Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
700/22.4PSLSB-G.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: DECISÃO INSTRUTÓRIA
PRONÚNCIA
RECURSO
ASSENTO 6/2000 E AFJ 7/2004
JURISPRUDÊNCIA CADUCADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Havendo pronúncia pelos mesmos factos já alegados na acusação, só a decisão sobre inclusão ou exclusão de provas proibidas no decurso da instrução, é que será passível de recurso, nos termos consentidos pelos nºs 2 e 3 do mesmo art.º 310º do CPP.
Com a alteração introduzida pela Lei nº. 48/2007 de 29.8 ao art.º 310º do CPP, a jurisprudência fixada pelo STJ no Assento nº 6/2000 («a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais«) e no AFJ nº 7/2004 («sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público») deve considerar-se caducada, não havendo lugar à sua aplicação, sem necessidade de justificação acrescida dessa não aplicação por parte dos Tribunais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por decisão instrutória proferida em 23 de Outubro de 2023, no âmbito do processo nº 700/22.4PSLSB que correu termos, na fase da instrução, no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, Juiz 2, entretanto distribuído ao Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi decidido pronunciar, entre outros, o arguido AA foi pronunciado como coautor material, em concurso real, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º nº 1, de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 145º nº1 al. a) e nº 2, por referência ao artigo 132º nº 2 als. c), e), g) e h) e de um crime de violação agravada, p. e p. pelos artigos 164º nº 2 al. b) e 177º nº 4, todos do Código Penal, na pessoa do ofendido BB.
Na mesma decisão foi decidido manter a medida de coacção de prisão preventiva que havia sido imposta a este arguido em 04.02.2023, por se mostrarem agora intensificados com a pronúncia os indícios da prática daqueles três crimes e por se manterem inalterados os perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, atenta a natureza e a gravidade dos ilícitos praticados (cfr. art.º 204º alíneas b) e c) do Código de Processo Penal).
O arguido AA interpôs recurso, tendo sintetizado as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões:
1 - Por decisão de 23/10/23 foi proferido despacho no âmbito da decisão instrutória de manutenção da medida de coação de prisão preventiva ao recorrente sem avaliar as declarações do arguido.
2- Limitou-se o douto Tribunal “a quo” depois de serem ouvidas as declarações do recorrente, reduzir as declarações do arguido apenas com esta referência:
A Fls. 25 alínea E) da decisão instrutória, a decisão, limitou-se a fazer, em súmula, apenas que:
O arguido alega, em suma, não cometeu os factos imputados e que às 23h43m se encontrava em Cascais.
Interrogado, em sede de instrução, o arguido reiterou que não esteve no local dos factos, o descampado, que assistiu ao jogo e saiu. Não esteve de vigia, nem à espera de ninguém.
Não reparou se havia pessoas no caminho, estava com pressa, queria falar num sítio calmo com a namorada, com quem se tinha chateado e que vive na Madeira.
3- Estas foram, o teor integral das declarações do arguido:
(00:01:20) Meritíssima Juíza: Então faça o favor de se sentar, o que é que o senhor tem a dizer relativamente aos factos que lhe são imputados?
(00:01:27) AA: Vim aqui prestar declarações para conseguir provar a minha ausência no suposto local do crime, pronto basicamente é o que eu quero provar.
(00:01:36) Meritíssima Juíza: Pronto então faça o favor de dizer, portanto o senhor diz que não esteve neste local, não esteve de todo em momento algum?
(00:01:43) AA: No local não, estive no...
(00:01:45) Meritíssima Juíza: Que local é que o senhor se está a referir?
(00:01:47) AA: Pelo que eu li na acusação é num descampado atrás ...
(00:01:50) Meritíssima Juíza: Não esteve no descampado?
(00:01:51) AA: Não.
(00:01:52) Meritíssima Juíza: Assistiu ao jogo anteriormente?
(00:01:54) AA: Assisti ao jogo no pavilhão.
(00:02:01) Meritíssima Juíza: E qual foi, pode prosseguir, a seguir ao jogo?
(00:02:03) AA: Assisti ao jogo no pavilhão e quer que eu lhe diga o meu percurso depois do jogo?
(00:02:08) Meritíssima Juíza: O senhor diz o que entender.
(00:02:10) AA: O meu percurso depois do jogo, eu também não me recordo muito bem mesmo durante o jogo, esse dia marcou-me mais uma discussão com a minha namorada, ficou bem presente na minha memória, é mesmo o que eu tenho mais presente e pelo que vi nos fotogramas que a minha namorada mostrou, saí do pavilhão, não me recordo bem das horas, mas mesmo no percurso que eu faço no caminho, dizem que supostamente fiquei 7 minutos no corredor da MediaMarket é o que não me recordo até se tive a falar, se tive no telemóvel, pronto se estive a falar sobre o jogo, é algo que eu não me consigo recordar do que é que eu tive a falar, com quem que eu estive a falar, sei que não, pelo que eu li na acusação, algumas folhas que estava de vigia, estava à espera de alguém, isso sei de certeza que não estava, nunca o fiz, depois o meu trajeto saiu do pavilhão, subo a ponte vou até à Mouraria que é um restaurante, fico cerca de 1 minuto, despeço-me das pessoas assim por alto, e faço o meu caminho até casa, que é eu ia de transportes públicos, tanto fui para jogo como para voltar, ou seja, pelas horas que eu também já vi nos fotogramas eu devo ter saído da Angaria pouco depois das 10 e fui para a estação de Altos (impercetível) de metro, e pronto do (impercetível) até ao cais do Sodré que é a linha azul, mudei na baixa do Chiado, da baixa do Chiado fui até ao Cais do Sodré, do Cais do Sodré subo as escadas passo o bilhete outra vez, pá anteriormente comprei o bilhete de metro porque nunca tive passe, quando chego ao Cais do Sodré, mesmo depois de comprar o bilhete reparo que tinha passado pouco tempo das 10 e meia, ou seja, eu sei que os comboios são de meia em meia hora até Cascais, ou seja, tinha algum tempo para conseguir falar um assunto que estava a mexer comigo, mesmo durante o jogo, pouco ou nada me recordo de momentos do jogo, mesmo antes a mesma coisa que era o que me estava a criar (ansiedade?), foi quando eu vi que tinha algum tempo para conseguir falar, subi a plataforma tive uma chamada de cerca de 10, 15 minutos com a minha namorada na altura, em que pronto consegui conversar um pouco, lembro-me perfeitamente de alguns pormenores até, ter subido as escadas que dá acesso à plataforma, a plataforma tem vários bancos lembro-me de ter ido mais para o fundo para ter um pouco mais de privacidade, estava mesmo em baixo, como depois vai-se ver na fotografia, porque eu sempre disse quando me lembrei quando fui para esse poucos dias depois lembrei-me que tinha tirado uma fotografia que eu estava a chorar, foi depois dessa chamada, ou seja, eu entrei, entrei no... posso beber um pouco de água se faz favor?
(00:05:20) Meritíssima Juíza: Faça o favor.
(00:05:26) AA: Entrei no comboio poucos minutos antes das 11 provavelmente, ou seja, eu cheguei ao cais dos Sodré às 10 e 35, comprar o bilhete 10, 15 minutos que tive na chamada, sei que entrei pouco tempo depois das 11, foi na altura em que eu tirei a fotografia, que não sei se na fotografia dá para ver, mas quando eu entrei fui logo à esquerda e quem conhece os comboios da CP sabe que há uns vidros logo na primeira e eu sentei-me aí, não sei se atrás dá para reconhecer que é um comboio, lembro-me perfeitamente que sentei-me logo na esquerda e tirei até são duas fotografias, que isso eu lembrava-me e sempre disse, depois fiz o meu caminho até a casa, os 40 minutos até Cascais, em Cascais depois quando, quando eu pedi a perícia, pedi várias perícias ao meu telemóvel, pedi as coordenadas à Vodafone, pedi tudo que pudessem investigar para conseguir provar que não tive no local do crime, a PSP também descobriu uma fotografia que eu tinha tirado em Cascais que eu por acaso não me lembrava porque era algo que não, que não, pronto acho que era um grafiti que achei engraçado, não teve grande relevância para mim, a fotografia que eu lembro perfeitamente até hoje, teve é por isso que eu lembro bem da fotografia, lembro-me bem destes pormenores, da fotografia em Cascais não me lembrava, e depois apanhei o autocarro, acho que ainda tem mais uma chamada cerca da meia-noite e pronto fui para casa, basicamente foi isso.
(00:06:54) Meritíssima Juíza: Portanto o jogo terminou a que horas?
(00:06:56) AA: O jogo eu não sei bem a que horas é que terminou, mas sei que pelo que eu vi nos fotogramas eu devo ter saído, não sei se às 9 e 52, 9 e 53 não tenho bem a certeza.
(00:07:09) Meritíssima Juíza: O senhor conhece os outros arguidos?
(00:07:14) AA: Alguns sim outros não.
(00:07:16) Meritíssima Juíza: Quais é que conhece?
(00:07:20) AA: É melhor dizer os que não conheço que são só dois, não conheço nunca ouvi falar no DD e no EE.
(00:07:41) Meritíssima Juíza: E o ofendido BB conhece-o?
(00:07:44) AA: Não conheço.
(00:07:52) Meritíssima Juíza: Senhora procuradora algum esclarecimento? Nada? Quem é que representa o assistente é o senhor doutor?
(00:07:57) Sr. Doutor: Eu senhora doutora, não desejo nada muito obrigado.
(00:07:59) Meritíssima Juíza: E a senhora doutora representa o arguido, algum esclarecimento? (00:08:00) Sra. Doutora: Sim senhora doutora.
(00:08:01) Meritíssima Juíza: Faça o favor senhora doutora.
(00:08:02) Sra. Doutora: Com a devida vênia, através de...?
(00:08:04) Meritíssima Juíza: Através de mim sim.
(00:08:05) Sra. Doutora: Senhora doutora o que eu queria era saber se o AA naquilo que explicou, consegue se lembrar se quando entrou para o metro, portanto vai do pavilhão para o metro, se até ao metro havia pessoas ao lado dele, se havia muita gente e porquê ter ido como ele diz com esta ansiedade para o metro, já percebi que queria falar com a namorada, mas porque é que não falou no local?
(00:08:36) Meritíssima Juíza: Pode responder, percebeu o que é que era (impercetível)?
(00:08:45) Meritíssima Juíza: Foi sozinho, não se apercebeu se havia pessoas que o senhor conhecia à volta?
(00:08:50) AA: Na Albergaria sei que estava com pessoas que eu conhecia, não me recordo quem, sei que despedi-me assim por alto, que eu também estava com um pouco de pressa, (impercetível) nada disso porque eu queria falar num sítio mais calmo, não queria falar, era algo que estava a mexer comigo, eu queria ter alguma privacidade, ou seja, quis falar no sítio mais calmo que era mesmo em casa, mas como eu perdi o comboio das 10:30 vi que tinha ali algum tempo, foi quando eu fiz a primeira chamada, mas pelo caminho não, não vi nada de estranho.
(00:09:21) Meritíssima Juíza: Não se apercebeu de pessoas à sua volta, designadamente pessoas que já conhecesse?
(00:09:27) AA: Não, no meu caminho até à estação não.
(00:09:29) Meritíssima Juíza: Penso que está respondido senhora doutora.
(00:09:31) Sra. Doutora: Sim senhora doutora juíza, o que eu ia perguntar é o AA diz chegou às 10 e 35 ao Cais do Sodré, se tem algo, não aquilo que já disse, mas algo a acrescentar porque foi (impercetível)?
(00:09:45) Meritíssima Juíza: Pode responder.
(00:09:47) AA: Eu lembro-me dessa hora também pelo que já disse...
(00:09:52) Meritíssima Juíza: Foi quando perdeu o comboio, não é?
(00:09:53) AA: Foi quando eu perdi o comboio e como eu sei que é de meia em meia hora sabia que tinha algum, algum tempo para conseguir conversar com a minha namorada na altura, se eu apanhasse o das 10 e 30 conseguia chegar mais cedo a casa.
(00:10:11) Sra. Doutora: Senhora doutora se às 10 e 35 como alega o AA ter chegado ao Cais do Sodré, se falou com a namorada antes ou depois de ir comprar o bilhete, qual é o trajeto para a bilheteira?
(00:10:22) Meritíssima Juíza: Pode esclarecer.
(00:10:23) AA: Porque é importante no caso do AA.
(00:10:24) Meritíssima Juíza: Pode esclarecer?
(00:10:25) AA: É assim também queria esclarecer que eu em todo o momento, em toda a noite e mesmo o dia, eu trocava mensagens com a minha namorada, ela é da Madeira, ou seja, nós tínhamos, estávamos sempre em constante contato, mesmo chamada, sei que disse que estava a ir para o metro pelo WhatsApp, estava a ir para o comboio entretanto eu perdi esse telemóvel e perdi o acesso às mensagens, tenho a certeza absoluta que estaria a dizer que estava a ir para o metro ou a ir para o comboio e...
(00:10:55) Sra. Doutora: Porque é que se lembra que aos 35 estava no cais do Sodré e se foi antes ou depois de comprar o bilhete?
(00:10:58) Meritíssima Juíza: Já disse que já, senhora doutora já respondeu que sabe que foi às 10 e 35 porque perdeu o comboio e viu que tinha tempo para falar com a namorada.
(00:11:05) Sra. Doutora: E depois foi (impercetível) se a pergunta foi, a pergunta era se falou com a namorada esses 10, 15 minutos foi depois de comprar o bilhete?
(00:11:17) AA: Foi depois de comprar o bilhete porque, ou seja, eu saí do metro, eu para ir até à estação mesmo de comboios tenho que subir umas escadas, tenho que passar o meu bilhete de metro, tenho que voltar a subir umas escadas, tenho que comprar o meu bilhete da CP, tenho que passar a cancela e foi quando eu passei subi outras escadas para a plataforma mesmo de espera, foi aí que eu liguei à minha namorada, ou seja, depois de comprar o bilhete.
(00:11:45) Sra. Doutora: Senhora doutora juíza, sendo as mensagens pelo WhatsApp que poderiam ajudar o AA porque é que não, a namorada não tem essas mensagens já que o AA perdeu o telemóvel?
(00:11:54) Meritíssima Juíza: Pode responder.
(00:11:55) AA: Porque ela na altura trocou o telemóvel, tinha comprado há pouco tempo e trocou com a mãe e a mãe acho que fez basicamente reset ao seu Iphone e perdeu também tudo basicamente que me ajudaria claro.
(00:12:16) Sra. Doutora: Senhora doutora e (impercetível) explicaria a diferença das fotografias, mas gostaria que o AA explicasse desde já, até para que possa (impercetível) porque é que nós os 2 vimos fomos à PSP, há uma fotografia que não aparece local e hora e a de Cascais aparece o local e a hora se ele tirou fotografias de forma diferente ou igual?
(00:12:34) Meritíssima Juíza: Pode responder.
(00:12:35) AA: Tirei de formas diferentes, a fotografia em que eu estou no comboio que enviei à minha namorada é através do WhatsApp, ou seja, não parece a localização, a fotografia que tirei em Cascais já foi através da câmara do iPhone e aparece a localização, nem sequer desbloqueei o telemóvel, tirei só, mais tarde é que me lembrei ...
(00:12:54) Meritíssima Juíza: E a de Cascais tirou com câmara, é isso?
(00:12:56) AA: Tirei com a câmara do Iphone exatamente, nem sequer desbloqueei o telemóvel.
(00:12:59) Meritíssima Juíza: Mas e a que tirou no WhatsApp depois não vai para o rolo da câmara?
(00:13:03) AA: Vai para o rolo da câmara, mas não fica localização.
(00:13:12) Sra. Doutora: Doutora Juíza no relatório da polícia existe a fotografia em que não aparece a localização, não sei se vossa excelência entende que o AA tem que ser confrontado, onde ele aparece realmente a chorar dentro de um comboio, não tem hora e localização.
(00:13:26) Meritíssima Juíza: A foto já consta...
(00:13:28) Sra. Doutora: Portanto a foto já consta (impercetível), entretanto vou perguntar ao AA que é muito importante, se costuma fazer este trajeto de metro e comboio?
(00:13:39) Meritíssima Juíza: É habitual fazer este trajeto?
(00:13:40) AA: Sim essencialmente é o caminho que eu sempre fazia, também no início quando eu fui preso eu não tinha muitas memórias, depois é que mais tarde é consegui estabelecer qual era este dia mesmo, e como o meu pai (impercetível) da Uber , ou seja eu fazia sempre metro comboio chegava até Cascais, quando tinha tempo de apanhar o autocarro apanhava o autocarro, quando não tinha apanhava Uber, Bolt pronto um desses meios, e para ir para o estádio também era igual ou ia de autocarro ou chamava Uber até Cascais e fazia o caminho inverso.
(00:14:15) Sra. Doutora: Senhora doutora um último esclarecimento que eu acho muito importante com o devido respeito e só a minha opinião é, quando (impercetível) se o AA consegue explicar ao Tribunal até porque temos aqui também uma simulação da polícia, quais são os minutos que ele gasta correndo tudo bem e se muda de linha, se não muda de linha, se vai no mesmo comboio? Enfim esta última explicação.
(00:14:36) Meritíssima Juíza: Portanto já referiu que muda de linha no metro senhora doutora, qual ... (00:14:38) Sra. Doutora: Em que estação senhora doutora?
(00:14:39) Meritíssima Juíza: Já referiu que é na baixa Chiado senhora doutora.
(00:14:40) Sra. Doutora: Peço desculpa que não ouvi.
(00:14:41) Meritíssima Juíza: Quanto é, que tempo é que o senhor despende em média nesta deslocação, tem presente?
(00:14:48) AA: Como eu estou familiarizado muito bem com este caminho, eu fazia sempre uma estimativa de 30 minutos.
(00:14:53) Meritíssima Juíza: Está-se a referir a quê? A todo o trajeto desde que...
(00:14:54) AA: Não, do Alto dos Moinhos até aos Cais do Sodré, porque eu, um exemplo estava no estádio via a que horas é que era, ou seja, ia ver qual é que era o comboio que tinha passado meia hora ou pouco tempo depois porque sabia que lá do (impercetível) até Cais do Sodré ...
(00:15:12) Meritíssima Juíza: São 30 minutos.
(00:15:13) AA: São 30 minutos.
(00:15:14) Meritíssima Juíza: E o trajeto todo até Cascais?
(00:15:16) AA: Ou seja, 30 depois até Cascais são mais 40, mas depois depende muito da espera do comboio como por exemplo foi agora, eu fiquei quase meia hora à espera, enquanto se tivesse chegado 5 minutos antes tinha apanhado logo o das 10 e meia e tinha demorado muito menos tempo.
(00:15:31) Meritíssima Juíza: Portanto é variável, não é?
(00:15:33) AA: Sim.
(00:15:34) Meritíssima Juíza: Depende desses pormenores, é tudo senhora doutora?
(00:15:37) Sra. Doutora: Portanto senhora doutora, o AA perdeu o comboio das 10 e meia por 5 minutos, segundo as declarações do mesmo apanhou o das 11, é isso?
(00:15:47) Meritíssima Juíza: Foi o que já referiu apanhou o comboio das 11, é isso?
(00:15:49) AA: Das 11 horas.
(00:15:50) Sra. Doutora: E terá chegado a Cascais 40 minutos depois, senhora doutora eu já agora também consta dos autos as (impercetível), peço desculpa à senhora doutora é um segundo, se o AA também já explicou porque é que se lembra que foi de transportes e a razão da sua pressa em chegar a um lugar mais privado, só se o AA de tudo o que leu nos documentos tem a certeza que estava ausente, que não ouviu esta história, ou ouviu ou não sabe nada ou?
(00:16:34) Meritíssima Juíza: Que não ouviu esta história, os factos que constam da acusação, é isso senhora doutora?
(00:16:39) Meritíssima Juíza: Não, é só para situar o que é que a senhora doutora pretende.
(00:16:41) AA: (impercetível) todos quando diz (impercetível) conhece o GG, então se houve aqui alguma coisa que ele tivesse...
(00:16:54) Meritíssima Juíza: Peço desculpa, quem é o GG senhora doutora?
(00:16:55) Sra. Doutora: O ofendido, enfim desculpe não sei se é GG, mas pelo menos faz parte...
(00:16:59) Meritíssima Juíza: Também tem o GG sim, tem razão senhora doutora.
(00:17:03) Sra. Doutora: E se tudo isto foi estranho para o AA e em que sentido, ou seja, se ouviu rumores, se não ouviu nada, se realmente estava ausente?
(00:17:12) Meritíssima Juíza: Pode responder.
(00:17:13) AA: Sim, realmente foi estranho na esquadra de Benfica quando me deram, foi quando eu tive por primeiro acesso, fui detido deram-me os papéis quando eu comecei a ler realmente comecei a estranhar o porquê de eu estar ali a ler aquela situação toda, estranhei não conhecia os factos, havia pessoas que não conhecia, o próprio ofendido nunca tinha ouvido falar do nome, foi estranho para mim.
(00:17:35) Meritíssima Juíza: O senhor pertence aos No Name Boys?
(00:17:40) AA: Vou à bancada, mas não tenho nenhum cartão que sou dos No Name Boys, mas frequento a bancada sim.
(00:17:48) Meritíssima Juíza: é tudo senhora doutora?
(00:17:49) Sra. Doutora: Última pergunta mesmo última, se o AA no dia a seguir aos jogos, normalmente nessa altura em que local trabalhava para perceber porque é que ele, enfim não falava com os outros rapazes ou se falava, se trabalhava em Cascais ou em Lisboa?
(00:18:05) Meritíssima Juíza: O senhor onde é que trabalha?
(00:18:06) AA: Normalmente quando eu fazia, na altura estava a fazer uns biscates com o meu pai estava a trabalhar no, trabalhava normalmente no Alentejo.
(00:18:22) Sra. Doutora: Senhora doutora realmente o mais importante era (impercetível) explicado muito obrigado.
(00:18:26) Meritíssima Juíza: Muito bem, o senhor quer dizer mais alguma coisa para além do que já disse?
(00:18:28) AA: Não.
(00:18:30) Meritíssima Juíza: Não é obrigado a dizer mais nada, muito bem, vai aguardar então lá fora (impercetível)...
4- Houve total omissão de apreciação de parte substancial das declarações do arguido e total ausência de fundamentação sobre as mesmas.
5- O recorrente focou as suas declarações no que é essencial e em que entendemos existir uma dúvida razoável, uma dúvida inultrapassável da ausência do recorrente do local do crime.
6- O hiato de tempo entre a simulação dos órgãos de polícia criminal e do arguido baseado na sua própria experiência e no google maps que mostra o trajeto Alto dos Moinhos - Cais do Sodré.
7- O arguido, s.m.o., esclareceu esse douto Tribunal sobre o tempo que é necessário no trajeto entre o Pavilhão Fidelidade do SLB e a estação do Cais do Sodré com credibilidade, em pormenor, explicando que perdeu o comboio das 22h30 por minutos.
8- A questão do tempo necessário a esse trajeto e as diligências pedidas e insistidas como refere a PSP pelo recorrente é que colocará (ou não) a dúvida, que em nosso modesto entender, é razoável e inultrapassável nomeadamente a que se centra no tempo do trajeto do recorrente.
9- O facto, como refere a douta decisão sobre a hora que o arguido demorou até chegar a Cascais, não foi - e não é - o foco principal das suas declarações.
10- Para a própria PSP ter chegado a esse facto, existe uma foto em Cascais às 23h43m com local e hora e que consta dos autos o que parece, s.m.o., que a ida no comboio das 23h é inquestionável.
11- Não é esse o cerne da dúvida: o tempo do Alto dos Moinhos a Cascais. Mas, sim do Alto dos Moinhos ao Cais do Sodré como de forma tão tranquila e séria o recorrente explicou nas suas declarações.
12- A dúvida existente, em nossa humilde opinião, centra-se nestas questões esclarecidas pelo arguido e que podem ser comparadas e analisadas à luz do percurso constante do relatório final da PSP, ou seja:
A que horas teria chegado o arguido ao Cais do Sodré? Chega ao Cais do Sodré minutos depois da partir do comboio das 22h30m? Teria chegado ao Cais do Sodré às 22h58m (2 minutos antes de partir o comboio das 23h) como diz o relatório da PSP na simulação junta ao mesmo? Com o devido e muito respeito esta é a matéria relevante a apreciar depois das declarações do arguido e após apreciação ser fundamentada a conclusão dessa apreciação o que não foi feito.
13- Estas as questões levantadas. Este foi o teor substancial das declarações do arguido no seu interrogatório, em sede de instrução. Não foi apreciada essa questão. Foi totalmente omitida e não fundamentada.
14- Não foi fundamentado sequer se as suas declarações foram credíveis. Se Vieram dar um novo elemento ao processo...
15- Pensamos que ambas as respostas, com o devido respeito, devem ser positivas. Mas o despacho que mantém a medida de prisão privativa não analisa se há aqui um facto novo, uma dúvida!
16- Foi omitida completamente o substancial e principal teor das declarações do arguido.
17- O princípio in dúbio pro reo não foi aplicado
18- Há ausência total de fundamentação quanto à maior parte das declarações do arguido cujo foco é o trajeto entre o Alto dos Moinhos e o Cais do Sodré e não entre o Alto dos Moinhos e a chegada a Cascais.
19- A decisão, com essa omissão insanável é nula.
20- Resulta dessa omissão um prejuízo aos direitos que lhe são dados por Lei e pela Constituição.
21- Não foram garantidos os direitos do recorrente.
22- Deve ser considerada nula a decisão que respeita ao arguido AA por total falta de fundamentação que não apreciou todas as declarações do arguido em sede de interrogatório. As declarações do arguido explicam muito mais. Não se basta com isso. Há uma omissão insanável.
23- O arguido que se encontra em prisão preventiva desde 4 de Fevereiro de 2023, a fim de provar que nunca esteve no local do crime o que manteve e explicou nas suas declarações de 19/10/23, requereu várias diligências até à dedução da Acusação.
24- A fim de provar que nunca esteve no local do crime, o arguido pediu em finais de Fevereiro de 2023 ao douto Ministério Público que fosse analisado o seu telemóvel, requereu e autorizou o acesso a todos os dados a fim de apurar o seu trajeto. Pediu localização das antenas, coordenadas, o trace-back do seu percurso no dia dos factos, 19 de Abril de 2022.
25- Pelas regras da experiência comum sabemos que esta é uma tentativa séria e idónea de ser demonstrada a sua inocência e, por isso, os registos da Vodafone eram essenciais para demonstrar aquilo que o arguido tem vindo a pugnar desde a sua prisão.
26- A VODAFONE respondeu que não dispõe dos registos de 19 de Abril de 2022! Uma diligência determinante para a eventual libertação do arguido e pedida a 13 de Março pelo MP e os registos não existem apesar de pedido antes de fazer uma ano sobre a noite de 19 de Abril de 2022.
27- A Vodafone responde a um ofício do douto Tribunal a quo de Maio de 2023...
28- Do relatório final da PSP que faz “o percurso possível do arguido” consta:
Importa indicar que por insistência do arguido, houve necessidade de efetuar um exame preliminar, uma vez que alegava que na hora dos acontecimentos de que foi vítima / lesado o HH (19/04/2022, já não se encontrava o local dos factos. - o sublinhado é nosso
Ora acerca deste ponto foi possível estabelecer a seguinte linha cronológica do dia 19/04/2022 - período onde ocorrem os fatos:
Período compreendido entre as 21:51:55 e as 21:58:35 podemos confirmar que o AA, esteve no local onde foi abordado o lesado HH, no período compreendido entre as 21:51:55 e as 21:58:35, ou seja cerca de 7 (sete) minutos - Logo não se pode dizer que " passou no local " como alega. Mais se acrescenta que abandonou o local na presença de outros arguidos e com o HH (vide fls; 31);
Período compreendido entre as 21:58:35 e (sensivelmente) as 22:30:00 - HH, foi transportado contra a sua vontade para o descampado designado por " quinta do furão" na "Rua João Hogan Lisboa, onde foi agredido, vindo a ser auxiliado por uma testemunha que o localizou cerca das 22:30:00 (cf auto de inquirição de testemunha cf. fls 22 a 23);
Pelas 23:00:57 existe uma fotografia no telemóvel do arguido AA, junto á estação ferroviária de Cascais (disposto apresenta esta localização).
Ora pelo Hiato temporal ocorrido entre o final das agressões ao HH, que terão terminado antes das 22:43:50, hora em que o arguido AA estaria junto à estação ferroviária de Cascais, que dista cerca de 1 hora e 13 minutos, facilmente se conclui que é possível, ao arguido após abandonar o local dos factos deslocar-se até Cascais nesse período de tempo, através de qualquer meio de transporte incluído transportes públicos como o metro (Alto dos Moinhos - Cais do Sodré) e depois Comboio ( Cais do Sodré Cascais).
POSSÍVEL PERCURSO (ALTO DOS MOINHOS - CAIS DO SODRÉ)
SAIDA AS 22H35/ CHEGADA ÀS 22H58 (fonte google maps)
29- Ora, o arguido teria dois minutos para apanhar o comboio sendo que não tinha passe e teve de se deslocar à bilheteira, passando o torniquete na plataforma da estação e ir comprar o bilhete o que tornaria impossível o arguido conseguir - como conseguiu - apanhar o comboio das 23h. Não é possível!
30- Por outro lado, o ofendido refere que esteve a ser agredido cerca de 1h ou 35 minutos. Dado como certo pela PSP que o arguido deixou o pavilhão do Benfica às 21h58m, as agressões durariam alegadamente até pelo menos às 22h30m
31- A PSP alega que facilmente o arguido poderia ter estado no local do crime o que não é verdade e contraria a própria simulação do “possível percurso do arguido” feito pela autoridade policial no seu relatório final.
32- A outra versão é a do arguido que vai ao telefone passa e conversa com alguns adeptos do Benfica, segue na mesma direcção da maioria mas não sobe as escadas nem nunca nessa noite após o jogo foi ao descampado que é à direita da porta da hamburgaria, nem um degrau das escadas ali existentes subiu, não viu ninguém, foi par ao metro para a esquerda que o leva para o Cais do Sodré.
33- Ao recorrente cabe colaborar em tudo para demonstrar a sua inocência o que tem feito desde pelo menos 9 de Fevereiro de 2023 para demonstrar que não esteve no local do crime.
34- Este arguido colaborou com tudo que tinha ao seu alcance.
35- Restará, a nosso ver, seguramente, uma dúvida inultrapassável, uma dúvida positiva a favor do arguido.
36- Esta dúvida inultrapassável é, em nosso humilde entender, bastante para, pelo menos, alterar a medida de coacção de privação da liberdade a quem tentou demonstrar com todos os meios ao seu alcance a ida para o metro sem se deslocar para o lado contrário onde está assinalado o local do crime a ele imputado.
37- O facto de o arguido requerer entre Março e Abril os registos da Vodafone e aquela operadora responder a um oficio do DIAP de Lisboa de Maio de 2023 não pode de forma alguma desfavorecer o arguido.
38- Essa informação, pedida pelo recorrente, seria o suficiente para demonstrar a sua ausência do local do crime e a sua ida imediata para o metro às 10h10m mais ou menos...
39- Era isso que pretendia o recorrente com o seu pedido que foi extemporâneo por causa não imputável ao recorrente!
40- Como consequência do supra exposto, é muito remota a possibilidade de o arguido ter cometido os crimes que lhe são imputados.
41- Apanhando o arguido o comboio das 23h - como apanhou - seria impossível tal facto ainda que a PSP tivesse razão - que não tem - porque o arguido nunca foi possuidor de passe da CP e teve que se deslocar à bilheteira para comprar o bilhete e apanhar o comboio para o que necessitaria de pelos menos 4 minutos.
42- A manter-se tal medida está a ser violado o princípio da legalidade, por violação do princípio in dúbio pro reo e a constituição por violar o direito de igualdade. Essencial num Estado de Direito democrático como é o nosso.
43- Há mais arguidos, alguns também reconhecidos pessoalmente pelo ofendido, e - bem - aguardam julgamento com apresentações diárias na OPC da sua residência.
44- Todos estão acusados dos mesmos crimes, no mesmo local, na mesma data, alguns reconhecidos também pelo ofendido e apesar disso - reforçamos - e bem - aguardam julgamento em liberdade.
45- Há duas versões - nenhuma confirmada - diligências inconclusivas essenciais para a descoberta da verdade pedidas pelo recorrente.
46- Quem terá razão? Neste momento há uma verdade: existe uma dúvida razoável que, pelo menos, deve alterar a medida de coação de prisão preventiva ao recorrente.
47- Com o devido e muito respeito, mas, já muito desesperada por ter um jovem ausente de um local do crime, preso há mais de 8 meses num estabelecimento prisional, que se esforça genuína e intensamente por provar a sua ausência do local e não consegue, a signatária ousa concluir e questionar-se:
48- O que leva a Justiça a manter preso um jovem primário que pugna pela sua ausência do local do crime desde o primeiro dia?
49- Pediu todas as diligências ao seu alcance. Fez tudo para colaborar.
50- O recorrente sabe que se as diligências pedidas fossem concluídas contra si, estaria a ajudar na sua incriminação.
51- Não resulta daí e do acima exposto uma dúvida razoável?
52- Não se impõe a aplicação do princípio in dúbio pro reo?
53- Não pode deixar a signatária, com muito respeito, de colocar esta questão para os Senhores Venerandos Juízes Desembargadores, que, seguramente, saberão fundamentar.
54- Tenta-se demonstrar a verdade, até requerendo e autorizando diligências que hoje são consideradas inconstitucionais, sabendo que tais diligências se concluíssem pela presença do recorrente no local do crime ajudariam a incrimina-lo!
55- Ainda assim, nem a dúvida se tem ponderado no caso sub judice aos olhos da Justiça...
56- Confessa a signatária a sua ignorância e desespero na procura da verdade ou, pelo menos, nesta fase processual, na demonstração real de uma dúvida que está plasmada nas declarações do recorrente de 27 de Julho, de 19 de Outubro, no relatório policial e nos autos.
57- Não se aplica aqui o princípio in dúbio pro reo para alterar a medida de coação por outra qualquer que dê garantias á Justiça??
58- Na modesta e humilde opinião da signatária, pensava que sim.
59- Afinal colaborando, autorizando, pedindo para ser investigado mesmo quando podia não o ser, não há dúvidas.
60- Neste caso tem a signatária a ideia de que nada sabe: mais vale um inocente, ainda que com dúvidas. preso do que em liberdade?
61- Onde fica o princípio in dúbio pro reo na aplicação desta prisão?
62- Só se aplica em julgamento e, em caso de dúvida, aplica-se a pena mais gravosa do nosso sistema penal? Não existem outras?
63- Nem a aplicação da vulgo “prisão domiciliária” acautela a dúvida existente? A signatária não percebe e não consegue explicar ao recorrente por ignorância e/ou já por desespero.
64- Não pode o recorrente fazer mais nada: requereu tudo o que era possível.
65- Pediu, através das diligências requeridas para ser profundamente investigado o seu percurso naquele dia. Nada mais pode fazer.
66- Manter-se um jovem que tem este discurso de formas diferentes, mas sempre igual desde que conheceu os factos quando foi detido até à presente data com duas versões semelhantes, mas diferentes na demora do seu percurso.
67- Não é credível que uma pessoa chega ao Cais do Sodré 2 minutos antes do comboio que apanhou às 23h.
68- Terá chegado, basta atentar na explicação do recorrente e analisar o percurso feito pela PSP.
69- A PSP refere que o recorrente terá saído do Alto dos Moinhos às 22h35m (o que não é verdade) mas se assim fosse não conseguiria apanhar o comboio das 23h porque necessitaria de pelo menos 30 minutos para chegar ao Cais do Sodré!
70- A dúvida é razoável: ainda que se aceitasse - por mero dever de patrocínio - que o recorrente saísse à hora calculada pela PSP não daria tempo de ir no comboio das 23h, comboio esse que a própria PSP não questiona até o coloca na simulação feita no relatório final bastando comparar a simulação da PSP e a do recorrente. É mais credível os 30 minutos ou chegar e em dois minutos, sem passe, apanhar o comboio das 23h.
Não se deve aplicar o princípio in dúbio pro reo?
Só isso trará a legalidade e a justiça que esta esta situação merece e não ser aplicado o princípio in dúbio pro reo alterando a medida de coacção aplicada ao recorrente. É o que se roga!
Deve o presente recurso, com o devido e muito respeito, merecer provimento e ser alterada a medida de coacção do recorrente para apresentações diárias na OPC da sua residência pela dúvida existente, quanto a nós, inultrapassável, ou, assim não se entendendo, ser alterada para a medida de coação de OPHVE.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu:
1. O arguido foi sujeito a primeiro interrogatório judicial, tendo lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.
2. O arguido e aqui recorrente foi acusado da prática de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal; de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.º, n.º 1, al. a) e n.º2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. c), e), g) e h) e um crime de violação agravada, p.p. pelos artigos 164.º, n.º2, al. b) e 177.º, n.º4, todos do Código Penal, na pessoa do ofendido BB.
3. O arguido foi pronunciado pelos factos constantes da acusação, com a qualificação jurídica constante daquela e da alteração da qualificação jurídica que foi devidamente comunicada - imputação a título de co- autoria, nos termos do artigo 26º do Código Penal, sendo que no despacho em causa foi mantida a prisão preventiva do arguido.
4. O recorrente alega que a decisão instrutória é nula por total falta de fundamentação, pois que que a Mma Juiz não apreciou as declarações que prestou em sede instrução, sendo que das mesmas resulta uma dúvida razoável e inultrapassável quanto à prática dos factos, pelo que, pelo menos deve ser alterada a medida de coação de prisão preventiva para apresentações diárias no OPC da sua residência ou, assim não se entendendo, ser alterada para a medida de coação de OPHVE.
5. Contrariamente ao alegado pelo recorrente, a Mma juiz de Instrução Criminal apreciou toda a prova dos autos, designadamente as suas declarações, tendo fundamentado devidamente a sua decisão.
6. Dando aqui por reproduzida a factualidade que se considerou fortemente indiciada, tendo presente os elementos de prova que estão na base do juízo de indiciação, não se compreende como pode o arguido e aqui recorrente alega a existência de uma dúvida inultrapassável quanto à prática por si dos factos.
7. Efectivamente, como resulta de decisão instrutória, a Mma juiz de Instrução Criminal explicou as razões para a formação da sua decisão, tendo analisado criticamente e integralmente toda a prova, incluindo aquilo que o aqui recorrente declarou, tendo concluído existirem indícios fortes da prática por aquele dos crimes que lhe foram imputados na acusação, o que determinou a sua pronúncia.
8. A Mma Juiz de Instrução Criminal fundamentou ainda devidamente a sua decisão de manter a prisão preventiva ao arguido, tendo explicado que da análise que fez da prova mantinham-se os fundamentos para a sua aplicação, que deu por integralmente reproduzidos, constantes dos despachos e decisões anteriores que já anteriormente determinaram a conclusão pela verificação da existência de perigos de continuação da actividade criminosa; de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas e de perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, sendo que tais medidas se reputam adequadas e proporcionais nos termos dos artigos 191º a 193, 198º e 200º nº1 al. d) e 204º al. a, b) e c) todos do Código de Processo Penal.
9. O Ministério Público entende que a medida de coação de prisão preventiva é necessária, adequada e proporcional às exigências que o caso requer, não sendo de aplicar uma outra menos gravosa.
10. Com efeito, face a todo o circunstancialismo fortemente indiciado nos autos, afigura-se-nos, tal como consta da decisão recorrida que a medida de coacção de prisão preventiva é a única que se mostra necessária e adequada às exigências cautelares do caso concreto e proporcional à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República, pronunciou-se pela improcedência do recurso e confirmação integral da decisão recorrida.
Cumprido o disposto no art.º 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre, então, decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos art.ºs 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos art.ºs 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos art.ºs 368º e 369º por remissão do art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art.º 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
De acordo com este iter sequencial, no confronto com as conclusões, as questões a apreciar, no presente recurso, são as seguintes:
Se o despacho de pronúncia é nulo por falta de fundamentação;
Se a medida de prisão preventiva deverá ser substituída por apresentações diárias na OPC da residência do recorrente ou, caso assim não se entenda, por medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Antes da apreciação do mérito do recurso, importa considerar a seguinte factualidade:
Em primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos realizado em 4 de Fevereiro de 2023, foi aplicada, entre outros, ao arguido AA, a medida de coacção de prisão preventiva, com fundamento na existência de fortes indícios da prática pelo mesmo arguido, em concurso real, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.º, n.º1, al. a) e n.º2, por referência ao artigo 132.º, n.º2, al. c), e), g) e h) e um crime de violação agravada, p.p. pelos artigos 164.º, n.º2, al. b) e 177.º, n.º4, todos do Código Penal, e por se verificarem os perigos de perturbação do decurso do inquérito e de continuação da actividade criminosa (auto de primeiro interrogatório de arguidos detidos com a referência Citius 8243787);
Esta medida foi sendo revista e mantida por despachos proferidos em 04.05.2023 (referência Citius 8368240), em 19.07.2023 (referência Citius 8489208) e pela decisão recorrida, em 23.10.2023 (referência Citius,
Em 14 de Julho de 2023, o Mº.Pº. deduziu acusação contra os arguidos pelos arguidos AA, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR, imputando-lhes a prática em concurso real, de:
- um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1
- um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. c), e), g) e h) e
- um crime de violação agravada, p.p. pelos artigos 164.º, n.º 2, al. b) e 177.º, n.º 4, todos do Código Penal (acusação com a referência Citius 427570135);
Esta acusação foi deduzida com base nos seguintes factos:
1.º
Os arguidos AA, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP e QQ em conjugação de esforços e intentos com outros indivíduos por ora não identificados, decidiram que no dia 19 de abril de 2022 o ofendido iria sofrer consequências da agressão na zona dos Bares do Saldanha em 6 de setembro de 2021 de que foi vitima EE, filho de RR, elemento da “velha guarda” dos “No Name Boys” (674/21.9PVLSB), em que são suspeitos o ora ofendido e um amigo SS.
2.º
No dia 20 de março de 2022, o ofendido foi abordado, junto às escadas da bancada onde a claque “NO NAME BOYS” se encontrava, durante um jogo do Sport Lisboa e Benfica contra o Estoril Praia, por RR que lhe disse que iria agarrar um por um e iria fazer pagar por aquilo que fizeram ao filho (EE), reportando-se ao episódio ocorrido no dia 06 de setembro de 2021.
3.º
No dia 19 de abril de 2022, o ofendido BB encontrou EE no interior do pavilhão confrontando-o com o facto de ele ter contado ao pai e “usado” o mesmo para o intimidar, sendo que EE afirmou que não contou nada ao pai. Depois desta troca de palavras o ofendido HH virou-lhe costas, permanecendo EE a rir-se a olhar para o ofendido e a enviar mensagens no telemóvel.
4.º
Nessa data, 19 de abril de 2022 decorreu no Pavilhão Fidelidade no recinto desportivo do Sport Lisboa e Benfica, sito na Avenida Eusébio da Silva Ferreira, Lisboa, o jogo de futsal entre o Sport Lisboa e Benfica e o Sporting Clube de Portugal a contar para a 22ª jornada do Campeonato Placard.
5.º
O ofendido BB, nascido a 11/11/2005 (há data dos factos menor, com 16 anos de idade), juntamente com mais dois amigos, deslocaram-se ao referido pavilhão para assistir ao jogo, onde se encontravam os arguidos que de imediato o começaram a monitorizar para concretizarem o objetivo definido para aquele dia.
6.º
O ofendido é adepto do Sport Lisboa e Benfica, sendo que normalmente fica na zona reservada ao Grupo Organizado de Adeptos (GOA) “NO NAME BOYS”, no entanto não faz diretamente parte do referido Grupo.
7.º
BB mantinha à data uma relação de amizade com alguns indivíduos adeptos do Sporting Clube de Portugal, associados ao Grupo Organizado de Adeptos (GOA) Juventude Leonina.
8.º
No final do encontro o ofendido BB, acompanhado de dois amigos, abandonou o Pavilhão e quando se encontrava entre a zona comercial e o Pavilhão, recebeu uma chamada, tendo por esse motivo mudado de direção no sentido inverso ao que os seus amigos levavam, despedindo-se dos mesmos.
9.º
Nesse momento iniciou-se o plano delineado por todos os arguidos, sendo o ofendido abordado por MM que vinha a monitorizar o ofendido desde a saída do mesmo do Pavilhão juntamente com II, LL, KK, AA, OO, NN e JJ.
10.º
Depois do arguido MM o abordar, encaminhou o ofendido para junto de OO que ali se encontrava, que questionou o menor quanto à sua identidade, perguntando-lhe se é o “HH”, mostrando-lhe através do telemóvel o seu próprio perfil da rede social “Instagram”, tendo o ofendido negado tal facto com medo que lhe acontecesse algo.
11.º
Sem demora e depois de confirmar a identidade do ofendido, o arguido OO, na companhia dos também dos arguidos MM, e NN referiu: “Com que então és tu que te dás com os lagartos”.
12.º
De seguida, o ofendido BB foi agarrado pelo braço e obrigado a acompanhar contra a sua vontade, pelos arguidos, OO, AA, NN, JJ, II e LL, fazendo-o deslocar para fora do complexo desportivo em direção ao Alto dos Moinhos.
13.º
No decorrer da deslocação apeada juntaram-se mais arguidos aos já referidos, em concreto PP, e posteriormente KK, QQ e PP.
14.º
Já com todos os arguidos reunidos em redor do ofendido HH encaminharam o ofendido para uma zona de descampado, que se encontrava nas traseiras do restaurante anteriormente mencionado, local ermo, onde a passagem ou permanência de pessoas é escassa ou inexistente.
15.º
Durante este trajeto o ofendido BB foi obrigado a ceder o seu telemóvel a JJ, e a facultar o código de desbloqueio do mesmo. Devido a tais factos este arguido, tal como NN acederam, e permitiram a visualização aos outros arguidos, ao telemóvel do ofendido tendo acedido a mensagens trocadas com amigos, adeptos do Sporting.
16.º
Os arguidos exigiram que o ofendido lhes entregasse o telemóvel de marca Iphone (no valor de 680 euros) e através da rede social “Instagram” PP juntamente com os demais arguidos ligaram para amigos do ofendido, sportinguistas, através de vídeo chamadas, somente atendida por XX.
17.º
Com esta ação, os arguidos acederam ao telemóvel do ofendido BB, tendo acedido a mensagens trocadas com amigos, adeptos do Sporting, onde o mesmo os avisava da localização de uma outra claque do SLB “Diabos Vermelhos”, o que enfureceu os arguidos.
18.º
No referido descampado à medida que se iam aproximando os arguidos identificados e outros cuja identificação não se logrou apurar começaram a rodeá-lo.
19.º
Depois de chegarem ao descampado um dos arguidos afirmou “Chama o puto! Vai buscar o puto!”, referindo-se a EE, filho do arguido RR, os quais também se encontravam no local.
20.º
De seguida, o ofendido foi agredido por um dos arguidos com pontapés na zona das costelas que lhe provocou a queda no solo e, ato continuo, todo o grupo presente se aproximou e começou a agredir fisicamente o ofendido, com murros e pontapés na cara e pelo corpo.
21.º
No decorrer das agressões, os arguidos obrigaram o ofendido a despir-se permanecendo apenas de boxers, sendo de seguida questionado pelos arguidos se conhecia SS, alegado coautor das agressões ao filho de RR, ao que o ofendido respondeu que não conhecia, por temer pela sua integridade física, tendo os arguidos mencionado que “iria ser o próximo”.
22.º
Após, voltaram-lhe a pedir o código de desbloqueio tendo acedido a várias fotografias do ofendido com elementos do Sporting, ao mesmo tempo que lhe fizeram perguntas sobre alguns elementos que pertenciam à claque Juve Leo, dos quais salientam-se três nomes: AAA, XX e BBB.
23.º
Os arguidos enviaram dois vídeos bomba a BBB (Vídeos bomba são imagens 'autodestrutivas' enviadas pelo Instagram Stories, não permitem que o conteúdo seja visto mais do que uma vez), novamente através da rede social “Instagram” com a mensagem de que o próximo seria ele.
24.º
De seguida, os arguidos dirigiram-se ao ofendido HH, obrigaram-no a ajoelhar-se, a baixar os boxers, única peça de roupa que ainda tinha vestida, proferindo o seguinte “Vira o cú! Vira o cú!”, enquanto gritavam para um dos arguidos “Vai buscar um pau! É hoje que ele vai perder a virgindade!”.
25.º
Em ato continuo obrigaram-no a inclinar-se para frente, enquanto um dos indivíduos lhe colocou um pau fino no ânus do ofendido, logrando a penetração parcial com o referido objeto, provocando-lhe dores.
26.º
Os arguidos ainda ponderaram cometer o mesmo ato com uma tocha e posteriormente acender a mesma, o que não aconteceu.
27.º
Volvidos alguns minutos, os arguidos questionaram o ofendido se sabia onde estava, obrigando o mesmo a permanecer naquele local e contar até 100 (cem), começando de imediato a contagem, sendo que nos primeiros 10 (dez) segundos foi pontapeado diversas vezes.
28.º
Os arguidos ordenaram ao ofendido que devia permanecer calado e caso contasse alguma coisa à Polícia iriam matá-lo.
29.º
Além do telemóvel, no valor de 680 euros, os arguidos apropriaram-se de umas calças do ofendido, no valor de 30 euros, um kispo no valor de 190 euros e da quantia monetária de 40 euros.
30.º
Durante a atuação um dos arguidos disse aos demais que “já chegava! o miúdo só tem 16 anos”.
31.º
A partir dessa data o ofendido não voltou a fazer a sua vida normal, nunca mais foi a qualquer evento desportivo, está constantemente a olhar para trás por recear voltar a passar por algo semelhante. De igual forma o ofendido deixou de atender números desconhecidos, e não coloca qualquer publicação nas redes sociais por recear que os arguidos o encontrem.
32.º
O ofendido desde os factos que sofreu iniciou consultas de psicologia.
33.º
Executando na exatidão o que lhe foi ordenado, assim que terminou a contagem, o ofendido verificou que ninguém se encontrava no local, correndo de imediato em direção à Rua Ernâni Lopes, pedindo ajuda assim que chegou à referida artéria à testemunha AAC, que se encontrava a passear o cão.
34.º
Os pais do ofendido acorreram ao local e transportaram o filho para o Hospital de Santa Maria, Lisboa, tendo dado entrada na urgência pelas 23H17.
35.º
Em consequência da atuação dos arguidos, ofendido sofreu traumatismos da boca com feridas; traumatismo dorso-lombar; traumatismo crânio encefálico sem Pressão Cerebral, edema facial e periorbitário, feridas na cavidade bucal, escoriações na face, cotovelos, região lombar e no primeiro dedo do pé direito.
36.º
O ofendido teve necessidade de ser observado pela cirurgia plástica devido a equimose periorbitário, edema e hematomas nos lábios e uma ferida no lábio.
37.º
Os arguidos AA, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ atuaram em conjugação de esforços e intentos com uma missão previamente estabelecida e combinada entre eles e RR.
38.º
Os arguidos atuaram de forma concertada, exibindo clara superioridade de força, deixando a vítima BB, na incapacidade de resistir, procedem à abordagem da vítima, que no caso é também adepto do mesmo clube, subtraindo-lhe desde logo o seu telemóvel, obrigando-o a entregar os códigos de desbloqueio, vasculhando o aparelho e violando a intimidade que o mesmo ali guarda.
39.º
Ao atuar da forma descrita, atuaram de forma a apropriarem-se dos objetos de valor do ofendido, não se inibindo de utilizar a violência para concretizar os seus intentos.
40.º
Mais atuaram com a intenção de molestar fisicamente o ofendido, o que lograram conseguir e bem assim, tentar com tais agressões que o ofendido não apresentasse queixa e assim assegurar a impunidade pelos crimes ocorridos e bem sabendo que o mesmo se encontrava em clara inferioridade numérica e era menor de idade.
41.º
Os arguidos atuaram ainda com a intenção de molestar sexualmente o ofendido, o que lograram conseguir mediante a penetração do ânus com um pau de madeira, bem sabendo que o mesmo era menor de idade (acusação com a referência Citius 427570135);
Os arguidos MM, LL, RR, XXX, AA, JJ, II, KK e QQ requereram a abertura da instrução, a qual foi admitida e realizada (despacho com a referência Citius 8551233 de 28 de Setembro de 2023);
Durante o debate instrutório, o Mº. Pº. requereu, além do mais, que «Resulta também dos factos articulados nos pontos 1, 9, 37, 38, do libelo acusatório que os arguidos AA, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP e QQ agiram em co-autoria e que por mero lapso de escrita não consta da imputação que estes agiram em co-autoria, pelo que se promove nos termos do disposto no artigo 380º nº 1 al. b), aplicável aos restantes actos decisórios por força do nº 3 do Código de Processo Penal, se proceda à sua alteração devendo ler-se «em co-autoria» nos termos do artigo 26º do Código Penal» (acta de debate instrutório de com a referência Citius 8582453 de 19 de Outubro de 2023).
No dia 23 de Outubro de 2023, em acto prévio à leitura da decisão instrutória, a Mma. JIC proferiu despacho sobre este requerimento, nos seguintes termos:
Considerando que nos arts. 1º, 9º, 37º a 41º, 66 a 69º da acusação se descreve que os arguidos abaixo indicados agiram em co-autoria e que, certamente por lapso não se fez tal imputação, mais se comunica, nos termos do art.303º, nº 5, do CPP, a alteração da qualificação jurídica dos factos, nos seguintes moldes:
Aos arguidos AA, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR a prática, em concurso efetivo, e em co-autoria, nos termos do art.26º do Código Penal de:
- um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal;
- um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. c), e), g) e h) e
- um crime de violação agravada, p.p. pelos artigos 164.º, n.º 2, al. b) e 177.º, n.º 4, todos do Código Penal (acta de leitura de decisão instrutória de 23.10.2023, com a referência Citius 8586042);
A decisão recorrida tem o seguinte teor, nos excertos que são relevantes para a apreciação do presente recurso (transcrições parciais):
I. RELATÓRIO
Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação, nos termos dos artigos 283.º, n.º 1, e 14.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, com vista à sujeição a julgamento, perante Tribunal Colectivo e sob a forma de processo comum, contra:
1. JJ, nascido a 1997-06-12, titular do cartão de cidadão nº ..., filho de NNN e de OOO, natural de Benfica, com residência em ... 422;
2. LL, nascido a ...9...-10, titular do título de residência nº ..., filho de PPP e de QQQ, natural do ..., com residência em ...º DTO, ... Agualva-Cacém, TIR de fls. 446;
3. NN, nascido a ...9...-09, titular do cartão de cidadão nº 15863185, filho de RRR e de SSS, natural de ..., com residência em ... 522;
4. OO, nascido a ...0...-03, titular do cartão de cidadão nº ..., filho de TTT e de UUU, natural de ..., com residência em ..., TIR de fls. 557;
5. AA, nascido a ...0...-06, titular do cartão de cidadão nº ..., filho de VVV e de WWW, natural de Cascais, com residência em ...), TIR de fls. 595;
6. XXX, nascido a ...9...-09, titular do cartão de cidadão nº..., filho de YYY e de ZZZ, natural da ..., com residência em ..., TIR de fls. 545;
7. AAAA, nascido a ...9...-06, titular do título de residência..., filho de BBBB e de AAAA, natural de ..., com residência ..., lote 11, 2ºEsq, ... Monte de Caparica, TIR de fls. 333;
8. PP, nascido a ...9...-11, titular do cartão de cidadão nº 13744996, filho de DDDD e de EEEE, natural de ..., com residência em ..., ... Lisboa, TIR de fls. 382;
9. QQ, nascido a ...9...-07, titular do cartão de cidadão nº ..., filho de AAAA e de GGGG, natural de Lisboa, com residência em ...), TIR de fls.480, sujeito a medidas de coação não detentivas da liberdade à ordem dos presentes autos desde 4 de fevereiro de 2023;
10. RR, nascido a ...7...-06, titular do cartão de cidadão nº..., filho de HHHH e de IIII, natural de ..., com residência em ...º B, ... Parede, TIR de fls. 507;
11. II, nascido a ...9...-03, titular do cartão de cidadão nº ........, filho de JJJJ e de KKKK, natural de ..., com residência em ...
12. KK, nascido a ...8...-10, titular do cartão de cidadão nº ..., filho de LLLL e de MMMM, natural de ..., com residência em ... 390;
13. MM, nascido a ...0...-08, titular do cartão de cidadão nº ..., filho de NNNN e de OOOO, natural de ..., com residência em ... 490;
Imputando:
Aos arguidos AA, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR a prática, em concurso efetivo, de:
- um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal;
- um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. c), e), g) e h) e
- um crime de violação agravada, p.p. pelos artigos 164.º, n.º 2, al. b) e 177.º, n.º 4, todos do Código Penal.
Aos arguidos XXX, AAAA, PP e NN a prática, em concurso real de:
- dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. c), e), g) e h),
- dois crimes de gravações ilícitas, p.p. pelo artigo 199.º, n.ºs 1 e 2, al. a),
- dois crimes de coacção agravada, p.p. 154.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al.a), todos do Código Penal.
Ao arguido AAAA a prática em concurso efectivo de:
- dois crimes de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal (NUIPC 1556/22.2PULSB);
- um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86.º, n.º1, al. d) por referência aos artigos com referência ao art.º 3.º, n.º 2 al. q), art.º 2.º, n.º 3, al. m), u), e al. e) (MUNIÇÕES e CARTUCHO), 86.º, n.º 1, al. a) com referência ao art.º 3.º, n.º 2, al. b), l) art.º 2.º, n.º 1, al. v), aaa) (PISTOLA METRALHADORA modificada), 86.º, n.º 1, al. e) com referência ao art.º 3.º, n.º 2 al. s), art.º 2.º, n.º 2, al. z) (SILENCIADOR), art.º 86.º, n.º 1, al. e) com referência ao art.º 3.º, n.º 2, al. ad), art.º 2.º, n.º 2, , al. l) (CARREGADORES), art.º 86.º, n.º 1, al. c) com referência ao art.º 3.º, n.º 2, al. l), n.º 3, al. b), art.º 2.º, n.º 1, , al. ae) (PISTOLA CALIBRE .380 ACP), 86.º, n.º 1, al. d), art.º 2.º n.º 5, al. af) (ARTIGOS PIROTÉCNICOS) , 86.º, n.º 1, alínea d), artigo 3.º, n.º2, al. g) (MARRETA), art.º 86.º, n.º 1, al. d) com referência ao art.º 3.º, n.º 2 al. ab), art.º 2.º, n.º 1, al. m) (FACA DE ULU), do RJAM,
- um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º do DL 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-C, I-B, I-A anexa aquele diploma;
Ao arguido QQ a prática, em concurso real, de:
- um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal. (NUIPC 873/22.6S3LSB)
- um crime de desobediência, p.p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal (NUIPC 208/22.8PQLSB).
Ao arguido RR a prática de:
- um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), artigo 3.º, n.º 2, al. g) do RJAM (TACO DE BASEBOL).
Ao arguido II, a prática, em concurso efectivo, de:
- um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d) com referência ao art.º 3.º, n.º 2 al. ab), art.º 2.º, n.º 1, al. m) do RJAM (CATANA),
Ao arguido KK a prática de:
- um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86.º n.º 1, al. d) e art.º 2.º n.º 5, al. af) do RJAM (ARTIGO PIROTÉCNICO);
- um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º e 25.º do DL 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-C, anexa aquele diploma.
Ao arguido JJ a prática de:
- um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d) com referência à al.af), n.º 5, artigo 2.º, (ARTIGOS PIROTÉCNICOS), artigo 3.º, n.º2, al.g) do RJAM (MOCA DE MADEIRA).
*
Inconformados, os arguidos MM, LL, RR, XXX, AA, JJ, II, PP, KK e QQ requereram a abertura da instrução.
(…)
E) RELATIVAMENTE AO ARGUIDO AA
O arguido está acusado da prática de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. c), e), g) e h) e um crime de violação agravada, p.p. pelos artigos 164.º, n.º 2, al. b) e 177.º, n.º4, todos do Código Penal, na pessoa do ofendido BB.
O arguido alega, em suma, não cometeu os factos imputados e que às 23:43 horas se encontrava em Cascais.
Interrogado, em sede de instrução, o arguido reiterou que não esteve no local dos factos, o descampado, que assistiu ao jogo e saiu. Não esteve de vigia, nem à espera de ninguém.
Não reparou se havia pessoas no caminho, estava com pressa, queria falar num sítio calmo com a namorada, com quem se tinha chateado e que vive na Madeira.
Atentemos nos indícios.
Constam dos autos as imagens gravadas pelo sistema de videovigilância sito na Avenida Eusébio da Silva Ferreira, Lisboa.
Na sequência da busca efectuada à residência do arguido foi apreendida, cfr. fotograma de fls.602, a roupa que vestia no dia dos factos, cfr. comparação de imagens da ocorrência/roupa apreendida a fls. 3 do Apenso C.
Resulta do auto de visionamento do apenso A, de fls.18 a 31, ao contrário do referido pelo arguido, que este, concertadamente com os restantes arguidos, aguardou a saída do ofendido BB do estádio, o que decorre com clareza do fotograma de fls.24-25 e que, após o ofendido ter sido abordado e forçado a acompanhar os restantes arguidos o arguido exerceu a função de vigilante, controlando todo o raio de acção dos arguidos bem como a movimentação dos polícias que se encontravam no local, o que está patente nos fotogramas de fls. 26 e 27.
Decorre das imagens do sistema de videovigilância que o arguido esteve no local onde foi abordado o ofendido entre as 21:51:55 e as 21:58:35, ou seja, sete minutos.
Mais resulta indiciado, com base nos referidos fotogramas que o arguido, embora ligeiramente mais afastado e assumindo uma posição de vigia, também seguiu com o grupo em direcção ao Alto dos Moinhos, local onde ocorreram os factos, cfr. fotogramas de fls.28- 30. Ademais, o ofendido reconheceu o arguido como sendo interveniente nos factos, como resulta do auto de reconhecimento pessoal de fls. 628 a 629.
Considerando que as agressões ao ofendido terão terminado em hora não concretamente apurada mas anterior às 22:30 horas, hora em que foi auxiliado pela testemunha inquirida a fls. 22-23, verifica-se que o facto de o arguido alegar que às 23:43 horas se encontrava junto à estação de Cascais, que dista cerca de 1:13 minutos, nada obsta à sua participação nos factos, ao contrário do que alega o arguido, cfr. percurso efectuado pelo Google Maps a fls.1782.
Por outro lado, embora o arguido não consiga precisar quem o agrediu, o que se afigura normal atenta a dinâmica dos factos, referiu que “sentiu que todos os indivíduos o agrediam sic.
De todo o modo, atento o disposto no art.º 26º do Código Penal, comete o crime quem bate, rouba e viola, como quem fica de vigia, permitindo que outro ou outros tenham tais comportamentos sem serem interrompidos, na sequência da existência de um acordo, expresso ou tácito, entre todos quanto à divisão de tarefas de casa um.
Por fim, resulta da análise do disco externo com os dados retirados do telemóvel do arguido que este se encontra inserido na claque “no name boys”, cfr. apenso B.
Há, assim, indícios suficientes de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados na acusação, impondo-se a prolação de despacho de pronúncia.
(…)
DECISÓRIO
Por todo o exposto, decido:
(…)
2. PRONUNCIAR para julgamento sob a forma de processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, os arguidos MM, LL, RR, XXX, AA, JJ, II, PP, KK e QQ pelos factos constantes da acusação, com excepção do art.º 94º, e com a qualificação jurídica constante da acusação e da alteração da qualificação jurídica devidamente comunicada (imputação a título de co-autoria, nos termos do art.º 26º do Código Penal).
(…)
Os arguidos JJ, LL, NN, OO, AA, XXX, AAAA e PP encontram-se sujeitos desde 04.02.2023 à medida de coacção de prisão preventiva, revista e mantida até à presente data, tendo sido confirmada relativamente aos arguidos JJ, OO, PP, XXX e AA pelo Tribunal da Relação de Lisboa, cfr. douto Acórdão proferido no apenso B de recurso independente em separado, e relativamente ao arguido LL, cfr. douto Acórdão proferido no apenso A de recurso independente em separado.
Foi agora proferido despacho de pronúncia corroborando a indiciação dos supracitados ilícitos.
Nesta fase de instrução mantêm-se os fundamentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, constantes dos despachos e decisões anteriores que já anteriormente determinaram a conclusão pela verificação da existência de perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, atenta a natureza e a gravidade dos ilícitos praticados (cfr. art.º 204.º, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal) e não se mostram excedidos os prazos de aplicação de tal medida, ilação que se extrai do disposto no art.º 215º, nº 1, al. b) e nº 2, do CPP, por referência ao disposto no art.º 1º, al. j), do mesmo diploma.
Em face do exposto, nos termos do disposto nos arts. 191.º, 193.º n.ºs 1 e 2, 202.º n.º 1 alíneas a), b) e d) e 204.º alíneas b) e c), 213º nº1 al. b), 215º, todos do Código de Processo Penal, determino que os arguidos JJ, LL, NN, OO, AA, XXX, AAAA e PP aguardem os ulteriores termos do processo, sujeitos aos TIR já prestado nos autos e à medida de coacção de prisão preventiva.
Notifique.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A primeira constatação que há a fazer, neste recurso, é a de que, a pretexto da imputação de que as suas declarações não foram devidamente analisadas e ponderadas, o que o arguido AA pretende, além da alteração da medida de coacção de prisão preventiva reexaminada e mantida, é recorrer da decisão instrutória de pronúncia.
Outra não pode ser a interpretação a retirar das alegações de que tal decisão é nula por total falta de fundamentação, em virtude de a Mma. Juiz de Instrução Criminal não ter apreciado as declarações que prestou em sede instrução, sendo que das mesmas resulta uma dúvida razoável e inultrapassável quanto à prática dos factos.
Cumpre, desde já, para que não restem dúvidas, circunscrever o âmbito do recurso, à parte em que o mesmo é legalmente admissível, ou seja, à decisão de reexame e manutenção da medida de coacção.
Isto, porque, verificado o circunstancialismo previsto no nº 1 do art.º 310º do CPP, a regra geral é a irrecorribilidade (como excepção à consagrada no art.º 399º do mesmo código) em matéria de decisões instrutórias como a que foi proferida, neste processo, em que os arguidos foram pronunciados pelos mesmos factos já descritos na acusação e com o mesmo enquadramento jurídico.
Com efeito, nos termos do referido art.º 310º nº 1 a «decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º» é irrecorrível e determina a remessa imediata do processo para a fase da discussão e julgamento da causa, mesmo que na decisão de pronúncia sejam apreciadas nulidades e outras questões prévias ou incidentais, ou seja, também as nulidades, questões prévias ou incidentais, apreciadas na decisão instrutória de pronúncia, são agora insusceptíveis de sindicância através de recurso.
Havendo pronúncia pelos mesmos factos já alegados na acusação, só a decisão sobre inclusão ou exclusão de provas proibidas no decurso da instrução, é que será passível de recurso, nos termos consentidos pelos nºs 2 e 3 do mesmo art.º 310º do CPP.
Com a alteração introduzida pela Lei nº. 48/2007 de 29.8 ao art.º 310º do CPP, a jurisprudência fixada pelo STJ no Assento nº 6/2000 («a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais«) e no AFJ nº 7/2004 («sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público») deve considerar-se caducada, não havendo lugar à sua aplicação, sem necessidade de justificação acrescida dessa não aplicação por parte dos Tribunais (neste sentido, Acs. do STJ de 1.2.2017, proc. 446/07.3ECLSB.L1-C.S1, de 23.11.2022, proc. 541/21.6GAVNG-B.P1-A.S1, in http://www.dgsi.pt).
E «não é inconstitucional o nº 1 do artº 310º do Código de Processo Penal, ao estabelecer a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público» (Acs. do Tribunal Constitucional nºs. 265/94, 610/96, 468/97, 45/98, 101/98, 156/98, 238/98, 266/98, 299/98, 300/98, 216/99, 387/99, 463/2002, 481/2003, 527/2003, 460/08, 51/2010, 146/2012, 690/2013, 708/2014, 453/2020, todos in http://www.tribunalconstitucional.pt).
«A nova solução legal, embora recusando o direito ao recurso, não agrava a posição processual do arguido, não podendo, portanto, ser arguida de inconstitucional. Do novo n.º 2 resulta que a decisão sobre nulidades e questões prévias e incidentais não faz caso julgado formal no processo, podendo o tribunal de julgamento reapreciar tais questões. Assim, perdendo o arguido o direito de recurso da decisão instrutória naquela parte, ganhou, porém, a possibilidade de ver essas questões reapreciadas em sede de julgamento, com o inerente direito a recurso da sentença» (Maia Costa, in Código de Processo Penal Comentado, 2016, Almedina, pág. 986.No mesmo sentido, Nuno Brandão, A nova face da instrução, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 18.º, n.ºs 2-3, p. 239).
A irrecorribilidade da decisão de pronúncia que confirma os factos constantes da acusação do MP constituiu uma das principais características estruturantes do CPP 1987 e foi estabelecida com o propósito de pôr fim aos "estrangulamentos e desvios" do CPP de 1929, identificando-se a recorribilidade do despacho de pronúncia como um desses estrangulamentos.
«Não há violação do princípio de presunção de inocência porque a instrução não é um julgamento. A constituição não equipara a garantia da instrução à garantia do julgamento. (...) Não há violação do princípio da igualdade porque o despacho de pronúncia não é idêntico ao despacho de não pronúncia. A natureza transitória do despacho de pronúncia é consentânea com a sua insindicabilidade, em face da sindicabilidade da decisão resultante do julgamento. Em conclusão, a irrecorribilidade da pronúncia não é inconstitucional, sendo compatível com as garantias de defesa e, nomeadamente o direito ao recurso, à presunção da inocência e o princípio da igualdade» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª ed. pág. 781 a 787).
E, por conseguinte, no núcleo da irrecorribilidade da decisão terão de ser incluídas as nulidades da própria decisão instrutória suscitadas com fundamento na sua falta de fundamentação, na medida em que se trata de questões processuais e quanto a elas o tribunal de julgamento só conhece daquelas sobre as quais ainda não tiver recaído decisão com força de caso julgado (art.º 368º n.º 1), pelo que, «se a decisão instrutória de pronúncia não admitir recurso, a decisão sobre essas questões não tem efeitos de caso julgado pelo que poderão ser novamente objeto de decisão pelo tribunal do julgamento» (Germano Marques da Silva. Direito Processual Penal (Do procedimento – Marcha do Processo). Universidade católica Editora, 2015, pág. 181).
«A irrecorribilidade prescrita no n.º 1 do artigo 310.º do Código de Processo Penal, relativa à decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, abrange os vícios da decisão em si mesma, como, por exemplo, a omissão de pronúncia ou a sua falta de fundamentação, bem como a decisão do juiz de instrução que posteriormente venha a pronunciar-se sobre eles, após a respetiva arguição» (Ac. da Relação de Coimbra de 18.10.2022, proc. 57/18.8T9MGL-B.C1, in http://www.dgsi.pt).
Todavia, mesmo que a imputada falta de fundamentação materializada na tal falta de análise e ponderação detalhada das declarações prestadas pelo arguido recorrente pudesse ser qualificada como uma invalidade da decisão instrutória abrangida pela regra da recorribilidade consagrada no art.º 399º do CPP, nesta parte, o recurso sempre teria de ser rejeitado.
Em processo penal, da conjugação dos art.ºs 118º a 123º; 125º e 126º do CPP, resulta que as invalidades dos actos processuais se desdobram em duas espécies - as nulidades e as irregularidades.
A estas ainda acresce a inexistência jurídica que ocorre quando o acto processual se mostra inidóneo para se integrar na estrutura da relação processual penal, em virtude de lhe faltarem elementos essenciais à sua própria substância, que inviabilizam a produção de quaisquer efeitos jurídicos. Não é sanável, nem susceptível de sanação pela sua não arguição ou decurso do tempo, até porque, uma vez verificada, impede a própria produção do efeito de caso julgado (Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, I, 1999, p. 594). Mas esta não está expressamente prevista na Lei.
Entre as nulidades, há um escalonamento em duas dimensões de gravidade: as nulidades insanáveis ou absolutas e as nulidades sanáveis ou relativas.
O regime das nulidades obedece a três princípios essenciais: o da legalidade, enunciado no nº 1 do art.º 118º, do qual resulta que a violação ou a inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade, quando esta for expressamente cominada na lei, exemplificando o art.º 119º algumas nulidades insanáveis e exemplificando o art.º 120º as que são sanáveis; o princípio da irregularidade de todos os restantes actos praticados contra a lei e um terceiro, que consiste na autonomização das proibições de prova, às quais foi fixado um regime jurídico próprio.
As nulidades, sejam sanáveis ou insanáveis, porque restringem ou podem colocar em crise o princípio constitucional contido no art.º 32º nº 2 da CRP, quanto ao direito a um julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, têm natureza excepcional e, por isso, não admitem aplicação analógica (João Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra Editora, 1999, p. 152; Costa Pimenta, Processo Penal, Sistema e Princípios, 2003, Livraria Petrony, p. 158).
Aos dois graus de intensidade das nulidades estão associados efeitos jurídicos diversos: as nulidades insanáveis, podem ser conhecidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final, e tanto podem ser conhecidas oficiosamente pelo Tribunal, como a requerimento do titular do direito protegido pela norma violada, como pelo Mº. Pº. (art.º 219º da CRP), sendo irrelevante a renúncia à respectiva arguição, ou a aceitação expressa dos efeitos do acto inválido, bem como a prevalência da faculdade a cujo exercício se dirige o acto nulo.
Diversamente, as nulidades sanáveis não são de conhecimento oficioso do Tribunal, só serão declaradas mediante arguição por quem tenha legitimidade para tal e sanam-se se os interessados renunciarem expressamente à sua arguição, tiverem aceite expressamente os efeitos do acto ou se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia, tal como previsto no art.º 121º nº 1 als. a) a c) e nº 2 do CPP.
De acordo com o disposto no n.º 3, do artigo 120º, do CPP, as nulidades relativas têm de ser arguidas nos seguintes prazos: tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado (alínea a)); tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência (alínea b)); tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (alínea c)); e logo no início da audiência nas formas de processo especiais (alínea d)).
Seguindo a mesma técnica, tanto o art.º 119º, como o art.º 120º, em total harmonia com o princípio da legalidade, enumeram as nulidades absolutas e relativas de forma taxativa, através da enumeração de concretos actos praticados ou omitidos que são considerados anuláveis e de uma cláusula genérica de remissão para as «que forem cominadas em outras disposições legais».
Tanto umas, como outras implicam a destruição dos efeitos substantivos, processuais e materiais dos actos feridos de nulidade, assim como a invalidade dos actos subsequentes que tenham com estes uma conexão cronológica, lógica, ou valorativa, o chamado efeito à distância, que se verifica quando, na análise das circunstâncias concretas do caso, existe um nexo de antijuridicidade entre o acto inválido e aquele ou aqueles que se lhe seguem que impõe a invalidade de todos eles (por contágio da nulidade, tornando-as inaproveitáveis, as provas secundárias a elas causalmente vinculadas, a não ser que essas provas secundárias pudessem ter vindo a ser obtidas directamente, mesmo na falta da prova nula, através de um comportamento lícito alternativo) e, sempre que possível e necessário, a repetição do acto nulo ou anulável.
Com efeito, no que respeita aos efeitos da declaração de nulidade, o artigo 122º nº 1 do CPP, estabelece que «as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar», sendo que, nos termos do nº 2 deste artigo «a declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição», dispondo-se no n.º 3 que «ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela».
É o chamado efeito à distância da nulidade, em concretização da chamada doutrina alemã «Fernwirkung des Beweisverbots» e da que os americanos designam de «Fruit of the Poisonous Tree», também vigente na ordem jurídico-penal portuguesa (Figueiredo Dias, Para Uma reforma Global do Processo Penal Português, in Para uma Nova Justiça Penal, Coimbra, 1983, pág. 208; Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 2006, pág.175; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág.227 e Ac. do Tribunal Constitucional nº 198/2004 de 24 de Março, in http://www.tribunalconstitucional.pt/).
Ora, estabelecendo o art.º 118º nº 1 do CPP estabelece o princípio de que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei e não havendo norma que, genericamente, determine a nulidade dos actos decisórios não fundamentados (cfr. art.ºs 119º e 120º do CPP), estes só serão nulos nos casos em que a lei o diga expressamente, como acontece em relação à sentença – art.ºs 374º e 379º nº 1 do CPP, constituindo, nos demais casos, a falta de fundamentação uma irregularidade, submetida ao regime do art.º 123º do CPP.
Nesta sequência, a falta de fundamentação da decisão instrutória configura uma mera irregularidade, sujeita ao regime do art.º 123º do CPP e deveria ter sido arguida até ao final da leitura da mesma e perante o tribunal que a cometeu, não podendo ser agora invocada em recurso dessa decisão, sob pena de o Tribunal da Relação se colocar na posição de decidir em primeira instância matérias que estão excluídas dos seus poderes de cognição e decisão, pelas regras imperativas de interesse e ordem pública sobre jurisdição e competência.
O recurso é, pois, manifestamente improcedente, neste segmento da decisão instrutória.
Quanto ao reexame e manutenção da prisão preventiva.
Todas as medidas de coacção aplicadas no processo, com excepção do TIR, são passíveis de alteração, se, perante as circunstâncias que em cada momento se verificarem sobre a sua necessidade e adequação, também se modificarem os factos integradores dos requisitos legais determinantes da sua aplicação e das exigências cautelares que as justificam, nisto se traduzindo, em linhas gerais, a condição rebus sic stantibus, prevista no art.º 212º do CPP.
Assim, deverão ser revogadas, nos termos do mesmo art.º 212º nº 1 als. a) e b) e nº 3 do Código de Processo Penal, sempre que se verificar «terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação», sendo que «as medidas revogadas podem de novo ser aplicadas, sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação», de acordo com a previsão contida do nº 2 do mesmo artigo.
A cláusula rebus sic stantibus, ou em tradução mais ou menos livre, para português, «permanecendo as coisas como estão» ou «enquanto as coisas estão assim», começou por ser exclusiva do direito privado, como uma manifestação da chamada teoria da imprevisão, introduzindo uma excepção à regra pacta sunt servanda, para significar que a ocorrência de um facto imprevisto e imprevisível, essencial e posterior à celebração de um negócio jurídico de execução sucessiva ou prolongada no tempo, legitima o incumprimento da obrigação pela outra parte, a alteração nas condições da execução das obrigações seu objecto imediato ou a cessação dos seus efeitos (cfr. no AA, a resolução com fundamento em alteração anormal das circunstâncias, no termos do art.º 437º do AA e Vaz Serra, Resolução ou Modificação dos Contratos por Alteração das Circunstâncias, BMJ nº 68, p. 381, nota (157); Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I. 2ª ed. págs. 363; Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol II, páginas 1107 e seguintes).
Para além das suas incidências noutros ramos de Direito, também tem sido importada para o Direito Penal e Processual Penal, desde logo, justificar a inaplicabilidade do caso julgado formal civil às decisões que aplicam medidas de coacção, assumindo uma formulação negativa, principalmente, para significar, desde logo, que a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, tal como como todas as restantes medidas de coacção, à excepção do TIR, só se mantêm, enquanto se mantiverem inalterados, quer as exigências cautelares do caso, quer os motivos de facto e de direito que, justificadamente, de forma válida e eficaz, impuseram a sua aplicação, o que tem como contrapartida, que em caso algum podem ser substituídas ou revogadas, sem que tenha havido alteração dos pressupostos em que se alicerçou a sua aplicação.
Consequentemente, se em sede de reexame oficioso, não se verificarem circunstâncias supervenientes que modifiquem as exigências cautelares ou alterem os pressupostos que determinaram a sua aplicação, basta a referência à persistência do condicionalismo que justificou a medida para fundamentar a decisão da sua manutenção (Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, 1998, 9.ª edição, pág. 434, em anotação ao art.º 212º; Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 4ª edição atualizada, pág. 611 e 612; Ac. da Relação de Coimbra de 20.06.2013 proc. 40/11.4JAAVR-K.C1; Acs. da Relação de Lisboa de 28.01.2016, proc. 2210/12.9TASTB-L.L1-9; de 8.11.2016 proc. 1028/15.1TELSB-5, de 10.07.2018, 294/17.2JGLSB.L1 5ª Secção, de 20.11.2019, proc. 44/19.9PKLRS-B.L1-3, de 30.12.2019, proc. 437/15.0JELSB-C.L1-3; Acs. da Relação de Évora de 31.08.2016 proc. 27/15.8GBSTB-A.E1, de 08.03.2018, proc. 110/13.4 PEBRR-E.E1 e de 10.02.2019, proc. 440/18.9JALRA-A.E1; Ac. da Relação do Porto de 24.10.2018, proc. 434/14.3TELSB-F.P1Acs. da Relação de Guimarães de 24.10.2016 proc. 7/15.3GBBRG-E.G1, de 3.04.2017, proc. 21/14.6GBBGC-A - G1, de 05.03.2018, proc. 319/14.3GCVRL-C.G1, in http://www.dgsi.pt).
«As medidas de coacção, não sendo imutáveis, estão sujeitas à condição ou ao princípio do caso julgado rebus sic stantibus, o qual significa que, embora as decisões judiciais que as apliquem, como quaisquer outras, transitem em julgado, contudo, dada a peculiar natureza das exigências que as justificam e a presunção de inocência do arguido, neste domínio, a eficácia do caso julgado não é absoluta, dependendo da rigorosa manutenção dos pressupostos da respectiva decisão.
«Por isso, a alteração de tais medidas, no reexame da subsistência dos respectivos requisitos, pressupõe sempre que algo mudou entre a primeira e a segunda decisão, não podendo o juiz, sem alteração superveniente das circunstâncias que possam abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação da medida, “repensar” o despacho anterior ou, simplesmente, revogá-lo, porquanto, também neste campo, sob pena de desrespeito pela certeza do direito e pelo prestígio dos tribunais, o princípio da extinção do poder jurisdicional do juiz actua e o caso julgado forma-se nos mesmos termos em que aquele intervém ou este se forma em relação às demais decisões judiciais.» (Ac. da Relação de Guimarães de 08.04.2019, proc. 62/17.1PEBRG-Q.G1, in http://www.dgsi.pt).
Ora, o despacho proferido nos termos do art.º 213º do CPP, como é o caso da decisão recorrida, destina-se unicamente a proceder à reapreciação oficiosa dos pressupostos constantes do despacho que anteriormente determinou a aplicação da prisão preventiva e que a justificaram.
Por isso mesmo, a sua fundamentação tem por objeto, apenas, a constatação sobre se se verificaram circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa colocar em crise a sustentabilidade desses pressupostos e, por via dessa alteração, decidir a sua substituição ou revogação. Caso contrário, a decisão só pode ser a da manutenção da medida de coacção já aplicada, nos precisos termos da decisão que a aplicou ou que procedeu ao seu reexame anterior.
No caso vertente, a prisão preventiva foi aplicada ao arguido AA com fundamento na existência de fortes indícios da prática, pelo mesmo, como coautor material e em concurso real de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º nº 1, de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 145º nº1 al. a) e nº 2, por referência ao artigo 132º nº 2 als. c), e), g) e h) e de um crime de violação agravada, p. e p. pelos artigos 164º nº 2 al. b) e 177º nº 4, todos do Código Penal, na pessoa do ofendido BB.
Na mesma decisão foi decidido manter a medida de coacção de prisão preventiva que havia sido imposta a este arguido em 04.02.2023, por se mostrarem agora intensificados com a pronúncia os indícios da prática daqueles três crimes e por se manterem inalterados os perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, atenta a natureza e a gravidade dos ilícitos praticados (cfr. art.º 204º alíneas b) e c) do Código de Processo Penal).
É da essência da decisão de pronúncia a probabilidade de se demonstrarem os elementos constitutivos da infracção, com base nos factos nela descritos e, consequentemente, de ao arguido vir a ser imposta uma pena ou medida de segurança (arts. 283º nº 2 e 308º nº 2 do CPP).
No caso vertente, a pronúncia reproduz os factos e o enquadramento jurídico-penal já descritos e imputados na acusação deduzida pelo Mº. Pº.
Em todo o iter processual não há notícia de que algum dos perigos previstos no art.º 204º do CPP que alicerçaram a imposição da prisão preventiva – perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas – se possam considerar substancialmente atenuados ou tenham deixado de se fazer sentir.
Os crimes indiciados são extremamente graves, quer em atenção aos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras, quer tendo em atenção a intensíssima culpa dos arguidos, o modo de execução dos crimes, reveladora de enorme perversidade e censurabilidade e as exigências de prevenção geral são fortíssimas, sendo muito provável que venham a ser impostas penas longas de prisão, pelo que a prisão preventiva é a única medida adequada e proporcional às exigências cautelares do caso e às penas que previsivelmente virão a ser aplicadas.
De qualquer modo, não tendo o pedido de substituição da medida de coacção em apreço pela de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, sido formulado perante o Tribunal de primeira instância, também não poderia ser agora decidido por este Tribunal de recurso, precisamente, porque, não se trata de questão que, de acordo com as regras de repartição de competência, esteja entre aquelas que os Tribunais da Relação possam julgar em primeiro grau de jurisdição.
Tudo razões por que o presente recurso não merece provimento.
III – DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCs – art.º 513º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art.º 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelas Meritíssimas Juízas Adjuntas.
Tribunal da Relação de Lisboa, 20 de Março de 2024
Cristina Almeida e Sousa
Maria Margarida Almeida
Filipa Valentim