Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
148/20.5Y4FNC.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
PESSOAS SINGULARES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: A regra referente às notificações em processo contra-ordenacional constante do art. 8º, nº3 ( in fine)  da Lei nº 107/2009, de 14/09 tem o seu campo de aplicação circunscrito às pessoas singulares.
(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório

A Direcção Regional do Trabalho e da Acção Inspectiva aplicou em 07.02.2020 à arguida AAA. uma coima no montante de trezentos euros, por não ter pago ao seu trabalhador (…) as retribuições referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2019, onde se incluem as quantias a título de duodécimos de subsídio de férias e de subsídio de Natal.
A arguida foi notificada da referida decisão por carta registada com aviso de recepção, tendo sido informada que « a decisão relativa à aplicação da Coima poderá ser impugnada mediante recurso a interpor para o Tribunal competente em matéria laboral com jurisdição na área onde se tiver verificado a infração , e apresentado nesta Direção Regional do Trabalho e da Ação Inspectiva no prazo de 20 ( vinte) dias, após a sua notificação, devendo conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir ( artigos 32º e 33º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro)» - fls. 40.
O aviso de recepção foi assinado em 11.02.2020 por … ( fls. 42).
No dia 11 de Março de 2020 a arguida apresentou recurso da decisão da entidade administrativa.
Em 16.06.2020 o Exmº Juiz a quo  proferiu o seguinte despacho :
« … AAAA.,  arguida nos presentes autos, foi notificada da decisão administrativa que lhe aplicou uma coima, no dia 11 de Fevereiro de 2020 (fls. 42).
E veio apresentar recurso de impugnação judicial dessa mesma decisão por requerimento que deu entrada na Inspecção Regional do Trabalho, por mail, no dia 11 de Março de 2020 (fls. 47).
Cumpre conhecer da sua tempestividade.
De acordo com o disposto nos artigos 6º e 33º, da Lei 107/09, de 14 de Setembro, o prazo de interposição de recurso é de 20 dias, contínuo, não se suspendendo nas férias judiciais.
Assim, atenta a data de notificação referida, o prazo terminou no dia 2 de Março. Acresce que não foi invocado qualquer impedimento.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 38º, da Lei 107/09, rejeito o presente recurso de impugnação judicial, por intempestivo.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1UC (artigo 8º, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa).»
A arguida recorreu deste despacho e formulou as seguintes conclusões :
I-A notificação de fls. 40 dos autos e a decisão de condenação no pagamento de uma coima laboral não se referem ao artigo 6.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e, em consequência, concederam à arguida e recorrente o prazo de 20 dias que suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
II Pelo que a notificação de fls. 40 dos autos e consequentemente a decisão condenatória no pagamento de uma coima laboral não deu cumprimento ao disposto no artigo 25º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, porquanto o artigo 33.º, n.º 2, estabelece o prazo de 20 dias e o artigo 6º estabelece a contagem desse mesmo prazo de 20 dias.
III Pelo que a notificação de fls. 40 dos autos tem de obrigatoriamente de fazer referência ao mencionado artigo 6º, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
IV Pelo que ao não ter feito referência ao artigo 6.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, a notificação de fls. 40 dos autos concedeu à arguida e recorrente o prazo de 20 dias que suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
V Ora, a notificação de fls. 40 dos autos foi remetida no dia 10.02.2020 à arguida e recorrente por carta registada com aviso de recepção sob o registo postal RH450147755PT, conforme resulta de fls. 41 dos autos e o aviso de recepção mostra-se assinado por … que não é representante legal da arguida e recorrente, conforme resulta da certidão comercial permanente junta aos autos e cujo código de acesso é 5573-1844-3701. (A entrega deste código a qualquer entidade pública ou privada dispensa a apresentação de uma certidão em papel (artº 75º, nº5 do Código do Registo Comercial).
VI Pelo que o aviso de recepção mostra-se assinado por pessoa diversa da arguida e recorrente (artigo 8.º. n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro), facto que aqui se invoca para todos os efeitos legais e consequentemente a arguida considera-se legalmente notificada no dia 13.02.2020 por constituir o 3º dia útil posterior ao dia 10.02.2020, conforme o disposto no artigo 8.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
VII Em consequência, o dia 14.02.2020 constituiu o primeiro dia do prazo de 20 dias que, como vimos supra, foi concedido á arguida e recorrente com suspensão aos sábados, domingos e feriados e o dia 13.03.2020 constitui o vigésimo dia desse prazo, porquanto os dias 15 e 16, 22, 23 e 29 de Fevereiro são dias de fim de semana e porquanto o dia 25.02.2020 foi feriado e porquanto os dias 1, 7 e 8 de Março de 2020 foram dias de fim-de-semana.
VIII Pelo que a impugnação foi tempestivamente deduzida no dia 11.03.2020 porquanto aquele prazo de 20 dias concedido à arguida e recorrente findou no dia 13.03.2020, o que aqui se invoca para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
IX Sem jamais conceder, por outro lado, a Secção II do capítulo IV da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, tem como epígrafe “Fase Judicial”, pelo que o prazo de 20 dias constante do n.º 2 do artigo 33.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, trata-se de um prazo judicial e não de um prazo administrativo.
X E como prazo judicial o primeiro dia daqueles 20 dias é o dia 14.02.2020 e o vigésimo dia do prazo judicial é o dia 04.03.2020.
XI E sendo aquele prazo de 20 dias um prazo judicial tem aplicação o disposto no artigo 139.º, n.º 5 e nº 6, do Código de Processo Civil, que aqui se invoca para todos os efeitos legais, com referência ao disposto no artigo 107º-A alínea b) do Código de Processo Penal.
XII Pelo que a impugnação poderia ter sido deduzida até ao 3º dia útil subsequente ao dia 04.03.2020, conforme o disposto no artigo 139.º, n.º 5 e nº 6, do Código de Processo Civil.
XIII Sendo que o 3º dia útil subsequente ao dia 05.03.2020 foi o dia 04.06.2020, atenta a suspensão dos prazos estabelecida pela Lei 1-A/2020, de 19 de Março, no respectivo artigo 7º, que suspendeu os prazos a contar do dia 09.03.2020 até ao dia 03.06.2020 por efeito do disposto no artigo 8º da Lei n.º 16/2020 de 29 de Maio, que revogou o artigo 7.º e os n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º -A da mencionada Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de Março.
XIV De facto, o artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, determinou que a produção de efeitos dessa Lei se verificasse na data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, o que implica que a suspensão dos prazos fosse reportada a 9 de Março.
 XV Inexistem dúvidas que o artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, inclui uma norma interpretativa referindo que "o artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020, prevista no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, para o início da produção de efeitos dos seus artigos 14.º a 16.º, como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março".     
XVI Pelo que a dedução a 11.03.2020 da impugnação judicial naquele prazo judicial de 20 dias foi tempestiva atendendo a que o último dia do dito prazo judicial foi o dia 04.06.2020.
XVII Face ao exposto, deve ser reconhecido e declarado judicialmente que a impugnação judicial deduzida pela arguida e recorrente é tempestiva, tudo com todas as legais consequências.
XVIII É inconstitucional, por violação do artigo 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, do artigo 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e por violação do artigo 202.º, do artigo 204.º, do artigo 32.º, nºs 1 e 2, do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa, e por violação do princípio constitucional da presunção da inocência e por violação do princípio in dubio pro reo que é uma das vertentes do princípio constitucional da presunção da inocência e por violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, a interpretação normativa do artigo 25.º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, quando interpretada no sentido que da decisão de condenação no pagamento de coima laboral e da respectiva notificação não deve constar o artigo 6º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e que mesmo assim e, em consequência da falta de referência ao dito artigo 6.º, a concessão do prazo de impugnação judicial das decisões de aplicação de coimas laborais não deve ter-se por suspensa durante os sábados, domingos e feriados e deve continuar a ter-se por um prazo contínuo, inconstitucionalidade que ora se invoca para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
XIX Ora, a interpretação normativa da norma legal do artigo 25.º, n.º 2, al. a) da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, quando interpretada no sentido que da decisão de condenação no pagamento de coima laboral e da respectiva notificação não deve constar o artigo 6º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e que mesmo assim e, em consequência da falta de referência ao dito artigo 6.º, a concessão do prazo de impugnação judicial das decisões de aplicação de coimas laborais não deve ter-se por suspensa durante os sábados, domingos e feriados e deve continuar a ter-se por um prazo contínuo constitui uma compressão intolerável das garantias de defesa da arguida e recorrente.
Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a V.ªs Exªs Meritíssimos Srs. Juízes Desembargadores se dignem reconhecer e declarar o presente recurso totalmente procedente, incluindo a sobredita invocada inconstitucionalidade, tudo com todas as consequências legais, designadamente com a prolação de douto acórdão a revogar a sentença recorrida para todos os efeitos legais.
O Ministério Público respondeu e formulou as seguintes conclusões: 
 1. A decisão da autoridade administrativa, através de carta registada expedida em 10.02.20 foi recebida em 11.02.20.
 2. O prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa é contínuo, atento o disposto no nº 1 do art. 6º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
3. Prazo esse que faleceu no dia 2 de março de 2020, tendo a impugnação dado entrada no dia 11 de março.
4. O facto da notificação se referir ao art. 6º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, não tem a virtualidade de alterar o prazo de impugnação.
5. A interpretação dada ao disposto no art. 9.º, n.º 6, da Lei n.º 107/2009 não padece de qualquer inconstitucionalidade, sendo que não foi motivada qualquer violação de preceitos constitucionais ou de tratados internacionais.
 6. A sentença recorrida que se subscreve na íntegra, não padece de qualquer vício, nulidade ou contrariedade à Lei pelo que deverá ser integralmente mantida.
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II- Importa apreciar se a impugnação judicial da decisão da entidade administrativa foi apresentada de forma tempestiva.
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III- Apreciação
Os factos com interesse para a decisão são os supra relatados.
Resulta do disposto no art. 33º, nº2 da Lei nº 107/2009, de 14/09 que a impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação. Estatui o art. 6º do referido Diploma Legal :
«1- À contagem dos prazos para a prática de actos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal.
2- A contagem referida no número anterior não se suspende durante as férias judiciais».
Por força do nº1 do citado preceito legal e de acordo com o disposto nos arts. 104º, nº1 do CPP e 138º, nº1 do CPC, a contagem do prazo em causa não se suspende aos Sábados, Domingos e feriados.
Estabelece o art. 25º, nº2, a) da Lei nº 107/2009 que da decisão que aplica coima deve constar a informação de que a condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos dos artigos 32º a 35º.
Refere a recorrente que não foi cumprido este preceito legal, por não ter sido indicada a forma de contagem do prazo prevista no art. 6º da Lei nº 107/2009.
Da análise da notificação constante a fls. 40 ( acima transcrita na parte com interesse para a decisão) resulta que a arguida foi informada do prazo do recurso ( 20 dias) e da forma da sua apresentação.
Não estamos perante uma informação que ofereça dúvidas referentes à contagem do prazo. De tal informação não resulta a suspensão do prazo em causa durante aos Sábados, Domingos e feriados.
Ou seja, a notificação em causa não induziu em erro a arguida.
Esta interpretação não ofende o princípio da presunção de inocência do arguido[1]. A defesa dos direitos da arguida deveria ter sido apresentada no prazo previsto no regime jurídico aplicável às contra-ordenações laborais.
O exercício da função jurisdicional pelos Tribunais ( art. 202º da CRP) e as garantias de defesa da arguida ( art. 32º da CRP) também não foram ofendidos.
Invoca ainda a recorrente a violação do art. 20º, nºs 1 e 4 da CRP.
O art. 20º da CRP, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva” estatui:
« 1- A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos
(…)
4- Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.»
O acesso ao direito e aos Tribunais e o direito a um processo equitativo não impedem que o exercício dos direitos de defesa seja norteado e disciplinado por prazos processuais.
Conforme já acima referimos, a notificação efectuada a fls. 40 não assumiu natureza dúbia e susceptível de ofender o exercício dos direitos constitucionais de defesa da arguida.
Não se vislumbra violação do princípio in dubio pro reo.
Importa ainda apreciar se cumpre aplicar o disposto no nº3 do art. 8º da Lei nº 107/2009.
De acordo com este preceito legal, « a notificação por carta registada considera-se efectuada na data em que seja assinado o aviso de recepção ou no 3.º dia útil após essa data, quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando».
Esta disposição tem em vista a notificação das pessoas singulares.  Conforme refere o Acórdão da Relação do Porto de 16.01.2012 ( Desembargador Ferreira da Costa)- www.dgsi.pt «o segmento constante do n.º 3 do Art.º 8.º “quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando” revela que o legislador se quis referir apenas a pessoas singulares, uma vez que as pessoas coletivas só podem agir através de pessoas físicas».
A notificação das pessoas colectivas deve ser feita nos termos das citações destas em processo civil ( neste sentido, Acórdãos da Relação de Évora de 11.07.2013 ( Desembargador Gilberto Cunha ) e da Relação de Lisboa de 12.09.2018 ( Desembargadora Maria Graça Santos Silva)- www.dgsi.pt.
De acordo com o disposto no art. 223º, nº3 do CPC, «as pessoas colectivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração».
Em suma, não cumpre aplicar o disposto no art. 8º, nº 3 ( parte final)  da Lei nº 107/2009 e não releva o facto de a notificação em apreço não ter sido assinada pelo legal representante da arguida.
O prazo para a impugnação judicial terminou a 02.03.2020, pelo que não cumpre aplicar o disposto no art. 139º, nº6 do CPC.
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IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Lisboa, 28 de Abril de 2021
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus Nóbrega

[1] Consagrado no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que serviu de base à  Declaração Universal s Direitos Humanos ( vide art. 11º, nº1), no art.6º, nº2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem  e no art. 32º, nº2 da CRP.