Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1397/22.7T8SNT-A.L1-8
Relator: CRISTINA PIRES LOURENÇO
Descritores: EXECUÇÃO
QUANTIA EXEQUENDA
INDEMNIZAÇÃO
MORA NA RESTITUIÇÃO DO LOCADO
TÍTULO EXECUTIVO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O título executivo formado nos termos e ao abrigo do disposto no art. 14º-A do NRAU abrange a indemnização pelo atraso na restituição da coisa prevista no nº 2, do art. 1045º, do CC desde que na comunicação a efetuar ao arrendatário (e ao fiador – quando do contrato resulte a obrigação de pagar as indemnizações devidas ao ex-senhorio nos termos daquele normativo -) constem os seguintes elementos: comunicação da resolução do contrato; interpelação para entrega da coisa e para o pagamento da indemnização decorrente da lei para o caso de incumprimento, que, dependendo de simples cálculo aritmético, será liquidada no requerimento executivo por referência ao período temporal ali balizado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
“C…, S.A.”, com sede …., em Lisboa, veio propor ação executiva para pagamento de quantia certa, que segue a forma de processo ordinário, contra:
E…, residente ….., em Rio de Mouro;
A…, residente na …., Amadora; requerendo lhe seja paga a quantia global de € 11.575,50, assim descriminada:
a) € 5.610,00 referente às rendas vencidas e não pagas;
b) € 5.940,00 €, a título de indemnização por mora da restituição do locado;
c) 25,50 referente à liquidação da taxa de justiça devida pela entrada da ação judicial.
Alega, para tanto, no Requerimento Executivo, o seguinte:
“O Exequente vem, nos termos do disposto no artigo 14.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (doravante NRAU), na redação conferida pela Lei n.º 2/2020, de 31/03 e nos termos do artigo 703.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil (doravante C.P.C.), intentar a presente acção executiva contra os Executados, com os seguintes fundamentos:
1. Em 14 de Março de 2014, o Exequente e os Executados - Arrendatários - celebraram um contrato de arrendamento habitacional, mediante o qual o Exequente deu de arrendamento ao Executado e este tomou de arrendamento a fracção autónoma destinada à habitação melhor identificado infra, conforme resulta do Doc. n.º 1 que aqui se junta e tem por integralmente reproduzido.
2. O contrato de arrendamento teve por objecto um prédio urbano em propriedade horizontal, sendo atribuído de arrendamento para habitação a fracção autónoma designada pela letra “E”, a que corresponde o ….., descrito na Conservatória do Registo Predial de …., sob o n.º …. e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …., Cfr. Doc. n.º 1.
3. O contrato de arrendamento para habitação foi celebrado pelo prazo de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses, com início no dia 01 de Abril de 2014 e termo em 31 de Dezembro de 2020, renovável por períodos iguais e sucessivos de 3 (três) ano (cfr. Doc. n.º 1, Cláusula 2).
4. A renda mensal contratada teve o valor inicial de 330,00 € (trezentos euros), que se vencia no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita (cfr. Doc. n.º 1. Cláusula 4.)
5. Conforme o imperativamente estipulado pelo regime geral, no artigo 1068.º do CC, verifica-se a comunicabilidade do contrato de arrendamento ao cônjuge do Arrendatário, não se verificando qualquer diminuição ou compressão nos poderes ou obrigações atribuídos a este por via da adesão ao contrato por comunicabilidade.
6. Porém, os Executados não efetuaram o pagamento:
• As rendas referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2016;
• Das rendas referentes aos meses de Janeiro e Dezembro de 2017;
• Das rendas referentes aos meses de Janeiro a Março de 2018.
No montante de global de 5.610,00 € (cinco mil e seiscentos e dez euros).
7. Por meio de carta registada com aviso de recepção remetidas a 22 de Fevereiro de 2018 para a morada convencionada pelas partes - a morada do imóvel objecto do contrato – o Exequente procedeu à resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas, interpelando ainda o Executado Arrendatário para este efetuar o pagamento das quantias que mantinha em dívida, a título de rendas vencidas e não pagas, como, caso se verifique, qualquer indemnização resultante da resolução do contrato, Doc. 2 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
8. … ambas as cartas foram recebidas a 23 de Fevereiro de 2018.
9. Do mesmo modo, por meio de carta registada com aviso de recepção remetida a 22 de Fevereiro de 2018, o Exequente comunicou à Executada Fiadora que procedera à resolução do contrato de arrendamento do qual era Fiadora por falta de pagamento das rendas, sendo interpelada para que efetuasse o pagamento das quantias em dívida, a título de rendas vencidas e não pagas e, caso se verifique, da indemnização por mora na restituição do imóvel, Doc. 2 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
10. O Exequente remeteu nova carta registada com aviso de receção a 26 de Março de 2018, verificada a devolução da primitiva comunicação por esta não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, de acordo com a alínea c) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 10.º do NRAU, Cfr. Doc. 2.
11. No decorrer do prazo atribuído aos Executados para que procedessem ao fim da mora (n.º3 do artigo 1084º do Código Civil), estes não regularizam os montantes devidos a título de rendas e não pagaram a indemnização devida por mora no pagamento.
12. O imóvel objecto do contrato foi alienado pela Exequente a 12 de Dezembro de 2018, conforme resulta do DOC. 3 que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido.
13. A Exequente não cedeu ou transmitiu os créditos relativos às obrigações vencidas e não pagas até à data da alienação do imóvel, conservando para si o direito a exigir o seu integral cumprimento aos Executados.
14. Apesar do contrato de arrendamento encontrar-se resolvido desde 23 de Fevereiro de 2018, o imóvel não foi restituído à Exequente até à alienação.
15. De acordo como regime geral, pende sobre o arrendatário a obrigação de restituir o locado ao senhorio logo que finde o contrato, caso assim não proceda, deverá indemnizar o senhorio, nos termos do artigo 1045.º do C.C., sendo a indemnização judicialmente fixada no dobro do valor da renda.
16. Face à não pronta restituição do Imóvel ao Exequente os Executados deverão indemnizar este no montante de 5.940,00 € (cinco mil novecentos e quarenta euros) | (330,00 € renda x 9 mês) x 2.
17. Pelo exposto, na presente data, os Executados devem ao Exequente a quantia global de 11.575,50 € (onze mil quinhentos e setenta e cinco euros e cinquenta cêntimos), assim melhor discriminada:
i) 5.610,00 € (cinco mil e seiscentos e dez euros), referente às rendas vencidas e não pagas;
ii) 5.940,00 € (cinco mil novecentos e quarenta euros), a título de indemnização por mora da restituição do Locado;
iii) 25,50 € (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos), referente à liquidação da taxa de justiça devida pela entrada da presente ação judicial.
18. Atento o disposto no artigo 14.º-A do NRAU: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.”.
19. A Executada Fiadora é responsável pelo pagamento dos valores em dívida nos exactos termos dos Executados Arrendatários, tendo também sido interpelada pelo Exequente por comunicação com o conteúdo supra-mencionado para os devidos efeitos - Cfr. Doc. 2 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais - cfr. neste sentido, por todos Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/10/2015, Proc. 4156-13.4TBALM-B.L1-8, in www.dgsi.pt..
20. Em 21 de Novembro de 2019, o Fundo …. foi liquidado e extinto a 29 de Novembro de 2019 exercendo a função de liquidatária a F…, S.A., conforme resulta do DOC. 4 que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido.
21. Sociedade liquidatária que foi incorporada na C….S.A., atualmente designada por C…. S.A e Exequente nos autos, Cfr. DOC. 4.
22. A dívida é certa, líquida e exigível, pelo que se requer a V. Exa. se digne admitir a presente execução, proferindo despacho liminar e ordenando o prosseguimento dos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 726.º e seguintes do C.P.C.
23. Devendo ainda os Executados serem condenados no pagamento de juros à taxa de 5% ao ano sobre a quantia em dívida, desde a data de trânsito em julgado da sentença até integral e efetivo pagamento, conforme o n.º 4 do art.º 829.º-A do Código Civil.”
*
Apresentados os autos a despacho, foi proferida a seguinte decisão liminar:
“C…, S.A. intentou a presente execução ordinária para pagamento de quantia certa contra E… e A…, dando à execução contrato de arrendamento, acompanhado de comprovativo de comunicação às executadas, respetivamente arrendatária e fiadora, da resolução de contrato de arrendamento e do montante em dívida, visando obter a cobrança da quantia de €5.610,00 relativa a rendas não pagas, de €5.940,00 a indemnização por mora na restituição do locado, correspondente ao dobro do valor da renda, nos termos previstos no art. 1045.º, n.º 2, do Código Civil, e de € 25,50 de taxa de justiça paga, pedindo, ainda, para “os Executados serem condenados no pagamento de juros à taxa de 5% ao ano sobre a quantia em dívida, desde a data de trânsito em julgado da sentença até integral e efetivo pagamento, conforme o n.º 4 do art.º 829.º-A do Código Civil.” (sic).
Tendo o processo sido concluso para despacho liminar, nos termos previstos no art. 726.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil – diploma a que respeitam todos os normativos legais infra citados sem menção de fonte diversa –, importa apreciar da existência de alguma das circunstâncias previstas no seu n.º 2, que acarrete o indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo.
Vejamos,
O título executivo é condição necessária da ação executiva, pelo que sem título não pode ser instaurada execução; e se for instaurada, deve ser liminarmente indeferida, pode ser objeto de oposição e pode ser motivo de rejeição oficiosa, nos termos previstos no art. 734.º.
Com efeito, estatui o art. 10.º, n.º 5, que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
A Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro [que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU)], no seu art. 15.º, n.º 2, veio atribuir força executiva ao contrato de arrendamento, para a ação de pagamento de renda, quando acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Esta lei já sofreu, entretanto, diversas alterações, dispondo atualmente o n.º 1 do seu art. 14.º-A que “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.”.
Estamos perante um título complexo, dado que se reclamam para que seja exequível, dois documentos: o contrato de arrendamento, e o comprovativo da comunicação ao arrendatário das rendas em dívida.
Trata-se de um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva, nos termos da alínea d) do n.º 1, do art. 703.º.
E porque se trata de norma especial não comporta interpretação analógica (art. 11.º do Código Civil), não podendo ademais olvidar-se que o intérprete não pode considerar o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, e que tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir adequadamente o seu pensamento (art. 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil).
No que aos títulos executivos respeita, vigora o princípio da tipicidade ou taxatividade, do qual decorre que o legislador, de modo imperativo, fixou que documentos podem concretamente cumprir essa função, elencando-os no art. 703.º e em outras disposições especiais, nos termos permitidos pela al. d) do seu n.º 1.
Conforme refere Rui Pinto, in «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, 2013, pág. 150, “trata-se de um rol taxativo, não se admitindo o seu alargamento por interpretação extensiva e, muito menos, por analogia.”
Ou seja, os títulos executivos são os indicados na lei como tal, estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade – “nullus titulus sine lege” – sem possibilidade de quaisquer exceções criadas “ex voluntate”, estando, assim, vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo (cfr., neste sentido, o Ac. da RC, de 21.03.2013, relatado por José Avelino Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt).
É, portanto, neste quadro de especialidade e excecionalidade que terá que ser entendida e enquadrada a formação do título executivo em referência.
No caso, pretende a exequente obter a cobrança de €5.610,00, relativos ao valor das rendas em dívida, dispondo para o efeito de título executivo.
Porém, pretende também obter a cobrança de indemnização de € 5.940,00, correspondente a 9 meses de renda, elevada ao dobro, nos termos previstos no art. 1045.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Ora, conforme resulta do n.º 1 do art. 14.º-A do NRAU, a formação de título executivo nos termos aí previstos só é possível para “a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”, não sendo possível a formação de título executivo para quantias reclamadas a título de indemnização.
A obrigação de pagamento da renda em dobro é uma obrigação que se constitui depois da resolução do contrato, tendo o conteúdo concreto composto pelas consequências da resolução (que não estão referidas no contrato) e pressupostos que não estão preenchidos antes do título (a mora culposa ocorrido depois da comunicação) e que não podem estar verificados no título.
Como se decidiu no acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Proc. 5508/20.9T8SNT-A.L1, deste Juízo de Execução, em que era exequente o F…, entretanto integrado na ora exequente:
“A lei permite a formação de um título executivo particular com a indicação de valores inequivocamente em dívida ou que ficarão em dívida com a permanência da ocupação do prédio arrendado e que são certos e conhecidos do arrendatário, que já os vem pagando. Não permite que, para além disso, o senhorio faça o julgamento do comportamento posterior do arrendatário e lhe impute a mora culposa sem possibilidade de discussão antes da formação do título.
É certo que se pode dizer que em ambos os casos (art. 1045/1 e 1045/2 do CC) se está perante uma indemnização, já que o contrato, depois da resolução, já não existe e, por isso, a indemnização da “renda”, ou do dobro da “renda”, é sempre uma indemnização.
Mas, enquanto a “indemnização” do valor da renda simples tem apenas como fim evitar o enriquecimento sem causa do “arrendatário” que permanece no prédio “arrendado” depois da cessação do contrato sem que tenha sido interpelado para o restituir, a indemnização em dobro é uma indemnização em sentido próprio de uma mora subsequente a uma interpelação para entrega do locado, ou seja de um incumprimento culposo da obrigação de restituição.”.
Carece por isso a exequente, manifestamente, de título executivo para exigir a cobrança da quantia de € 5.940,00 reclamada a título de indemnização.
E, carece também de título executivo para cobrança da quantia correspondente à taxa de justiça paga, uma vez que esta não integra o título, mas apenas o conceito de custas de parte, nos termos do art. 25.º do Regulamento das Custas Processuais, só podendo ser considerada na nota discriminativa e justificativa de honorários a elaborar a final pelo agente de execução.
Finalmente, pede a exequente para “os Executados serem condenados no pagamento de juros à taxa de 5% ao ano sobre a quantia em dívida, desde a data de trânsito em julgado da sentença até integral e efetivo pagamento, conforme o n.º 4 do art.º 829.º-A do Código Civil.”.
Importa esclarecer a exequente que a ação executiva não visa obter a condenação no pagamento, mas apenas a cobrança de determinada quantia pecuniária, pressupondo para o efeito a prévia existência de um título executivo, nos termos supra expostos.
Acresce que, no caso, o título dado à execução não é uma sentença, razão pela qual nunca haveria lugar à aplicação da norma reclamada e consequente cobrança da sanção pecuniária compulsória pretendida.
Concluindo, a exequente apenas dispõe de título executivo bastante para exigir das executadas a cobrança da quantia de € 5.610,00, relativa às rendas alegadamente não pagas, sendo manifesta a falta de título executivo relativamente aos demais valores reclamados.
Termos em que, face ao exposto, indefiro liminarmente o requerimento executivo na parte em que se pretendia obter a cobrança de valor superior a € 5.610,00, prosseguindo a execução apenas para cobrança deste montante.
Custas incidentais pela exequente, fixando a taxa de justiça em 2 UC (art. 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela II que do mesmo faz parte integrante).
(…)”.
*
A Exequente, inconformada com o indeferimento liminar parcial da execução, veio recorrer, culminando as suas alegações recursivas, com as seguintes conclusões:
“1. Na comunicação/interpelação remetida aos Executados, o Recorrente peticionar o pagamento das rendas vencidas e não pagas, no montante exequendo de 5.610,00 € (cinco mil e seiscentos e dez euros), declara que caso o imóvel não seja restituído tempestivamente após a resolução do contrato iria exigir o pagamento da indemnização, nos termos do 1045.º do C.C..
2. Encontrando-se o montante da indemnização legalmente fixado, ou seja, a indemnização encontra-se liquida pela própria Lei, contendo a comunicação/interpelação todos os dados para o cálculo aritmético dos montantes que permaneceriam em divida em caso de incumprimento da restituição do imóvel após resolução do contrato.
3. Por outro lado, não resta dúvidas que os montantes peticionados a título de indemnização por não restituição do locado (art.º 1045º n.º 2 do CC) encontram-se abrangidos pelos limites definidos pelo título executivo complexo constituído nos termos do 14.º-A do NRAU, não extravasando o seu âmbito de aplicação e preenchendo os factores que determinam a sua exigibilidade como a sua exequibilidade.
4. Dispondo o Exequente, ora Embargante, de título executivo bastante para exigir das executadas a cobrança da quantia de 5.940,00 € (cinco mil novecentos e quarenta euros), a título de indemnização por incumprimento da obrigação extracontratual quanto à restituição do imóvel após resolução do contrato de arrendamento e extinção dos efeitos jurídicos entre as partes.
Nestes Termos,
Devem V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogar a douta sentença recorrida, fazendo-se assim a ACOSTUMADA JUSTIÇA!”
*
As executadas (que por despacho proferido em 1ª instância foram citadas tanto para a execução, como para os termos do recurso – cf. referência citius 139828001 do processo de execução acessível eletronicamente para consulta) não responderam ao recurso.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Do objeto do recurso:
Questão a decidir:
Se a indemnização reclamada na execução a título de indemnização por mora da restituição do locado (art. 1045º, nº 2, do Código Civil) está abrangida pela exequibilidade do título apresentado à execução.
Fundamentação de Facto
Os factos relevantes para a decisão são os que se deixaram descritos em sede de relatório, e bem assim os que ora se aditam, e que encontram suporte nos documentos apresentados com o requerimento executivo, cuja consulta está acessível eletronicamente:
1- Em 14 de março de 2014, “F…” arrendou a E…, para habitação, o 2º andar direito do prédio sito …, Rio de Mouro, Sintra, pela renda (inicial) de € 330,00, tendo A…. outorgado o contrato de arrendamento na qualidade de fiadora, nos termos da sua cláusula 7ª, segundo a qual: “O(s) Fiadores obriga(m)-se, na qualidade do obrigado principal e solidariamente com o(s) Arrendatário(s), renunciando ao benefício de excussão prévia, a proceder ao pagamento ao Senhorio de quaisquer importâncias que sejam devidas pelo(s) Arrendatário(s) a título da celebração, execução ou cessação do presente contrato, suas renovações e aditamentos, incluindo falta de pagamento de rendas e indemnização por não cumprimento”, dando-se, no mais, tal contrato aqui como integralmente reproduzido.
2- Em 22 de fevereiro de 2018 foi enviada a E… carta registada com aviso de receção nos seguintes termos:
“Assunto: F…..
Resolução de contrato de arrendamento celebrado em 01/04/2014
Fracção E, com entrada pelo Nº… (adiante designada “locado”).
Exmos. Senhores,
O F…, gerido e representado por esta sociedade gestora, é proprietário do locado acima identificado, arrendado a V. Exas. (e respectivo co-titular ou cônjuge - onde aplicável). Informamos que se encontram em dívida 5610 €, respeitantes a rendas vencidas e não pagas referentes aos meses de Nov.16; Dez.16; Jan.17; Fev.17; Mar.17; Abr.17; Mai.17; Jun.17; Jul.17; Ago.17; Set.17; Out.17; Nov.17; Dez.17; Jan.18; Fev.18; Mar.18.
O atraso no pagamento de rendas é superior a três meses, pelo que vimos pela presente resolver o contrato de arrendamento acima identificado (arts. 1083º/3, 1084º/4 do Código Civil – C.C.), resolução que produzirá efeitos no último dia do mês em que V. Exas. sejam notificados da presente, devendo o locado ser desocupado e entregue ao F…, livre de pessoas e bens, até ao final do mês seguinte, incluindo respectivas chaves, comandos e equipamentos.
Informamos que V. Exas. ainda poderão evitar a resolução do contrato de arrendamento, caso procedam ao pagamento da totalidade das rendas em dívida, acrescidas de metade do seu valor (penalização legal), desde que o pagamento da totalidade das rendas e da penalidade seja efectuado no prazo de 30 dias contados da recepção da presente carta (arts. 1041.º e 1084.º/3 do C.C.), devendo para o efeito contactar o seguinte número telefónico: 219 237 045.
Caso não procedam aos pagamentos e/ou à entrega do locado ao F… nos prazos referidos, o F… será forçado a actuar os meios judiciais e a responsabilidade de V. Exas. será agravada pelos custos judiciais e ainda:
a) Pelos juros vincendos (futuros) à taxa de juro legal, até efectivo e integral pagamento, calculados sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas;
b) Pela indemnização legal por não entrega do locado, correspondente ao dobro do valor da renda mensal, desde a cessação do contrato e até efectiva entrega do locado (artº 1045.º do C.C.).
(…)”.
3- A carta foi rececionada em 23 de fevereiro de 2018.
4- Em 22 de fevereiro de 2018 foi enviada carta registada com aviso de receção a A… com o seguinte teor:
(…)
Assunto: F….
Resolução de contrato de arrendamento celebrado em 01/04/2014
Fracção E…(adiante designada “locado”).
Exmos. Senhores,
O F…, gerido e representado por esta sociedade gestora, é proprietário do locado acima identificado, arrendado ao(s) afiançado(s) de V. Exa(s)., acima identificados. Informamos que se encontram em dívida 5610 €, respeitantes a rendas vencidas e não pagas referentes aos meses de Nov.16; Dez.16; Jan.17; Fev.17; Mar.17; Abr.17; Mai.17; Jun.17; Jul.17; Ago.17; Set.17; Out.17; Nov.17; Dez.17; Jan.18; Fev.18; Mar.18.
O atraso no pagamento de rendas é superior a três meses, pelo que informamos que o F… resolveu o contrato de arrendamento acima identificado (arts. 1083º/3, 1084º/4 do Código Civil – C.C.), resolução que produzirá efeitos no último dia do mês em que os locados hajam recebido a respectiva comunicação, devendo o locado ser desocupado e entregue ao F…, livre de pessoas e bens, até ao final do mês seguinte, incluindo respectivas chaves, comandos e equipamentos.
Informamos que V. Exas. ainda poderão evitar a resolução do contrato de arrendamento, caso procedam ao pagamento da totalidade das rendas em dívida, acrescidas de metade do seu valor (penalização legal), desde que o pagamento da totalidade das rendas e da penalidade seja efectuado no prazo de 30 dias contados da recepção, pelos arrendatários, da carta de resolução (arts. 1041.º e 1084.º/3 do C.C.), devendo para o efeito contactar o seguinte número telefónico: 219 237 045.
Na qualidade de fiadores, V. Exas. são solidariamente responsáveis, para com os arrendatários, no que se refere à responsabilidade adveniente do contrato de arrendamento e respectivo incumprimento, pelo que serve a presente para informar V. Exas. de que, caso não sejam realizados os pagamentos e/ou entregue o locado ao … nos prazos referidos, o F… será forçado a actuar os meios judiciais e a responsabilidade de V. Exas. enquanto fiadores será agravada pelos custos judiciais e ainda:
a) Pelos juros vincendos (futuros) à taxa de juro legal, até efectivo e integral pagamento, calculados sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas ;
b) Pela indemnização legal por não entrega do locado, correspondente ao dobro do valor da renda mensal, desde a cessação do contrato e até efectiva entrega do locado (artº 1045.º do C.C.).
Fundamentação de Direito
As ações executivas são fundadas em títulos, que delimitam os seus fins e limites (cf. art. 10º, nº 5, CPC), bem como a legitimidade ativa e passiva para a execução (art. 53º, nº 1, CPC.  
“O título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão material e, portanto, a possibilidade de realização coactiva e, eventualmente, coerciva da correspondente prestação através de um processo executivo. A particularidade do título executivo reside em que o documento em que se materializa incorpora um direito à prestação e, ao mesmo tempo, atribui um direito à execução, ou seja, o direito do credor a que o Estado agrida o património do devedor ou de um terceiro para lhe facultar o exercício do seu direito de execução contra esse devedor ou terceiro (…)”.[1]
O princípio da tipicidade dos títulos executivos (do qual resulta a proibição do recurso à analogia para atribuir valor executivo a um documento que a lei não qualifica como título – cf. art. 10º CC), está patente no art. 703º do CPC, que sob a epígrafe “espécies de títulos executivos”, dispõe o seguinte:
1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.” – sublinhado nosso.
No caso, a execução foi intentada contra os executados tendo por base título constituído nos termos e ao abrigo do disposto no art. 14º-A, nº 1, do NRAU, que sob a epígrafe “Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas”, e na parte que importa considerar, prevê, o seguinte:
“1 - O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.
       (…)”.
A referida norma dita como se forma o título executivo (contrato de arrendamento e comunicação do montante em dívida) e tipifica os débitos relativamente aos quais o mesmo é operativo (rendas, encargos, despesas que corram por conta do arrendatário).
No caso, cumpre decidir se o exequente dispõe de título para exigir a cobrança da quantia de € 5.940,00, liquidada a título de indemnização por mora na restituição do locado, conforme previsto no nº 2, do art. 1045º, do CC.
Dispõe esta norma, o seguinte:
“1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.”
A dita norma trata nos seus nºs 1, e 2, da indemnização pelo atraso na restituição da coisa.
A indemnização prevista no nº 1, é devida pelo ex-arrendatário ao ex-senhorio quando após a cessação do contrato se mantém no uso e fruição da coisa - com o acordo, ou não, do ex-locador - e visa sancionar o locupletamento do primeiro à custa do segundo.
O legislador indicou de forma taxativa a quantificação da indemnização devida em tal circunstância, por referência ao valor da renda contratualmente estabelecida – afastando, por esta via, o recurso da fixação da indemnização à luz do art. 552º e seguintes, do Código Civil - e não obstante o cariz indemnizatório de tal obrigação, equiparou tal indemnização à renda, ao estipular que até à entrega da restituição da coisa, o ex-arrendatário é obrigado a pagar a renda.
Por isso, e a propósito do nº 1 do art. 1045, dizem Pires de Lima e João de Matos Varela[2]: “Se, findo o contrato, não houver mora do locatário quanto à obrigação de restituição da coisa locada, nem fundamento para este a consignar em depósito, o contrato prolonga-se até à entrega da coisa, devendo o locatário continuar a pagar, agora a título de indemnização, a renda ou aluguer convencionado. Indemnização justa, visto que ele continua a usar a coisa em prejuízo do locador – mas indemnização de natureza claramente contratual.
(…)
Prevê ainda o nº 2 a hipótese de haver mora do locatário (…). Nesse caso, a sua responsabilidade aumenta, fixando a lei como indemnização o dobro da que resultaria no caso previsto no número anterior (…). Como no primeiro caso a indemnização corresponde à renda ou aluguer convencionados, no caso previsto no nº 2 será o dobro da retribuição”.
Pedro Romano Martinez[3], diz, por seu turno, que o “… vencimento da obrigação de entrega da coisa não se dá, de imediato, no momento em que termina o contrato.  Extinto o contrato de locação, se o locatário não restituir imediatamente a coisa locada, nos termos do art. 1045º, n.º 1 CC, deve continuar a pagar a renda ou aluguer ajustadas. Por conseguinte, prevê-se que, extinta a relação contratual, se o locatário não restituir a coisa locada, subsiste uma relação contratual de facto que lhe impõe o dever de continuar a pagar a renda ou aluguer ajustado, como se o contrato continuasse em vigor. Contudo, se o locador interpelar o locatário para este proceder à entrega da coisa, não a restituindo, entra em mora. Assim, o locatário, extinto o contrato de locação, só entra em mora, relativamente à obrigação de restituir a coisa, depois de ter sido interpelado para a entregar. Extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário, após o que, se este não restituir a coisa, entra em mora e tem de pagar o dobro da renda ou aluguer devido contratualmente (art. 1045º, n.º 2 CC)”.
Deste modo, em face do nº 1, do art. 1045º, do CC, e pese embora a extinção (de direito) da relação contratual, mantém-se a obrigação do ex-locatário pagar as rendas até ao momento da restituição da coisa, consubstanciando tal obrigação um dever reflexo, que extravasando a temporalidade da relação contratual, ainda deriva dela, podendo afirmar-se, por isso, a sua natureza obrigacional.
O nº 2, do art. 1045º trata da obrigação indemnizatória devida a título de incumprimento temporário culposo do ex-locatário.
E, mais uma vez, o legislador por referência ao nº 1, procedeu à quantificação taxativa da indemnização por referência ao valor da renda estabelecida no contrato, ao deixar expresso que “…a indemnização é elevada ao dobro”, afastando mais uma vez o princípio e as regras constantes do art. 562º e seguintes, do Código Civil.
Os autores citados continuam a referir-se a “renda” ou “retribuição” quando aludem à indemnização prevista no nº 2, do art. 1045º, aparentando defender que mesmo na circunstância ali acautelada – de falta da entrega da coisa, agora na sequência de interpelação do ex-locador – a indemnização devida pelo ex-locatário ainda constitui um reflexo da obrigação juridicamente extinta, mas que se mantém no plano factual.
Começando a ganhar preponderância a corrente jurisprudencial que admite a possibilidade do título executivo a que alude o art. 14º-A do NRAU abarcar a quantia suscetível de ser liquidada nos termos e ao abrigo do disposto no nº 2, do art. 1045º, do CC (já quanto às “rendas” vencidas até à entrega da coisa - nº 1, do art. 1045º - a resposta positiva vem sendo claramente maioritária, senão, mesmo, unânime), a questão não é ainda pacífica.
No sentido de que a indemnização prevista no nº 2, do art. 1045º não pode ser abrangida pelo título a que se reporta o art. 14º-A, do NRAU, apontam-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes acórdãos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 27/01/2022, no processo nº 4218/20.1T8VNF-A.G1, acessível em www.dgsi.pt, que nega tal possibilidade com o fundamento de que a indemnização a que alude o nº 2 do artigo 1045º do CC não pode ser equiparável a uma renda, atenta a sua diferente natureza e finalidades: “(…) a indemnização do nº 2 do artigo 1045º do CCiv. tem uma natureza sancionatória e injuntiva, enquanto a indemnização prevista no nº 1 constitui apenas uma forma específica de contrapartida pelo proporcionado gozo da coisa, aproximando-se mais de um mecanismo retributivo do que de um meio de reparação de um dano, pois não visa propriamente a reconstituição da situação que existiria se o imóvel tivesse sido restituído na sequência da cessação do contrato. Esta última é um puro e directo sucedâneo da renda, que tem a sua exacta medida e representa uma mera continuidade desta até à restituição efectiva da coisa, sendo que a sua exigibilidade não depende de qualquer acto complementar de definição do direito.
Por outro lado, a indemnização do valor da renda, pelo quantitativo que vigorava à data da extinção do contrato, tem como fim evitar o enriquecimento sem causa do “arrendatário” que, por qualquer razão e independentemente desta, permanece no prédio “arrendado”. A indemnização em dobro, além da apontada vertente sancionatória, visa compelir o “arrendatário” a cumprir a obrigação que lhe é imposta pelo artigo 1038º, al. i), do CCiv., aproximando-se mais de uma indemnização em sentido próprio, embora o respectivo quantitativo seja legalmente tarifado, em virtude de uma mora subsequente a uma interpelação para entrega do locado, ou seja, de um incumprimento culposo da obrigação de restituição.
Segundo Maria Olinda Garcia (4) «[a]o incumprimento deste dever corresponde uma sanção indemnizatória específica: a prevista no n.º 2 do art. 1045 do CC, ou seja, logo que o arrendatário entre em mora fica obrigado a pagar a título indemnizatório, o dobro da quantia que correspondia à renda vigente aquando da extinção do contrato. No n.º 1 daquele artigo não se estabelece, em rigor, uma sanção para a hipótese de incumprimento, mas sim uma específica medida de compensação pecuniária, que afasta a necessidade de recurso às regras do enriquecimento sem causa. Por confronto com a hipótese prevista no n.º 2, trata-se aqui de uma situação em que o arrendatário não está em mora, mas por alguma outra razão, como, por exemplo, acordo dos ex-contratantes na dilação da entrega ou dilação legal ou judicial, o arrendatário permanece transitoriamente no gozo desse bem, sendo assim justo que a este aproveitamento do imóvel corresponda o pagamento de uma específica remuneração, impropriamente designada por "indemnização”».
Em suma, a específica forma de remuneração pelo gozo das utilidades do prédio prevista no nº 1 do artigo 1045º do CCiv. é ainda uma renda, enquanto retribuição por o arrendatário permanecer transitoriamente no gozo do prédio, pelo que sem qualquer esforço interpretativo, no sentido de alargamento do âmbito da norma através de interpretação extensiva, se integra na previsão do artigo 14º-A do NRAU.
Já a indemnização fixada no nº 2 do artigo 1045º do CCiv. dificilmente se pode considerar uma realidade equiparável a uma renda, atenta a sua diferente natureza e finalidades. Só por interpretação extensiva ou recorrendo à analogia se conseguiria integrar tal indemnização na norma do artigo 14º-A do NRAU.
Ora, as normas que prevêem a criação dos títulos executivos devem ser interpretadas restritivamente, não se podendo ir além da sua literalidade. Não podem ser interpretadas extensivamente e muito menos pode ser criada uma nova norma por analogia, de forma a que onde na letra da lei consta “rendas” passasse a considerar-se “rendas e indemnizações”. (…)”
 - Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de abril de 2022 (proferido no processo nº 20420/19.6T8SNT-B.L1-6, de que é relator o Sr. Desembargador António Santos: “(…) socorremo-nos nesta parte dos doutros considerandos verditos em Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, e de 19/11/2020 [o qual analisa com desenvolvimento as diversas posições – na doutrina e jurisprudência - que a propósito do thema decidenduum  têm vindo a ser seguidas  (8)], temos igualmente para nós que : “(...)
.... uma coisa é a obrigação de pagamento das rendas que constam do título, ou “indemnizações” equivalentes, outra é a obrigação que resulta depois da resolução do contrato, tendo o conteúdo concreto composto pelas consequências dessa resolução (que não estão referidas no contrato) e pressupostos que não estão preenchidos antes do título (a mora culposa ocorrido depois da comunicação) e que não podem estar verificados no título.
A lei permite a formação de um título executivo particular com a indicação de valores inequivocamente em dívida ou que ficarão em dívida com a permanência da ocupação do prédio arrendado e que são certos e conhecidos do arrendatário, que já os vem pagando.
Não permite que, para além disso, o senhorio faça o julgamento do comportamento posterior do arrendatário e lhe impute a mora culposa sem possibilidade de discussão antes da formação do título.
É certo que se pode dizer que em ambos os casos (art. 1045/1 e 1045/2 do CC) se está perante uma indemnização, já que o contrato, depois da resolução, já não existe e, por isso, a indemnização da “renda”, ou do dobro da “renda”, é sempre uma indemnização.
Mas, enquanto a “indemnização” do valor da renda simples tem apenas como fim evitar o enriquecimento sem causa do “arrendatário” que permanece no prédio “arrendado” depois da cessação do contrato sem que tenha sido interpelado para o restituir, a indemnização em dobro é uma indemnização em sentido próprio de uma mora subsequente a uma interpelação para entrega do locado, ou seja de um incumprimento culposo da obrigação de restituição.
 Sendo assim, coincide-se parcialmente com o despacho recorrido, considerando-se que a indemnização [do art. 1045/2 do CC] não está abrangida pela exequibilidade conferida pela lei ao título dado à execução (…)”.
Este acórdão foi votado por maioria e nele foi consignado o seguinte voto de vencido pela Srª Juíza Desembargadora Ana Azeredo Coelho:
“Está em causa saber se importa revogar a sentença apelada na parte em que considerou/julgou que não poderia a execução prosseguir relativamente às quantias exequendas reclamadas a título de: indemnização prevista no artigo 1041.º do CC; cláusula penal convencionada conforme cláusula 9.ª/3 com a seguinte redacção: verificando-se atraso na restituição do imóvel, atraso não sanado nos termos do prazo fixado na alínea anterior, deverá a Arrendatária indemnizar esta em quantia de €50 (cinquenta euros) por cada dia de atraso, sem prejuízo da eventual indemnização por danos que excedam aquele montante.
A posição que fez vencimento exclui tais quantias do título executivo firmado nos termos do artigo 14-A/1 do NRAU.
Entendo diversamente que as mesmas devem considerar-se nele abrangidas sobretudo pelo seguinte:
- uma e outra resultam directamente quer da lei, quer do contrato, em termos de a sua liquidação corresponder a mera operação aritmética;
- a tal não obsta a menção de a indemnização do 1041/1 não ser devida se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento; esta não torna indeterminável a quantia, antes possibilita seja oposta a excepção nos termos do artigo 731.º/CPC;
- o legislador consagrou o título executivo extrajudicial em causa para possibilitar a cobrança das quantias devidas na sequência da cessação do arrendamento sem prévia acção declarativa, desde que determinadas ou determináveis por mera operação aritmética;
- a expressão rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, é assim utilizada no sentido corrente e não no estrita e rigorosamente jurídico;
- a ratio da norma impõe se acolha o entendimento alargado do âmbito pois a posição mais restrita, acolhida no acórdão, torna ineficaz o título extrajudicial na maior parte das situações de necessidade de recurso à cobrança na cessação do arrendamento por exigir a concomitante acção declarativa quanto aos montantes de indemnização.
Nesse sentido, por todos, embora com referência ao artigo 15.º/2 anterior, comentário de Gravato Morais (CDP/27/68) e, já quanto ao artigo 14-A, o de Menezes Leitão (Arrendamento Urbano, Almedina, 9.ª ed, p. 223, §2). Veja-se também o constante do voto de vencida lavrado no acórdão de 19 de Novembro de2020, desta Relação, no processo 5508/20.9T8SNT-A.L1-2.
Tendo em atenção a teleologia da norma e a natureza “automática” da cláusula penal convencional, que torna a sua liquidação igualmente dependente de mera operação aritmética, entendo que também essa quantia se enquadra no âmbito de rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, por analogia com a resultante do disposto no artigo 1045/2/CC, louvando-me no que nesta Secção já foi decidido a respeito desta última norma, em 18 de Janeiro de 2018, no processo 10087-16.9T8LRS-B.L1-6 (Cristina Neves).”
Por seu turno, o Acórdão citado na decisão recorrida para sustentar a decisão ora sob recurso foi votado por maioria, tendo a Sra Juíza Desembargadora Laurinda Gemas, exarado voto de vencido nos seguintes termos:
“É certo que a letra do art. 14.º-A da Lei n.º 6/2006, de 27-02, se presta a diferentes interpretações quanto à questão de saber se título executivo assim formado pode ou não abranger a indemnização prevista no art. 1045.º do CC.
Mas entendo que a resposta deve ser afirmativa, acompanhando, pois, a jurisprudência e a doutrina citadas no acórdão a este respeito, com destaque para o acórdão da Relação de Lisboa de 18-01-2018, proferido no processo n.º 10087/16.9T8LRS-B.L1-6, e as posições de Gravato Morais e Menezes Leitão, a propósito da indemnização prevista no art. 1041.º do CC, a qual me parece assentar em argumentos que podem ser transpostos para o caso dos autos. Em particular, este último autor, na obra citada, pág. 223, responde afirmativamente à questão de saber se o título executivo se limita às rendas em falta ou se abrange igualmente a indemnização pela falta do seu pagamento prevista no art. 1041.º, n.º 1, do CC, referindo “uma vez que essa indemnização se encontra legalmente fixada, devendo assim considerar-se que essa importância acresce ao título executivo, permitindo a sua cobrança pelo senhorio”.
Ainda na doutrina, Soares Machado e Regina Santos Pereira, in “Arrendamento Urbano (NRAU)”, 3.º ed., Petrony, pág. 281, alertando para as possíveis discussões judiciais que a aplicação do aludido preceito pode suscitar, indicam o que consideram ser o procedimento mais seguro (menos controverso) e eficaz a adotar pelo senhorio, referindo designadamente que a notificação do arrendatário (e do fiador) “deve conter a comunicação da resolução do contrato e, também, a comunicação relativa ao montante de rendas, encargos ou despesas em dívida até esse momento, mencionando-se, desde logo o valor das rendas, encargos e despesas vincendos, incluindo os devidos nos termos do art.º 1045.º, n.º 1, ou n.º 2 do C.C., consoante o caso”.
Com efeito, no art. 1045.º do CC está legalmente estabelecido/tarifado (sem recurso, pois, às regras gerais dos art.ºs 562.º e ss. do CC) o valor da compensação devida pelo arrendatário ao senhorio pela ocupação do locado uma vez findo o contrato de arrendamento e até à efetiva entrega do imóvel. Assim, no caso de resolução extrajudicial do contrato, o arrendatário pode continuar a ocupá-lo, sem incorrer em mora quanto à obrigação de restituição do mesmo, durante o período previsto no art. 1087.º do CC (se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes), sendo devido, a título de indemnização, o valor da “renda”, nos termos do n.º 1 do art. 1045.º do CC, até à data da entrega do imóvel. Mas, acrescenta-se no n.º 2, logo que o arrendatário se constitua em mora na restituição da coisa, incorre na obrigação de pagar uma indemnização "agravada", no valor das rendas em dobro (com referência ao período temporal entre o início dessa mora e a efetiva entrega do imóvel).
Acompanho, pois, a jurisprudência e a doutrina que, em face dos elementos de interpretação histórico, teleológico e sistemático, consideram que a indemnização legal do art. 1045.º do CC se inclui nos conceitos de “montante em dívida” e “rendas” constantes do referido art. 14.º-A (e na versão primitiva da lei, no art. 15.º, n.º 2).
A limitação que poderá existir à formação do título executivo a este respeito prende-se com o conteúdo da comunicação efetuada, já que não poderá deixar de ser feita expressa advertência quanto à intenção do senhorio cobrar, por a considerar devida, tal indemnização, com menção aos elementos a considerar para a sua liquidação (admitindo que possa ter lugar no requerimento executivo).
Assim, alcança-se a melhor harmonia do sistema jurídico (no plano do direito substantivo e processual) com respeito pela intenção do legislador, quer na primitiva versão do NRAU (2006), quer posterior (mormente na Lei n.º 31/2012, ao ampliar de forma expressa a possibilidade de formação de título também quanto às despesas e encargos que corram por conta do arrendatário), que foi dispensar o senhorio do recurso à ação declarativa para cobrança das quantias a que tinha direito no caso de falta de pagamento de renda.
O que se compreende, tendo em conta que, no NRAU, se veio facultar ao senhorio a possibilidade de recorrer à execução para entrega do imóvel arrendado e, depois, no NRAU revisto em 2012, ao procedimento especial de despejo (cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 34/X, na génese da Lei n.º 6/2006: “Tendo em vista aligeirar a pendência processual em fase declarativa, prevê-se a ampliação do número de títulos executivos de formação extrajudicial, possibilitando-se ao senhorio o recurso imediato à acção executiva (…)”).
Ou seja, criou-se uma alternativa ao regime da ação de despejo para resolução do contrato com o fundamento previsto no art. 64.º, n.º 1, al. a), do antigo RAU, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15-10, ação em que habitualmente, a par da resolução do contrato e do despejo propriamente dito, era corrente o pedido de condenação do arrendatário no pagamento das “rendas vencidas e vincendas até efetiva desocupação do locado, sendo o valor correspondente ao dobro da renda após a data do trânsito em julgado da sentença que decrete a resolução do contrato” (ou formulações idênticas). Sem embargo dessa qualificação terminológica incorreta, sempre se entendera que pretensões assim formuladas abrangiam a indemnização prevista no art. 1045.º do CC e uma decisão judicial condenatória que as atendesse constituía título executivo.
Por certo o legislador (desde 2006 e até ao momento atual) não pretendeu tornar mais difícil ao senhorio a cobrança coerciva dessa indemnização, na situação mais gravosa da mora na obrigação de restituição da coisa locada, como seria se lhe permitisse apenas, tanto mais já após a efetivação do despejo como é o caso, que viesse exigir o pagamento de metade do valor devido por via da execução baseada no título executivo previsto na Lei n.º 6/2006, mas continuasse a impor o recurso à ação declarativa para que aí obtivesse o título executivo quanto ao valor remanescente em dívida. A necessidade de instauração em tribunal de duas ações distintas (ou até de sucessivas comunicações do montante em dívida – sem prejuízo dos casos em que se justifique, até pela possibilidade de cumulação sucessiva de execuções) parece ter estado arredada do espírito do legislador.
A meu ver, as razões que justificam que o montante da indemnização seja elevado para o dobro não afastam a possibilidade de formação do título executivo a esse respeito, desde que, como acontece no caso em apreço, a comunicação tenha sido devidamente efetuada e estejam já definidos os marcos temporais para o seu cálculo, que foram, aliás, considerados no acórdão. Daí que, contanto que a comunicação prevista no art. 14.º-A da Lei n.º 6/2006 as mencione, se possa formar título executivo relativamente às rendas vencidas, às rendas vincendas, bem como à “indemnização pelo atraso na restituição da coisa” prevista no art. 1045.º do CC (incluindo o n.º 2 deste preceito legal).
(…)”.
Como dissemos anteriormente, e da análise da jurisprudência dos últimos três anos, tem vindo a consolidar-se jurisprudência no sentido de que a indemnização a que alude o nº 2, do art. 1045º enquadra-se no conceito de “rendas” abrangida pela previsão do nº 1 do art. 14º-A do RAU, sendo, por isso, passível de integrar o título formado ao abrigo de tal previsão normativa, relativamente ao arrendatário e ao fiador (relevando, quanto a este a obrigação concretamente assumida no contrato de arrendamento quanto ao afiançamento de quantias devidas pelo arrendatário a título de indemnização), desde que o exequente documente a comunicação da resolução do contrato de arrendamento; a interpelação do ex-arrendatário para a entrega do imóvel e para o pagamento, mormente,  da indemnização legal para o caso de incumprimento.
Neste sentido:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de janeiro de 2016, votado por unanimidade (acessível em jurisprudência pt), de cujo sumário consta: “– Não revestindo por si, o contrato de arrendamento, enquanto mero documento particular, a qualidade de título executivo, esta qualidade foi-lhe atribuída expressamente pelo artº 703 nº1 d) do C.P.C., sendo este título de natureza complexa, composto pelo contrato de arrendamento e pela notificação ao arrendatário (e fiador) dos montantes em dívida. – Do teor do artº 14-A do NRAU não se retira que o contrato de arrendamento acompanhado da respectiva comunicação não constitua título executivo contra o fiador, mas antes a intenção de “obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a potencial vocação duradoura do contrato”. – A responsabilidade do fiador, salvo estipulação em contrário (artº 631, nº 1 do C.C.), molda-se pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado: não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo (artº 798 do C.C.) ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido (artigo 810 do C.C.). – Estando ambos vinculados pelo contrato de arrendamento e constando efectuada a comunicação ao fiador nos mesmos termos que a efectuada ao arrendatário, nenhuma razão existe para excluir o fiador deste título executivo. – O artº 14-A do NRAU abrange quer as rendas vencidas quer as rendas vincendas e a indemnização devida pela mora na entrega do locado, contendo a comunicação remetida todos os dados para o cálculo aritmético dos montantes devidos, sem que seja imprescindível uma prévia liquidação, a qual se resume a uma operação aritmética.”
- Acórdão de 4/06/2019, do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo nº 285/18.4T8CBR-B.C1, acessível em www.dgsi.pt:
“Consabidamente, o título executivo a que se reporta o art. 14º-A do NRAU tem natureza complexa, sendo integrado pelo contrato de arrendamento e pela comunicação ao devedor (arrendatário ou fiador).
Sendo certo que é título executivo especial, complexo, porque apenas existe da conjugação dos documentos aí previstos, não valendo isoladamente nem o contrato de arrendamento nem a dita comunicação.
Mas qual o âmbito sobre o qual se forma o título executivo?
Cremos que a resposta é de meridiana clareza, em função do conteúdo material do título executivo apresentado, sem prejuízo do teor literal constante do já anteriormente citado art. 14º-A do NRAU, mais concretamente, que o título executivo [execução para pagamento de quantia certa] é o «correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas» (sublinhado nosso).
Pois que se impõe concluir que a “indemnização” ex vi do art. 1045º, nos 1 e 2 do C.Civil corresponde ou integra a categoria das “rendas” em causa.
(…)
… na nossa jurisprudência não tem sido pacífico o entendimento sobre a questão em apreciação, pois que já tem sido entendido que o título abrange as rendas vincendas mas não a indemnização devida, reportando-se o citado artigo 14º-A do NRAU, apenas às rendas e encargos.[4]
Não é esse, contudo, o nosso entendimento.
Isto porque entendemos que a expressão “renda” foi empregue no referenciado art. 14º-A do NRAU com sentido que abrange a indemnização prevista no art. 1045º, nos 1 e 2 do C.Civil, na medida em que o desiderato legal que faculta a cobrança executiva de verdadeiras “rendas” ao abrigo desse normativo é precisamente idêntico ao desiderato legal que justifica a cobrança de indemnizações que são sucedâneo de verdadeiras rendas, rectius, trata-se de uma “renda em dobro”, devida a título de indemnização, mas que nem por isso deixa de corresponder a uma “renda” e a dever ser considerada enquanto tal.
Foi por ser perfilhada uma linha de interpretação semelhante, s.m.j., que já foi sustentado que «Com o NRAU quis-se alargar a eficácia executiva conferida a actos promovidos pelos senhorios, precisamente para evitar o recurso a acções declarativas, sendo contrário à evidente intenção legal de desjudicialização dos litígios e cobranças inerentes a assuntos de arrendamento apenas conferir título executivo para cobrança de verdadeiras rendas, obrigando o senhorio a instaurar acção declarativa como passo necessário – possivelmente instrumental de segunda execução – para cobrar aquelas indemnizações, as quais não passam de sucedâneo – legal e económico – de verdadeiras rendas.»[5]
O que tudo serve para dizer que não temos dúvidas de que o título executivo ajuizado comportava a realização coativa da “indemnização” ex vi do art. 1045º, nos 1 e 2 do C.Civil, interpretação esta que encontra no texto da norma aplicável o mínimo de correspondência verbal.
De referir que, como já se viu, o art. 14º-A do NRAU é claro na afirmação de que constitui título executivo para a execução para pagamento de rendas, o contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, sendo certo que, in casu, constava da comunicação feita [aos arrendatários e fiadora] que seriam peticionados valores respeitantes a rendas vincendas e a indemnização, donde, estão tais valores abrangidos pelo título executivo, contendo este todos os dados para o cálculo aritmético dos montantes devidos.
Logo, o título executivo dos autos conferia à Exequente suporte para a realização coativa do valor inerente às rendas “em dobro”, rectius, “indemnização” pela mora na restituição do locado, a que se refere o art. 1045º, nos 1 e 2 do C.Civil, a par das “rendas” singulares igualmente em dívida.[6]”.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/10/2022, proferido no processo nº 309/22.2T8VLG-A.P1, assim sumariado: “I – O título executivo configurado pelas disposições conjugadas dos artigos 703.º, n.º 1, al. d), do Código Civil, e 14.º-A, n.º 1, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, é suscetível de justificar a propositura de ação executiva não só contra o arrendatário mas também contra o fiador, desde que este, tal como aquele, seja previamente notificado quanto ao montante em dívida, e desde que esta se mostre abrangida pelo âmbito obrigacional da fiança prestada.
II – Para além das rendas em dívida, incluindo as vincendas até restituição do locado, também a indemnização por mora, nos termos do n.º 2 do art. 1045.º do Código Civil, é suscetível de ser abrangida pela força executiva do título mencionado em I).”
-   Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8/02/2022 (processo nº 14718/20.8T8LSB-A.L1-7, acessível em www.dgs.pt): “I– Nos termos do art. 14º-A, nº 1 do NRAU, é possível a formação de título executivo contra o fiador do arrendatário, sendo a comunicação ali referida também necessária quanto a este.
II– O art. 14º-A, nº 1 do NRAU abrange quer as rendas, quer a indemnização devida pela mora na entrega do locado.”
Ponderando o acima expendido quanto à natureza da indemnização de que trata o art. 1045º, nos seus nºs 1, e 2, e subscrevendo os fundamentos aduzidos nos últimos acórdãos citados, alinhados com aqueles que estiveram na génese dos votos de vencido às decisões supra citadas, partilhamos do entendimento que o título executivo complexo formado nos termos e ao abrigo do disposto no art. 14º-A do NRAU abrange as rendas vencidas, bem como as indemnizações previstas no art. 1045º, nº 1, e nº 2, do CC, equiparáveis a rendas nos termos desta disposição legal, desde que seja comunicada ao arrendatário (e ao fiador) a resolução do contrato; a interpelação para entrega da coisa e para o pagamento da indemnização decorrente da lei, que, dependendo de simples cálculo aritmético, será liquidada no requerimento executivo em função do balizamento temporal ali delineado (no que respeita ao nº 2, do art. 1045º, por referência ao momento em que por força da interpelação a coisa deveria ser entregue e o momento temporal em que a entrega ocorreu efetivamente).
A força executiva do título assim formado compreende quanto ao fiador quer o valor de rendas não pagas, quer as indemnizações devidas ao ex-senhorio nos termos do art. 1045º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil, desde que tal obrigação resulte do contrato, como se verifica nos autos (cf. cláusula 7ª do contrato de arrendamento que acima deixámos transcrita) e que lhe seja feita comunicação idêntica à endereçada ao arrendatário, o que no caso também ocorreu.
Resta acrescentar que a posição ora assumida, conferindo celeridade ao reconhecimento e efetivação dos direitos do ex-senhorio/exequente, não afeta nem põe em causa qualquer direito dos executados, uma vez que para além dos fundamentos previstos no art. 729º, do CPC, sempre poderão invocar e discutir em sede de embargos de executado quaisquer fundamentos que pudessem discutir em contestação a ação declarativa que contra eles fosse intentada e visando a efetivação do direito decorrente do nº 2, do art. 1045º (art. 731º CPC).
Procede, por conseguinte, a apelação.

Decisão
Pelo exposto, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida na parte em que indeferiu liminarmente a execução quanto à quantia exequenda de € 5.940,00, devendo ser substituída por outra, que determine o prosseguimento da execução também quanto a tal quantia monetária.
Sem custas (o recurso foi procedente; foi a recorrente que tirou proveito do recurso; as recorridas não contra-alegaram e em nada influenciaram a decisão – cf. art. 527º, nº 2, do CPC -, e estando paga a taxa de justiça devida pela interposição de recurso, não se evidenciam outros valores a pagar – cf. art. 529º, nº 4, CPC).
Notifique.

Lisboa, 21 de março de 2024
Relatora (Cristina Lourenço)
Ana Paula Nunes Duarte Olivença (2ª Adjunta)
Maria do Céu Silva ( 1ª Adjunta – com voto de vencida, conforme voto infra referido):

Voto de vencido
O art. 14º-A nº 1 do NRAU ”define a estrutura constitutiva do título (integrado por dois documentos: contrato de arrendamento e comunicação do montante em dívida) e delimita a tipologia de débitos relativamente aos quais tal título se torna normativamente operativo (rendas, encargos, despesas que corram por conta do arrendatário)” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 21 de junho de 2022, no processo 9443/20.2T8SNT-A.L1.S1).
No acórdão em que fiquei vencida, seguiu-se o “entendimento que o título executivo complexo formado nos termos e ao abrigo do disposto no art. 14º-A do NRAU abrange as rendas vencidas, bem como as indemnizações previstas no art. 1045º, nº 1, e nº 2, do CC, equiparáveis a rendas nos termos desta disposição legal, desde que seja comunicada ao arrendatário (e ao fiador) a resolução do contrato; a interpelação para entrega da coisa e para o pagamento da indemnização decorrente da lei, que, dependendo de simples cálculo aritmético, será liquidada no requerimento executivo em função do balizamento temporal ali delineado”.
Começando pela invocada equiparação às rendas.
A epígrafe do art. 1045º do C.C. é “indemnização pelo atraso na restituição da coisa”.
No nº 1, há “uma obrigação de indemnização do ex-locador, não uma obrigação estritamente decorrente de uma renda.”
“Trata-se, …, de uma indemnização específica pela não restituição do locado: posto que o proprietário não possa usar ou dispor do bem, a indemnização vai fixada na renda praticada no contrato, considerando-se ser esse o valor de uso do prédio.
A situação assim contemplada vem a ser apenas uma indemnização a título de enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 15 de setembro de 2022, no processo 8520/20.4T8PRT-B.P2.S1).
O nº 2 do art. 1045º do C.C. prevê a situação de mora, de não restituição da coisa locada em devido tempo por culpa do locatário, sendo, nessa situação, a indemnização elevada ao dobro.
Presumir que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cf. art. 9º nº 3 do C.C.) implica, no meu entender, considerar que o termo “rendas” empregue no art. 14º-A nº 1 do C.C. não inclui valores que ultrapassam os valores das rendas em singelo e, portanto, não abrange a indemnização pela mora no pagamento da renda nem a indemnização pela mora na restituição do arrendado.
Conforme resulta do art. 11º do C.C., “as normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva”.
A interpretação do termo “rendas” empregue no art. 14º-A nº 1 do NRAU que passa por exigir a comunicação da resolução e a interpelação para entrega do locado, documentos cuja junção não está prevista naquele artigo, não é, no meu entender, uma interpretação extensiva.
Quanto à interpelação para entrega do locado, entendo que a mesma não é necessária para haver constituição em mora (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 20 de novembro de 2012, no processo 1587/11.8TBCSC.L1.S1).
A junção de comprovativo da comunicação da resolução não está prevista no art. 14º-A do NRAU, mas apenas no art. 15º do NRAU, artigo este que, na redação dada pela L 79/2014, de 19 de dezembro, dispõe o seguinte:
“1 - O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
2 - Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo independentemente do fim a que se destina o arrendamento:

e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº 2 do artigo 1084º do Código Civil…;
...
5 - Quando haja lugar a procedimento especial de despejo, o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário pode ser deduzido cumulativamente com o pedido de despejo no âmbito do referido procedimento desde que tenha sido comunicado ao arrendatário o montante em dívida, salvo se previamente tiver sido intentada ação executiva para os efeitos previstos no artigo anterior.

8 - As rendas que se forem vencendo na pendência do procedimento especial de despejo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.”
A oposição ao procedimento especial de despejo é o meio adequado para o arrendatário atacar a validade e a eficácia da comunicação de resolução feita pelo senhorio, o que significa que, enquanto não decorrer o prazo para o arrendatário deduzir a oposição, ou, sendo deduzida oposição, esta não for julgada improcedente, ainda não há certeza que o contrato de arrendamento cessou.
A aplicação do art. 1045º do C.C. pressupõe a cessação do contrato de arrendamento.
Por último, importa referir que «… a comunicação ao arrendatário do montante em dívida, …, cuja única razão de ser será a de “obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a potencial vocação duradoura do contrato”, funciona, pois, como requisito complementar da exequibilidade daquele título que é agora de natureza complexa por integrar dois elementos: o contrato onde a obrigação exequenda foi constituída e a demonstração da realização de comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 26 de novembro de 2014, no processo 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1).
Na comunicação em questão nos presentes autos, € 5.610,00 foi o valor liquidado.
Pelo exposto, julgaria improcedente o recurso.
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Maria do Céu Silva
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[1] João de Castro Mendes, Miguel Teixeira de Sousa, “Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL Editora, 2022, pág. 550.
[2] In, “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 406.
[3] in “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, 2ª ed., Almedina, págs. 202-203.