Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4731/19.3T8FNC-A.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ALTERAÇÃO AO ROL DE TESTEMUNHAS
NOTIFICAÇÃO À PARTE CONTRÁRIA
SIGILO PROFISSIONAL DE ADVOGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. No âmbito da faculdade de aditamento ou alteração do rol de testemunhas conferido pelo art.º 598º nº 2 do Código de Processo Civil, o início do prazo para a parte contrária poder usar de igual faculdade não pode entender-se como sendo a notificação feita entre mandatários, pois nessa data a prova não foi ainda admitida e o direito ao aditamento ou alteração não se constituiu ainda.
II. Logo, de acordo com o princípio de que as regras processuais devem ser interpretadas de molde a assegurarem a melhor tutela judicial e a igualdade das partes não nos parece colher o argumento que o direito da contraparte nasça com o mero requerimento de alteração, pois esta só é válida e eficaz a partir do momento da aceitação pelo Tribunal.
III. Apenas estão abrangidos pelo sigilo profissional os actos que se reportam a assuntos profissionais que o advogado tomou conhecimento, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste, ou, ainda, no âmbito de negociações que visem pôr termo ao litígio, tenham essas negociações obtido o almejado acordo de interesses (judicial ou extrajudicial) ou não tenham obtido esse acordo (negociações malogradas), pois que o princípio da confiança, essencial e imprescindível ao exercício dessa função, exige confidencialidade relativamente aos factos e informações reveladas pelo seu cliente e que, não fora essa garantia, o mesmo não os revelaria a mais ninguém.
 (Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
J…, RS, JS… e V… propuseram acção declarativa de condenação com processo comum contra R… e M…, pedindo que: a) Seja declarado que os autores são os donos e os legítimos proprietários do prédio referido e identificado no artigo 1º da petição inicial; b) Sejam os réus condenados no reconhecimento da declaração constante da alínea anterior; c) Seja declarado que os réus são os donos actuais do prédio referido e identificado no artigo 19º da petição inicial; d) Seja declarado que o prédio dos autores confina com o prédio dos réus e vice-versa (parte norte e leste do prédio dos autores, com a parte sul e oeste do prédio dos réus); e) Seja declarado que os autores têm o direito a ver demarcado o prédio de que são proprietários, identificado no artigo 1º da petição inicial; f) Seja declarado que os autores e os réus não se entendem sobre a linha divisória entre os dois prédios, acima identificados, pertencentes, respectivamente, aos demandantes e aos demandados; g) Seja a linha divisória entre o prédio dos autores e o prédio dos réus, delimitada e definida em conformidade com o desenho/planta anexo à escritura de compra dos demandantes, ordenando o tribunal a colocação de marcos no terreno /no local; h) Seja a colocação dos marcos no terreno, feita pelos técnico do Instituto Geográfico e Cadastral do Funchal, ou, se assim não for entendido, por três engenheiros, indicando cada uma das partes um perito e o terceiro, a ser indicado pelo tribunal, sendo essa diligência presidida pelo juiz titular destes autos; i) Caso a proposta de delimitação apresentada pelos autores não for aceite pelos réus, nem dada como provada por este tribunal, seja a linha delimitadora entre os dois imóveis, definida, de acordo com a prova que vier a ser produzida, em sede da audiência de discussão e julgamento; j) Sejam os réus ser condenados no pagamento de uma sanção pecuniária de valor nunca inferior a duzentos e cinquenta euros, por cada dia que violem a sentença, que vier a ser proferida nestes autos.
Regularmente citados, contestaram os réus.
Responderam os autores, no essencial, mantendo e desenvolvendo o alegado na petição inicial.
Foi homologada a desistência do pedido deduzido pelos autores sob a alínea H), tendo-se declarado, nesta parte, extinta a instância.
Dispensada a realização da audiência prévia, procedeu-se à prolação do despacho saneador, bem como à prolação de despacho que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova.
Procedeu-se, ainda, à admissão dos meios de prova apresentados pelas partes.
Após decisão quanto às reclamações deduzidas relativamente ao despacho que enunciou os temas de prova e apresentação de relatório pericial, por despacho proferido a 19/05/2023, foi designada para audiência final o dia 11/10/2023.
Com data de 20/09/2023 vieram os réus, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 598º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aditar testemunhas ao rol. Tal requerimento foi notificado ao mandatário dos AA. nos termos do art.º 221º do CPC
Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho: “Admite-se o aditamento ao rol de testemunhas, sendo as testemunhas aditadas a apresentar (artigo 598º do Código de Processo Civil)”. Tal despacho foi proferido a 27/09/2023 e notificado às partes, ou seja, igualmente aos AA., a 28/09/2023.
Com data de 8/10/2023, vieram os AA. apresentar o seguinte requerimento: “Os Autores tomaram conhecimento no dia de hoje, que a testemunha JN… faleceu há pouco tempo, enquanto que a testemunha Eng. D… passou, entretanto, a viver na cidade de Lisboa, encontrando-se neste momento internado no Hospital, em situação de saúde muito crítica.
Face ao exposto, os requerentes pretendem substituir as duas identificadas testemunhas, pelas seguintes novas testemunhas: (…)
Mesmo que os Autores não pudessem substituir as identificadas testemunhas, que podem, teriam sempre a faculdade de apresentar novas testemunhas até ao dia 09/10/23, nos termos da parte final do nº 2 do artigo 598º do CPC.
Face ao exposto, rogam os requerentes a Vª Exª se digne admitir a requerida substituição das mencionadas testemunhas, ou se assim não for entendido, admitir a sua junção aos autos nos termos da parte final do nº 2 do artigo 598º do CPC., tudo com as legais consequências.”.
Entendeu-se decidir tal requerimento em audiência, pelo que na primeira sessão de julgamento, aos 11 dias do mês de outubro do ano 2023, foi dada a palavra ao mandatário dos réus para se pronunciar sobre o requerimento de 8/10, que se pronunciou da seguinte forma: “Os Autores vieram requerer a alteração do rol de testemunhas ao abrigo do disposto no artigo 592º, nº.2 do C.P.C.
Conforme resulta dessa norma, a alteração do rol de testemunhas por uma das partes confere à outra parte o prazo de 5 dias alterar também o seu rol de testemunhas. Os Autores, no entender dos Réus, ultrapassaram largamente esse prazo de 5 dias e, como tal, entendemos que deverá ser indeferido.
Ainda que assim não se entenda, os Autores não demonstraram no requerimento a alegada impossibilidade das testemunhas inicialmente indicadas essa tal impossibilidade de comparecer no julgamento, pelo que deve ser indeferido.”.
Os AA. também se pronunciarem da seguinte forma: “Os 5 dias dados à parte contrária, para usar de uma faculdade idêntica aquela que apresentou o novo rol de testemunha, contam-se a partir da notificação que admitiu o aditamento desse rol de testemunhas. Assim sendo, os Réus apresentaram estas duas novas testemunhas, no prazo de 5 dias, a partir da notificação do douto despacho que admitiu o aditamento ao rol de testemunhas, pelo que o mesmo se mostra em prazo.
Em segundo lugar, sempre se dirá que se for necessário, os Autores estão disponíveis para juntar certidão de óbito de JN… e o comprovativo de doença do Sr. Eng. D… que se encontra internado no hospital de Lisboa.”.
De seguida foi proferido o seguinte despacho:” A alteração do aditamento foi admitida por despacho de fls. 286 e foi notificado aos Autores a 28/09/2023.
Os Autores referem, além do mais, que vêm substituir as testemunhas também com base no disposto no artigo 598º nº 2 parte final, isto é, fazendo uso da faculdade de
também alterar o rol de testemunhas no prazo de 5 dias. Este prazo foi respeitado. Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações admite-se a requerida substituição, sendo que as testemunhas substitutas estão presentes e serão ouvidas no lugar das testemunhas substituídas.”
No mesmo dia, mas no âmbito da 2ª sessão de julgamento, foi inquirida a testemunha N…, que se identificou como advogada e aos costumes declarou ser funcionária da empresa J… S.A., sendo que o Autor J… exerce as funções de Presidente do Conselho de Administração da referida empresa.
Relativamente a tal testemunha os réus vieram requerer que o depoimento da mesma fosse declarado nulo, por entenderem que “do decurso do seu depoimento, verificou-se que a mesma teve conhecimento da matéria dos autos no exercício das funções enquanto advogada, assim contratada pelo Sr. J…, Autor neste processo” e não ter a mesma ou o A. apresentado “qualquer decisão final sobre a dispensa do sigilo profissional, sobre os factos que a Dra. N… veio depor”.
Os AA. pronunciaram-se no sentido do indeferimento, dizendo que a “testemunha é jurista na empresa J…, S.A., podendo exercer a actividade de Advogada. A Sra. testemunha é funcionária remunerada mensalmente pela empresa J…, S.A. A Sra. testemunha nunca foi mandatada através de procuração para representar em Tribunal ou em qualquer repartição pública os interesses da empresa J... S.A. a propósito do assunto aqui em discussão. Assim sendo, é por demais evidente que a Sra. testemunha nunca exerceu a função de advogada no âmbito desta matéria. Alias, as consultas que foram feitas à Sra. Testemunha, foram feitas a outras pessoas com conhecimentos em termos de desenho e que nada tem a ver com advocacia propriamente dita. Assim sendo, é por demais evidente que a testemunha pode ser inquirida neste tribunal. Se, porém, assim não for entendido, então o caminho a seguir, terá de ser o de fixar um prazo à Sra. testemunha para junto da Ordem dos Advogados, esclarecer se está ou não obrigada ao sigilo profissional e, no caso de estar, obter a competente autorização para depor, ou seja, o requerimento feito pelo Autores nunca e em caso algum poderá ser admitido.”.
No seguimento foi proferido o seguinte despacho: “A testemunha em causa identificou-se como sendo advogada, porém e antes, referiu se funcionária de uma empresa de que o Autor J… é administrador, desde julho de 2002.
No decurso do respectivo depoimento esclareceu a testemunha que na sequência da e questão que o Sr. J… lhe colocou, fez análise de documentos e respondeu a
pergunta do Sr. J.... Nunca foi referido que alguma vez foi mandatada ou contratada ou advogada no sentido de prestar estes serviços na qualidade de advogada do Sr. J.... Sempre ao longo do respectivo depoimento e mesmo antes, quando se referiu aos prédios em causa e aos artigos matriciais do prédio em causa, se reportou a testemunha à qualidade de funcionária do Sr. J.... Não consta dos autos qualquer elemento que nos permita concluir que estes serviços tenham sido prestados na qualidade de advogada do Sr. J…. Pelo exposto, indefere-se a arguição de nulidade.”
Inconformado com tais despachos vieram os RR. recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objecto os Despachos interlocutórios proferidos oralmente pela Mmª Juiz a quo durante a realização da Audiência de Julgamento do dia 11/10/2023, 1º sessão e 2º sessão:
(i) Do Despacho que admitiu a substituição de testemunhas arroladas dos Autores – proferido oralmente em Audiência de Julgamento gravado no sistema H@bilus Média Studio consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10h45min e o seu termo pelas 10h56min e constado em Acta com a Ref.ª Citius 54206808 –, bem como (ii) Do Despacho que indeferiu o incidente de impugnação deduzido quanto à inquirição da Testemunha N... arrolada pelos Autores – proferido oralmente em Audiência de Julgamento gravado no sistema H@bilus Média Studio consignando-se que o seu início ocorreu pelas 17h01min e o seu termo pelas 17h04min e constado em Ata com a Ref.ª Citius 54208843
B. No nosso entendimento o Tribunal a quo decidiu erradamente as questões suscitadas, pelo que salvo o devido respeito, que é muito, não pode deixar de se discordar integralmente das decisões refletidas nos Despachos ora sindicados.
C. Quanto ao Despacho que admitiu a substituição de Testemunhas dos Recorridos/Autores, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo concluiu, erradamente, que a contagem do prazo de cinco dias, estabelecido na parte final do n.º 2 do artigo 598º do CPC, inicia-se a partir da notificação do despacho que admitiu o aditamento ao Rol de testemunhas dos Recorrentes.
D. Os Recorrentes/Réus no seu requerimento de 20/09/2023 - ref.ª citius 46555957 –não requereram a admissão do aditamento ao seu rol de testemunhas. Os Recorrentes/Réus procederam ao aditamento propriamente dito, em conformidade com o disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 598º do CPC. Simultaneamente, procederam à notificação via citius do mandatário dos Recorridos/Autores.
E. Assim, tendo em conta os 3 dias de presunção legal de receção da notificação, nos termos previstos no artigo 255º do CPC, considera-se notificado no dia 25 de setembro (25/09/2023). Com a contagem do prazo de 5 dias legalmente estabelecido (n.º 2 do art.º 598º do CPC), conclui-se que os Recorridos podiam alterar o seu Rol de testemunhas até ao dia 02 de outubro (02/10/2023). Portanto, o requerimento dos Recorridos apresentado a 08 de outubro de 2023 (08/10/2023), a alterar o seu Rol de Testemunhas, é extemporâneo e, nessa medida, não pode ser admitida a referida alteração.
F. Por outro lado, quanto à substituição de testemunhas sempre se dirá que os Recorridos no seu requerimento de 08/10/2023 – ref.ª citius 46724184 – requereram igualmente a substituição das testemunhas Eng. D..., porque alegadamente encontra-se hospitalizado, e da testemunha JN..., porque alegadamente faleceu recentemente. Os Recorridos/Autores requereram a substituição dessas testemunhas por outras testemunhas: Eng. J… e P…
G. Ora, Os Recorridos não lograram demonstrar o motivo justificativo das testemunhas, inicialmente arroladas, se encontrarem impossibilitadas de serem inquiridas. Limitaram-se a indicar, a alegar, o motivo, sem demonstrar o mesmo, ou seja, sem fazer prova da impossibilidade de comparência das testemunhas. O que deveria ter sido feito, por exemplo, por prova documental.
H. Para além do mais, segundo a inquirição da Sra. Testemunha N…, aparentemente o Sr. JN… faleceu há cerca de seis anos, por volta de 2018, ou seja, antes sequer de os Recorridos/Autores intentarem a presente acção judicial. (Minutos 00:08:03 a 00:09:04 do Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731- 19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _Testemunha N…)
I. A substituição de testemunhas requerida é inadmissível, e como tal não podia ser admitida pelo Tribunal a quo pelo que deve ser revogado o referido despacho, e consequentemente o Tribunal a quo não poderá ter em consideração para efeitos de apreciação da prova produzida, bem como da decisão sobre o mérito da causa, as inquirições das testemunhas Eng. JR… e Sr. P…, devendo ser desentranhado do processo as respectivas gravações áudio.
J. Quanto ao Despacho que indeferiu a impugnação da inquirição da testemunha N…, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo não teve em devida consideração toda a inquirição da Testemunha. E como tal, entendem os Recorrentes que a testemunha, enquanto Advogada, violou o sigilo profissional ao revelar os factos perante os quais foi inquirida.
K. Aos costumes a Sra. Testemunha afirmou ser advogada, trabalhar para a empresa J... SA., que só nesse âmbito é que conhece o Sr. J…; e igualmente quanto aos filhos, ou seja, demais Recorridos/Autores. (Minutos 00:00:05 a 00:01:23) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N….
L. No entanto, como nos revela a inquirição, a Testemunha quando perguntada: A Sra. Dra. tem conhecimento, trabalha na empresa, tem conhecimento que há um pequeno conflito por causa de um prédio de mil metros na estrada dos marmeleiros.
Respondeu afirmativamente. Que tinha conhecimento. (Minuto 00:01:48 a 00:06:00) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _
Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N....
M. Quando confrontada com a planta cadastral responde com conhecimento da situação jurídica, assinalando pormenores estritamente jurídicos e inclusivamente afirma que viu e consultou escrituras públicas de compra e venda. Inclusive, refere detalhes quanto às áreas dos prédios em causa, as datas de compras e vendas dos prédios, o objetivo do arredondamento quanto à compra do porção terreno. (Minuto 00:01:48 a 00:06:00) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N...
N. Explicou qual a motivação do Recorrido/Autor quanto à compra do porção de terreno com mil metros para arredondamento ao prédio limítrofe, artigo 7. Nesse âmbito explicou com um extraordinário detalhe todo o desenvolvimento e mutações do prédio identificado como artigo 7. Referindo que o mesmo foi dividido em dois prédios identificados como artigo 28 e artigo 29. Sabe que o artigo 29 foi vendido pelo Recorrido, e sabe quem o adquiriu. (Minuto 00:01:48 a 00:06:00) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N...
O. Afirmou várias vezes ao longo da sua inquirição que o prédio, a porção de terreno com mil metros encontra-se registado, e como tal, acrescenta, que o Sr. J... tem legitimidade, que é o proprietário. E que desde que entrou para a empresa em 2002 nunca se levantou qualquer situação quanto à propriedade e a localização do prédio. (Minuto 00:06:00 a 00:07:50) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N…
P. Sabe que o Sr. JN… (sobrinho do A. J…), foi testemunha num processo-crime relativamente ao prédio em causa nos autos porque o acompanhou no Ministério Público (!). E que nesse âmbito o Sr. JN… explicou quais os trâmites da utilização dos prédios. (Minuto 00:07:50 a 00:12:45) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N…
Q. Afirma que quem tinha as chaves do portão de ferro do terreno era o Senhor J..., uma vez que este, alegadamente, deixava todas as chaves das suas propriedades numa gaveta no escritório (referindo-se ao escritório da empresa J..., SA sito na Estrada …). Inclusive, em detalhe, diz que o Recorrido/Autor J... tem ashaves com etiqueta coloridas e que põe as chaves na etiqueta. (Minuto 00:12:45 a 00:17:52) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _Testemunha N....
R. Disse que lhe foi transmitido pelo Sr. J... que a porção de terreno de mil metros estava devidamente demarcado. E refere que o Recorrido/Autor J... tinha no terreno árvores plantadas, assim como noutros terrenos da propriedade do Sr. J.... (Minuto 00:21:31 a 00:27:11) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N…
S. Descreveu com minúcia a penhora que foi inscrita sobre o prédio. Referindo que o Sr. J... era Avalista da empresa J... SA e que foi movida uma execução pela empresa J.N… SA contra o avalista, o Recorrido/Autor J.... Que nesse âmbito o prédio em questão foi penhorado assim como outros prédios do Sr. J.... E conclui dizendo que a situação foi resolvida. (Minuto 00:21:31 a 00:27:11) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N…
T. Descreve uma conversa que assistiu entre o Autor J... e o Recorrente/Réu R…, este último representado por um advogado. (Minuto 00:21:31 a 00:27:11) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N….
U. Afirmou ainda, já em fase final da sua inquirição, que tem acesso “às escrituras do Sr. J…”; que lhe foi pedido pelo Sr. J... (Recorrido/Autor) para analisar a situação sobre o prédio em causa e que a mesma lhe respondeu. Afirmando que o fez no exercício da advocacia. (Minuto 00:37:23 a 00:40:33) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N....
V. Quando perguntada se trabalha como advogada da empresa respondeu que “eu faço de tudo um pouco”. E questionada se o fazia para o Sr. J... (Recorrido/Autor) também, respondeu afirmativamente: “Para o Sr. J... também. (Minuto 00:37:23 a 00:40:33) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N....
W. Em face do supra exposto, é evidente que a Sra. Testemunha, teve conhecimento das matérias nos autos porque não era advogada exclusivamente da empresa J... SA. Também o era do Recorrido/Autor J....
X. Pois se assim não fosse, como é que se poderia explicar que a testemunha demonstrasse um conhecimento profundo da matéria dos autos? Se a testemunha, aos costumes, e durante a sua inquirição, responde que trabalhava como advogada para empresa J... SA, como é que poderia demonstrar conhecimento profundo e com tamanho detalhe sobre uma questão do foro pessoal do accionista maioritário e presidente do conselho de administração da empresa J... SA, o Recorrido/Autor J...?
Y. É aliás a própria testemunha que o afirma. Quando refere que também trabalhava para o Sr. J... e que foi pedido para analisar a questão controvertida. (Minuto 00:37:23 a 00:40:33) Ficheiro áudio “Diligencia _ 4731-19.3T8FNC _ 2023-10-11 _ 16-14-16” Início 16:14 _ Fim 16:55 _ Duração 00:40:51 _ Testemunha N....
Z. Nos termos do disposto no n.º 1, 2, 3, 4 e 5 do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro, na sua versão actualizada, em aplicação ao caso sub judice resulta que os factos perante os quais a Sra. Testemunha foi inquirida, resultou do conhecimento que obteve dos (i) assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste, bem como (ii) os que foram transmitidos pela parte contrária na reunião que esteve presente com o Recorrido/Autor e com o Recorrente/Réu R...(minuto 00:24:47 a 00:25:52 da inquirição_Diligência_4731-19.3T8FNC_2023-10-11_16-14-16_Inquirição da Testemunha Dra. N…)
AA. Bem como os documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo, ou seja, todos os documentos que foram referidos pela Sra. Testemunha em sede de inquirição, bem como toda a matéria factual sobre a localização das chaves do portão da porção de terreno, estão naturalmente abrangidos pelo Sigilo Profissional.
BB. Resulta da inquirição que a Sra. Testemunha, advogada, sobre os factos inquiridos, obteve conhecimento dos mesmos a partir do exercício das suas funções enquanto advogada do Sr. J... (Autor/Recorrido). Nessa medida, a inquirição em causa padece de nulidade nos termos do artigo 195º do CPC, uma vez que a divulgação de factos abrangidos pelo sigilo profissional sem a prévia autorização do presidente do conselho regional respectivo configura uma omissão de uma formalidade que a lei prescreve (art.º 92º n.º 4 do EOA) e que a mesma declara como nulidade.
CC. A inquirição não pode ser renovada pois já se encontra expirado o prazo dentro do qual devia ser praticado, nos termos do artigo 202º do Código de Processo Civil.
DD. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º1178/21.5T8FNC.L1-6, Relator Teresa Pardal, de 30-03-2023. Disponível em www.dgsi.pt: “2- A prova referida é proibida e nula, não sendo esta nulidade uma nulidade secundária inominada prevista no artigo 199º do CPC e sanada pela não arguição no momento em que se verificou, podendo ser invocada em sede de recurso.”
EE. Assim, deve ser revogado o Despacho recorrido e consequentemente não ser admitida a inquirição da Sra. Testemunha N…, porque está mais que visto que a mesma obteve conhecimento dos factos do exercício das funções cometidas e que as divulgou em sede de audiência de julgamento em total e absoluta violação do sigilo profissional sem a prévia autorização das entidades competentes.».
Pugnam pela revogação dos despachos objecto de recurso, devendo considerar-se inadmissível a substituição das testemunhas, bem como não dever ser considerado o depoimento da testemunha, face à nulidade do mesmo.
Os AA. contra alegaram, defendendo a improcedência do recurso e ampliaram o recurso no que diz respeito ao aditamento/ substituição das testemunhas, nos seguintes termos:
«Á cautela, os recorridos ampliam o âmbito do presente recurso, nos termos do artigo 636º do CPC., no que diz respeito ao aditamento/ substituição das testemunhas.
E porquê?
Como consta do requerimento acima identificado, os recorridos começaram por pedir a substituição de duas testemunhas (…)
O tribunal entendeu que de acordo com a parte final do nº 2 do artigo 598º do CPC as testemunhas podiam ser aditadas e deferiu o requerimento nesse sentido, não precisando de se pronunciar sobre a requerida substituição.
Mas a verdade é que também pela via da substituição das testemunhas, nos termos do artigo 508º, nº 3, alíneas a) e parte final da alínea b), as primitivas testemunhas aí indicadas, podiam ser substituídas pelas novas testemunhas, uma vez que daquelas, uma tinha falecido e a outra estava doente, internada num hospital em Lisboa.
Ou seja, se eventualmente fosse dada razão aos recorrentes, (que não pode ser dada), no que diz respeito ao aditamento das testemunhas, nos termos do citado artigo 508º do CPC, as novas testemunhas deviam sempre ser admitidas em substituição das anteriores testemunhas – uma falecida e outra gravemente doente.».
Admitidos os recursos e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- É de considerar atempada a possibilidade de os AA. aditarem testemunhas ao rol na sequência do aditamento feito pelos réus, ou ao invés a possibilidade de substituir as inicialmente indicadas;
- Haverá que considerar nulo o depoimento de uma testemunha face à violação pela mesma no seu depoimento do dever de sigilo profissional de advogada, sem que para o efeito tenha obtido a respectiva dispensa pela Ordem dos Advogados.
*
II. Fundamentação:
Os factos a considerar são os referidos e datados no relatório que antecede, cujo teor se reproduz.
*
III. O Direito:
Os recorrentes pretendem a revogação de dois despachos distintos, a saber, o primeiro relativamente ao despacho que admitiu ou o aditamento ou a substituição de testemunhas arroladas pelos Autores, o segundo relativo ao indeferimento do incidente de impugnação deduzido quanto à inquirição da testemunha N..., arrolada pelos Autores, por alegada violação do sigilo profissional de advogada.
1ª Questão: Do aditamento ou substituição das testemunhas pelos AA.
Os recorridos entendem que, ao contrário do defendido no despacho sob recurso, que considerou que a contagem do prazo de cinco dias, estabelecido na parte final do n.º 2 do artigo 598º do CPC, se inicia a partir da notificação do despacho que admitiu o aditamento ao Rol de testemunhas dos Recorrentes, inicia-se sim com a notificação do requerimento apresentado pelos réus a 20/09/2023.
Argúem assim, que procederam ao aditamento propriamente dito, em conformidade com o disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 598º do CPC. Simultaneamente, notificando o mandatário dos Recorridos/Autores, pelo que se considera o mesmo notificado no dia 25 de Setembro de 2023, pelo que a contagem do prazo de 5 dias determinaria o terminus do prazo a 2 de Outubro, pelo que tendo o requerimento dos AA. entrado nos autos a 8/10/2023 já o mesmo seria extemporâneo e, nessa medida, não pode ser admitida a referida alteração.
Defendem ainda que mesmo que se considere a possibilidade de substituição nos termos gerais entendem que esta é igualmente de não admitir, pois os Recorridos não lograram demonstrar o motivo justificativo das testemunhas, inicialmente arroladas, se encontrarem impossibilitadas de serem inquiridas, limitando-se a indicar ou a alegar o motivo, sem demonstrar o mesmo, dizendo que uma das testemunhas faleceu e a outra alterou a sua residência e encontra-se hospitalizada. Porém, também acabaram por argumentar que aquando da inquirição da testemunha N…, resulta que afinal a testemunha cuja substituição os AA. pediram haveria falecido há cerca de seis anos, por volta de 2018, ou seja, antes sequer de os Recorridos/Autores intentarem a presente acção judicial.
No que concerne à alteração do rol de testemunhas resulta expressamente do disposto no art.º 598 nº2 do C.P.C. que o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.
O aludido preceito legal reproduz o anterior artigo 512.º-A do CPC de 1961, na versão do DL 180/96, de 25-09, tal como refere Lopes do Rego (in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, pág. 448 ) decorre desta alteração um regime de prova mais permissivo que o regime de prova anterior que, assentava numa “tendencial imutabilidade dos requerimentos probatórios, mesmo nos casos em que decorriam largos meses ou anos entre a indicação das testemunhas e a realização da audiência, considerava-se como excessivamente restritivo, “amarrando”, sem justificação plausível, a parte a provas indicadas com enorme antecedência”.
Porém, tal regime dito mais permissivo tem como exigência que o aditamento ou alteração ocorra 20 dias antes da data em que se realize a audiência final. A jurisprudência tem discutido a questão de saber se a contagem desse prazo ocorre a partir da data em que efectivamente se realize ou inicie a audiência final, por um lado, e por outro, saber se iniciada, é ou não irrelevante para o efeito que esta se prologue por várias sessões ainda que entre as mesmas decorram mais de 20 dias. Não são tais questões que nos ocupam nesta decisão, mas sim saber se a alteração operada pelos AA. na sequência do aditamento efectuado pelos RR. é ou não atempada.
Porém, sempre estará subjacente a tal norma o direito à prova, direito esse que tem de ser analisado com os demais princípios estruturantes do processo civil, como o dispositivo, a igualdade das partes, a independência do tribunal e a imparcialidade do juiz (artigos 20.º e 62.º da CRP) (cf. citado no acórdão do TRL de 6.6.2019, proc. nº 18561/17.3T8LSB-A.L1-2).
Por força do princípio geral do contraditório a nível de prova, estabelecido no art.º 415º, do Código de Processo Civil, e concretizado em subsequentes artigos, afloramentos do contraditório consagrado no art.º 3º, do mesmo diploma legal, elevado à categoria de princípio constitucional, corolário de um processo justo e equitativo, nenhuma prova pode ser admitida e nenhuma decisão pode ser proferida sem a sua, prévia, observância.
Logo, o início do prazo para a parte contrária poder usar de igual faculdade conferida pelo art.º 598º nº 2 do Código de Processo Civil não pode entender-se como sendo a notificação feita entre mandatários, pois nessa data a prova não foi ainda admitida e o direito ao aditamento ou alteração não se constituiu ainda.
De acordo com o princípio de que as regras processuais devem ser interpretadas de molde a assegurarem a melhor tutela judicial e a igualdade das partes não nos parece colher o argumento que o direito da contraparte nasça com o mero requerimento de alteração, pois esta só é válida e eficaz a partir do momento da aceitação pelo Tribunal. Aliás, basta pensar na circunstância de a contraparte apesar de notificada entender que tal requerimento não iria ter provimento, por exemplo por ser intempestivo ou as testemunhas indicadas em substituição ou aditadas não poderem ser admissíveis, mas vir a ser confrontada com um despacho a admitir tal alteração quando o pretenso direito já não lhe assistiria. Manifestamente tal interpretação não é conforme às normas processuais.
Donde, o termo inicial do prazo – dies a quo – apenas ocorre com a notificação da parte da admissão da alteração operada nos termos do art.º 598º nº 2, terminando o prazo – dies ad quem - da contraparte cinco dias após essa notificação.
Deste modo, tendo os AA. sido notificados da admissão do aditamento ao rol por a 28/09/2023, considerando o disposto no art.º 255º do Código de Processo Civil e 279º do CC, é tempestivo o aditamento ou substituição apresentado pelos AA. ao abtigo do disposto no art.º 598º nº 2 do Código de Processo Civil.
No entanto, e caso assim não se entendesse também a possibilidade de substituição das testemunhas seria possível face ao disposto no art.º 508º nº 1 do Código de Processo Civil, pelos motivos invocados pelos AA. no seu requerimento, a saber, o falecimento de uma das testemunhas indicadas no rol inicial, bem como a alteração de residência e doença de uma das outras testemunhas indicadas.
É certo que neste caso, ao contrário do que ocorre no âmbito da aplicação do nº 2 do art.º 598º, o qual não exige qualquer justificação para o aditamento ou a alteração ao rol de testemunhas, a substituição de testemunha apenas se encontra prevista nos casos enunciados no nº 3 do art.º 508º do Código de Processo Civil.
Com efeito, nos termos deste preceito legal, a substituição da testemunha deve ser requerida logo que a parte que a indicou tenha conhecimento do impedimento para vir depor, por algum dos fundamentos referenciados nas diversas alíneas do nº 3, a saber: impossibilidade definitiva para depor, posterior à sua indicação; impossibilidade temporária ou mudança de residência depois de oferecida; não notificação da testemunha quando devesse ter sido notificada, ou outro impedimento legítimo; a falta sem motivo justificado, não sendo encontrada para vir depor.
Donde, à parte que requer a substituição da testemunha, cabe o ónus de alegação de algum dos fundamentos previstos nestas diversas alíneas, bem como indicar que o impedimento se verificou posteriormente à sua indicação, ou dele teve conhecimento em momento posterior. No caso, nada releva o facto de uma testemunha ter dito que a testemunha substituída já havia falecido em 2018, pois o que releva e não é posto em causa é que a parte apenas teve conhecimento após ter oferecido nos autos tal testemunha no seu rol inicial. Por outro lado, ainda que não exista a junção da prova do internamento de uma das outras testemunhas objecto de substituição, importa ter presente que a parte indicou que a mesma alterou a sua residência, o que desde já permitiria a substituição nos termos e para os efeitos do art.º 508º nº 3 alínea b) do Código de Processo Civil.
Logo, também não existiria por esta banda o efeito preclusivo que os recorrentes pretendem quanto à substituição das testemunhas operada pelos AA. com o seu requerimento de 8/10/2023 e admitida pelo despacho ora recorrido, o que determina a improcedência deste recurso. Face a esta decisão fica ainda prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso.
2ª Questão: A nulidade do depoimento da testemunha por violação do sigilo profissional
Neste recurso os recorrentes entendem que a testemunha N..., violou o sigilo profissional ao revelar os factos perante os quais foi inquirida, transcrevendo partes do seu depoimento para agasalhar a pretendida nulidade assente em tal violação do Estatuto da Ordem dos Advogados. Afirmando que a testemunha “quando confrontada com a planta cadastral responde com conhecimento da situação jurídica, assinalando pormenores estritamente jurídicos e inclusivamente afirma que viu e consultou escrituras públicas de compra e venda. Inclusive, refere detalhes quanto às áreas dos prédios em causa, as datas de compras e vendas dos prédios, o objectivo do arredondamento quanto à compra da porção terreno”. Alegam ainda que a mesma testemunha afirmou que o sobrinho do A. J..., de nome JN…, foi testemunha num processo-crime relativamente ao prédio em causa nos autos porque o acompanhou no Ministério Público. Fazendo ainda afirmações que advinham do A. e descreveu ainda a situação do prédio quanto à existência de penhoras do mesmo e o que ocorreu com as mesmas. Mais afirmou que o A. lhe pediu para analisar as escrituras e a situação sobre o prédio em causa e que o terá feito como advogada.
Conclui assim, pela violação do disposto no n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5 do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados, e logo, a nulidade do acto, pois segundo os recorrentes o teor do depoimento da testemunha “resultou do conhecimento que obteve dos (i) assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste, bem como (ii) os que foram transmitidos pela parte contrária na reunião que esteve presente com o Recorrido/Autor e com o Recorrente/Réu R…”.
Mais defendem que a par do depoimento também  “os documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo, ou seja, todos os documentos que foram referidos pela Sra. Testemunha em sede de inquirição, bem como toda a matéria factual sobre a localização das chaves do portão da porção de terreno, estão naturalmente abrangidos pelo Sigilo Profissional”, pois tal resulta, no dizer dos recorrentes, do conhecimento dos mesmos a partir do exercício das suas funções enquanto advogada do Sr. J... (Autor/Recorrido).
Além de concluir pela nulidade também aludem que a inquirição não pode ser renovada “pois já se encontra expirado o prazo dentro do qual devia ser praticado, nos termos do artigo 202º do Código de Processo Civil”.
Na defesa do despacho contrapõem os recorridos que a testemunha em causa nunca foi advogada quanto à questão que se discute nos presentes autos, nem consta que patrocine qualquer acção em tribunal em nome do J... ou de qualquer outra entidade. Sendo que tal depoimento incidiu todo ele sobre factos constantes dos termos e documentos em poder do A. e que são públicos e tais informações poderiam ter sido prestadas por qualquer terceiro na posse dos mesmos.
Antecipando, entendemos que lhe assiste razão. Pois do teor da transcrição do depoimento não resulta em momento algum que tenha sido ou seja mandatária de algum dos Autores, ou sequer que tenha tido intervenção concreta nessa qualidade em relação à matéria dos autos. Pois ainda que tenha procedido eventualmente à leitura de escrituras, registos ou outros documentos, estes não estão abrangidos pelo sigilo, dado serem públicos e ainda que os tenha analisado em momento algum foi dito pela testemunha que o fez ao abrigo de um mandato, ainda que o seu “olhar” sobre os mesmos seja necessariamente jurídico, dada a sua qualidade de licenciada em direito, tal não significa que o tenha feito no exercício da sua profissão qua tale com a sujeição ao sigilo profissional.
Senão vejamos.
O segredo profissional, sendo radicalmente um dever para com o cliente, já que sem ele seria impossível o estabelecimento da relação de confiança, resulta também de um compromisso da advocacia com a sociedade. Na verdade, a função social desempenhada pelos advogados implica, para além da independência e isenção, o reconhecimento do seu papel como confidentes necessários (cf. Estatuto da Ordem dos Advogados, Anotado e comentado, Fernando Sousa Magalhães, 2017 – 12ª Edição, pág. 137. 2 Lidas e interpretadas como preceituado no artigo 236º do Código Civil.).
A este propósito, lê-se no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (lei 145/2015, de 09 de Setembro), e no que ora nos interessa, que 1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente: a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; (…) e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo. (…) 3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo. (…) 5 - Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
Resulta cristalino que o que se proíbe na alínea e) é apenas a utilização de factos revelados pela parte contrária, pessoalmente ou através de representante, durante negociações para acordo amigável e que na a alínea f) o que se proíbe é apenas a utilização de factos de que o Mandatário teve conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas em que tenha intervindo. No que concerne à alínea a) temos de estar perante uma situação de mandato, pois a designação de “cliente” pressupõe tal contrato.
Tais proibições de prova podem ser referidas com três sentidos: enquanto limitação legal quer na produção, quer na valoração; enquanto limite à valoração da prova e; enquanto prescrição ou determinação legal que delimita a produção da prova cuja violação determina a proibição de valorar a mesma (cf. Carlos Castelo Branco in “A Prova Ilícita, verdade ou lealdade”, pág. 122 e ss). Logo, o que poderá estar em causa é a inadmissibilidade da produção de prova em juízo ou a sua não utilização como fonte de convicção do julgador, ou como alude Manuel da Costa Andrade (in “Sobre as proibições de prova em processo penal”, pág. 83) as «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo.». A prova será assim ilícita quando viole normas de direito material, mas a nulidade de determinada prova traduz-se na violação das regras de admissão no processo ou os termos em que a mesma deva ser admitida, relevante, porém, é a cominação legal de tal grau de invalidade da prova. A prova será nula se foi obtida mediante a violação de normas processuais, que regulam sobre a admissão probatória ou sobre os termos processuais em que a mesma deve ser admitida no processo e a tal violação aplica-se o regime das nulidades processuais (Sara Ferreira de Oliveira in “Admissibilidade da prova ilícita em processo civil”, 2014, pág. 18).
In casu a proibição de valoração assacada ao depoimento ou no dizer dos recorrentes “aos documentos aludidos no depoimento” insere-se na eventual ilicitude decorrente da violação do sigilo profissional, pois este “enquanto um dos mais relevantes deveres integradores da deontologia de certas actividades, é correntemente admitido em profissões cujo exercício implica o conhecimento de elementos atinente à vida particular de indivíduos e empresas” e tal segredo corresponde à “reserva de qualquer facto não publicamente conhecido, de que, por qualquer modo, nos inteiramos, e que, no interesse de determinadas pessoas, não devemos transmitir a terceiros” (Sousa Madeira Pinto in “O segredo profissional” pág. 38).  São assim diversas as normas que consagram específicos deveres de sigilo profissional atinentes a determinadas profissões, entre os quais os advogados, cuja validação tem uma importância primordial no âmbito penal, consagrando a sua violação a tipificação de um crime – art.º 195º e 196º do CP, com tramitação própria a respeito da legitimidade de recusa a depor – cf. art.º 135º do CPP. 
A cláusula geral do n.º 1 do artigo 92º permite que se incluam no segredo profissional de advogado, para além das elencadas, outras situações que conflituem com os interesses que ela visa proteger. O dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da advocacia e na sua função de manifesto interesse público.
O fundamento ético-jurídico do sigilo profissional de advogado radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense. Logo, a obrigação de segredo transcende, por consequência, a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral.
Como se consagra no n.º 2.3.1. do Código de Deontologia dos Advogados Europeus: “É requisito essencial do livre exercício da advocacia a possibilidade do cliente revelar ao advogado informações que não confiaria a mais ninguém, e que este possa ser o destinatário de informações sigilosas só transmissíveis no pressuposto da confidencialidade. Sem a garantia de confidencialidade não pode haver confiança. O segredo profissional é, pois, reconhecido como direito e dever fundamental e primordial do advogado.
A obrigação do advogado de guardar segredo profissional visa garantir razões de interesse público, nomeadamente a administração da justiça e a defesa dos interesses dos clientes. Consequentemente, esta obrigação deve beneficiar de uma proteção especial por parte do Estado. “E como forma de salvaguardar e proteger esse dever de sigilo profissional, acrescenta-se no n.º 2.3.2 que “O advogado deve respeitar a obrigação de guardar segredo relativamente a toda a informação confidencial de que tome conhecimento no âmbito da sua actividade profissional.”.
Logo, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue. O segredo profissional não é só, em rigor, um dever do advogado por pertencer a uma classe, mas é, e sobretudo, um dever de toda essa classe e, por isso, vinculativo e obrigatório para cada membro dela.
Ora, no caso concreto é manifesto que a testemunha apenas é advogada de profissão, exercendo funções numa sociedade que não é parte na acção, nem sequer resulta que alguma vez tenha exercido mandato conferido pelo Autor ou algum dos demais co-autores ou réus. Acresce que em todo o seu depoimento não transparece existir qualquer situação salvaguardada no art.º 92º do EOA, pois nunca a testemunha actuou como tal perante o Autor, ou co-autores. Nem os documentos que a própria testemunha aludiu se inserem em tal conceito, sendo sim documentos públicos – escrituras e registos- ou objectos particulares de acesso por ordem do proprietário – as chaves. Nem sequer releva a presença ou não da testemunha numa reunião com o réu e o seu mandatário, pois aquela nunca actuou como tal.
Como se alude no Acórdão da Relação de Évora, de 8/06/2021 (proc. nº1400/19.8T9EVR-A.E1, in www.dgsi.pt/jtre):« O nº 3 artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados apenas impede/proíbe a revelação ou junção de documentos quando, face ao seu conteúdo, daí resulte a revelação de factos sujeitos a sigilo e a consequente violação do dever de segredo. 2 - O significado da expressão “negociações” empregue nas alíneas e) e f), do artigo 92º do EOA (a que correspondia o artigo 87º da anterior versão do EOA), deve ser interpretado no sentido de haver uma “orientação para um compromisso”, em que cada uma das partes tem a possibilidade de expor à outra as suas preocupações e a sua ordem de prioridades e, correlativamente, apresenta-se disposta a abdicar de determinadas condições para viabilizar um acordo ou obter concessões. 3 - Assim, estará sujeita a sigilo profissional do advogado, a correspondência trocada entre mandatários, entre o mandatário e o respectivo cliente ou a parte contrária ou o respectivo representante, quando se reportem aos termos de negociações havidas ou em que hajam sido revelados factos, ao Advogado ou este deles tomou conhecimento, que pela sua natureza seja de presumir que quem os confiou ou deu a conhecer ao Advogado, tinha um interesse «objectivamente fundado», em que se mantivessem reservados e não fossem revelados. 4 - Mas já não estão estarão abrangidos pelo dever de sigilo, v.g. os factos transmitidos por um Advogado à parte contrária do cliente (acompanhada ou não de Advogado), «com natureza meramente interpelatória ou até de mero convite a negociar com o objectivo, por um lado, de marcar a posição dos direitos e interesses dos clientes de um Advogado em relação à contraparte e, por outro, de serem retiradas consequências práticas e jurídicas».
Com efeito, o dever de segredo profissional do advogado abarca, entre outras situações, os factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio e os factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo, sendo que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
Em suma, nem todos os factos estão abrangidos pelo sigilo profissional, mas apenas aqueles que se reportam a assuntos profissionais que o advogado tomou conhecimento, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste, ou, ainda, no âmbito de negociações que visem pôr termo ao litígio, tenham essas negociações obtido o almejado acordo de interesses (judicial ou extrajudicial) ou não tenham obtido esse acordo (negociações malogradas), pois que o princípio da confiança, essencial e imprescindível ao exercício dessa função, exige confidencialidade relativamente aos factos e informações reveladas pelo seu cliente e que, não fora essa garantia, o mesmo não os revelaria a mais ninguém.
Por conseguinte é este, em nosso ver, o preciso e específico sentido do artigo 92º do EOA e é, logicamente, com tal interpretação que o mesmo deve, pois, ser aplicado o caso dos autos. Ora, sendo assim, quer o depoimento, quer os documentos que servem de suporte, não se integram em qualquer uma das hipóteses do n.º 1 do artigo 92º do EOA e, em particular, não se integram nas hipóteses contempladas nas suas alíneas e) e f).
Acresce que também não se infringe a mais genérica alínea a) desse mesmo n.º 1 do artigo 92º, onde se estatui que o advogado é obrigado a guardar segredo no que respeita a factos que vieram ao seu conhecimento no exercício da sua actividade, exclusivamente, por revelação do cliente ou que lhe foram revelados por ordem deste. Pois não pode ignorar-se que os factos cujo conhecimento advenha para o advogado em virtude do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços não são todos e quaisquer factos, mas apenas aqueles que tenham vindo ao seu conhecimento em situação tal que, pela relação de confiança criada com o respectivo cliente, seja indesculpável deontologicamente a sua revelação. Acontece que não é de modo manifesto a situação dos autos, na qual nem sequer a relação de advogado se estabeleceu entre a testemunha e alguma das partes, mas a ter dado a sua “opinião” a qual não poderá ser de todo alheia à circunstancia de ser jurista, tal indicação nunca o foi no âmbito de um mandato, mas apenas com base em documentos públicos e o que resulta dos mesmos. Também não conseguimos deslindar a relevância de ter acompanhado um sobrinho do Autor no âmbito de uma inquirição em processo criminal, pois ainda que pudesse ser relacionada com o imóvel dos autos, nada no depoimento nos leva a considerar a violação de sigilo entre a própria e o seu cliente, pois o ocorrido em audiência não deixa de ser público, pelo que nesta intervenção nada de sigiloso ocorre que mereça protecção.
Deste modo, improcede igualmente o recurso nesta parte, mantendo-se o despacho recorrido.
*
IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Réus e, consequentemente, mantêm-se as decisões recorridas nos seus precisos termos.
Custas pelos apelantes.
Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Março de 2024
Gabriela Marques
Teresa Pardal
João Brasão