pode ser entendido com um pedido de expropriação total previsto no art.º 55º do CE, desprovido de qualquer fundamento jurídico, determinando a improcedência total da acção.
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III. Fundamentação de facto
Factos que resultam do processo a ser levados em consideração na decisão da causa:
A 11/6/2019, os expropriados interpuseram recurso da decisão arbitral relativa à indemnização pela constituição de servidão administrativa sobre o prédio de que são proprietários, nos seguintes termos:
“A... e mulher, B... (…) Vêm, nos termos dos artigos 42º do Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1960, 8º da Lei 2063, de 3 de Junho de 1953, e 38º nº 3 do Código das Expropriações, apresentar contra
1. R… (…)
2. E… (…)
RECURSO DE ARBITRAGEM, com os seguintes fundamentos:
Da expropriação

Os Recorrentes são donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito em…, composto pelos artigos matricias números… referida freguesia, com a área total de 43.440 m2, descrito com os números… da freguesia de…, na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca do Campo, conforme certidões já juntas ao Processo, propriedade que está assente e não foi posta em causa.

Foi instalado, neste prédio, pela E…, com intimação administrativa da D…, um ramal duplo de 60 kV (linha de electricidade de alta tensão), o qual, e contra a vontade dos proprietários, o atravessa mesmo a meio, no sentido norte/sul, ficando assim toda a área sujeita às respectivas radiações e, por consequência, toda a propriedade inutilizada (a correcta localização consta de diversos documentos, um dos quais constitui o Anexo III ao Relatório de Peritagem de 16.01.2018, assinado por todos os peritos).

Foi constituída arbitragem, da qual resultou a Decisão Arbitral de que ora se recorre.
Da decisão arbitral

Tendo presente que a parte A do Relatório são apenas esclarecimentos “jurídicos” (!) unipessoais do perito J…, a decisão arbitral/resposta ao quesito é apenas a parte B.

Tendo presente que o terceiro parágrafo dos únicos três dessa sintética decisão é apenas uma defesa da legalidade dos “fios da E…” em termos de distância do solo, legalidade que não foi posta em causa nem está aqui em discussão, resta-nos então dois parágrafos.

Dois parágrafos inócuos, diga-se, com todos o respeito, quase ingenuamente pueris. Ou talvez não,

Não sabem os senhores peritos qual é a questão de fundo?

Não foi o Sr. Perito J…. um dos que, a 26 de Março de 2018, na primeira parte da peritagem, por unanimidade, respondeu à mesma questão dizendo que “os peritos entendem por unanimidade que não têm formação ou conhecimentos suficientes para responder concretamente a este quesito, por não terem elementos que afiram as faixas afectadas pelo campo electromagnético das linhas de média tensão”?

Alta tensão, já agora, corrija-se: 60 Kv em ramal duplo…
10º
Pois é essa parte que os senhores peritos antes não dominavam, a questão dos efeitos electromagnéticos, a fundamental ao presente pedido de compensação, o que, diga-se, desta vez a Peritagem, em vez de continuar a confessar, legitimamente, a sua ignorância, optou por simplesmente ignorar a existência do que desconhece...
Os efeitos electromagnéticos
11º
Não está em causa quantas anoneiras o prédio dá a menos desde que lá tem as linhas de alta tensão, nem se as bananas ficam mais ou menos amarelas, mas sim qual o perigo para a saúde humana dessa existência no local. Ou seja,
12º
Estando ali aquelas linhas, podem ali ser construídas habitações?
13º
Estando ali aquelas linhas, as pessoas que têm de ali estar, a tratar da terra, da fruta e do mais que a terra dá, podem sofrer com aquela presença?
14º
Não faz, por isso, qualquer sentido a peritagem/decisão, salvo o devido respeito, pois qualquer pessoa de mediana cultura compreende que o problema dos fios de alta tensão não é o meio metro ocupado por cada barrote afincado no chão (18,51m2 + 18,93m2), nem os fios que pairam no ar (236m de extensão), nem o seu malefício se concretiza directa e magicamente em menos quilos de fruta…
15º
Felizmente que existem bastos estudos científicos feitos quanto a isso e abundante jurisprudência que o refere.
16º
Conforme é entendimento unânime da Jurisprudência, desde o Acórdão de 5 de Junho de 2001 do Tribunal da Relação do Porto até ao Acórdão de 16 de Novembro de 2010 do Tribunal da Relação de Lisboa (onde se indicam os referidos estudos), no caso de ocupação por fios de alta tensão, o valor a pagar é o valor de mercado do prédio, ou seja, a desvalorização do prédio é de 100%.
O valor da indemnização
Do solo apto para construção
17º
Pelas suas características, e nos termos da alínea a) do art.º 25º do Código de Expropriações, o terreno em causa é todo ele apto para construção: tem acesso rodoviário; é abastecido de água e de luz; está a 20 metros de um perímetro urbano; os prédios que lhe ficam a sul, a 20 metros, são urbanos; e, claro, está fora da reserva agrícola regional, tudo conforme documentos já juntos e 1ª parte da Peritagem realizada a 06 de Janeiro de 2018 e aprovada por unanimidade.
18º
O valor da parte que for considerada apta para construção é de 50,00€ o metro quadrado, conforme decisão unânime dos peritos enão contestada por nenhuma das partes.
19º
Quanto aos considerandos do perito J… sobre o PDM, pretensamente jurídicos, diga-se apenas, que é precisamente por estar no chamado espaço agrícola que foi necessário “peritar” as características envolventes que permitem ao prédio pertencer à categoria de apto para construção.
20º há
Em primeiro lugar porque mesmo as áreas condicionadas não estão impedidas de construir, pelo contrário, o art.º 25º n.º 4 do PDM é bem sugestivo em casas de moradia, armazéns, hotéis, aldeias turísticas…; em segundo lugar porque, conforme é bem visível no documento junto pelo Perito C… uma grande área (de pelo menos 6.500 m2 – fols. 791), correspondente à mancha branca, que não está sujeita a qualquer condicionante municipal; e em terceiro lugar porque tudo isto, ao contrário do terreno, que pode durar uns bons séculos, é bastante efémero, pois, pela sua localização, basta pedir uma alteração ao PDM e obviamente passa a urbano.
21º
Mais, e aqui se invoca, mesmo os terrenos para ecologia devem receber o mesmo que receberiam sem essa condicionante, nos termos dos artigos 25º e 26º n.º 12 do Código de Expropriações, aqui aplicáveis por analogia, conforme douto Ac. RC de 22.06.2004.
Do solo para outros fins
22º
De qualquer modo, caso se considere alguma parte do terreno como inapto para construção nos moldes jurídicos supra referidos, ou não abrangido pela supra referida analogia, aí terá de ser tida em conta não só o terreno como as suas plantações, as quais não foram contestadas pela parte contrária nem negadas por nenhum dos peritos, tudo conforme documentos já juntos aos autos.
Da actividade agrícola
23º
Nos termos do art.º 31º do Código das Expropriações, à indemnização supra referida, acresce a correspondente aos prejuízos de cessação inevitável da actividade agrícola do Requerente.
24º
Após o pagamento dessa indemnização, que permita comprar outro prédio e fazer nele as mesmas plantações, serão necessários três anos para o prédio começar a produzir bananas e cinco anos para produzir anonas, tudo conforme produções já juntas aos autos, as quais não foram negadas pela parte contrária nem pelos peritos.
Termos em que, revogando-se a recorrida última Peritagem, apenas dos peritos J… e D… (mantendo-se as anteriores, as quais foram aprovadas por unanimidade), ordenando-se a expropriação total, a qual aqui se requer e apenas mediante o pagamento do valor abaixo indicado, deve a indemnização ser fixada nos seguintes termos:
1. Sendo a área do terreno de 43.440 m2, todo o solo apto para construção (ou equivalente a este analogicamente pela remissão feita pelo art.º 26º n.º 12 do CE), e o valor de mercado fixado de 50,00€ por cada m2, deve a indemnização corresponder ao valor real de mercado de 2.172.000,00€;
2. Caso assim se não entenda:
a) ser ao menos fixada a dita indemnização de 50,00€ por cada m2 para os 6.500,00 m2 onde actualmente não existem quaisquer condicionantes municipais, o que perfaz a quantia de 325.000,00€;
b) a indemnização de 18,00€ para os 17.540 m2 de cultura de banana (foram retirados 3.260 por já estarem incluídos na alínea anterior), o que perfaz a quantia de 315.720,00€;
c) a indemnização de 25,00€ para os 8.220 m2 de cultura de anona, o que perfaz a quantia de 205.500,00€;
d) a indemnização de 3,00€ para os 11.920 m2 de lenhas e abrigos, o que perfaz a quantia de 29.760,00€;
e) a indemnização de 3,00€ para os 2.500 m2 de caminhos e acessos, o que perfaz a quantia de 7.500,00€;
f) O que soma a quantia de 883.480,00€;
g) A que acresce a perca de rendimentos do Requerente, durante três anos, na produção de bananas (20.800m2), 90 toneladas ao ano x 0,67€/Kg =60.300,00€ x 3 anos = 180.900,00€, e, durante cinco anos, na produção de anonas (8.220m2), 3 toneladas ao ano x 1,50€/Kg = 4.500,00€ x 5 anos =22.500,00€, o que perfaz a quantia de 203.400,00€;
h) O que tudo soma a quantia de 1.086.080,00€”.
O recurso da decisão arbitral foi admitido ao abrigo dos art.ºs 52º, 58º e 59º do Código de Expropriações, por despacho de 5/7/2019.
A expropriante apresentou as suas alegações, defendendo que “A indemnização na expropriação por utilidade pública deve ser calculada à luz das circunstâncias e condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública, tendo por fundamento a servidão administrativa e não a expropriação de qualquer prédio.
Pelo exposto, o recurso interposto carece de qualquer fundamento de facto ou de direito (…)”.
Na sequência destas alegações, a 24/9/2019, foi proferido o seguinte despacho:
Compulsados os autos vislumbra-se que, a fls 882 e ss, A... e B… (expropriados), apresentaram recurso de arbitragem, sendo que, de seguida, e para tanto convidada, a expropriante veio, nos termos e para efeitos do artigo 60.º, do Código das Expropriações, responder ao referido recurso, a fls 896 e ss.
Como já se referiu anteriormente, parece-nos que, nesta sede, nos encontramos perante a constituição de uma servidão administrativa e não perante uma expropriação. Não obstante, igualmente nesta fase em que nos encontramos, a saber, de recurso, entendemos igualmente que não deixam de ser aplicadas à mesma, ainda que subsidiariamente, as regras da expropriação, nos termos aliás do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código das Expropriações.
E, neste particular, quanto ao recurso da arbitragem propriamente dita, a conjugação das normas aplicáveis a este tipo de servidão, com o Código das Expropriações, levam-nos a entender o mesmo. Assim, vejamos:
Refira-se que, tendo aplicação nos autos o Decreto-Lei 43335, de 1960, estatui o seu artigo 42.º, que, das decisões proferidas pelos árbitros haverá sempre recurso, nos termos do artigo 8.º da Lei n.º 2063, de 3 de Junho de 1953. Ora, o artigo 8.º da Lei 2063, refere que, todas as decisões dos árbitros ou de outras entidades que fixem indemnizações em caso de expropriações por utilidade pública, incluindo as devidas pela constituição de servidões de interesse público sobre bens do domínio privado, admitem recurso para o juiz de direito da respetiva comarca, sem efeito suspensivo, nos termos do Decreto-Lei 37 758.
Desta feita, e à semelhança do estatuído atualmente no Código das Expropriações – cujo regime, entendemos, e bem, tem vindo a ser seguido na tramitação de todo este processo – refere o Decreto-Lei 37 758 (relativo à matéria das expropriações, como o seu preâmbulo indica), no seu artigo 27.º que, findo o prazo para a apresentação das respostas, seguir-se-ão imediatamente as diligências de instrução a que o juiz entenda devam ter lugar. E mais referindo o artigo 28.º, do mesmo Decreto-Lei, que proceder-se-á obrigatoriamente, neste processo, à inspeção judicial e à avaliação, que será sempre presidida pelo juiz.
Aqui chegados, acomodando o processo em análise ao regime em vigor nos dias de hoje, temos que, nos termos do artigo 61.º, do Código das Expropriações, “findo o prazo para a apresentação da resposta, seguem-se imediatamente as diligências instrutórias que o tribunal entenda úteis à decisão da causa”. E, mais se refere no n.º 2, do referido artigo, que entre as diligências a realizar, tem obrigatoriamente lugar a avaliação, a que o tribunal preside, cabendo-lhe fixar o respetivo prazo, não superior a 30 dias.
Neste sentido, veja-se, ainda, o Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 15/03/2018, alcançável em www.dgsi.pt, Relatora Ana Paula Portela, onde se refere que “não tendo a servidão de passagem aérea sido imposta como decorrência de um precedente acto expropriativo - nem tendo os AA lançado mão do procedimento arbitral previsto no art.º 37º do DL 43335 - de configuração essencialmente equiparável ao processo expropriativo, nomeadamente na fase de recurso da decisão arbitral (art.º 42° desse diploma legal)” – concluindo-se, pois, no que ao caso importa que, nas servidões, como a dos autos, está nas mãos das partes lançar mão do procedimento arbitral, como ocorreu, nos termos do Decreto- Lei 43 335, o qual é equiparável ao processo de expropriação, nomeadamente da fase de recurso da decisão arbitral, que é na qual nos encontramos ora.
Desta feita, cumpre realizar o meio de prova que a lei impõe que se realize, a saber, a avaliação”.
Depois de realizada a competente perícia, foi proferida sentença, a 10/4/2021, que julgou parcialmente procedente o recurso e fixou a indemnização devida aos expropriados no valor de €191.091,63, actualizada desde 12/7/12 até à decisão final, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor e julgou totalmente improcedente o pedido de expropriação total.
Os factos provados fixados na referida sentença, que não foram postos em causa pelas partes, são os seguintes:
“1- A E… é a concessionária do transporte e distribuição de energia elétrica para a R…, por contrato de concessão outorgado em respeito pela Resolução n.º, publicada no Jornal Oficial, I Série, n.º…, sendo que «A concessão é exercida em regime de serviço público, sendo as suas actividades consideradas para todos os efeitos de utilidade pública» (cfr. art.º 4.º do Contrato de Concessão);
2- Enquanto concessionária, a expropriante assumiu a obrigação de manter em bom estado de funcionamento, conservação e segurança os bens e meios afetos à concessão, efetuando, para tanto, reparações, renovações e adaptações necessárias ao bom desempenho do serviço concedido (cf. art.º 7.º, do contrato de concessão);
3- Nessa qualidade procedeu à execução dos trabalhos de construção do ramal duplo a 60 kV para a subestação de Vila Franca do Campo, freguesias de São Miguel e São Pedro, concelho de Vila Franca do Campo, na ilha de São Miguel, constituído por uma linha aérea, com 236 metros, apoiada em dois postes (um com a base de 4,62 m2 e outro com a base de 3,13 m2) colocados no prédio de A... e B....
4- A linha foi objeto de licenciamento em 12 de Julho de 2012 (processo n.º 30-2035/11 – 3093/F), pela D….
(…)”
A expropriante, inconformada com a decisão interpôs recurso de apelação, por entender, no essencial, que os prédios dos expropriados não tinham, à data da declaração de utilidade pública, em 12/7/12, possibilidade edificativa, pelo que a indemnização fixada incorre em erro manifesto na apreciação dos respectivos critérios legais.
Os expropriados contra-alegaram, peticionando também a alteração da decisão, pedindo a fixação de uma indemnização não inferior a €387.288,00.
Por acórdão proferido a 18/11/21, este Tribunal da Relação decidiu conceder provimento ao recurso e anular a decisão recorrida, ordenando a sua substituição por outra que determinasse a realização de nova perícia, por ter entendido: que a decisão em causa se fundou em perícia “da qual constitui pressuposto o potencial construtivo de parte do prédio objecto da servidão administrativa e causa. Mostra-se, todavia, assente que, à data da declaração de utilidade pública da constituição de tal servidão (…), não havia ainda ocorrido a aprovação do PDM (em 13/12/2013), do qual decorre o reconhecimento desse potencial construtivo”.
Realizada nova perícia, foi cumprido o disposto no art.º 64º do CE, tendo expropriante e expropriados apresentado as suas alegações.
A 23/4/23, foi proferido o seguinte despacho:
Melhor compulsados os autos, ainda que tenham chegado até esta fase, impõe-se dar o contraditório prévio aos Recorrentes quanto ao seguinte:
O artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19/11/1960, na redação em vigor resultante da Lei n.º 30/2006, de 11/07, dispõe o seguinte: “Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas elétricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”.
De acordo com o artigo 42.º do mesmo diploma legal, “Das decisões proferidas pelos árbitros haverá sempre recurso, nos termos do artigo 8.º da Lei n.º 2063, de 3 de Junho de 1953”.
Ora, no âmbito dos presentes autos, os Recorrentes apresentam “RECURSO DE ARBITRAGEM”, concluindo e peticionando o seguinte:
(…)
Isto é, os Recorrentes peticionam a expropriação total dos dois prédios aqui em causa e, consequentemente, na fixação de uma indemnização que seja apta a ressarci-los dos prejuízos por si sofridos, nos termos do Código das Expropriações.
De acordo com o artigo 609.º n.º 1 do Código de Processo Civil, “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” (sublinhado nosso), princípio do pedido que se aplica igualmente em sede de recurso das decisões arbitrais.
Ora, a possibilidade legal conferida aos proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas elétricas de recorrerem das decisões dos árbitros em sede de arbitragem tem em vista reapreciar os pressupostos que estiveram na base da fixação do valor da indemnização devida e não obter a expropriação total de prédios rústicos.
No caso concreto, os Recorrentes entendem que a desvalorização dos prédios é total, pelo que devem os mesmos ser totalmente expropriados e atribuída uma indemnização nos termos do Código das Expropriações (consistindo o pedido principal e o pedido subsidiário em valores distintos consoante se entenda que o solo dos prédios em causa sejam classificados como aptos para construção ou para outros fins, mas assumindo sempre como premissa principal a expropriação total de ambos).
Efetivamente, no que se refere à constituição de servidões administrativas, a sua constituição só dá lugar a indemnização, não se encontrando prevista a expropriação total dos imóveis objeto de servidão (aliás, o próprio conceito de servidão a exclui e com ele é incompatível).
Por conseguinte, ao abrigo do dever de gestão processual consagrado no artigo 6.º e do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, a fim de evitar a prolação de decisões-surpresa, notifique os Recorrentes para, querendo e no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem sobre o eventual indeferimento liminar do recurso interposto, atenta a manifesta improcedência do pedido principal e subsidiário formulados, por falta de fundamento fáctico e legal”.
Na sequência do referido despacho, vieram os expropriados, por requerimento de 9/5/2023, pronunciar-se da seguinte forma:
“1. À questão agora levantada já foi dado Despacho por este Tribunal a 17.10.2019;
2. À questão agora levantada não foi feito qualquer reparo pelo Tribunal da Relação;
3. A questão agora levantada, seja como for e salvo o devido respeito, não tem razão de ser;
4. O pedido é muito claro: pede-se uma indemnização;
“Termos em que, …, deve a indemnização ser fixada nos seguintes termos:”
5. Tudo o mais está entre vírgulas…
6. Previamente, entre vírgulas, é que se pede também “ordenando-se a expropriação total, a qual aqui se requer e apenas mediante o pagamento do valor abaixo indicado”;
7. E apenas, ou seja, só neste caso, ou seja, só se se entender decidir pagar o valor total, ou seja, só o valor que vai abaixo, ou seja, só o valor do ponto 1, ou seja toda a área a 50 m 2…
8. E se assim se não entender?
9. É indeferido o Processo por não haver mais pedido?
10. Claro que não,
11. Nesse caso, aí estão os valores parciais do ponto 2, subsidiariamente…“caso assim se não entenda”…
12. Pois que se se pagar apenas pela área de 6 500 m2, claro que não há expropriação total, ou seja,
13. A expropriação total é a área total…
14. Quanto à questão de saber se o nome está bem empregue, ou se deveria dizer-se antes uma indemnização pela área total em vez de expropriação total é discussão teórica que ao caso não importa pois que o Meritíssimo Juiz não está sujeito às definições jurídicas das partes;
15. Mesmo assim, e embora isso seja totalmente irrelevante, sempre se diga que está, em nossa modesta opinião, por analogia, correctissimamente expresso, pois que em perfeita sintonia com quanto determina o art.º 8º do Código de Expropriações, o qual manda aplicar as suas regras a todas as servidões administrativas;
16. Seja como for, o pedido é muito simples:
1º ou pagam o justo valor pedido e ficam com o terreno;
2º ou pagam apenas a indemnização arbitrada e mais umas miudezas pedidas e fica compensada a desvalorização do terreno;
17. É aquilo a que se chama um pedido subsidiário;
18. Cabendo ao Julgador escolher, pela ordem pedida, qual o aplicável;
19. Sendo que em qualquer caso a condenação será sempre igual ou inferior ao pedido, pois acima do pagamento total mais nada existe, logo tudo o que vier, vem abaixo do pedido…
20. E quanto menos abaixo do pedido vier pois, para os Recorrentes, tanto melhor.
Termos em que, volvidos 8 anos sobre o pedido de arbitragem feito junto da Secretaria Regional e volvidos 6 anos sobre a sua entrada neste Tribunal, se roga douta decisão final”.
De seguida, foi proferido a decisão sob recurso.
*
IV. Fundamentação de Direito
Perante o quadro factual que se nos apresenta, cabe apreciar se a decisão em crise se deve ou não manter.
1- Em primeiro lugar, e quanto à primeira questão enunciada no objecto da causa, cumpre referir que o tribunal, por despacho de 23/4/23, decidiu abordar a questão de um eventual “indeferimento liminar do recurso interposto, atenta a manifesta improcedência do pedido principal e subsidiário formulados, por falta de fundamento fáctico e legal”, convidando os recorrentes a pronunciar-se ao abrigo do disposto no nº 3 do art.º 3º do CPC.
Ora, esta possibilidade concedida ao juiz, ao abrigo do disposto no art.º 590º, nº 1 do CPC, já há muito estava ultrapassada, uma vez que por despacho de 5/7/2019, já tinha sido admitido o recurso da decisão arbitral ao abrigo dos arts.52º, 58º e 59º do Código de Expropriações.
Note-se que, entretanto, foi ainda proferido o despacho de 24/9/2019, que entendeu estar em causa nos autos a constituição de uma servidão administrativa, referindo, “não obstante, igualmente nesta fase em que nos encontramos, a saber, de recurso, entendemos igualmente que não deixam de ser aplicadas à mesma, ainda que subsidiariamente, as regras da expropriação, nos termos aliás do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código das Expropriações.(…) Desta feita, e à semelhança do estatuído atualmente no Código das Expropriações – cujo regime, entendemos, e bem, tem vindo a ser seguido na tramitação de todo este processo – refere o Decreto-Lei 37 758 (relativo à matéria das expropriações, como o seu preâmbulo indica), no seu artigo 27.º que, findo o prazo para a apresentação das respostas, seguir-se-ão imediatamente as diligências de instrução a que o juiz entenda devam ter lugar. E mais referindo o artigo 28.º, do mesmo Decreto-Lei, que proceder-se-á obrigatoriamente, neste processo, à inspeção judicial e à avaliação, que será sempre presidida pelo juiz”.
Depois de admitido o recurso de arbitragem, realizadas duas avaliações, proferida uma sentença, alegações de recurso e um acórdão em que a questão agora levantada pelo tribunal recorrido não é de forma alguma suscitada (o acórdão da RL de Lisboa proferido nestes autos a 18/11/21, dando provimento ao recurso da entidade expropriante apenas ordenou a realização de nova perícia levando-se em consideração o PDM existente à data da declaração de utilidade da constituição da servidão), a decisão recorrida revela-se absolutamente “extemporânea”.
Ou seja, a fase processual para a apreciação liminar em causa “atenta a manifesta improcedência do pedido principal e subsidiário formulados, por falta de fundamento fáctico e legal”, não só estava ultrapassada, como esgotado o poder jurisdicional quanto à questão que veio a ser apreciada pelo tribunal recorrido, nos seus fundamentos, por “manifesta improcedência do pedido principal e subsidiário formulados, por falta de fundamento fáctico e legal”.
2- De qualquer forma, uma vez que no dispositivo da decisão recorrida se escreveu:“Nos termos e pelos fundamentos expostos, designadamente por falta de fundamento fáctico e legal, julgo improcedente o recurso apresentado(sublinhado nosso), subentendendo-se que, no final, acaba por proferir uma decisão de mérito quanto ao pedido de expropriação total (atenta a sua fundamentação), há que apreciar a 2ª questão enunciada como objecto do processo.
O tribunal recorrido entendeu que os recorrentes pedem a expropriação total dos dois prédios de que são proprietários, por entenderem que a sua desvalorização é total, e a fixação de uma indemnização apta a indemnizá-los dos prejuízos sofridos. Chega a essa conclusão com base no pedido formulado na parte final do “recurso de arbitragem”, defendendo que o tribunal não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. Por outro lado, entende que, em relação à constituição de servidões administrativas, a sua constituição só dá lugar a indemnização, não se encontrando prevista a expropriação total dos imóveis objecto de servidão. Por fim, sustenta a decisão recorrida que os expropriados se focaram apenas na alegada desvalorização do terreno em 100%, não apresentando as concretas razões da discordância da decisão arbitral.
Adiantamos desde já que não podemos concordar com a conclusão a que chega o Sr. Juiz a quo.
O pedido de expropriação total está previsto no art.º 55º do CE (doravante CE) que, no seu nº 1 prescreve “Dentro do prazo do recurso da decisão arbitral podem os interessados requerer a expropriação total, nos termos do nº 2 do art.º 3º”. E, segundo o nº 2 deste artigo, “Quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total: a) se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio; b) se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente”.
Tal pedido segue a tramitação prevista nos seguintes números do art.º 55º do CE.
Em 11/6/2019, os expropriados apresentaram, efectivamente, um recurso contra a decisão arbitral, nos termos do disposto nos art.ºs 52º e ss do CE.
Aí defendem que o “malefício” dos efeitos electromagnéticos decorrente da instalação das linhas de alta tensão da expropriante nos seus terrenos, desvaloriza os mesmos, não só considerando a sua potencialidade de terrenos aptos para construção, mas também pelo potencial risco para a saúde das pessoas que cuidam dos prédios. Aliás, citam jurisprudência no sentido que no caso de ocupação por fios de alta tensão, o valor a pagar é o valor de mercado do prédio, ou seja, a desvalorização do prédio é de 100% no que toca à sua aptidão construtiva. É a partir destes considerandos que defendem um determinado valor de indemnização no caso de o solo ser considerado apto para a construção ou no caso de o solo ser considerado, em alguma parte, solo apto para outros fins, tendo-se, ainda, em conta as suas plantações e o prejuízo decorrente da “cessação inevitável da actividade agrícola”.
Quanto ao pedido apresentado na parte final do recurso da arbitragem, apesar de ser infeliz a sua redacção, pois ali se diz que deve ser ordenada a “expropriação total, a qual aqui se requer e apenas mediante o pagamento do valor abaixo indicado”, os expropriados subdividem o pedido em dois itens, reconduzindo-se o ponto 1, a toda a área do terreno (43.440 m2), como solo apto para construção, devendo a indemnização corresponder ao valor de mercado (com fundamento, como vimos, na desvalorização da sua aptidão construtiva em 100%), e o ponto 2 (“caso assim não se entenda”), por sua vez, subdividido em várias alíneas: a al. a) para a área de 6.500 m2 onde não existem condicionantes municipais e, entre as als. b) e d), para a indemnização de parte do terreno onde se situam culturas de frutos, lenhas e abrigos, sendo a al. e) para indemnização por caminhos e acessos e, a g), pela perda de rendimentos dos expropriados com a produção dos frutos durante três anos. Ou seja, claramente que o ponto número 2 se apresenta como um pedido subsidiário para o pedido formulado no ponto 1, que reveste a aparência de um pedido de expropriação total.
Ora, de acordo com o art.º 51º nº 2 do DL 43335 de 19/11/60, a expropriante, concessionária do transporte e distribuição de energia eléctrica para a R…, tem o direito, atravessar prédios particulares e proceder, como procedeu, à execução dos trabalhos de construção do ramal duplo a 60 kV para a subestação de Vila Franca do Campo, freguesias de São Miguel e São Pedro, na ilha de São Miguel, constituído por uma linha aérea, com 236 metros, apoiada em dois postes colocados no prédio dos expropriados, tendo obtido a necessária licença em …. A expropriante E... beneficia do direito de servidão administrativa - encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 1052).
O art.º 37º do referido Decreto-Lei nº 43335 prevê que os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas “serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”. Ou seja, esta disposição menciona qualquer tipo de prejuízos decorrentes da instalação das referidas linhas, sejam eles directos ou indirectos ou aqueles que resultem da diminuição de rendimento. Como referido no Ac. do STJ de 3/7/2014, disponível in www.dgsi.pt, “o citado art.º 37º do Decreto-Lei nº43335 de 19 de Novembro de 1960, ao prever quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas quis estabelecer um direito indemnizatório geral decorrente não só do facto de existirem prejuízos diretos advindos do acto de construção mas de todos os prejuízos atuais ou futuros decorrentes de uma diminuição do valor do imóvel pela construção ou passagem de linhas, in casu, de alta tensão”.
A constituição de uma servidão tem um efeito equivalente à expropriação, sempre que os danos decorrentes dessa constituição possam ser considerados impeditivos ou limitativos da plena utilização do bem serviente ou anulem totalmente o seu valor. Aliás, de acordo com o art.º 8º, nº 3 do CE, “à constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código, com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial”. Significa isto que, como regra geral, a indemnização pelas servidões administrativas é calculada de acordo com as normas respeitantes à indemnização por expropriação, ressalvando-se o disposto na existência de legislação especial, como é o caso do DL 43335 de 19/11/60 (e o seu art.º 37º já mencionado).
Tendo em conta estas considerações de direito, perante o defendido pelos expropriados no seu recurso de arbitragem e as avaliações efectuadas nos autos (a última das quais ordenada por este Tribunal da Relação com vista à determinação do montante indemnizatório), pensamos que o tribunal estava, pois, em condições de determinar o montante indemnizatório devido aos expropriados.
*
V. Decisão
Perante o exposto, decide-se julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por sentença que determine o montante indemnizatório devido aos expropriados.
Custas da apelação pela recorrida.

Lisboa, 7/3/2024
Carla Figueiredo
Rui Manuel Pinheiro de Oliveira
Maria do Céu Silva