Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
395/14.9TTALM-B.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
ITA - INCAPACIDADE TEMPORÁRIA ABSOLUTA
IPATH
SUBSÍDIO PARA SITUAÇÕES DE ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I – As prestações devidas a título de indemnização por ITA e de pensão por IPATH não são cumuláveis.
II – O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente é de atribuição única, mas tal não impede que ao sinistrado seja devida a diferença resultante do aumento da incapacidade verificado em incidente de revisão da incapacidade.
(sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
Em 02.06.2022 o Sinistrado, AA, já identificado nos autos, requereu execução de sentença, nos próprios autos, contra a Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., com os seguintes fundamentos.
“A exequente foi condenada por decisão judicial, já transitada em julgado, a pagar ao exequente, as seguintes quantias:
a) Um pensão anual e vitalícia de €18.103,38, devida desde 19.07.2019 e
b) Um subsídio por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual no montante de €5.384,63.
Se é verdade que no período compreendido entre 19.07.2019 e 05.02.2021 o Exequente/sinistrado esteve a usufruir de uma indemnização por incapacidade temporária absoluta (baixa médica), paga pela executada, após esse período a Executada nada pagou ao exequente seja a título de pensão anual vitalícia, seja o subsídio de IPATH.
Termos em que que a presente execução prosseguir até ao pagamento integral da pensão anula vitalícia devida desde 05.02.2021, data da alta médica, acrescido do subsídio no valor de €5.384,63.”
Em 13.09.2022, a Executada/Recorrente veio deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, invocando, em síntese, o seguinte:
- No incidente de revisão requerido pelo Sinistrado em 2019, foi decidido agravamento de uma IPP de 73% para uma IPATH de 76,54%; com efeitos desde 19 de Julho de 2019;
- Na sequência dos cálculos de acertos da pensão a liquidar, concluiu-se que o Sinistrado tinha recebido a pensão considerada e, simultaneamente, uma indemnização por incapacidade temporária, no período de 19 de Julho de 2019 a 05 de Fevereiro de 2021;
- Por essa razão, a Ré seguradora solicitou a dedução desse valor por se tratar de uma cumulação indevida não prevista na LAT, posto que o sinistrado não pode receber uma pensão por incapacidade temporária a partir de 19 de Julho de 2019 e ao mesmo tempo receber uma pensão relativa a uma IPATH com efeitos desde a mesma data;
- O requerimento foi deferido, pelo que, não tem sentido algum a presente execução; e
- O sinistrado pretende receber o valor da execução a que não tem direito, uma vez que já recebeu o valor de €46.456,72 relativos à Incapacidade Temporária.
Terminou pedindo que os embargos fossem julgados procedentes com as legais consequências.
Em 30.09.2022, o Embargado/Sinistrado contestou invocando, em suma, que:
- Parece de alguma forma correcto que se o trabalhador já usufruiu da indemnização por incapacidade temporária absoluta durante um determinado período, in casu de 19.07.2019 a 05.02.2021, então para o mesmo período não deve usufruir da pensão anual e vitalícia;
- Isto não significa, tal como é pretendido pela seguradora, que esta possa deduzir o valor de €46.456,72 que pagou referente ao período em que o sinistrado esteve com incapacidade temporária absoluta, pois este valor foi pago e devidamente pago, não podendo mais ser utilizado para qualquer outro fim; o que parece razoável é que a pensão anual e vitalícia de €18.103,38 seja devida ao trabalhador não desde 19.07.2019, mas apenas da alta médica, ou seja da data em que cessou a incapacidade temporária absoluta – 05.02.2021 e que se encontra atestada nos autos;
- Entre 19.07.2019 a 05.02.2021 o trabalhador esteve com incapacidade temporária absoluta e apenas após essa data, passou a ter uma incapacidade permanente fixada em 76.54%;
- A proceder a versão da seguradora importava um dano ao sinistrado na ordem de 17.793,04 euros, que é a diferença para o referido período entre a incapacidade absoluta temporária em que este esteve e a pensão por incapacidade permanente que, uma vez obtida a alta, este passou a sofrer de forma permanente; e
- Acresce que a seguradora não procedeu ainda ao pagamento do subsídio por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual no montante de €5.384,63;
Finalizou pedindo que os embargos sejam julgados improcedentes por não existir qualquer cumulação indevida, antes existindo incumprimento da sentença, razão pela qual deve proceder a execução.
Em 09.01.2023 realizou-se a audiência prévia e, não tendo sido possível a conciliação das partes, foi proferido despacho saneador, identificando-se o objecto do litígio e enunciando-se os temas da prova.
Mais se fez constar que:
“Consigna-se que o exequente reconhece que recebeu valores desde a instauração da acção, ou seja 19-07-2019, valores relativos à I.T.A e valores relativos à I.P.P previamente fixada.
Assim, em face dos elementos e do estado dos autos, notifica-se as Ilustres Advogadas para apurarem os valores que são devidos, e desde quando.
Caso não haja acordo, deverão informar os autos dos elementos sobre os quais discordam no prazo de 20 dias.”
Em 9.02.2023, o Sinistrado veio invocar que não alcançou acordo com a executada, que a executada encontra-se em dívida, conforme consta do requerimento executivo, desde 05/02/2021, que o requerimento apresentado pela ré em 07/10/2021 para deduzir o valor de 46.456,72 euros nos autos não deveria sequer ser admitido porquanto ainda que assistisse razão à Ré deveria ter vindo pedir a compensação de créditos em ação própria, o que não aconteceu, que o exequente tem direito a receber a pensão por incapacidade total permanente que foi fixada em 76,54% desde 19/07 de 2019, a executada é devedora ainda do subsídio por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual no montante de €5.384,63 e deve ainda a embargada pagar o diferencial de 73% para 76,54%, ou seja, 3.54% relativo à incapacidade total permanente que foi fixado em douta sentença em 06/08/2021.
Concluiu pedindo que os embargos sejam julgados improcedentes, devendo prosseguir a execução, condenando-se a Ré no pagamento dos valores reclamados na execução acrescidos dos vincendos até integral pagamento acrescido dos juros e custas judiciais.
A Embargante veio aos autos confirmar não ter sido possível o acordo e reafirmar o alegado no requerimento de embargos no sentido de que no período de 19.07.2019 a 05.02.2021, período em que o Sinistrado esteve com ITA, procedeu ao pagamento da indemnização por ITA e, em simultâneo, ao pagamento da pensão, não podendo o Embargado/Sinistrado cumular uma pensão e uma indemnização por ITA, pelo que requereu a dedução desse valor, que a partir de 06.02.2021 cessou os pagamentos de ITA e passou a liquidar a pensão até Outubro de 2021, data a partir da qual suspendeu os pagamentos e que já liquidou o subsídio de elevada incapacidade.
Mais invocou quais os valores que terá pago ao Sinistrado a título de pensão e respectivas actualizações entre 2019 e 2021 e que, em Outubro de 2021, foi já efetuado o pagamento tendo em conta a pensão base de 12.282,18 (€18.103,38 - €5.821,20 (pensão remida), mais atualização 614,35 euros a dividir por 14 meses, num total de 921,18 euros, que a partir dessa data a Embargante não efetuou mais nenhum pagamento ao Sinistrado e que desde 19.07.2019 até 30.09.2021 passou a existir diferença entre o valor pago ao Sinistrado e o valor devido a título de pensão, que no período de 01.10.2021 a 31.10.2021 nada há a considerar uma vez que foi pago corretamente e que, a partir desta data, a Embargante não procedeu a mais nenhum pagamento, uma vez que havia liquidado ao Sinistrado, a título de ITA o valor de 46.456,72 euros, tendo a Embargante, sobre o Sinistrado, um crédito no valor de €20.051,18.
Pediu, a final, que os embargos sejam julgados procedentes.
Em 26.02.2023 o Sinistrado respondeu invocando não assistir razão ao Embargante, que os valores recebidos pelo Sinistrado pela incapacidade temporária total foram devidamente pagos, porquanto se referiam ao período de incapacidade total para o trabalho, em que o mesmo permaneceu, sem qualquer actividade até à data em que lhe foi dada alta médica, pelo que os valores recebidos no valor total de €46.456,00 foram devidamente pagos, nada havendo a descontar, que o que poderá ser tido em conta são os valores que o Exequente recebeu em 2019 designadamente uma pensão base de 8.343,72 euros, acrescida de atualização de 574,70 euros e uma pensão base em 2020 de 8.343,72 euros, acrescida de uma atualização de 586,78 euros e que o exequente tem direito a receber o valor de €637 euros mensais desde Junho de 2019, até à presente data acrescido do subsidio anual por incapacidade permanente absoluta. no valor de 5.384,63 euros desde 2019.
Conclui que o Exequente é credor de um montante não inferior a 26.700,00 juros, até integral pagamento, mais custas e encargos com o presente processo, tal como peticionado no requerimento executivo.
Por requerimento de 10.03.2023 a Embargante requereu a junção aos autos do recibo relativo ao pagamento do subsídio por situação de elevada incapacidade permanente.
Por requerimento de 14 de Março de 2023 veio o Sinistrado alegar que o recibo pago em 05/01/2018, no valor de 5.823,19 euros, é referente ao subsídio por elevado grau de incapacidade referente ao ano de 2017 e que no seu requerimento executivo pretende o pagamento referente ao subsídio por elevado grau de incapacidade e incapacidade parcial permanente a partir de Fevereiro de 2019, até à presente data., pelo que o recibo deve ser desentranhado dos autos.
Em 09 de Maio de 2023 realizou-se a audiência de julgamento após o que foi proferida a sentença que julgou os embargos parcialmente procedentes e determinou o prosseguimento da execução.
Inconformada com a sentença, a Embargante recorreu e formulou as seguintes conclusões:
“1. Na sequência do exame de revisão foi decidido pelo agravamento da IPP de 73% para uma IPATH de 76,54 % atribuído ao Sinistrado com efeito desde 19.07.2019.
2. Entre 19.07.2019 a 05.02.2021 o Sinistrado esteve com ITA tendo a Embargante pago o montante de 46.456,72€.
3. Tendo sido fixado a IPATH desde 19.07.2019 coincidiu que o Sinistrado recebeu em simultânea indemnização a título de ITA e de IPATH.
4.Neste conspecto, requereu a Embargante ao Tribunal em 07.10.2021 a autorização para deduzir do valor pago (46.456,72€) a título de ITA no período compreendido entre 19.07.2019 a 05.02.2021 a pensão por incapacidade permanente, o que foi deferido.
5.Se atentarmos para o período compreendido entre 19.07.2019 a 05.02.2021 temos que compreende mais exatamente 21 meses (18 meses + 1 mês subsídio de férias e 2 meses de subsídio de natal) e 17 dias ao invés de 11 meses como fixado na sentença (637,00€ x 11 meses).
1. Pelo que, durante este período de tempo a Embargante liquidou a título de pensões, não o valor de cerca de 7.000,00€, mas antes a quantia de 13.728,21 (cf.doc.1 cuja junção se requer ao abrigo do disposto no artigo 651.º n.º 1 parte final do CPC aplicável ex vi artigo 2º al.a) do CPT).
2. Na realidade, a Embargante liquidou pensões não até 05/02/2021, mas também até outubro de 2021 (aliás como referido no ponto 16 do requerimento da embargante datado de 13.02.2023). Ou seja, de 06/02/2021 até 31/10/2021 (cf.recibo junto aos autos), foi liquidado a título de pensão ao sinistrado a quantia de 6.555,88€, data a partir da qual foi suspenso o pagamento da pensão até perfazer o valor pago em excesso.
3. Deveria o Sinistrado receber no período compreendido de 19/07/2019 a 05/02/2021 a quantia total a título de pensões o montante de 19.825,82 (365,88 +4.573,90 + 914,78€ + 12896,53 + 921,18€ + 153,55€).
4. Considerando que no mesmo período recebeu a título de pensões a título de pensões, a quantia de 13.728,81 a diferença que tinha a receber neste período 19/07/2019 a 05/02/2021 seria no valor de 6.097,01€.
5. Este valor de 6.097,01€, aumentará para 8.599,50€ à data de 31/10/2021.
6. O Sinistrado de 06/02/2021 a 31/10/2021 deveria receber 9.058,37€, tendo sido liquidado no período de 06/02/2021 a 31/10/2021 a título de pensão a quantia de 6.55,88€.
7. Desta forma em 31/10/2021, tinha a receber a título de diferença de pensão de 06/02/2021 a 31/10/2021 a quantia de 2.502,49€ (767,75€ º 7.369,44€ + 991,18€ = 9.058,37€-6.555,88€ pensão paga de 06/02/2021 a 31/10/2021.
8. Assim desde 19/07/2019 a 31/10/2021 a diferença ascende a 8.599,50€ (6.097,01+ 2.502,49€).
9. Se a este valor deduzirmos o valor liquidado a título de ITA (19/07/2019 a 05/02/2021) 46.456,72€ - 8599,50€ temos que o Sinistrado recebeu a mais a quantia de 37.857,22€.
10. Se por hipótese a Embargante tivesse liquidado pensões desde 01/11/2021 a 30/06/2023 (incluindo sn/2021, sf e sn/2022), o sinistrado teria a receber o valor de 22.848,89, abatendo o montante em dívida de 37.857,22€, ainda estaria em dívida o Recorrido no montante de 15.008,33€.
11. Noutro cenário, se considerarmos que a pensão é devida desde 06.02.2021 e não desde 19.07.2019 o Sinistrado deveria receber no período de 06.02.2021 a 31.10.2021 o valor de 9.058,37€.
12. A diferença entre o valor pago naquele período a título de pensão no valor de 6.555,88€ e o valor que deveria receber o Sinistrado de 9.058,37€ é de 2.502,49€.
13. Não deduzindo o valor pago a título de ITA, deverá ser descontado o valor pago a título de pensão no período relativo a 19.07.2019 a 05.02.2021 (13.728,81€-2.502,49€) num total de 11.226,31€.
14. O referido valor apenas seria compensado em 31.08.2022 e o requerimento executivo deu entrada em 02.06.2022, ou seja, no período durante o qual havia lugar a dedução de valores recebidos em excesso.
15. Pelo que não tinha razão o Recorrido para intentar a ação executiva quando a dedução dos valores foi autorizada por despacho notificado às partes no dia 05.01.2022.
16. O Recorrido recebeu no período entre 06.02.2021 a 30.10.2021 o valor de pensão num total de 6.555,88€ cujos recibos estarão juntos aos autos.
17. No período seguinte, de 01.11.2021 a 31.12.2021 deveria o Recorrido receber 2.763,54€.
18. De 01.01.2022 a 31.08.2023 deveria o Recorrido receber 8.373,51€.
19. Num total de 11.137,05€.
20. O recorrido recebeu ainda em excesso o valor de 89,27€.
21. De modo que o Recorrido terá direito a receber a título de pensão pelo período de 01.09.2022 a 31.12.2022 o valor de 4.651,95€; e pelo período referente a 01.01.2023 a 30.06.2023 o valor de 7.059,85€ num total de 11.711,80€.
22. Contudo, considerando ainda que recebeu 89,27 em excesso, deverá este valor ser deduzido alcançando-se o valor referente ao período que reporta a 01.09.2022 a 30.06.2023 de 11.622,53€.
23. Face ao exposto, sempre com respeito por douta opinião, entende a Recorrente que operando a dedução do montante pago em excesso ao valor do qual ainda será o Recorrido credor, à data da interposição do requerimento executivo não incorria a Recorrente em incumprimento, razão pela qual requer-se a extinção da ação executiva.
24. Relativamente ao subsídio de elevado grau de incapacidade e salvo melhor opinião, é entendimento da Recorrente que mais nada é devido a este título, conforme estipula o n.º 3 do Artigo 47 da LAT, o qual refere que o subsídio de elevado grau de incapacidade é uma prestação de atribuição única.
25. Face ao resultado do exame de revisão o mesmo já não reúne os pressupostos que conferem direito ao subsídio em causa. No entanto este já lhe foi pago por força da conversão da incapacidade temporária em permanente.
26. O resultado do exame de revisão apenas releva em termos de aumento ou diminuição do valor da pensão, não conferindo ao Sinistrado/ Recorrido o direito de ser novamente indemnizado por aquela prestação que por lei é de atribuição única.
27. A douta decisão do Tribunal a quo, salvo devido respeito, viola o disposto no artigo 729 al.h) do CPC e artigo 47.º nº 3 da LAT.
Nestes termos e nos mais de Direito que V.Exas doutamente suprirão, a Ré/Recorrente pugna pela revogação da douta sentença considerando o objeto do recurso e a sua substituição por Decisão que julgue a execução improcedente por não provada, só assim se fazendo a costumada justiça.”
O Recorrido contra alegou e formulou as seguintes conclusões:
“a) A executada veio aos autos com requerimento do incidente de Revisão/Incapacidade/Pensão, para deduzir o valor de 46.546,72 euros pagos ao sinistrado a título de incapacidade temporária absoluta, no período compreendido entre 19-07-2019 a 05-02-2021, na pensão ainda por liquidar, alegando o pagamento em simultâneo
b) por incapacidade permanente e da indemnização por incapacidade temporária absoluta.
c) Não se conformando com tal posição, e após despacho do Meritíssimo Juiz a quo que considerou já ter proferido decisão sobre o mérito da causa, o sinistrado intentou a ação executiva, aceitando o pagamento indevido da incapacidade temporária absoluta, acrescida do subsídio por elevada incapacidade, desde 02-05-2021 até à data da ação executiva.
d) Após requerimentos de ambas as partes e documentos juntos aos autos, foi realizada audiência de julgamento, em que as partes acordaram nos factos indicados no articulado 11 da peça processual.
e) Foi proferida sentença que deu provimento ao à pretensão do exequente quanto ao pagamento da pensão anual no valor de €18.103,38, descontando os valores de 337 x 11 pagos indevidamente ao exequente.
f) Quanto ao subsídio de elevada incapacidade é pago de uma única só vez, o que já se tinha verificado, existindo, porém, uma diferença devida no valor de 298,76 euros, por alteração da taxa de incapacidade, verificada em 19-07-2019.
g) A executada vem apenas na apelação invocar o pagamento de 6.555,88 euros no período de 06/02/2021 a 20/10/2021, não tendo o exequente recebido qualquer valor nos períodos indicados, nem a embargante juntado qualquer comprovativo, pelo que se impugna para todos os efeitos tal versão.
h) A embargante poderia por uma razão de economia processual e boa fé fazer a compensação dos valores indevidamente pagos, e dos devidos, optando por prosseguir os presentes autos com manifesto prejuízo para o sinistrado que desde 05.02.2021 não aufere qualquer valor, verificando-se que o sinistrado tem a receber a pensão anual de 18.103,38 euros até à presente data com as devidas atualizações anuais legais, acrescido da diferença dos 298,76 euros, relativo ao subsídio de elevada incapacidade, bem como de juros até integral pagamento.
i) Não existiu assim violação na douta sentença dos artigos 729.º alínea h) do CPC e 47.º n.º 3 da LAT, mas antes feita uma correta aplicação das normas jurídicas aos factos.
Nestes e nos melhores termos de direito, deve a presente apelação ser improcedente por não provada, mantendo-se a sentença recorrida,
POIS ASSIM, SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!”
Recebidos os autos neste Tribunal, foi determinada a sua remessa ao Tribunal de 1.ª instância a fim de serem instruídos com as peças em falta.
Devolvidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
As questões a decidir são as seguintes:
1.ª- Se, à data da interposição da execução, a Ré seguradora não estava em incumprimento, devendo a execução ser extinta.
2.ª-Se nada mais é devido ao Sinistrado a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente.
Fundamentação de facto
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos sobre os quais as partes acordaram na audiência de julgamento:
1)Entre 19-07-2019 e 05-02-2021 o Sinistrado esteve com ITA decorrente do acidente de trabalho dos autos;
2)Pelo período de ITA referido em 1) a seguradora pagou ao sinistrado €46.456,72;
3)Em Janeiro de 2018 a seguradora pagou ao sinistrado a título de subsídio de elevada incapacidade o montante de €5.085,87;
4)Durante 11 meses, seguramente compreendidos entre 19-07-2019 e 05-02-2021, o Sinistrado recebeu da seguradora para além da ITA, o valor €637,00 mensal a título de pensão por I.P.P.;
5)Para além dos valores referidos, a seguradora nada mais pagou ao sinistrado.
*
Importa ainda considerar os factos seguintes que se aditam ao abrigo do disposto no artigo 663.º n.º 2 do CPC:
1- Por sentença datada de 13.09.2017, a Ré seguradora foi condenada a pagar ao sinistrado:
-uma pensão anual e vitalícia no valor de €14.164,92;
- o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no valor de €5.085,47;
- os juros de mora a calcular sobre o capital em dívida desde 22.04.2014;
- €30,00 de despesas de transporte.
2- Em 19.07.2019, o Sinistrado, invocando, agravamento da sua situação, veio requerer incidente de revisão da incapacidade.
3- Nos autos de incidente de revisão da incapacidade, por sentença datada de 05.08.2021, foi fixada ao Sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 76,54% com IPATH desde 19 de Julho de 2019 e condenada a Ré seguradora a pagar ao Sinistrado:
- uma pensão anual e vitalícia de €18.103,38 , devida desde 19.07.2019;
- o subsídio por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual no montante de €5.384,63,
-juros à taxa legal até integral pagamento.
4- Desta decisão não foi interposto recurso.
5- Na sequência de requerimento apresentado pela Ré seguradora a invocar já ter efectuado o pagamento do subsídio de elevada incapacidade, em 06.10.2021, no incidente de revisão da incapacidade, foi proferido o seguinte despacho:
“Sendo a prestação única deverá ser descontado no valor ora fixado o valor já pago. Sendo que o diferencial a título de capital, e juros, terá de ser liquidado.”
6- Em 07.10.2021, a Ré seguradora veio requerer autorização para deduzir do valor pago (46.456,72€) a título de ITA no período compreendido entre 19.07.2019 a 05.02.2021, a pensão por incapacidade permanente, por entender não serem cumuláveis a indemnização e a pensão.
7- O Ministério Público pronunciou-se no sentido de assistir razão à Seguradora.
8-Sobre tal requerimento, em 05.01.2022, no incidente de revisão da incapacidade, recaiu o despacho seguinte:
“Nos presentes autos a questão suscitada pela entidade responsável não respeita ao mérito da sentença. De facto, a sentença fixa a responsabilidade em abstrato, independentemente dos pagamentos entretanto realizados.
Nestes termos e fixando-se o valor da pensão em data determinada os valores pagos a título de ITA ou ITP pagos, entretanto terão de ser considerados e descontados ao valor devido.
Notifique e dn.”
9- O Sinistrado requereu esclarecimentos ao despacho.
10- Em 02.03.2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Considerando o pedido de esclarecimento do sinistrado cumpre explicitar que os valores a que o sinistrado terá direito são os fixados em sentença. No que respeita ao pagamento qualquer pagamento realizado terá de ser imputado ao valor devido.
Notifique.”
11- O Sinistrado recorreu desse despacho, recurso que não foi admitido.
*
Fundamentação de direito
Previamente à análise das questões suscitadas no recurso importa apurar se deve ser admitida a junção aos autos do documento junto com as alegações.
Nas conclusões 5 e 1 (que deveria ser 6) a Recorrente invocou, respectivamente: “1. Na sequência do exame de revisão foi decidido pelo agravamento da IPP de 73% para uma IPATH de 76,54 % atribuído ao Sinistrado com efeito desde 19.07.2019.
2. Entre 19.07.2019 a 05.02.2021 o Sinistrado esteve com ITA tendo a Embargante pago o montante de 46.456,72€.
3. Tendo sido fixado a IPATH desde 19.07.2019 coincidiu que o Sinistrado recebeu em simultânea indemnização a título de ITA e de IPATH.
4. Neste conspecto, requereu a Embargante ao Tribunal em 07.10.2021 a autorização para deduzir do valor pago (46.456,72€) a título de ITA no período compreendido entre 19.07.2019 a 05.02.2021 a pensão por incapacidade permanente, o que foi deferido.
5. Se atentarmos para o período compreendido entre 19.07.2019 a 05.02.2021 temos que compreende mais exatamente 21 meses (18 meses + 1 mês subsídio de férias e 2 meses de subsídio de natal) e 17 dias ao invés de 11 meses como fixado na sentença (637,00€ x 11 meses).
1. Pelo que, durante este período de tempo a Embargante liquidou a título de pensões, não o valor de cerca de 7.000,00€, mas antes a quantia de 13.728,21€ (cf.doc.1 cuja junção se requer ao abrigo do disposto no artigo 651.º n.º 1 parte final do CPC aplicável ex vi artigo 2º al.a) do CPT).”
O documento respeita a uma tabela elaborada pela Recorrente com vista a comprovar o pagamento de pensões.
Vejamos:
Nos termos do n.º 1 do artigo 651.º do CPC, “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”
E de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, “As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”
De acordo com o artigo 425.º do CPC, “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Assim, à luz das referidas disposições legais, as partes podem juntar documentos às alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão ou quando a sua junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
O documento que a Recorrente pretende juntar aos autos consiste numa tabela elaborada pela mesma, relativa ao pagamento de pensões referente ao período de 01 de Junho de 2019 a 28 de Fevereiro de 2021.
Ora, afirmando a Recorrente/Embargante que não são devidas ao Sinistrado as quantias que aquele reclama na execução a título de pensões devidas a partir de 05.02.2021, por entender que pagou valores em excesso, e tratando-se de uma tabela elaborada pela própria Recorrente, não vislumbramos porque motivo não pôde ser junta até à audiência de julgamento que se realizou a 9 de Maio de 2023, justificação que nem foi apresentada pela Recorrente. E também não descortinamos motivo para se concluir que a junção de tal documento se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, tanto mais que as partes acordaram na audiência de julgamento que “4) Durante 11 meses, seguramente compreendidos entre 19-07-2019 e 05-02-2021, o Sinistrado recebeu da seguradora para além da ITA, o valor €637,00 mensal a título de pensão por I.P.P.;”
Por conseguinte, por não se verificarem os pressupostos legais, a junção do documento em causa não é admissível, devendo ser desentranhado do processo e entregue à apresentante.
Atento o disposto no artigo 443.º n.º 1 do CPC e 27.º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais a apresentante deve ser condenada em multa que se fixa em 1UC.
*
Debrucemo-nos, agora, sobre a primeira questão suscitada no recurso e que consiste em saber se, à data da interposição da execução, a Ré seguradora não estava em incumprimento, devendo a execução ser extinta.
Antes do mais, importa referir que a Recorrente não impugnou a matéria de facto considerada provada que, aliás, foi obtida mediante acordo de ambas as partes.
Sobre a questão, escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“Nos presentes autos de embargos de executado encontram-se assentes os factos referidos supra, os quais foram admitidos pelas partes e se encontram documentados pelos elementos que se encontram juntos aos autos.
Em face dos factos sobre os quais as partes acordaram e tendo em consideração as decisões proferidas no processo, nomeadamente sentença de 13.09.2017, sentença de 05.08.2021 e despacho 05.01.2022, todos prolatados no incidente de revisão de incapacidade, o Sinistrado tem direito aos seguintes valores:
a) Quanto ao subsídio por elevada incapacidade, o Sinistrado tem direito a receber a diferença entre o que recebeu em execução de sentença de 13.09.2017 e o determinado na sentença de 05.08.2021 (€298,76, acrescidos de juros conforme decidido na sentença de 05.08.2021).
b) Quanto à I.P.P., o Sinistrado tem direito a receber o valor da pensão anual fixada na sentença de 05.08.2021 (€18.103,38), a partir de 06.02.2021 (altura em que cessou a I.T.A.), com as respetivas atualizações, devendo ser deduzido o montante de €637,00 x 11, porque pago a título de pensão por I.P.P. quando o Sinistrado se encontrava a receber indemnizações por I.T.A.
São estes os valores que, em função das decisões proferidas nos autos e ponderando os factos apurados, são devidos nos termos legais pela Seguradora ao Sinistrado, na sequência do acidente de trabalho dos autos.
Os presentes embargos são, pois, parcialmente procedentes.”
Defende a Recorrente, muito sumariamente, que, não obstante ter suspendido os pagamentos em Outubro de 2021, à data da interposição da execução não era devedora de quaisquer quantias ao Sinistrado tendo, antes, pago valores em excesso.
Vejamos:
Considerando a data em que ocorreu o acidente de trabalho relatado nos autos (17 de Julho de 2013), ao caso é aplicável a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro -LAT-, conforme decorre dos artigos 187.º n.º 1 e 188.º da mesma Lei.
Por sentença datada de 13.09.2017, a Embargante foi condenada a pagar ao Sinistrado: i) uma pensão anual e vitalícia no valor de €14.164,92; ii) o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no valor de €5.085,47; iii) os juros de mora a calcular sobre o capital em dívida desde 22.04.2014; iv); e €30,00 de despesas de transporte.
Nos autos de incidente de revisão da incapacidade, por sentença datada de 05.08.2021, foi fixada ao Sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 76,54%, desde 19 de Julho de 2019 e condenada a Ré seguradora a pagar ao Sinistrado: i) uma pensão anual e vitalícia de €18.103,38 , devida desde 19.07.2019; ii) o subsídio por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual no montante de €5.384,63; e juros à taxa legal até integral pagamento.
As partes não recorreram desta decisão.
Resulta ainda dos autos que, em 07.10.2021, a Embargante veio requerer autorização para deduzir do valor pago (46.456,72€) a título de ITA no período compreendido entre 19.07.2019 a 05.02.2021, a pensão por incapacidade permanente, por entender não serem cumuláveis a pensão por incapacidade permanente e a indemnização por incapacidade temporária.
E sobre esse requerimento recaiu despacho que considerou que “fixando-se o valor da pensão em data determinada os valores pagos a título de ITA ou ITP pagos entretanto terão de ser considerados e descontados ao valor devido.”
Também se apurou que, entre 19-07-2019 e 05-02-2021, o Sinistrado esteve com ITA decorrente do acidente de trabalho dos autos, que pelo período de ITA a seguradora pagou ao Sinistrado €46.456,72, que, durante 11 meses, seguramente compreendidos entre 19-07-2019 e 05-02-2021, o Sinistrado recebeu da seguradora, para além da ITA, o valor de €637,00 mensal a título de pensão por IPP e que, para além dos valores referidos, a seguradora nada mais pagou ao Sinistrado.
Das posições defendidas pelas partes é de retirar que ambas aceitam que a indemnização por ITA não é cumulável com a pensão por incapacidade permanente. O despacho de 05.01.2022 também perfilha esse entendimento e a sentença proferida nos presentes autos de embargos de executado também segue nesse sentido pois fundamentou a condenação da Recorrente nos termos seguintes: “ b) Quanto à I.P.P., o sinistrado tem direito a receber o valor da pensão anual fixada na sentença de 05.08.2021 (€18.103,38), a partir de 06.02.2021 (altura em que cessou a ITA), com as respectivas actualizações, devendo ser deduzido o montante de €637,00 x 11, porque pago a título de pensão por I.P.P. quando o sinistrado se encontrava a receber as indemnizações por I.T.A.”
Ou seja, a sentença concluiu que o montante pago a título de pensão por IPP durante o período de ITA deve ser deduzido à pensão anual fixada na sentença de 05.08.2021, devendo o abatimento operar a partir de 06.02.2021, dia seguinte ao da alta.
Adiantamos, desde já, que acompanhamos este entendimento.
Senão vejamos.
Nos termos do artigo 19.º da LAT: “1 - O acidente de trabalho pode determinar incapacidade temporária ou permanente para o trabalho. 2 - A incapacidade temporária pode ser parcial ou absoluta. 3 - A incapacidade permanente pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho.”
O direito à reparação compreende prestações em espécie e em dinheiro, incluindo-se a indemnização a título de ITA e as pensões nestas últimas (artigo 23.º al. b) da LAT.
Nos termos do artigo 47.º da LAT, as prestações em dinheiro previstas na alínea b) do artigo 23.º compreendem, além de outras, a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho (al.a) e a indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho (al.c).
De acordo com o n.º 1 do artigo 48.º da LAT, “A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.”
Por seu turno, “A indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.” (n.º 2 do artigo 48.º).
E nos termos do artigo 48.º n.º 4 da mesma Lei “4 - A indemnização por incapacidade temporária é devida enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional.”
A indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados e começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente (art.º 50.º n.º 1 da LAT), enquanto que a pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado (artigo 50.º n.º 2).
Nos termos do artigo 24.º n.º 2 da LAT “O direito à indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, previsto na alínea b) do artigo anterior, em caso de recidiva ou agravamento, mantém-se:
a) Após a atribuição ao sinistrado de nova baixa;
b) Entre a data da alta e a da nova baixa seguinte, se esta última vier a ser dada no prazo de oito dias.”
Por outro lado, tendo sido requerida a revisão da incapacidade, como foi, a pensão alterada é devida desde a data da propositura do incidente, como foi considerado nos presentes autos. Ou seja, a pensão aumentada que resultou do incidente de revisão, no caso, era devida desde 19.07.2019, data em que o Sinistrado se encontrava com ITA e que se prolongou até 05.02.2021.
Mas como se afirma no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.07.2021, processo n.º133/12.0TTBCL.7.P1, confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2022, consultáveis em www.dgsi.pt, “I - Destinando-se a indemnização por incapacidade temporária absoluta a reparar, tão só, a perda temporária da capacidade produtiva do sinistrado, com capacidade restante, disposição alguma da LAT determina, que a mesma seja cumulável com a pensão anual e vitalícia reportada à IPATH de que é portador.
II - O pagamento, em simultâneo, da pensão por incapacidade permanente e da indemnização por incapacidade temporária absoluta, no período da baixa médica por recidiva, constitui uma acumulação indevida, não contemplada na LAT (ao contrário das pensões por incapacidades permanentes – artigo 51.º, n.º 2) – e civilmente enquadrável no enriquecimento sem causa.”
Na situação analisada no citado aresto, foi paga ao sinistrado a pensão e este na acção reclamou o pagamento da indemnização a título de incapacidade temporária absoluta, tendo o Tribunal de 1.ª instância considerado serem cumuláveis as duas prestações, pelo que condenou a Ré seguradora no pagamento da indemnização de ITA.
O Tribunal da Relação do Porto e o Supremo Tribunal de Justiça entenderam que aquelas prestações não são cumuláveis.
No caso, durante o período de ITA, a Recorrente/Embargante pagou ao Sinistrado a pensão anteriormente fixada e também pagou a indemnização por ITA.
Ou seja, a Recorrente pagou prestações a mais no período que se situou entre 19.07.2019 e 05.02.2021, o que, naturalmente, não a desobrigou de pagar a pensão anual e vitalícia fixada na sentença de 05.08.2021.
Contudo, nada obstava a que a Recorrente/Embargante pudesse deduzir aos montantes devidos ao Sinistrado as quantias que pagou a mais.
Com efeito, estatui o artigo 847.º do Código Civil.
“1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.”.
Consequentemente, tal como considerou a sentença recorrida, nada impedia que a Embargante deduzisse do valor da pensão anual a que está obrigada a pagar e que foi fixada na sentença de 05.08.2021, o valor que pagou a título de pensão por incapacidade permanente durante o período de ITA.
Com efeito, entendemos que aquele valor não deve ser abatido ao valor pago a título de ITA (€46.456,72), na medida em que este montante era devido ao Sinistrado por se encontrar, efectivamente, numa situação de incapacidade temporária absoluta e, por isso, foi bem pago.
Por conseguinte, a Recorrente tem direito a descontar o montante pago a título de pensões por incapacidade permanente que pagou em simultâneo com a indemnização por ITA, e que, conforme decorre do facto provado sob 4, se cifrou no valor de €7.007,00 (€637,00 x 11 meses), nas pensões devidas ao Sinistrado a partir de 06.02.2021.
Assim, em 02.06.2022, data da propositura da execução, decorridos que estavam 15 meses e 22 dias desde 06.02.2021, o valor descontado pela Recorrente cifrava-se em €9.555,00 (€637,00 x 15), pelo que, nessa data, a Recorrente já tinha abatido em excesso o valor de €2.548,00 (€9.555,00-€7.007,00).
Ou seja, à data da interposição da execução, a Recorrente estava em incumprimento no valor de €2.548,00.
Em conclusão, como refere a sentença recorrida, relativamente à pensão decorrente da IPP, o Sinistrado tem direito a receber o valor da pensão anual fixada na sentença de 05.08.2021 (€18.103,38), a partir de 06.02.2021, com as respectivas actualizações, devendo ser deduzido à pensão anual o montante de €637,00 x 11, donde resulta que, à data do início da execução, a Recorrente tinha abatido a mais daquela pensão o valor de €2.548,00.
Por conseguinte, improcede esta pretensão da Recorrente.
*
Analisemos, por fim, se nada mais é devido ao Sinistrado a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente.
A este propósito, considerou a sentença recorrida que é devida ao Sinistrado a diferença resultante dos valores fixados nas sentenças proferidas no incidente de revisão da incapacidade e no processo principal.
A Recorrente discorda e defende que nada é devido ao Sinistrado a título de subsídio por situação de elevada incapacidade permanente por já ter procedido ao seu pagamento.
O Sinistrado sustenta que o mencionado subsídio é devido nos termos fixados na sentença recorrida, ou seja, é-lhe devida a diferença de €298,76.
Vejamos:
De acordo com o artigo 47.º n.º 1 al. d) da LAT, as prestações em dinheiro previstas na alínea b) do artigo 23.º compreendem, para além de outras, o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente.
Estatui o artigo 67.º n.º 1 da LAT, “1 - O subsídio por situações de elevada incapacidade permanente destina-se a compensar o sinistrado, com incapacidade permanente absoluta ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70 %, pela perda ou elevada redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.”
O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente é uma prestação de atribuição única (art.47.º n.º 3 da LAT).
Dos autos resulta provado que, por sentença datada de 13.09.2017, a Ré seguradora foi condenada a pagar ao Sinistrado, para além do mais, o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente no valor de €5.085,47.
Mais se apurou que, em Janeiro de 2018, a Ré seguradora pagou ao sinistrado a título de subsídio por situação de elevada incapacidade aquele montante, ou seja, €5.085,87.
Também está provado que, nos autos de incidente de revisão da incapacidade, dos quais resultou um aumento da incapacidade do Sinistrado, por sentença datada de 05.08.2021, foi a Ré seguradora condenada a pagar ao Sinistrado o subsídio por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual no montante de €5.384,63.
Em 28.09.2021, a Ré seguradora veio aos autos de incidente de revisão invocar já ter liquidado ao Sinistrado o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente aquando da fixação da incapacidade em 73% e juntou o comprovativo da sua liquidação em 05.01.2018.
E em 06.10.2021 nesse mesmo incidente foi proferido despacho que considerou, que “sendo a prestação única deverá ser descontado no valor ora fixado o valor já pago. Sendo que o diferencial a título de capital, e juros, terá de ser liquidado.”
Ou seja, o Tribunal a quo considerou, e bem, que ao valor de €5.384,63 deveria ser abatido o valor de €5.085,87 já pago pela Ré seguradora.
Com efeito, ser uma prestação de atribuição única significa, tão só, que é paga de uma só vez em contraposição com as prestações de atribuição continuada ou periódica (cfr. artigo 47.º n.º 3 da LAT). Mas tal característica não impede que seja devida ao Sinistrado a diferença resultante do aumento da pensão verificado em incidente de revisão da incapacidade, posto que não se trata de fixar um novo subsídio, mas tão só, de corrigir o seu valor por força da alteração da incapacidade.
Por conseguinte, o recurso improcede, devendo a sentença ser confirmada. Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente.
Decisão
Face ao exposto, acorda-se em:
- Não admitir a junção aos autos do documento que acompanhou as alegações e ordenar o seu desentranhamento e entrega à parte, condenando-se a apresentante na multa de 1UC.
- Julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 20 de Março de 2024
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Alda Martins
Francisca da Mata Mendes