Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22244/18.9T8LSB.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: DIVISÃO DE COISA COMUM
VALOR DA VENDA
PRIVAÇÃO DO USO DA FRAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: I - Discutindo-se na presente ação de divisão da coisa comum qual o valor base de venda da fração, para o que foi produzida prova testemunhal (depoimento de funcionária de agência imobiliária, que referiu um valor na ordem do milhão de euros), documental (relatórios de avaliação de agências imobiliárias, com valores de mercado superiores a um milhão de euros) e pericial (duas perícias, uma realizada em janeiro de 2020, indicando o valor de 880.000€, e outra em março de 2021, indicando o valor de 920.000€), reputa-se como mais ajustado o montante indicado na segunda perícia.
II - No caso dos autos, não merecem a mesma credibilidade as avaliações provenientes das agências imobiliárias, uma vez que, como é sabido, tendencialmente incorporam o valor das comissões e também alguma margem de negociação, partindo de valores iniciais de venda mais aliciantes para o vendedor. Por outro lado, sendo um facto notório a tendência de subida dos preços de venda dos imóveis registada nos últimos anos, é de atender ao valor indicado na perícia mais recente.
III - Antes da conferência de interessados ainda não havia que fixar o valor base de venda da fração, pois, conforme resulta do disposto no art.º 929.º do CPC, as partes poderão acordar na adjudicação da fração a uma delas pelo valor que bem lhes aprouver; somente na falta de acordo sobre a adjudicação é que será determinada a venda da fração, aplicando-se então o previsto quanto à venda em processo de execução, por força do disposto no art.º 549.º, n.º 2, do CPC (aliás, só então é que se justificaria a citação do Banco credor hipotecário para reclamar o seu crédito). No entanto, uma vez que o Tribunal já decidiu fixar o valor base da fração e que, se a venda vier a ser determinada, esse valor haverá de ser considerado, resta fixá-lo em 920.000€.
IV - Discutindo-se se é devida ao Requerente uma indemnização pela privação do uso da fração de que é comproprietário e tendo este alegado que o valor de arrendamento de imóvel semelhante não é inferior a 4.183,33€ mensais, importa considerar o valor locativo da fração, não fazendo sentido, na falta de prova daquele concreto valor, que o tribunal se limite a dar o facto como não provado, numa lógica de “tudo ou nada”. Resultando da segunda perícia, efetuada em data mais recente e que nos merece credibilidade, que apartamentos semelhantes tinham um valor locativo na ordem dos 2.850€, esse facto não podia deixar de ter sido considerado provado, embora quedando não provado o valor superior alegado.
V - O regime da compropriedade cruza-se com o da proteção das uniões de facto, considerando que, como sucedeu no caso dos autos, os ex-membros da união de facto e comproprietários da fração que foi casa de morada da família (dividenda) podem acordar num regime provisório quanto à utilização da mesma, acordo que, não podendo obviamente valer na pendência de um (inexistente) processo de separação de pessoas e bens ou divórcio, vigorará enquanto as partes assim o estipularem, podendo ser fixado como limite temporal a divisão da coisa (em sentido amplo), incluindo a venda a terceiro com repartição por ambos do produto da venda ou a adjudicação a um deles com pagamento de tornas ao outro.
VI - Tendo as partes acordado por escrito, em abril de 2010, atribuir a utilização da fração de que são comproprietários à ora Requerida, “para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretize a venda do imóvel”, e não tendo, à data da propositura da presente ação (em novembro de 2018), nem na pendência da mesma, sido efetuada a venda da fração, não estando sequer provado que a Requerida tenha obstaculizado uma qualquer venda a terceiro, o Acordo é válido, subsiste e deve continuar a ser cumprido, tanto mais que as partes até previram, na cláusula segunda, que “(E)nquanto a fracção referida na alínea A) dos considerandos do presente acordo se mantiver em compropriedade entre os contratantes, cada um deles suportará metade dos encargos relativos ao empréstimo hipotecário que onera o imóvel".
VII - A invocação deste Acordo não configura um abuso do direito da parte da Requerida, já que o Requerente, na altura, saiu voluntariamente da casa de morada da família e concordou com a utilização da mesma nos moldes acima referidos, pelo que não lhe assiste o direito, seja a que título for - mormente o de enriquecimento sem causa - à indemnização pela privação do uso da fração, que peticiona cumulativamente com o pedido de divisão, nem à compensação desse (suposto) crédito com aquele de que a Requerida é titular e que foi invocado em sede de reconvenção e reconhecido na sentença.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

JL interpôs o presente recurso de apelação da sentença proferida na ação de divisão de coisa comum que intentou contra MS.
Na Petição Inicial, apresentada em 08-10-2018, o Requerente pediu que fosse:
- declarada a indivisibilidade legal e material da fração autónoma designada pela letra “S”, destinada a habitação, correspondente ao Corpo A, pisos cinco e seis, quinto andar B Duplex, com a arrecadação n.º 32 e os parqueamentos n.ºs 44, 45, 46 e 47 no piso menos um, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, Lote …, freguesia do Parque das Nações (denominada desde … apenas por Olivais), concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo …, procedendo-se a avaliação a fim de ser “ordenada a respectiva divisão”;
- declarada a privação do uso desse imóvel por parte do Requerente, como consequência direta e necessária do seu uso exclusivo pela Requerida, desde janeiro de 2009 até à data da propositura da ação, devendo ser atribuído o “valor de 1/2 da privação do uso mensal, não inferior a €2.091,67 (dois mil e noventa e um euros e sessenta e sete cêntimos), de total não inferior a €271.916,67 (duzentos e setenta e um mil novecentos e dezasseis euros e sessenta e sete euros)”, e consequentemente ser a Requerida condenada no pagamento de tal quantia ao Requerente, acrescida dos juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Para tanto e em síntese, alegou que:
- O Requerente e a Requerida são proprietários, em comum e sem determinação de parte ou direito, da fração autónoma acima identificada, correspondente a um apartamento duplex sito na zona do Parque das Nações, fração essa que é indivisível e que ambos adquiriram em 30-12-2003, no estado de solteiros, em partes iguais, para aí residirem, tendo tal fração passado a ser casa de morada de família;
- O valor atual de mercado da referida fração não é inferior a 1.000.000,00€ (um milhão de euros), incidindo sobre a mesma garantia hipotecária de mútuo concedido a ambos;
- Desde a cessação da convivência marital entre as partes, em janeiro de 2009, o Requerente tem estado privado do uso do imóvel e sem qualquer contrapartida por tal privação, devendo tal situação (de uso exclusivo pela Requerida) ser indemnizada, à razão mensal de 2.091,67 €, correspondente a metade do valor locativo da fração que é não inferior a 4.183,33 €.
A Ré apresentou Contestação, na qual, em síntese, veio alegar que: também pretende pôr termo à indivisão, mas deverá ser apurado o valor de mercado da fração no decurso do processo; o arrastar da situação, desde a cessação da união de facto, em 2010, é da responsabilidade do Requerente, não se podendo considerar que a Requerida tem o uso exclusivo da fração, face ao acordo das partes, consubstanciado no doc. 17 que junta, e uma vez que o Requerente continuou a usar a fração, aí tendo diversos bens pessoais, recebendo correspondência, entrando e saindo quando quer, pois sempre teve as chaves. Deduziu também reconvenção, pedindo a condenação do Requerente no pagamento da quantia de 94.930,98€, referente:
- a despesas com a fração que a Requerida-reconvinte suportou em valor superior à metade que lhe cabia, designadamente despesas de condomínio no valor de 9.750,48€ que suportou na íntegra; despesas relativas ao crédito à habitação no valor de 74.703€, dos quais apenas deveria ter pago 52.587,23€; impostos e taxas que suportou na íntegra, no valor de 310,88€; e a totalidade dos prémios dos seguros no valor de 5.400€;
- e ao reembolso das quantias que adiantou ao Requerente, por conta do produto da venda da fração, num total de 60.210€ (43.000€ + 12.500€ + 1.000€ + 2.000€ + 210€ + 1.500€).
O Requerente apresentou Réplica, na qual se pronunciou pela improcedência da reconvenção, alegando designadamente que:
- O clima de animosidade entre as partes excluía a possibilidade de utilização simultânea da fração, pelo que, em janeiro de 2010, o Requerente se viu forçado a encontrar uma solução de residência alternativa, e, para o efeito, a Requerida adiantou-lhe 43.000,00€ como contrapartida da privação de uso;
- Porém, o Requerente tinha contribuído com mais 100.000,00€ aquando da aquisição da fração, estando assim a Requerida ciente de que lhe devia 50.000,00€; aquele apenas assinou o Acordo junto como doc. 17 com a Contestação, atenta a relação de confiança com a Requerida e o respeito pelo período de fragilidade emocional que a mesma dizia atravessar, mas sem qualquer intenção de se vincular ao reembolso dessa quantia, considerando que era credor, à data, de valor superior (os referidos 50.000,00€);
- Não é devedor das quantias reclamadas na reconvenção, porquanto foi acordado entre as partes que os proventos auferidos pela Requerida com o arrendamento de quartos e alojamento local da fração dos autos seriam usados exclusivamente nas despesas com os estudos dos dois filhos do casal e com as despesas e encargos do imóvel (crédito habitação, prestações ao condomínio, seguros ...);
- Tendo a Requerida auferido, ao longo dos 9 anos de uso exclusivo da fração, valor não inferior a 271.081,08€ com o arrendamento de 3 quartos/suites da fração, é o Requerente credor de metade desse valor, ou seja, de 135.540,54€, pelo que, mesmo tendo em conta o valor global pedido na reconvenção de 94.931,46€, sempre seria credor da diferença no valor de 40.609,56€;
- Logo, a Requerida-Reconvinte locupletou-se à custa do Requerente-Reconvindo em valor não inferior a 312.526,23€, a saber 271.916,67€ por uso exclusivo do imóvel e correspetiva privação do uso do Autor/Reconvindo, e 135.540,54€ correspondente a 1/2 dos proventos do arrendamento de quartos do imóvel, de janeiro de 2010 até janeiro de 2019, verificando-se o correspetivo empobrecimento do Requerente/Reconvindo (271.916,67€ + 135.540,54€);
- Acresce ainda o contributo do Requerente para as despesas da Requerida e dos filhos (no valor de 64.487,00€) e o valor acima indicado que pagou a mais pela fração (50.000,00€), tudo perfazendo valor não inferior a 521.944,21€;
- Assim sendo, nada deve à Requerida/Reconvinte, devendo a Reconvenção ser julgada improcedente; mesmo que a Reconvenção fosse procedente, feito um encontro de contas entre o valor não inferior a 521.944,21€ e o valor de 94.930,98€, sempre resultaria um crédito a favor do Requerente-Reconvindo de 427.013,23€.
No seguimento de despacho que convidou o Requerente a fazer intervir o Banco credor hipotecário, foi requerida e determinada a intervenção principal provocada do Barclays Bank PLC, para intervir nos autos como associado da Ré, nos termos do art.º 316.º do CPC. Após a sua citação, o Barclays Bank PLC veio pedir o indeferimento do incidente de intervenção provocada, pois, a partir de 01-04-2016, deixou de ser credor hipotecário, tendo assumido tal posição, o Bankinter. O Requerente deduziu então novo incidente de intervenção de terceiro, desta feita do Bankinter, S.A., incidente que veio a ser deferido. Após a sua citação, veio o Bankinter reclamar o seu crédito no valor de 117.452,41€, com referência à data de 16-07-2019.
Foi proferido despacho que determinou o prosseguimento dos autos sob a forma de processo comum e admitiu a reconvenção, fixando o valor da causa em 365.656,23€, bem como despacho saneador e o despacho a que alude o art.º 596.º do CPC.
Determinou-se a realização de perícia tendo por objeto a avaliação do valor de mercado, bem como do valor locativo, da identificada fração autónoma, tendo sido indicado no relatório pericial (junto aos autos em 22-01-2020) que tinha um valor de mercado de 880.000,00 € e um valor “provável de renda de mercado de 2.750,00€”.
O Requerente veio requerer a realização de uma segunda perícia, por discordar do valor de mercado de 880.000,00€. Foi prestado esclarecimento, por escrito, pelo Sr. Perito em 14-10-2020, no seguimento do despacho de 24-09-2020. Determinada a realização de segunda perícia, veio a ser indicado no relatório pericial, junto aos autos em 30-03-2021, um valor de mercado de 920.000,00€, tendo em conta o método do rendimento - para o que se considerou uma renda mensal de 2.850€ -, bem como o método comparativo.
Realizou-se audiência de julgamento, com a prestação de declarações pelas partes e depoimentos das testemunhas.
Após, foi proferida a sentença recorrida, cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Face ao supra exposto, julgando parcialmente procedente a presente acção de divisão de coisa comum, interposta por JL contra MS:
1) Declaro a indivisibilidade natural da fracção id.nos autos;
2) Fixo, na proporção de metade para cada um, os quinhões de A. e R.;
3) Declaro como valor base de venda do imóvel, €900.000,00;
4) Ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, alínea a) e 8.º- B, nº 3, alínea a), todos do Cód. Reg. Predial, determino que se proceda à inscrição registral desta acção;
5) Designo o dia 29 de Abril, pelas 10h30m, para a realização da conferência de interessados, com o objecto indicado no art.º 929º, nº 2 do CPC;
6) Julgo improcedente o pedido indemnizatório formulado pelo A. na p.i. de condenação da Ré no pagamento da quantia de €271.916,67, acrescida de juros de mora, absolvendo esta última de tal pedido.
7) Julgo procedente o pedido reconvencional formulado pela R. na contestação, e consequentemente condeno o A. a pagar àquela a quantia de €94.930,98 a título de capital, acrescido de juros de mora apenas quanto às despesas de condomínio pagas pela Ré, nos montantes devidos pelo A., contados desde as datas de cumprimento, conforme quadro constante do art.º 93º da reconvenção, à taxa supletiva legal de 4% ao ano e até integral pagamento, absolvendo o autor do restante pedido de juros não liquidado até à data de interposição da acção e de juros vincendos.
Custas pelo A. (cf. art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC no que se refere ao pedido indemnizatório e ao pedido reconvencional, e art.º 535º do CPC, no que se refere ao pedido de divisão de coisa comum), fixando-se a taxa de justiça devida nos termos da Tabela I-C anexa ao RCP, atenta a especial complexidade dos presentes autos (cf. art.º 6º, nº 5 do RCP).
Registe e notifique.”
Inconformado com esta decisão, veio o Requerente-Reconvindo interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (que, apesar da sua extensão, aqui reproduzimos, reputando desnecessário o convite ao seu aperfeiçoamento; omitimos os destaques e as notas de rodapé):
1.ª Não logrando conformar-se com a Sentença recorrida, quanto aos segmentos decisórios patentes dos n.ºs 3, 6 e 7 do Capítulo IV. Decisão, e na convicção de que o Tribunal a quo não procedeu a adequada e completa análise crítica das provas, nos termos exigidos pelo art.º 607.º, n.º 4, do CPC, tendo incorrido em erro na valoração da prova, com a interposição do presente Recurso, o Autor/Recorrente pretende que esse Venerando Tribunal ad quem reaprecie a matéria e decisão de facto, designadamente, os:
· Pontos 4, 7, 8, 9, 10, e 16 da II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados;
· Pontos a), b), c), d), e) f) g) h), i), l) e m), da II - Fundamentação de facto II. B) - Factos não provados; e
· Ponto II. C) - Convicção referente aos factos 8-a 10-, II - Fundamentação de facto II. B) - Factos não provados, na parte que alude ao depoimento da Testemunha “MM, empregada domestica das partes há 23 anos, e desde a  separação, nas duas casas, e a reapreciação do mérito, com revogação da decisão recorrida, com base no acervo probatório dos Autos, documental e testemunhal, maxime, dos depoimentos das Testemunhas, prestados na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de 03.11.2021, supra transcritos, AL (depoimento registado digitalmente no sistema Habilus das 11h08m28s às 11h38m25s), RS (depoimento registado digitalmente no sistema Habilus das 10h08m36s às 10h38m00s), ACP (depoimento se encontra registado digitalmente no sistema Habilus das 10h57m34s às 11h07m20s.), e MM (registado digitalmente no sistema Habilus das 15h54m42s às 16h25m10s), concatenados com as próprias declarações de parte do Autor/Recorrente, também supra transcritas (prestadas na Sessão da Audiência de Julgamento de 17.12.2021, com início pelas 09h30m, registadas digitalmente no sistema Habilus das 10h16m10s às 11h06m25s)
2.ª Mostram-se incorrectamente julgados e, como tal, carecidos de reapreciação por esse Venerando Tribunal ad quem, e, em conformidade, consignando as alterações que ora se propõem, com o douto suprimento de V. Exas.:
Pontos 4, 7, 8, 9, 10, e 16 II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados
Alteração das respectivas redacções para as seguintes:
Ponto 4 - O seu valor de venda no mercado actual será de €1.000.000,00
Ponto 7 - A. e R. viveram em união de facto durante mais de 20 anos, até Janeiro de 2010, altura em que o A. deixou de aí residir, tendo de tal união, nascido dois filhos: AL em 1991 e SA em 1996.
Ponto 8 - No Considerando B do acordo celebrado entre Autor e Ré em 7.4.2010, consta que não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade, estes acordaram em o atribuir à Ré, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretizasse a venda do imóvel nos termos constantes daquele acordo, situação que se manteve desde 2010 e mantinha à data de interposição desta acção.”
Ponto 9 - Do Considerando B) do referido acordo subscrito por A. e R., consta expressamente “Não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade entre os Contraentes, estes acordaram em atribuir a utilização à 2ª Contraente/MS, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretize a venda do imóvel” e ainda, na Cláusula Segunda, que: “Enquanto a fracção (...) se mantiver em compropriedade entre os contratantes, cada um deles suportará metade dos encargos relativos ao empréstimo hipotecário que onera o imóvel-incluindo, para além das prestações hipotecárias, o condomínio mensal, os seguros e demais encargos bancários associados, bem como os impostos que incidam sobre o imóvel.”, conforme doc.17 junto com a contestação, correspondente a escrito com o título “Acordo” datado de 7.4.2010, dando-se aqui por integralmente reproduzido o restante teor.
Ponto 10 - O A. mantém as chaves do imóvel, de que apenas fez uso muito esporádico, uma/duas vezes por ano, no início de cada semestre, e com autorização da Ré, para recolha de livros seus que, tal como alguns CDs, se encontram acomodados nas estantes do escritório do imóvel e que em nada prejudicam o uso deste cómodo para os fins a que se destina.”
Ponto 16 - Em períodos e por valores não apurados, a Ré arrendou quartos da fracção dos autos, inclusivamente os dos filhos AL e SA, através de site denominado “Airbnb.pt”, auferindo rendimentos prediais que não repartiu com o Autor.
- Pontos a), b), c), d), e) f) g) h), i), l) e m), da II - Fundamentação de facto II. B) - Factos não provados
Ponto a): deverá ser expurgado II - Fundamentação de facto II. B) - Factos não provados e integrar a II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados com a redacção proposta para o Ponto 4 II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados. (4 - O seu valor de venda no mercado actual será de €1.000.000,00);
Ponto b): deverá ser expurgado da II - Fundamentação de facto II. B) - Factos não provados e integrar a II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados com a seguinte redacção: O arrendamento de imóvel semelhante ao dividendo, inserido na mesma área geográfica, não é inferior a € 2850,00 mensais;
Ponto c), d), e), e), f), g), h), i), l) e m) deverão ser expurgados da II - Fundamentação de facto II. B) - Factos não provados e integrar a II-Fundamentação de facto II. A) - Factos provados;
O Ponto II. C) - Convicção, onde Tribunal a quo refere ter-se arrimado no depoimento da Testemunha “MM, empregada doméstica das partes há 23 anos, e desde a separação, nas duas casas, deverá ser alterado e todos os Pontos da Matéria de Facto conexos com este pressuposto, tendo em conta que o depoimento da própria Testemunha que afirma não prestar serviços ao Autor desde há “Dois, dois anos, três anos, não sei ...não, quatro anos, mais de quatro anos” .... (20:13-20:20)
3.ª Não tendo havido reclamações, nos termos do disposto no art.º 596.º do CPC. do Despacho Saneador de 14.11.20219, com a Ref.ª Citius n.º 391246524, que fixou como I. OBJECTO DO PROCESSO a Divisão de Coisa Comum e créditos de cada um dos meeiros e como III. TEMAS DE PROVA - valor da coisa comum a dividir; - valor de uso/valor locativo mensal da coisa comum; - pagamentos feitos pela R., por conta da coisa comum, da responsabilidade das duas partes; - acordo entre A. e R. datado de 07/04/2010 e seu aditamento, e seus termos; - uso feito pela A. e pelo R. da coisa comum e proventos com expressão pecuniária que daí advieram para cada um deles.”
A. VALOR DA COISA COMUM A DIVIDIR VALOR LOCATIVO
Ponto b) da II- Fundamentação de facto II. B) - Factos não provados
b) O arrendamento de imóvel semelhante ao dividendo, inserido na mesma área geográfica, não é inferior a € 4.183,33 mensais.
4.ª Tendo o Autor/Recorrente requerido a avaliação do imóvel dividendo, deferida “(...) com vista a determinar: - o seu actual valor patrimonial de mercado; - o seu valor locativo.”, com a menção de que “nos termos do disposto no art.º 476º, do CPC, a determinação destes valores constitui o objecto da perícia.” (Cfr. Despacho Saneador de 14.11.20219, com a Ref.ª Citius n.º 391246524) e tendo sido realizadas duas Avaliações Periciais, com os encargos suportados pelo Autor/Recorrente, cujos Relatórios Periciais se mostram juntos aos Autos (com a Ref.ªs 25279717, de 22.01.2020, 27387616 de 14.10.2020, e 28814100, de 30.03.2021), consignando ambas o valor de venda e o valor locativo, impunha-se que o Tribunal a quo desse como provados estes dois valores, de venda e de locação do imóvel dividendo, e não tão-somente o de venda, como fez, pelo que o Ponto b) “O arrendamento de imóvel semelhante ao dividendo, inserido na mesma área geográfica, não é inferior a €4.183,33 mensais”, do II. B) - Factos não provados, deverá integrar a II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados, embora com alteração do valor locativo para €2.850,00, patente do Relatório Pericial de 30.03.2021, ficando com a seguinte redacção: O arrendamento de imóvel semelhante ao dividendo, inserido na mesma área geográfica, não é inferior a €2850,00 mensais.
VALOR COMERCIAL DE VENDA
Ponto a) da II- Fundamentação de facto II. B)- Factos não provados
a) O imóvel id. nos autos tem um valor comercial, não inferior a €1.000.000,00 (um milhão de euros).
Ponto 4 da II- Fundamentação de facto II. A) - Factos provados
4- O seu valor de venda no mercado actual será de €900.000,00
5.ª Embora no caso do valor comercial de venda, o Tribunal a quo o tenha dado como provado, no Ponto 4 da II- Fundamentação de facto II. A) - Factos provados “4 - O seu valor de venda no mercado actual será de €900.000,00.”, concatenando o acervo probatório dos Autos, documental, pericial e Testemunhal, para além do mais:
- supra referido segundo Relatório Pericial, datado de Março de 2021 (com a Ref.ª Citius 28814100, de 30.03.2021);
- depoimento da Testemunha ACP, Comercial Imobiliária, que aos costumes disse “ter prestado serviços numa Imobiliária, onde angariou o imóvel em questão nos autos” (cujo depoimento foi prestado na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de 03.11.2021 e se encontra registado digitalmente no sistema Habilus das 10h57m34s às 11h07m20s., parcialmente transcrito supra);
- Pré-Estudo de Mercado da Era do Parque das Nações, de 05.02.2020, indicando, como valor de venda aconselhado do imóvel dividendo € 1.095,735 (Documento n.º 2 do referido Requerimento com a Ref.ª n.º 25494290, de 11.02.2020);
- Relatório da KW SELECT KELLER WILLIAMS, de 07.02.2020, estimando o valor comercial actual do imóvel dividendo em €1.216,781, designadamente, o valor mínimo em €1.166,154 e o valor máximo em €1.267,409 (Documento n.º 3 do referido Requerimento com a Ref.ª n.º 25494290, de 11.02.2020);
- Pré-Estudo de Mercado da Era do Parque das Nações, de 26.10.2020, que indica como valor de venda aconselhado €1.013.115,00 (Documento n.º 2 do Requerimento com a Ref.ª n.º 27541201, de 29.10.2020);
- Estudo Comparativo de Mercado da REMAX Portugal, JM, de 26.10.2020, atribuindo o valor de € 1.200.000,00 (Documento n.º 3 do Requerimento com a Ref.ª n.º 27541201, de 29.10.2020);
- Relatório Pericial de 20.01.2020 (com a Ref.ª Citius n.º 25279717, de 22.01.2020), que considerou como Valor Actual do Imóvel € 880.000,00.
- Relatório de Março de 2021 (com a Ref.ª Citius 28814100, de 30.03.2021), que consignou que o imóvel dividendo tem um valor de mercado de €920.000,00,
in fine, em vez do valor de €900.000,00, deveria ter ficado consignado €1.000.000,00, pelo que deve ser suprimido Ponto a) da II- Fundamentação de facto II. B) - Factos não provados “a) O imóvel id. nos autos tem um valor comercial, não inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros)”, sendo este inserido como Ponto 4 da II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados em substituição da anterior redacção ou mantendo-se a redacção patente da Sentença recorrida, mas, neste caso, com alteração do valor, in fine, para €1.000.000,00 – 4 - O seu valor de venda no mercado actual será de €1.000.000,00 -, ou, no mínimo, pelo menos, para €920.000,00, consignado no referido segundo Relatório Pericial, datado de Março de 2021 (com a Ref.ª Citius 28814100, de 30.03.2021).
6.ª Tendo ambas as Perícias sido efectuadas por Peritos nomeados pelo Tribunal a quo, e, diferentemente do que sucedeu relativamente à primeira Perícia, não tendo nenhuma das Partes exercido o contraditório relativamente ao teor do segundo Relatório Pericial, de Março de 2021, não tendo sido solicitados esclarecimentos ou apresentadas reclamações nos termos previstos no art.º 485.º do CPC, nem o Tribunal a quo o solicitado oficiosamente ex vi do n.º 4 desta disposição legal, embora o art.º 489.º do CPC disponha que a segunda perícia não invalida a primeira e que uma e outra são livremente apreciadas pelo Tribunal, a decisão do Tribunal a quo de se afastar em €20.000,00, in pejus, da segunda Perícia, deveria mostrar-se devidamente fundamentada.
7.ª A questão do valor comercial do imóvel apenas seria despicienda caso ambas as Partes tivessem o fito de venda a terceiro, como sucedeu em 2014, em que ambos atribuíram ao imóvel um milhão, valor corroborado pela Testemunha ACP, comercial imobiliária, na altura, da - Cobertura, Sociedade de Mediação Imobiliária, com a Licença AMI 479 (cujo depoimento foi prestado na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de 03.11.2021, supra transcrito e registado digitalmente no sistema Habilus das 10h57m34s às 11h07m20s), que referiu, para além do mais: - Sim. Quer dizer, eu penso que já teriam um valor em mente e ia mais ou menos de acordo com aquilo que eu estaria a pensar (2:47-2:55); - Eu penso que andava à volta do milhão de euros. (3:00-3:04); - ... o cliente fez uma proposta, inclusive. Eu penso que foi o primeiro cliente logo que levei, até, mas depois não se deu seguimento à mesma, porque não foi aceite o valor que era cerca de € 900.000,00...e pronto. (3:23-4:22)
B. USO FEITO PELA A. E PELO R. DA COISA COMUM E PROVENTOS COM EXPRESSÃO PECUNIÁRIA QUE DAÍ ADVIERAM PARA CADA UM DELES.
Ponto 7 da II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados
“7- A. e R. viveram em união de facto durante mais de 20 anos, até Janeiro de 2010, altura em que o A. optou por sair de casa, deixando de aí residir, tendo de tal união, nascido dois filhos: AL em 1991 e SA em 1996.”
Pontos c) e d) da II- Fundamentação de facto II. B) - Factos não provados
“c) Após a cessação da vivência marital entre Autor/Reconvindo e Ré/Reconvinte, a partir de Janeiro de 2010, o clima de animosidade e divergências insuperáveis entre ambos excluíram a possibilidade de utilização simultânea do imóvel dividendo.
d) O Autor/Reconvindo viu-se na contingência de sair de casa e encontrar solução de residência alternativa.”
8.ª Do Ponto 7 “7- A. e R. viveram em união de facto durante mais de 20 anos, até Janeiro de 2010, altura em que o A. optou por sair de casa, deixando de aí residir, tendo de tal união, nascido dois filhos: AL em 1991 e SA em 1996.” deverá ser expurgada o segmento “optou por sair de casa”, ficando com a seguinte redacção: “7- A. e R. viveram em união de facto durante mais de 20 anos, até Janeiro de 2010, altura em que o A.  deixou de aí residir, tendo de tal união, nascido dois filhos: AL em 1991 e SA em 1996.”
9.ª No Ponto II. C)-Convicção, 4.º Parágrafo fls. 9 de 29., a Mm.ª Juíza a quo consignou que deu este facto (Ponto 7.) como provado, para além do mais, com a menção de “ (...) que a separação se deveu à circunstancia de o A. ter iniciado um relacionamento com outra mulher, com quem veio a  casar.”, o que consubstancia um juízo de valor, uma ingerência, uma escalpelização da vida privada/amorosa passada do Autor, intolerável neste Processo de Divisão de Coisa Comum, inidóneo para o efeito, atenta a aplicação da Lei n.º 7/2001, de 11.05 - Protecção das Uniões de Facto, da qual não decorrem deveres conjugais, tendo assistido a qualquer dos unidos de factos o direito potestativo de, a qualquer momento, fazer cessar a união de facto por mera vontade, pelo que caso a pretensão da Ré tivesse sido a de fazer valer direitos dependentes da união de facto, impunha-se que tivesse instaurado acção judicial própria, ex vi dos n.ºs 2 e 3, do mesmo art.º 8.º - acção mediante a qual o interessado pretende exercer direitos dependentes da dissolução da união de facto, ou em acção que siga o regime processual das acções de estado (Cfr. n.º 3, in fine, n.º 1, do art.º 8.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio), o que, ao longo dos últimos 12 (doze) anos a Ré se absteve de fazer, sendo extemporâneo e legalmente inadmissível a disquisição, nesta Acção de Divisão de Coisa Comum, de relacionamento do Autor que eventualmente tenha dado azo à cessação da união de facto e à cessação da coabitação, como salientado pelo Venerando STJ, no doutos Acórdãos de 06.07.201151 e de 14.07.201652, até porque, mesmo no âmbito dos casamento e divórcio, foi afastada a culpa com a introdução da Lei n.º 61/2008, de 31.10, o que apenas pode ocorrer em sede de acção de responsabilidade civil visando a reparação de danos, a instaurar nos tribunais comuns, como consignado pelo Venerando STJ de 09.02.201253.
10.ª Ao contrário da consignado no Ponto II. C) - Convicção, 4.º Parágrafo fls. 9 de 29., designadamente a menção de o Ponto 7. Ter sido dado como provado com base na “análise do conjunto da prova testemunhal que confirmou, de forma unanime, tais aspectos factuais, tendo sido especialmente atendido o depoimento do filho do A. e R., AL, o qual afirmou espontaneamente que o pai saiu de casa em 2010, tendo todas as testemunhas feito alusão, na medida do respectivo conhecimento que tinham da situação”, não resulta dos depoimentos das Testemunhas nem do acervo documental dos Autos que o Autor/Recorrente haja feito cessar a residência no imóvel comum por opção sua, em suma:
- a Testemunha RS (com depoimento prestado na Sessão da Audiência de Julgamento de 03.11.2021, registado digitalmente no sistema Habilus das 10h08m36s às 10h38m00s), amigo há mais de 20 anos do Autor, conhece a Ré, disse, em suma: - Sim ... depois ... pronto ...vamos lá ver...a cisão, digamos, foi em finais em finais de 2009/2010, mas as relações ... pronto... não estavam assim, não estavam bem já há algum tempo. (3:27-3:44); - Sim, eu pronto, achando que a relação não estava bem e que isso prejudicaria todas as partes, nomeadamente a SA e o AL, sendo eu também padrinho da SA, convidei o JL, portanto, a ir viver para minha casa enquanto não se resolvia a situação patrimonial e a ...e uma ..., portanto, separação definitiva. (3:58-4:34); - Estava claramente ...estava deprimido e alterado, ou seja, a situação afetou-o profundamente (8:32-8:40).
- a Testemunha AL (com depoimento prestado na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de 03.11.2021, registado digitalmente no sistema Habilus das 11h08m28s às 11h38m25s), filho do A e da R., embora quando interpelado pela advogada do Autor [- Sabe-me dizer, na altura em que o pai saiu de casa, portanto, em 2010, em que estado emocional estava ou porque é que saiu? (Advogada do Autor 14:21-14:32)], não tenha logrado responder devido a interrupção da Mm.ª Juíza a quo [- Sr.ª Dr.ª, eu não queria estar a interromper, mas já esteve, mas já não releva... (Mm.ª Juíza a quo 12:34-12:40)], depois, a instâncias da M.I. Mandatária da Ré, disse: - Se eu estou a entender a pergunta, o que foi decidido é ...pronto, houve, naturalmente, uma conversa entre o meu pai e a minha mãe e foi decidido que o meu pai iria viver para esta casa em Campo de Ourique até as coisas se resolverem. Infelizmente, as coisas demoraram muito mais porque ... penso que foi mau para os para os dois lados, mas foi assim que as coisas aconteceram. Quer dizer, o que eu sei porque esse é isso que eu ouvi. Foi a conversa que houve entre os meus pais de encontrar-se uma solução temporária que, infelizmente, não ocorreu. (18:52-19:27); - Se os meus pais se tinham efectivamente separado, não fazia sentido meu pai continuar a viver na mesma casa, não é? (20:16-20:24)
- As declarações de parte do Autor/Recorrente (prestadas na Sessão da Audiência de Julgamento de 17.12.2021, com início pelas 09h30m, registadas digitalmente no sistema Habilus das 10h16m10s às 11h06m25s.): - Bom, a nossa separação ... 2008 ... 2009. Nós separámo-nos, efectivamente, no final de 2009. Foi quando a relação já estava...não havia ... não havia alternativa ... a vida ... era completamente impossível vivermos juntos. Eu conversei com a MS no sentido de vendermos a casa. A MS não... não queria vender a casa. A nossa vida, a coabitação era impossível. Daí eu ter saído. Fui viver para casa do RS com a perspetiva de comprar uma casa, porque tinha sido esse o acordo que eu tinha feito com a MS, de modo a não ter que vender logo a casa do Parque das Nações no prazo de dois anos. (4:12-4:56); - Eu não continuei a viver lá porque nós não podíamos viver os dois juntos, porque isso representava um enorme sofrimento para a família, a começar com os  filhos, obviamente, e porque a MS não queria vender a casa e insistiu para não vendermos a casa e, portanto, eu compreendi que havia um... todas as separações são penosas, são  extremamente dolorosas e eu percebi que não fazia sentido aguardarmos os dois anos. Eu comprava uma casa e depois vendíamos a casa... (5:07-5:40).
11.ª Concatenando os depoimentos das Testemunhas entre si e com o acervo documental dos Autos, ao invés do que fez o Tribunal a quo não deverão ser dados como não provados os factos enunciados nos Pontos c) e d) II. B) - Factos não provados, impondo-se, pelo contrário, que sejam dados como provados e ingressem no II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados, designadamente:
c) Após a cessação da vivência marital entre Autor/Reconvindo e Ré/Reconvinte, a partir de Janeiro de 2010, o clima de animosidade e divergências insuperáveis entre ambos excluíram a possibilidade de utilização simultânea do imóvel dividendo.
d) O Autor/Reconvindo viu-se na contingência de sair de casa e encontrar solução de residência alternativa.
Efectivamente,
12.ª O aventado pelo Tribunal a quo, a fls. 21 e 22 de 29 da Sentença recorrida acerca de não estar alegada nem provada a “utilização simultânea, mas em separado da casa (atenta a sua extensão e número de divisões) ou uma utilização por turnos (como tem vindo a ser acordado em alguns casos de guarda partilhada dos filhos) ...”, deverá ser emendado, porquanto:
- os turnos, para além de implicarem a existência de habitações alternativas para cada um dos comproprietários quando o turno lhe não caiba, o que é dispendioso, para além de esparsamente instituídos em Portugal, são curiais aquando da regulação das responsabilidades parentais, que não ocorreu atenta a maioridade (19 anos) do filho AL e 14 anos da filha SA aquando da cessação da coabitação, como consignado nos art.ºs 26.º e 27.º da Contestação (Ref.ª: 30777235, de 22.11.2018), do depoimento do próprio filho AL (com depoimento prestado na Sessão da Audiência de Julgamento de 03.11.2021, registado digitalmente no sistema Habilus das 11h08m28s às 11h38m25s): - Ou seja, desde ...voltando um pouco atrás, em 2010, que idade tinha? (Advogada do Autor 3:23-3:29); - Tinha 19 anos, sim, nasci em 91. (3:30-3:35); - ...E a sua irmã SA que idade tinha? (Advogada do Autor 3:35-3:45); - Ela tem menos 5, por isso tinha 14. (3:46-3:47); - Nesta altura, em 2010, com 19 anos já...já estudava a nível universitário? (Advogada do Autor 3:48-3:57); - Sim. Tinha começado a licenciatura. (3:58-4:00).
- a utilização simultânea, mas em separado da casa, como notado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.01.2022, em que o Tribunal a quo se arrimou e que citou exaustivamente na própria Sentença, embora seja exequível “em muitos casos de propriedade comum (couto de caça, lago para pescar, jardim de recreio, pátio ou logradouro que sirva várias casas, etc.) (...) Podem, todavia, levantar-se dificuldades práticas e teóricas, quanto ao uso direto promíscuo de prédios urbanos, que não se prestem a divisão»”. No caso de compropriedade de uma casa de habitação, não podendo aos comproprietários ser imposto o dever de coabitarem uns com os outros, (...) a única alternativa será o gozo indireto, que se traduzirá, em regra, na locação do imóvel, a terceiro ou a um dos consortes (...)56”, o que se verificou no concreto caso decidendo, como resulta, para além do mais:
. dos supra citados e transcritos depoimentos das Testemunhas, em especial, RS (3:27-3:44; 3:58-4:34; 8:32¬8:40); e AL (18:52-19:27; 20:16-20:24) e quando afirmou: Houve alturas em que em que ...em que os meus pais, felizmente, deram-se melhor, outras em que houve desentendimentos, houve alturas que era mais fácil essa relação de estarmos todos juntos em família, com os pais separados, que eram, naturalmente, alturas muito boas para nós como filhos (23:32-23:53), bem como das declarações de parte do Autor/Recorrente. (4:12-4:56; 5:07-5:40), em especial, - Bom, a nossa separação ... 2008 ... 2009. Nós separámo-nos, efectivamente, no final de 2009. Foi quando a relação já estava...não havia ... não havia alternativa ... a vida ... era completamente impossível vivermos juntos. Eu conversei com a MS no sentido de vendermos a casa. A MS não... não queria vender a casa. A nossa vida, a coabitação era impossível. Daí eu ter saído. (4:12-4:56); - Eu não continuei a dizer lá porque nós não podíamos viver os dois juntos, porque isso representava um enorme sofrimento para a família, a começar com os filhos, obviamente, e porque a MS não queria vender a casa e insistiu para não vendermos a casa e, portanto, eu compreendi que havia um... todas as separações são penosas, são extremamente dolorosas ... (5:07-5:40)
. do referido pela própria Mm.ª Juíza, na Audiência de Julgamento: “- Sr.ª Dr.ª estas generalidades não interessam. A testemunha já disse que esteve em Barcelona de 2013 a 2015. Esteve dois anos fora, portanto, esse período coincide com o que está a perguntar, quer dizer, generalidades. Se passaram, é natural, se passaram os anos juntos, se passaram o Natal juntos... é natural que isso aconteça. Não tem relevância nenhuma em termos de casa. (Mm.ª Juíza a quo 23:53-24:17 – depoimento Testemunha AL, registado digitalmente no sistema Habilus das 11h08m28s às 11h38m25s), embora, tenha depois, na Sentença recorrida, o que não é aceitável, consignado o inverso, a fls. 11 de 29, que a coexistência do Autor e da Ré em festas de aniversário no imóvel dividendo demonstrativa de que não havia clima de animosidade impeditivo do uso simultâneo do imóvel e concluindo pela cessação da coabitação como uma opção do Autor, designadamente: “RS, fez referencia à presença do A., em festas na casa dos autos, já depois da separação, presença essa que não seria concebível se o clima fosse de animosidade, resultando antes do conjunto da prova testemunhal que o A optou por sair de casa, não tendo sido expulso pela Ré e proibido de aí aceder, ocorrendo depois um crescente afastamento, natural nestas situações, tanto mais, que quer o A., quer a R. assumiram posteriormente a tal separação, outros relacionamentos”;
. o consignado pelo próprio Tribunal a quo, a fls. 11 de 29, na Sentença recorrida, de que “quer o A., quer a R. assumiram  posteriormente a tal separação, outros relacionamentos” e em sede de II.C)-Convicção: Os factos 8- a 10- (a fls. 9 de 29 da Sentença recorrida), e que “PR, namorado da Ré desde 2013, que é portanto visita de casa da Ré com regularidade, e que confirmou a existência de bens pessoais do A. na mesma”, pelo que, de acordo com as regras da lógica e dados empíricos da experiência comum, não apenas não faz sentido, como até se afigura contraditório, considerar como viável a hipótese utilização do imóvel dividendo simultaneamente, desde o início da separação e, em especial, início de outros relacionamentos do Autor/Recorrente e da Ré/Recorrida (em 2013).
C. ACORDO ENTRE AUTOR E RÉ DATADO DE 07/04/2010 E SEU ADITAMENTO E SEUS TERMOS (DOCUMENTO N.º 17 DACONTESTAÇÃO/RECONVENÇÃO)
Pontos 8 e 9 e 10 II- Fundamentação de facto II. A) - Factos provados
II. C) - Convicção, o Tribunal acerca dos Pontos 8 a 10
Pontos e), f), g), h), i), l) e m) II- Fundamentação de facto II. A) - Factos não provados
13.ª Do Ponto 8 II. A) - Factos provados “8- No acordo celebrado entre as ora partes, em 7.4.2010, ficou estipulado que a R. e os filhos ficariam a residir no imóvel dos autos, até à data da sua venda ou divisão, situação que se manteve desde 2010 e mantinha à data de interposição desta acção” deverá ser aditado, in limine, “do Considerando B”, deverá ser expurgado “ou divisão”, e ser transcrito este Considerando B, ficando com a seguinte redacção:
“8 - No Considerando B do acordo celebrado entre Autor e Ré em 7.4.2010, consta que não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade, estes acordaram em o atribuir à Ré, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretizasse a venda do imóvel nos termos constantes daquele acordo, situação que se manteve desde 2010 e mantinha à data de interposição desta acção.”
14.ª Do Ponto 9 II. A) - Factos provados “9- Do referido acordo, subscrito por A. e R., consta expressamente, além do mais, que: “Não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade entre os Contraentes, estes acordaram em atribuir a utilização à 2ª Contraente/MS, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretize a venda do imóvel”, deverá ser expressamente mencionado, in limine, Do Considerando B), suprimido “além do mais”, e intercalando-se na Cláusula Segunda, obtendo-se a seguinte redacção consonante com o teor efectivo do Documento em causa, designadamente:
“9- Do Considerando B) do referido acordo subscrito por A. e R., consta expressamente “Não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade entre os Contraentes, estes acordaram em atribuir a utilização à 2ª Contraente/MS, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretize a venda do imóvel” e ainda, na Cláusula Segunda, que: “Enquanto a fracção (...) se mantiver em compropriedade entre os contratantes, cada um deles suportará metade dos encargos relativos ao empréstimo hipotecário que onera o imóvel-incluindo, para além das prestações hipotecárias, o condomínio mensal, os seguros e demais encargos bancários associados, bem como os impostos que incidam sobre o imóvel.”, conforme doc. 17 junto com a contestação, correspondente a escrito com o título “Acordo” datado de 7.4.2010, dando-se aqui por integralmente reproduzido o restante teor.
15.ª Isto porque, no referido Documento n.º 17 da Contestação/Reconvenção No Documento n.º 17 da Contestação/Reconvenção não ficou clausulado/estipulado que a R. e os filhos ficariam a residir no imóvel dos autos nem que tal sucederia até à data da sua venda ou divisão, porquanto este Documento n.º 17 contém dois Considerandos e uma parte dispositiva, com o efectivamente clausulado pelas Partes, pelo que o Considerando B, prévio ao Clausulado, e a Cláusula Terceira, que faz parte do Dispositivo, não podem ser interpretados como se tão-somente de clausulado se tratasse, no sentido assinalado por esse Venerando Tribunal ad quem, no douto Acórdão de 22.10.202057, designadamente: “1. Os considerandos de um acordo servem para mostrar o que efectivamente uniu as partes e o que as levou a se obrigarem reciprocamente e, especificamente, quais foram os reais interesses para a formação daquele determinado vínculo.”
16.ª Por outro lado, porque o gizado no Documento n.º 17 da Contestação/Reconvenção foi a venda a terceiro e repartição do produto e não a divisão, inexistindo qualquer referência, seja nos Considerandos A) e B), seja na parte dispositiva, Cláusulas Primeira, Segunda e Terceira, qualquer alusão a divisão, mas tão-somente a venda a terceiro e ao produto da venda [– Considerando B) “até que se concretize a venda do imóvel”; - Cláusula Primeira, n.º 1, “acordam em vender a terceiro a fracção”; - Cláusula Primeira, n.º 2, “O processo de negociação e venda da fracção”; - Cláusula Terceira, n.º 1, “Por conta do produto da venda da fracção”; - Cláusula Terceira, n.º 2, “Na divisão do produto da venda da fracção”], o que se mostra corroborado com o supra transcrito depoimento da Testemunha ACP, Comercial Imobiliária, que aos costumes disse “ter prestado serviços numa Imobiliária, onde angariou o imóvel em questão nos autos” (com depoimento prestado na Sessão da Audiência de Julgamento de 03.11.2021, registado digitalmente no sistema Habilus das 10h57m34s às 11h07m20s): - ... tinha a casa para vender ... (1:00-1:11); - Foi em 2014. Cerca de 2014, sim, e foi uma casa comercializada como qualquer outra posta à venda no mercado, para serem feitas visitas (1.47-2:01); - Sim. Quer dizer, eu penso que já teriam um valor em mente e ia mais ou menos de acordo com aquilo que eu estaria a pensar (2:47-2:55) - Eu penso que andava à volta do milhão de euros. (3:00-3:04); - Cobertura, Sociedade de Mediação Imobiliária, com a Licença AMI 479. (3:10-3:14).
17.ª Dos depoimentos das Testemunhas, em que o Tribunal a quo se arrima em sede de II. C)-Convicção, o Tribunal acerca dos Pontos 8 a 10, não têm o alcance que este lhes aponta, ou seja, em nada contribuem para a explicitação do teor do Documento n.º 17 da Contestação/Reconvenção nem das circunstâncias de facto em que o mesmo foi assinado pelo Autor, a não ser que se tratou de uma situação transitória, sendo que:
- a Testemunha RS (com depoimento prestado na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de 03.11.2021 e registado digitalmente no sistema Habilus das 10h08m36s às 10h38m00s.), que a que o Tribunal a quo se refere “- RS (amigo de ambos), que revelou conhecimento directo de tal factualidade e prestou um depoimento mais pormenorizado e circunstanciado;”, não revelou qualquer conhecimento acerca do teor do Documento n.º 17 da Contestação/Reconvenção;
- a Testemunha AL, filho do A e da R. (com depoimento prestado na Sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de 03.11.2021 e registado digitalmente no sistema Habilus das 11h08m28s às 11h38m25s), a que a que o Tribunal a quo também se refere no II. C)-Convicção, o Tribunal acerca dos Pontos 8 a 10 “- AL, filho das partes, que relatou o seu percurso académico, bem como o da sua irmã, conseguindo delimitar temporalmente os períodos em que se manteve a residir com a ora Ré, sua mãe, na casa dos autos;”, também não revelou qualquer conhecimento acerca do teor do Documento n.º 17 da Contestação/Reconvenção, tendo chegado a afirmar perentoriamente, a instâncias da M.I. Mandatária da Ré, “- Escrito, não sei...mesmo tendo dezanove anos, não andava a ver os documentos que os meus pais iam ...”(20:04-20:12), não tendo revelado qualquer nenhum conhecimento acerca deste Documento n.º 17 ao longo do depoimento, supra transcrito.
18.ª Os depoimentos das Testemunhas, em que o Tribunal a quo se arrima em sede de II. C)-Convicção, o Tribunal acerca dos Pontos 8 a 10, não têm o alcance que este lhes aponta, ou seja, em nada contribuem para a explicitação do teor do Documento n.º 17 da Contestação/Reconvenção nem das circunstâncias de facto em que o mesmo foi assinado, o que apenas foi logrado nas próprias declarações de parte do Autor/Recorrente (prestadas na Sessão da Audiência de Julgamento de 17.12.2021, com início pelas 09h30m, registadas digitalmente no sistema Habilus das 10h16m10s às 11h06m25s.), supra transcritas, em que esclarece o específico circunstancialismo em que tomou a decisão de assinar e assinou o referido Documento n.º 17:
- O acordo foi efectivamente ... foi ...uma vez que eu tinha contribuído com mais €100.000,00, eu compraria ...eu tinha algumas poupanças, eu saí, fui viver para casa da ... para casa do RS e, depois, da minha irmã. Encontrei, logo em Fevereiro, uma casa pequenina, em Campo Ourique. A ideia era comprar uma casa provisória porque era muito mais económico do que arrendar e, portanto, encontrei essa casa, fiz...fiz o contrato de promessa de compra e venda no valor de €14.500,00. Eram 10% do valor da casa, e tinha feito acordo com a MS que ela disponibilizava o dinheiro que eu precisava para poder entrar, porque, obviamente, o crédito bancário não... não ... não cobria toda a despesa, todo o encargo. E, portanto, fiz esse acordo tácito. O acordo tácito também foi, efectivamente, que eu não podia comprar uma coisa muito grande, dado que tinham... quer dizer, para eu levar todos os bens que eu tinha na Expo, teria que alugar uma casa muito grande ou comprar uma casa muito grande e eu ... não havia condições económicas e, portanto, sua solução foi comprar uma casa pequena, que seria uma solução de transição. E, portanto, foi ... foi isso que eu fiz. Encontrei uma casa pequena, em Fevereiro, fiz o contrato-promessa de compra e venda e fiz a escritura em Maio. Um pouco antes da escritura, foi quando, efectivamente, a MS me telefonou a dizer que eu tinha que fazer um contrato com ela porque, caso contrário, não ... não me disponibilizava o dinheiro que eu precisava. E foi quando ela ... fiz o contrato de €43.000,00, de que me arrependo, obviamente, porque foi, foi um contrato que eu assinei sob pressão, embora eu tenha falado com ela, na altura. Telefonei-lhe, perguntei-lhe porque razão o contrato e ela disse ...aquelas respostas que a pessoa não... não, não ... não .... não... não percebe na altura a gravidade. Disse-me que eram coisas de advogados, para não levar a sério aquilo, que em dois anos nós vendíamos a casa e, portanto, aquilo teria muito pouco significado (6:59-9:26);
- A MS telefonou-me. Disse-me que eu teria que ir a um escritório de advogados assinar um documento, era só um pró-forma. Eu fui lá. Não encontrei a advogada da MS. Encontrei a Secretária, que me entregou um documento. Eu apenas assinei primeiro o contrato. Aditamentos, outros contratos, não ...  não ...não tenho presente e não os assinei. E, na altura, telefonei à MS e perguntei: - mas o que é isto? Por que razão todos estas cláusulas? E a MS disse-me que tinha que ser porque, caso contrário, não disponibilizava o dinheiro. Eu já tinha dado os €14.500,00 como sinal do contrato-promessa de compra e venda e ... corria o risco de não poder... de perder todas as minhas poupanças na altura. E, além do mais, eu estava a viver em casa de um amigo, não conseguia trabalhar em condições, não tinha residência, não...  estava sob uma enorme pressão. Portanto, fui ... (9:37-10:43);
- Não, eu não tinha visto o contrato e foi na altura quando eu falei com a MS e perguntei por que razão ... telefonei e perguntei por que razão este documento com tantas Cláusulas... como ... não... e ela simplesmente disse que só ... só disponibilizava se eu assinasse efectivamente o acordo, mas para eu também não levar isto a sério, que era coisa de advogados, que isto em dois anos vendíamos a casa.  (14:50-15:16);
- Não ... não ... eu ... eu tomei por ... por boas as palavras que a MS me deu, na altura, no telefonema que fiz, e percebi que.... porque quando ... quando nós nos separámos, houve a ideia de que não ... não .... essa separação não ...não ia recorrer ao Tribunal.  Portanto, não havia ...não havia um conflito de tal forma grave. Havia um desentendimento, uma relação que tinha terminado e havia um bem que era comum, que queríamos vender. E havia obviamente créditos anteriores. É preciso ... estes primeiros ... digamos que... Eu só tomo conta da gravidade deste Acordo, quanto mais tarde ela acciona o Acordo, quando há uma proposta de compra e ela diz que não, que que eu tenho série de créditos e inclusive que tenho que pagar os juros do Acordo que tinha assinado. (15:28-16:31)
19.ª O Tribunal a quo, ao arrepio do disposto no art.º 466.º, do CPC, inconsiderou as declarações de parte do Autor, que consubstanciam um meio de prova, o que deverá ser emendado por esses Venerando Tribunal ad quem, seja quanto a estes Pontos da Matéria de Facto, seja quando aos demais sobre os quais versaram, uma vez que foram prestadas de forma espontânea, imediata, aberta e livre, com um elevado grau de convencimento e são corroboradas pelos depoimentos das Testemunhas, em especial do filho do Autor/Recorrente e Ré/Recorrida, AL (depoimento registado digitalmente no sistema Habilus das 11h08m28s às 11h38m25s), RS (depoimento se encontra registado digitalmente no sistema Habilus das 10h08m36s às 10h38m00s), ACP (depoimento se encontra registado digitalmente no sistema Habilus das 10h57m34s às 11h07m20s.), porquanto, como consignado no douto Acórdão desse Venerando Tribunal ad quem, de 26.04.2017,“V.–É infundada e incorreta a postura que degrada – prematuramente - o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório.”
Pontos e), f), g), h), i), l) e m) e) do II. B) - Factos não provados
20.ª E ao considerar o teor das referidas declarações de Parte do Autor, supra transcritas, e concatená-las com o restante acervo probatório dos Autos, documental e Testemunhal, maxime, do filho do Autor/Recorrente e Ré/Recorrida, AL (depoimento registado digitalmente no sistema Habilus das 11h08m28s às 11h38m25s), RS (depoimento registado digitalmente no sistema Habilus das 10h08m36s às 10h38m00s), ACP (depoimento registado digitalmente no sistema Habilus das 10h57m34s às 11h07m20s.) deverá esse Venerando Tribunal ad quem considerar provados os Pontos e), f), g), h), i), l) e m) e) do II. B) - Factos não provados, expurgando-os desta secção e fazendo-os ingressar II. A)-Factos provados.
21.ª Note-se que em sede de II. C) - Convicção, a fls. 8 e 9 de 29, da Sentença recorrida, o Tribunal a quo, consignou “- finalmente e quanto às als. l) e m), as mesmas resultaram da total ausência de prova, sendo certo que não foi junta qualquer prova documental (designadamente e tendo em conta a relevância do suposto acordo, um documento escrito ainda que sucinto, tal como o doc.17 acima analisado, ou pelo menos uma prestação de contas, mesmo que informal, sobre os proventos dos alugueres, para ambas as partes poderem sindicar os valores ainda necessários para custear as despesas regulares em causa), nem as testemunhas do A. se referiram a tal factualidade, tendo a Ré negado peremptóriamente a mesma., olvidando o Tribunal a quo, uma vez mais, as declarações de parte do Autor”, em especial:
- O que aconteceu foi que, efectivamente, houve uma divisão de despesas e, portanto, eu contribuía, efectivamente, para as despesas da casa e para as despesas com os nossos filhos. Ainda hoje continuo, como é evidente, e o que aconteceu foi que quando eu vim a descobrir que os quartos estavam arrendados, eu perguntei à MS e ela disse “Ah, não! Mas isto é para fazer face às despesas. E, portanto, nós temos ... temos a SA e o AL estrangeiro, que temos que ter outras fontes de rendimento. Tu próprio, estás a ficar endividado. Estás sempre a queixar-te que não tens dinheiro.” ... eu disse: “Pois, mas a solução é mesmo a vender a casa.” E em 2015, efectivamente, eu deixei de contribuir para o crédito ... para o crédito de habitação, mas continuei, obviamente, a pagar as despesas que me correspondiam pagar em relação à SA e ao AL e, portanto... (25:15-26:29);
- Inicialmente, fiquei escandalizado, como é evidente. Depois, ela explicou-me, disse-me: “não ... vamos...isto ... vamos fazer um acerto de contas no final. Não te preocupes. Isto é para fazer face às despesas. Inclusive tuas.” E assim por diante. Pronto. Simplesmente, isto começa logo em 2011. Quando, em 2014, há uma ... começamos, efectivamente, a vender a casa porque eu consigo convencê-la de que cheguei ao limite e já estava há quatro anos a viver numa casa muito pequenina, em Campo de Ourique, e já tinha casado, além do mais... Nestas ... foi nessas circunstâncias que eu percebi que, efectivamente, quando ... que ela me apresenta um conjunto de créditos, onde nunca é estimado o arrendamento da casa nem a privação da casa, nem... (26:49-27:47)
e do filho do Autor e da Ré, AL - Sim, chegou, na altura...ou seja, havia uma decisão a fazer que era se eu ia estudar para fora ou não, que era uma coisa que eu queria muito. Obviamente, a questão de pagamento desses estudos era difícil e foi aí que foi acordado informalmente que os quartos serem alugados seria uma forma de financiar estas despesas com os meus estudos, que foi o que aconteceu, e, mais tarde, com minha irmã também. (Testemunha 5:17-5:44).
Ponto 10 II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados
II. C) - Convicção, acerca dos Pontos 8 a 10 II. A) - Factos provados
22.ª Da análise conjugada dos depoimentos das referidas Testemunhas RS, AL, AZ, supra identificados e transcritos, com o teor dos Documentos n.º 37 (emails de 05.03.2018 e 23.07.2016), do Documento n.º 27 (fotografia de um Documento intitulado Carta Doutoral), dos Documentos n.ºs 21, 22, 23, 24, 25 e 26, 30, e 31 (fotografias de estantes de parede onde estão acomodados livros) e Documentos n.ºs 28 e 29, (fotografias de roupeiro embutidos contendo alguma roupa), todos da Contestação/Reconvenção, resulta a necessidade de alteração do Ponto 10 dos Factos Provados, para além do mais, expurgando-se “continuando a receber correspondência com referencia a essa morada”, por falta de prova, e, em consonância com o referido pelas Testemunhas e patente nas referidas fotos, especificando-se os bens, o modo como foram estando acomodados sem impedir o uso do cómodo, e a periodicidade das recolhas, para a seguinte redacção:
“10 - O A. mantém as chaves do imóvel, de que apenas fez uso muito esporádico, uma/duas vezes por ano, no início de cada semestre, e com autorização da Ré, para recolha de livros seus que, tal como alguns CDs, se encontram acomodados nas estantes do escritório do imóvel e que em nada prejudicam o uso deste cómodo para os fins a que se destina.”
23.ª O Ponto II. C) - Convicção, acerca dos Pontos 8 a 10 II. A) - Factos provados, em que o Tribunal a quo refere ter-se arrimado no depoimento da Testemunha “MM, empregada doméstica das partes há 23 anos, e desde a separação, nas duas casas, que confirmou que o A. sempre teve chave da casa dos autos e ainda lá tem objectos pessoais , quer vestuário, quer livros, etc...”, deve ser alterado em conformidade com o depoimento da própria Testemunha MM (registado digitalmente no sistema Habilus das 15h54m42s às 16h25m10s.) transcrito supra, no qual declarou expressamente que não presta serviços ao Autor/Recorrente há “- Dois, dois anos, três anos, não sei ...não, quatro anos, mais de quatro anos” (20:13-20:20), sendo igualmente alterados todos os Pontos da Matéria de Facto conexos com o pressuposto falacioso de que presta serviço a ambos Autor e Ré, quando, efectivamente, declarou que assim não é.
24.ª No que se reporta ao Documento n.º 37 da Contestação/Reconvenção, a que alude o mesmo II.C) - Convicção, acerca dos Pontos 8 a 10 II. A) - Factos provados é que em 05.03.2018, 23.07.2016, o Autor/Recorrente remeteu email à Ré/Recorrida, para além do mais, pedindo que esta lhe dissesse quando podia passar pelo imóvel dividendo para levar alguns livros de trabalho, o que esse Venerando Tribunal ad quem não deixará de notar, não tendo o alcance atribuído pelo Tribunal a quo, diferentemente do consignado no Ponto II. C) - Convicção acerca dos Pontos 8 e 9 e 10 II - Fundamentação de facto II. A) - Factos provados de que “A prova testemunhal supra aludida foi ainda conjugada com o teor da correspondência eletrónica trocada entre as partes e junta como doc.37 com a contestação, da qual decorre o acesso pontual do A. à fracção dos autos para ir buscar livros ou visitar os filhos”.
25.ª O mesmo Ponto II. C) - Convicção, acerca dos Pontos 8 a 10 II. A) - Factos provados na parte em que o Tribunal a quo evidencia o depoimento da Testemunha “- PR, namorado da Ré desde 2013, que é portanto visita de casa da Ré com regularidade”, de acordo com as regras da lógica e dos dados empíricos da experiência comum, mostra-se em contradição, para além do mais com as alusões na Sentença recorrida à inexistência de prova de que tivesse sido impedido de utilizar a fracção, de acordo com a sua conveniência (pág. 16/29).
26.ª O Tribunal a quo arrimou-se no Acórdão da Veneranda Relação do Porto, de 10.01.202260, parcialmente transcrito na Sentença recorrida ao longo de 4 (quatro) páginas, de fls. 18 a 21 (de 29), e que seguiu de perto, justificando-o com “a similitude de situações fácticas subjacentes à  pretensão indemnizatória”, que não se verifica atento o acervo probatório dos Autos, o que esse Venerando Tribunal ad quem não deixará de notar e emendar, desde logo, para além do mais, porque aqueloutro aresto tem subjacente casamento dissolvido por divórcio sem consentimento do outro cônjuge e o caso sub judice emerge de união de facto, com aplicação da Lei n.º 7/2001, de 11.05, da qual não decorrem deveres conjugais, quer porque o imóvel aqui dividendo foi adquirido pelos unidos de facto, em compropriedade, no estado civil de solteiro de cada um, sendo aqueloutro imóvel bem comum do dissolvido casal atenta a aquisição na pendência do casamento sob o regime de bens adquiridos.
27.ª Mostra-se indelevelmente provado nos Autos que o Autor/Recorrente usava o imóvel para fins habitacionais até Janeiro de 2010, e que, a partir dessa altura, a coabitação se tornou impossível, por envolver grande sofrimento para este e para os filhos, AL e SA, então com 19 e 14 anos, e que, desde então, o Autor tem querido vender o imóvel a terceiro, no que tem encontrado resistência da Ré, que pretende a adjudicação pelo menor valor pecuniário possível, recusando qualquer encontro de contas que contemple a quota-parte do Autor dos rendimentos prediais que foi sucessivamente auferindo com o arrendamento de quartos do imóvel com que se tem locupletado e a privação do uso do imóvel por parte do Autor, que, como consequência directa e necessária do uso exclusivo da Ré e da obstaculização desta à venda a terceiro se tem visto na contingência de suportar custos de habitação alternativa e de concomitantemente permanecer onerado aos pagamento das despesas do imóvel dividendo (crédito-habitação, seguros, condomínio, taxa de esgotos, etc.), uma duplicação de despesas de imóveis habitacionais, sem o correspectivo uso e fruição e sem possibilidade de do mesmo dispor livremente, através de venda ou arrendamento.
28.ª O Tribunal a quo na trajectória decisiva expendida na Sentença recorrida labora no equívoco de que se impunha ao Autor a continuidade da coabitação no imóvel após a cessação da união de facto com a Ré e que se o não continuou a usar por sua opção e que saiu por ter iniciado relacionamento com outra mulher, ignorando que seria violador dos direitos de personalidade do Autor a imposição da continuidade da coabitação sentindo-se em sofrimento que se propagava aos filhos e que a venda e o arrendamento são também formas de usar o imóvel comum, que foram inviabilizadas pelas Ré mercê do seu uso exclusivo, com visitas assíduas do namorado e Testemunha PR e arrendamento dos quartos.
29.ª A interpretação que o Tribunal a quo fez da cessação da união de facto do Autor e da Ré, da necessidade premente que este sentiu de fazer cessar a coabitação para não agudizar o seu sofrimento e dos filhos, e da entropia que a Ré foi reiteradamente apondo à vontade e necessidade do Autor de venda do imóvel, enquanto se vem prevalecendo da residência exclusiva e do locupletamento com a totalidade dos rendimentos prediais proveniente do arrendamento de quartos do imóvel, mostrando-se indisponível para encontro de contas que contemple a quota-parte do Autor, bem como a privação do uso do imóvel (uso directo ou indirecto) deu origem a um enriquecimento sem causa por parte da Ré a um correspectivo empobrecimento do Autor que, além de ter vindo a suportar os custos de habitação alternativa ao longo dos últimos dozes anos, é onerado nesse mesmo lapso temporal com as despesas do imóvel dividendo que não habitou e do qual não extraiu qualquer rendimento predial, e ainda onerado com a contribuição ao longo destes doze anos para os alimentos dos filhos, mesmo após a maioridade, como o filho AL confirmou e é patente do acervo documental carreado para os Autos.
30.ª O Tribunal a quo a fls. 13 de 29 da Sentença recorrida em sede de II. C) - Convicção - embora sem os concatenar com o restante acervo probatório e analisar adequadamente, julgando-os irrelevantes -, consignou que o Autor carreou para os Autos, - “os extractos bancários da conta do A.  (docs. 1 a 91) destinavam-se, segundo o próprio, a comprovar: - pagamentos de pensão de alimentos aos filhos (...), - pagamentos de prestações de crédito à habitação (...) - despesas com a sua própria habitação (...), - comprovativos de pagamento de IMI (na sua quota parte de comproprietário) (...), acervo documental este que certamente esse Venerando Tribunal ad quem não deixará de relevar.
31.ª O Tribunal a quo, a fls. 13 de 29 da Sentença recorrida consignou que “relativamente aos documentos juntos tardiamente pelo A., não podemos deixar de salientar a sua irrelevância, na medida em que: - os extractos bancários da conta do A. (docs.1 a 91) destinavam-se, segundo o próprio, a comprovar: - pagamentos de pensão de alimentos aos filhos (matéria factual totalmente irrelevante para a decisão da causa, considerando os pedidos formulados na p.i. e na reconvenção), inconsiderando o hercúleo esforço financeiro do Autor que continuou a contribuir para os alimentos dos filhos, mesmo após a maioridade, tendo que, concomitantemente, suportar os custos de dois imóveis habitacionais, também comprovadas no acervo documental supra referido (docs. 1 a 91),  da sua residência e o do imóvel dividendo que não usa desde 2010, e do qual não recebe proventos e que está impedido de vender ou arrendar atento o uso exclusivo da Ré e arrendamento de quartos que tem vindo a fazer.
32.ª A entropia que a Ré tem introduzido na venda a terceiro e a recusa no encontro de contas que contemple a quota-parte do Autor no arrendamento de quartos e a privação do uso deste ao longo dos últimos doze anos, arrimando-se no Documento n.º 17 da Contestação/Reconvenção, e extraindo do mesmo uma interpretação de utilização incondicionada e ad aeternum sem pagamento de qualquer quantia ao Autor, que, bem sabe, não foi a factualmente acordada nem se revela equitativa, porquanto lhe impôs a assinatura como conditio sine qua non do adiantamento dos € 43.000,00 de que aquele carecia, na altura, para cumprir o Contrato-Promessa de compra e venda de habitação alternativa ao imóvel dividendo, que a Ré não queria vender, mas sim garantir que o processo de venda se não iniciaria nos anos subsequentes, consubstancia manifesta actuação em Abuso do Direito, instituto jurídico previsto no art.º 334.º do C.C., cujos pressupostos se mostram preenchidos, como resulta indelével do acervo probatório dos Autos, para além do mais, no sentido expendido por essa Veneranda Relação ad quem, no douto Acórdão de 23.09.2014, de que “3. Há abuso de direito quando, embora exercendo um direito, o titular exorbita o exercício do mesmo, quando o excesso cometido seja manifesto, quando haja uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico-socialmente dominante.”.
33.ª E esta excepção de Abuso do Direito que é de conhecimento oficioso deveria ter sido declarada pelo Tribunal a quo perante a prova carreada para os Autos, mas o que esse Venerando Tribunal ad quem, como consignado no douto Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 04.04.200263, no sentido de que , mesmo por parte do STJ em sede de recurso de revista: “I - A excepção de abuso do direito é do conhecimento oficioso e pode ser levantada ex-novo perante o S.T.J. em sede de recurso da revista.”, não deixará de fazer.
34.ª A supressão da faculdade de usar e dispor do imóvel livremente, de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação, merecendo a tutela do Direito, devendo essa Veneranda Relação ad quem, atendendo às especificidades do caso sub judice, condenar a Ré na compensação pela privação do uso, tendo por referência o valor locativo do imóvel consignada em ambos os Relatórios Periciais dos Autos, tal como requerido pelo Autor/Recorrente, obviando-se desta forma a um inadmissível enriquecimento sem causa do Ré/Recorrida, que tem vindo a fruir do imóvel dividendo na sua plenitude, não apenas para habitação própria, como para arrendamento de quartos, auferindo rendimentos prediais cuja quota-parte não adjudica ao Autor, mas continuando a onerá-lo com 1/2 das despesas do imóvel dividendo bem sabendo que este, por continuar na indivisão, sem vende ou arrendar o imóvel, suporta custo de habitação alternativa.
35.ª Como se mostra provado nos Autos e não pode ser olvidado, o Autor apenas assinou o Documento n.º 17 por carecer dos €43.000,00 cujo aditamento tal Documento n.º 17 titula, em jeito de confissão de dívida, para honrar o Contrato-Promessa de Compra e Venda a que se vinculara e relativamente ao qual já havia pago sinal, carecido que estava de habitação alternativa perante a recusa da Ré em vender o imóvel comum e na mais imbricada convicção de tratava de uma situação provisoria/transitória e de que a Ré não iria invocar o teor do referido Documento, convicção que foi sendo corroborada com a cadência do tempo, no sentido destacado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.06.201865, designadamente: I - O abuso do direito – art.º 334.º do CC –, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido”
36.ª Sem conceder, como por mera cautela a que obriga o Patrocínio se excogita, mesmo que se não propenda para o Abuso de Direito, sempre se terá que notar que o referido Documento n.º 27, tem clausulada uma obrigação pura, sem prazo, e que, no limite, a interpelação judicial para a presente Acção, através da citação, em Outubro de 2018 (Aviso de Recepção com a Ref.ª 20733095, de 22.10.2018), cfr. Art.ºs 804.º, 805.º n.º 1 e 806.º n.ºs 1 e 2, todos do C.C.
Termina o Apelante pugnando pela revogação parcial da sentença recorrida, com a inerente substituição por outra nos moldes indicados.
Foi apresentada alegação de resposta pela Requerida-Apelada em que defende que seja mantida a decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos:
1. Vem o A./Recorrente no presente recurso, e em suma, manifestar não se conformar com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, quanto aos segmentos decisórios patentes dos n.ºs 3, 6 e 7 do Capítulo IV. Decisão, na convicção de que o Tribunal a quo não procedeu a adequada e completa análise critica das provas, nos termos exigidos pelo art.º 607.º, n.º 4, do CPC, alegando ter o mesmo incorrido em erro na valoração da prova;
2. Pretendendo que esse Venerando Tribunal ad quem proceda à reapreciação da matéria e decisão de facto, e à reapreciação do mérito, com revogação parcial da decisão recorrida, com a inerente substituição por outra.
3. Contudo, contrariamente ao alegado pelo A./Recorrente, não foram incorretamente julgados, como esse Venerando Tribunal ad quem apurará:
- os Pontos 4, 7, 8, 9, 10, e 16 da II- Fundamentação de facto II. A) - Factos provados;
- o Pontos a), b), c), d), e) f) g) h), i), l) e m), da II- Fundamentação de facto II.B) - Factos não provados; e
- o Ponto II.C) - Convicção referente aos factos 8- a 10-, II Fundamentação de facto II.B) - Factos não provados, na parte que alude ao depoimento da Testemunha “MM, empregada doméstica das partes há 23 anos, e desde a separação, nas duas casas.
4. Os quais deverão ser mantidos, não se aceitando as alterações de redação aventadas pelo A./Recorrente para os factos provados e não provados e descritos na 2.ª conclusão de recurso, muito menos, ocorreu erro de valoração da prova documental e testemunhal carreada para os autos...
5. Relativamente à Motivação do Recurso e Temas de Prova, valor da coisa comum a dividir, concretamente do Valor Locativo – Alínea b) dos Factos não provados:
i. Não assiste razão ao A./Recorrente, não devendo ser aceite a alteração de redação aventada para a alínea b) dos factos não provados, e subsequente conversão em facto provado, por carecer de fundamento legal.
ii. O facto objeto de prova e sujeito a confirmação, por meio de perícia, era um alegado valor locativo que não foi confirmado pelo meio de prova requerido pelo próprio A./Recorrente, ou seja, que “(...) o arrendamento de imóvel semelhante ao dividendo, inserido na mesma área geográfica, não é inferior a €4.183,33 mensais (...)”.
iii. E, efetivamente, nenhuma prova carreada para os autos, documental ou testemunhal, confirmou tal facto, muito menos a prova pericial requerida pelo A./Recorrente, efetuada ao próprio imóvel dividendo.
iv. Aliás, o A./Recorrente não se contentou com a realização de uma perícia, tendo requerido uma segunda, ambas deferidas e com nomeação de MI Peritos pelo tribunal a quo, e em nenhuma das perícias o A./Recorrente logrou obter os valores excessivos que alegou, nem sequer relatórios periciais com valores dispares, pelo contrário, foram ambos de valor muito próximo, no caso do valor locativo com uma diferença de 100€ (cem euros) – Relatórios Periciais com Ref.ª Citius n.º 25279717, de 22.01.2020, e 28814100, de 30.03.2021, respetivamente, para os quais se remete.
v. Sendo que a alteração de redação ora requerida pelo A./Recorrente, nem sequer é o resultado da análise das duas perícias efetuadas ao imóvel, mas, como se esperava face à censurável postura processual do A./Recorrente, a de valor mais elevado;
6. Relativamente à Motivação do Recurso e Temas de Prova, valor da coisa comum a dividir concretamente Valor de venda no mercado atual – Alínea a) dos Factos não provados e Ponto 4 dos Factos provados:
i. Não assiste razão ao A./Recorrente, não devendo ser aceite a supressão aventada para a alínea a) dos factos não provados, e respetiva inclusão do mesmo como Ponto 4 dos Factos Provados, com alteração in fine do referido ponto, porquanto o requerido pelo A./Recorrente carece in totum de fundamento legal.
ii. O A./Recorrente tem projetado todos estes anos um determinado valor que pretende auferir do imóvel objeto dos presentes autos, o que é legítimo não fosse o caso de ter enredado por um determinado raciocínio, do qual, por motivos que se desconhece, não pretende abrir mão;
iii. A postura do A./Recorrente é censurável, sem qualquer respaldo no Direito, antes por este penalizada, o que foi devidamente percecionado e valorado pelo Tribunal a quo.
iv. O A./Recorrente não juntou aos autos qualquer contrato de mediação ou anúncios de onde resulte a promoção venda do imóvel pelo valor de €1.000.000,00, aliás nunca tendo recebido qualquer proposta que se aproximasse a tal valor (o que certamente teria feito questão de juntar aos autos).
v. A verdade é que, tanto em 2014 como em 2017, a venda do imóvel não se realizou porque o A./Recorrente queria mais dinheiro, para além do que o próprio mercado lhe permite auferir, o que feriu de morte qualquer tentativa de venda ou acordo entre A. e R. fundado na equidade;
vi. Sendo totalmente falsa qualquer alusão que, amiúde, o A./Recorrente vai fazendo (diga-se, até de forma contraditória) de que foi a R./Recorrida que inviabilizou a venda, como resulta, aliás, do depoimento da própria testemunha ACP, gravação 20211103105731-19635534.2871113;
vii. Assim, de um hipotético valor do imóvel de “cerca de um milhão”, a referida testemunha expressamente depôs não se recordar, de tudo o mais não asseverando de forma objetiva e rigorosa, como lhe competia, desde logo considerando a sua atividade profissional e envolvimento na referida tentativa de venda, apenas referindo “pensar que” tal seria o valor, o que, aliás, ressalta de todas as transcrições efetuadas pelo A./recorrente nas alegações, inclusivamente o valor da alegada proposta apresentada “pensa que” terá sido no valor de €900.000,00;
viii. O que foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo, bem como o facto de nos autos apenas constar prova de uma proposta efetiva no valor de €855.000,00.
ix. Já o recurso que o A./Recorrente faz às alegadas avaliações e relatórios de imobiliárias, pretendendo fazer-se valer dos mesmos para inflacionar (ou, mesmo, colocar em crise) os resultados dos dois Relatórios Periciais, sempre se dirá que a perícia é um meio de prova cuja finalidade é a perceção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível, sendo o perito um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.
x. Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito, sendo que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal – artigo 389.º do Código Civil.
xi. Não tem, pois, qualquer sustentação legal a pretensão do A./Recorrente em equiparar os alegados relatórios de imobiliárias, cuja razão de ciência é duvidosa, por tendenciosa, aos relatórios periciais, muito menos equiparar os respetivos valores probatórios.
xii. Não esquecendo que no nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no art.º 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, sendo que a “(...) prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, cabendo a estas, no âmbito dos seus poderes para julgar a matéria de facto, fixar livremente a força probatória da prova pericial, nos termos dos artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil (...)” - Acórdão do STJ, de 23 Junho 2021 (Processo 199/07.5TTVCT-E.G1.S1).
xiii. O Tribunal a quo, apreciando livremente as provas carreadas para os autos, decidiu segundo a sua prudente convicção acerca do facto em concreto, e decidiu que o valor do imóvel seria o valor contido entre as duas avaliações periciais.
7. União de facto, filhos e saída da casa de morada de família - Ponto 7 dos Factos provados e Alíneas c) e d) dos Factos não provados
i. Não assiste razão ao A./Recorrente, por carecer de fundamento legal, não devendo, consequentemente, ser aceite a alteração de redação aventada para o ponto 7 dos factos provados, nem expurgados dos factos não provados constantes das alíneas c) e d) com integração nos factos provados.
ii. O Tribunal a quo não laborou em qualquer equívoco quanto ao objeto dos presentes autos;
iii. Atrevendo-se mesmo a R./Recorrida a dizer que ao Tribunal a quo tampouco importa a disquisição das causas da cessação da união de facto entre A. e R., matéria, aliás, trazida aos autos pelas partes;
iv. E se alguém foi “intrusivo” ou “escalpelizou” a “vida privada/amorosa” do A./Recorrente, terá sido a R./Recorrida, padecendo, igualmente de tal intrusão e escalpelização da sua própria vida privada, a que lamentavelmente se viu foçada no presente processo, instaurado pelo A./Recorrente, o que se impôs, única e exclusivamente para provar, com interesse para o objeto dos presentes autos, como logrou conseguir, que o proprietário comum, JL, A./Recorrente, saiu da morada, coisa comum, por sua iniciativa, não tendo sido forçado, impelido, obrigado, nem impedido de lá entrar e de a usar.
v. Obviamente, não estando em causa a análise da união de facto, muito menos alegados graus de culpa (não seja a consciência do A./Recorrente a manifestar-se), dificilmente, porém, se poderia avaliar a alegada (pelo A./Recorrente) “privação de uso”, com o consequente pedido indemnizatório, sem se escrutinar o motivo pelo qual o A./Recorrente deixou de viver no imóvel, coisa comum, porque motivo saiu e como saiu, e se usou o imóvel ou teve acesso ao mesmo durante estes anos...
vi. Ora, das alegações do A./Recorrente e transcrições efetuadas quanto a esta matéria não resulta inadequada e incompleta análise crítica das provas efetuada pelo Tribunal a quo, nem que o mesmo tenha cometido erro na respetiva valoração, pelo contrário;
vii. A que acrescentamos, do depoimento da testemunha AL, gravação 202111031100825-19635534-2871113, as seguintes passagens, omitidas pelo A./Recorrente:
- a minutos 10:50, que se transcreve “(...) Penso que foi em 2010 que o meu pai se mudou para a casa de Campo de Ourique (...) tinha lá (casa da Expo, objeto dos autos) as suas coisas (...) livros utilizados como instrumento de trabalho (...) dvds (...) não sabe dizer quantas vezes ao ano se deslocava lá (...)”;
- a minutos 18:50, que se transcreve “(...) o que foi decidido, houve uma conversa entre o meu pai e a minha mãe e foi decidido que o meu pai iria viver para a casa de Campo de Ourique até as coisas se resolverem (...)”
- a minutos 20:30, a propósito da deslocação da testemunha ao Brasil, onde o pai vivia, que se transcreve “(...) em 2011 o meu pai estava a fazer sabática e visitou-me (...) voltei ao Brasil e fiquei na casa da mulher do meu pai, a DN, em 2014 (...) ano do casamento do pai (...)”
- Quanto à tentativa de venda da casa no ano 2014, ainda depôs “(...) não chegavam a acordo quanto aos valores (...) a certa altura sei que a minha mãe estava interessada em comprar a parte do meu pai (...) no ajuste de contas não houve acordo (...) não sabe mais (...)”
- Relativamente ao período 2010 a 2014, depôs a minutos 23:08, que se transcreve “(...) houve alturas em que os meus pais se davam melhor, outros piores (...) estávamos juntos (...) o pai no primeiro semestre (académico) estava fora (de Portugal, no Brasil) (...)”.
- Em relação à chave de casa (do imóvel objeto dos autos), depôs a minutos 25:10, que se transcreve “(...) ainda hoje tem a chave de casa (...) ainda tem livros em casa (...) roupas (...) cds (...)”
- E sobre a chave e comando da garagem (do imóvel objeto dos autos), depôs a minutos 26:30, que se transcreve “(...) algumas vezes o carro terá ficado lá (...) Volkswagen Lupo (...) havia um Opel Astra (...) sim, tinha a chave e comando da garagem (...)”
viii. A que acrescentamos, do depoimento da testemunha RS, gravação 20211103100834-19635534-2871113, as seguintes passagens, omitidas pelo A./Recorrente:
- a propósito das deslocações da testemunha ao imóvel dos autos no período que mediou de 2010 a 2015, bem como da presença do A./Recorrente no imóvel, a minutos 11:10, que se transcreve “(...) fui, durante um período, sim (...) pelo menos até 2014 (...) aniversários da SA e dois ou três aniversários (...) 2014/2015 (...)”; a minutos 12:25, que se transcreve “(...) o JL (...) um ou dois aniversários (...) estavam os pais da MS, o irmão da Clara, depois dois ou três amigos, a Julieta e eu, o AL (...) e a aniversariante (...)”, e, sobre quem cozinhava nas festas, a minutos 19:08, que se transcreve “(...) houve um aniversário ou dois que eu vi o JL e a MS na cozinha (...) 2014 foi a última vez que o JL esteve presente na casa em aniversários (...) depois passámos a fazer fora (...) em restaurantes (...) algumas vezes até foi também a MS (...)”;
- relativamente à utilização da garagem após a separação, a minutos 16:55, que se transcreve “(...) o JL tinha um velho Honda, que o irmão da MS queria comprar (...) passou um ano e não o comprou (...) no final desse ano comprei o carro (...) estava na garagem (...) esteve lá um ano (...)”.
- a minutos 27:00, que se transcreve “(...) sei que o JL foi e vai ao Brasil com alguma frequência dar conferências (...) não contacta o JL quando está no Brasil (...)”
ix. Mas como bem referiu o Tribunal a quo, outros depoimentos foram considerados na formação da convicção do douto Tribunal, de que fazemos uma mera alusão, com interesse para os pontos em análise;
x. Depoimento da testemunha PR, gravação 2021103144251-19635534-2871113:
- a minutos 2:30, que se transcreve “(...) o que posso testemunhar é que se mantêm diversos objetos pessoais do senhor na referida morada (...) livros (...) roupas (...) na garagem, de há uns anos a esta parte, por vezes sim, o senhor deixava lá o veículo Volkswagen Lupo branco, por umas temporadas, ao que sei porque se ausentava do país por determinados períodos e ia lá deixar o carro (...) 2013, 2014, 2015 e por umas temporadas (...) o que foi dito é que se ausentava para o Brasil porque tinha lá uma relação (...) filhos terão lá ido ao casamento do pai (...)”;
- a minutos 6:40, ainda a propósito do uso da garagem, que se transcreve “(...) sei que havia lá uma bicicleta propriedade dele (...);
- a minutos 7:19, que se transcreve “(...) em dezembro do ano passado confrontei-me com uma situação complicada (...) quarenta caixas empacotadas com livros no meio da sala (...) que o senhor já não podia ir buscar (...) carreguei para a garagem (...) dezembro de 2020, vésperas de natal (...) ainda existem livros (...);
- a minutos 38:18, que se transcreve “(...) sei de alguns jantares que ocorreram, reunindo a antiga família em determinados períodos (...) de 2013 a 2016 (...) mas sim, ocorreram jantares de pai, mãe e filhos e amigos (...).
xi. Depoimento da testemunha ML, gravação 2021103121034-19635534-2871113, a minutos 3:50, que se transcreve “(...) o JL foi para o Brasil, tinha uma outra relação (...)”, mais confirmando que ia para o Brasil e ficava lá em casa (casa dos autos)”.
xii. Depoimento da testemunha MAS, gravação 2021103122553-19635534-2871113, a propósito da separação de A. e R., a minutos 5:20, que se transcreve “(...) sei que estava ausente (...) que ia lá pontualmente porque tinha lá coisas (...) lembro-me que nos aniversários dos filhos a MS fazia um esforço para que a presença do pai se mantivesse (...) tentativas conciliatórias através desses momentos de convívio (...) estive presente num aniversário (...)”.
xiii. Depoimento da testemunha TCW, gravação 2021103140059-19635534-2871113:
- a minutos 1:35, a propósito da separação de A. e R., que se transcreve “(...) provavelmente por volta de 2007 (...) foi quando ele começou a ter uma relação com uma outra mulher (...) que residia no Brasil (...) depois voltava para casa, voltava para o Brasil, voltava para sua casa, e, provavelmente, ao fim de algum tempo decidiu assumir a relação do Brasil (...)”;
- a minutos 3:05, que se transcreve “(...) quando voltava a Portugal ficava na casa (da MS) (...) o escritório do JL tinha muitos livros (...) garagem tinha carros e caixotes (...)”.
xiv. Depoimento da testemunha MV, gravação 2021103141551-19635534-2871113:
- a minutos 2:10, a propósito da separação de A. e R., que se transcreve “(...) tenho ideia do ano de 2008 (...) o I… passava seis meses fora, ia lá ter com a sua namorada, depois voltava (...) ficava mais seis meses em Portugal (...) ele não estava em casa nesse período (...) depois continuava na casa (...)”;
- a minutos 4:14, que se transcreve “(...) encontrámo-nos pontualmente em casa (...) aniversários (...) via o I… lá, até parecia que não se passava nada (...) uma situação estranha (...)”;
- a minutos 18:46, que se transcreve “(...) mas MS, o I… ainda tem as chaves? E ela dizia claro, porque ele tem cá as suas coisas (...)”.
xv. Ou seja, da prova produzida, documental e testemunhal, resultou de forma inequívoca, que o A./Recorrente deixou de viver no imóvel por sua vontade e sem qualquer pressão sobre si exercida, o que lhe foi, inclusivamente conveniente, porquanto, na verdade, pretendia passar a viver, igualmente, no Brasil, onde veio a constituir outro lar, onde veio a casar e viver com cidadã brasileira, residente em São Paulo, não deixando, contudo, de usar e aceder ao imóvel de que é proprietário, objeto dos presentes autos.
8. Acordo entre A. e R. - Pontos 8 e 9 e 10 dos Factos provados e Alíneas e), f), g), h), i), l) e m) dos Factos não provados
i. Não assiste razão ao A./Recorrente, por carecer de fundamento legal, não devendo, consequentemente, ser aceite a alteração de redação aventada para os pontos 8, 9 e 10 dos factos provados, nem expurgados dos factos não provados constantes das alíneas e), f), g), h), i) l) e m), com a consequente integração nos factos provados.
ii. Neste conspecto, o A./Recorrente suscita uma falsa questão relativamente ao documento n.º 17 da contestação, porquanto o Tribunal a quo reproduziu o respetivo teor, tendo ficado assente, e bem, o acordo plasmado no referido documento, mais concretamente que a R./Recorrida e filhos do A. e R. permaneceriam no imóvel até à data da respetiva venda ou divisão, situação que se manteve desde 2010 e mantinha à data da interposição da ação, a que acrescentaremos, se mantém até à presente data.
iii. Para além do documento n.º 17, o Tribunal a quo teve em consideração, na formação da sua convicção, a restante prova produzida, seja testemunhal, seja documental;
iv. Desde logo, no que ao teor do acordo (documento n.º 17) diz respeito, é perfeitamente razoável que as testemunhas arroladas pelas partes, constituídas pelo filho de ambos, empregada doméstica e amigos do casal, não tenham lido o aludido documento, desconhecendo, assim, o respetivo detalhe, contudo, o filho disse expressamente ter tido conhecimento de conversas dos pais nesse sentido, sendo que esta testemunha e as demais manifestaram inequivocamente, ter tido perceção direta de factos que comprovam a concretização de tal acordo entre A. e R., como sejam a saída do A. do imóvel, a manutenção no mesmo da R. e filhos de ambos, os bens do A. que permaneceram no imóvel e respetivo uso para a utilização e/ou levantamento dos bens, a utilização da garagem do imóvel, os convívios familiares após a separação, os aniversários e refeições familiares, a compra, pelo A. de outro imóvel em Campo de Ourique, a residência alternada do A. entre Portugal e Brasil, entre inúmeros outros factos que foram sendo relatados pelas testemunhas e até dos documentos juntos aos autos pelo A., como sejam notificações deste último ainda com a morada do imóvel objeto dos presentes autos e volvidos anos da separação de A. e R..
v. Reforçado pelo depoimento, como bem referiu o Tribunal a quo, de MM, empregada doméstica de A. e R. durante 23 anos, do qual, para além do já expendido na fundamentação da decisão, e a propósito das entradas do A./Recorrente no imóvel no período após a separação de A. e R., se extrai, em gravação 2021103155440-19635534-2871113:
vi. a minutos 2:58, que se transcreve “(...) entrava e tinha chave (...) assim como da garagem, a que a testemunha respondeu afirmativamente a minutos 4:40;
vii. a minutos 2:58, que se transcreve “(...) recordo-me de um dia estar a trabalhar e o Senhor JL ter entrado, não lhe posso dizer a data (...) recordo-me de uma vez ou duas que entrou comigo lá a trabalhar (...)”
viii. Tudo, ainda, corroborado pelos documentos juntos aos autos, como sejam documentos n.ºs 37 a 39 juntos com a contestação, a que acrescentamos o documento n.º 1 junto com a réplica.
ix. Dos documentos n.ºs 37 a 39 juntos com a contestação, resulta que o A./Recorrente continuou a usar o imóvel, seja mantendo bens pessoais no mesmo, ao qual se deslocava para recolher e/ou utilizar os referidos bens, seja para usar a garagem, onde guardava o respetivo carro.
x. Do documento n.º 1 junto com a réplica, mais concretamente na segunda linha do primeiro quadro constante da página 2/10, rúbrica identificada imediatamente a seguir à referente a empréstimo de €43.000, ou seja, altura em que A. e R. assinaram o documento n.º 17, resulta um valor referente a “Despesas advogada”, com valor de €500/2, correspondendo a quantia de €250,00 a valor devido pelo A. à R;
xi. De onde se extrai que bem sabe o A./Recorrente, pois o próprio tomou com bom o documento que apresentou com a réplica, bem como corretas as rúbricas e contas descritas em tal documento, que o documento n.º 17, elaborado por advogada, no interesse de ambos e de nos termos de acordo por eles estabelecido, seriam pagos por ambos, cada um na proporção de 50%, tal como descrito.
xii. Não tendo, obviamente, colhido a versão (mal) ensaiada do A./Recorrente, de que se viu forçado a assinar o documento, ora nessa contingência, ora não percecionando o respetivo teor, versão que, diga-se, é o culminar da degradação a que se submete um homem do nível intelectual e académico do A./Recorrente...
xiii. Não tendo, igualmente, qualquer sustentação na prova produzida nos autos (nem o A./Recorrente, em bom rigor, o consegue alegar fundamentadamente no presente recurso):
- que o empréstimo efetuado pela R./Recorrida ao A./Recorrente, tivesse sido feito como contrapartida de uma alegada privação de uso do imóvel dos autos;
- que pelo A. e R. foram efetuados investimentos diferenciados na compra da casa objeto dos autos e/ou que tenha sido intenção plasmar a alegada diferença na propriedade da coisa comum, pois inexiste um único elemento de prova do (falsamente) alegado, não resultando tal facto da escritura pública de compra e venda; e,
- que A. e R. terão acordado numa repartição de lucro dos alegados alugueres de quartos.
9. Arrendamento de quartos - Ponto 16 dos Factos Provados
i. A R./Recorrida não negou ter alugado o quarto do filho, no período em que este foi estudar em Barcelona, o que fez com o conhecimento e acordo do A./Recorrente, unicamente com o objetivo de conseguir pagar os estudos ao filho, já que o contributo do A./Recorrente era claramente insuficiente.
ii. Mas não o fez fora do período em causa, nem em proveito próprio ou para seu enriquecimento, como levianamente alega o A./Recorrentes, aliás, enredando-se na sua mentira ao contradizer-se, pois ora alega essa falsidade ora, de seguida, se ancora no depoimento do filho e na alegação que, afinal, tal ação tinha por objetivo contribuir para os estudos dos filhos;
iii. Conforme resultou do depoimento do filho de A. e R., AL, gravação 202111031100825-19635534-2871113, a minutos 7:00, que se transcreve “(...) recebia 250€ do pai (...) da minha mãe o valor da propina e o que me permitia viver lá (Barcelona) (...) havia claramente aqui um desequilíbrio (...) a minha mãe conseguiu contribuir com mais porque houve essa situação (aluguer de quarto) (...)”
iv. Não obstante e no que importa referir quanto ao posto em crise da douta decisão, facto é que o A./Recorrente não conseguiu fazer prova concreta dos alegados “alugueres”, muito menos do valor, razão pela qual o Tribunal a quo, e bem, face à prova produzida, tenha formado a sua convicção e dado como provado, sob ponto 16, que “Em períodos e por valores não apurados, a Ré arrendou quartos da fracção dos autos através de site denominado “Airbnb.pt”.
v. Caindo, ainda, no ridículo, quando todo o seu rasurado processual é de auto elogio, a que acrescem os galardões académicos e a excelência literária, plasmada, desde logo, na extensa biblioteca que tanto evocou, para de seguida afirmar a complexidade do documento n.º 17, para o qual se remete e se dá por integralmente reproduzido;
vi. De cujas duas singelas páginas se extrai a mais perene simplicidade, e singeleza cognitiva...
vii. Diga-se, ainda, que o A./Recorrente não impugnou, sequer, a genuinidade do documento n.º 17, como aliás o refere expressamente neste recurso (ponto 106. das alegações), vindo alegar a tese (que não convenceu o Tribunal a quo, e bem) de um contexto factual em que se sentiu na contingência de o assinar “(...) talqualmente lhe foi apresentado pela Ré, portanto, pré-clausulado, pré-escrito, sem que tenha tido qualquer intervenção no respectivo conteúdo (...)”
viii. Quando, na verdade, não foi a R./Recorrida que lhe apresentou o documento, mas o escritório de advogados cujos serviços e respetivo pagamento foi requerido assumido por ambos;
ix. Tendo o próprio A./Recorrente afirmado expressamente que se deslocou sozinho ao escritório de advogados, tendo assinado o documento na presença de uma assistente do escritório, sem qualquer pressão ou tensão;
x. Mais uma vez mentindo, jogando com as palavras, numa arrogante expetativa de sucesso no atestado de menoridade intelectual aos destinatários de tal ensaio, mudando a expressão de que se sentiu na contingência para assinar para adiante referir que a R./Recorrida impôs ao A. a assinatura do referido documento n.º 17... (ponto 125 das alegações de recurso)
xi. Tendo o A./Recorrente, inclusivamente, na réplica, por meio da junção do documento n.º 1, dado como corretos os valores contidos no documento 17, em que se inclui a despesa efetuada na contratação de tais serviços jurídicos;
xii. Na verdade, o A./Recorrente, que deixou de pagar as prestações do crédito hipotecário e demais encargos da coisa comum, como ficou extensamente comprovado nos autos e que não mereceu do A./Recorrente qualquer oposição, devia ter enormíssima contenção nas suas palavras, em especial em palavras como “desequilíbrio manifesto”, “desproporcionalidade”, “vantagens usufruídas” e “sacrifício”;
xiii. É que o sacrifício a que foi votada a R./Recorrida ficou devidamente comprovado documentalmente, pela junção dos comprovativos de pagamento ao Banco, administração de condomínio, entre outros, factos, que, pese embora não se contente o A./Recorrente com a decisão proferida, que dá como provado o pedido reconvencional da R./Recorrida, nada opõe ou contesta em concreto...
xiv. Não só o acordo vertido no documento n.º 17 foi querido e acordado entre ambos, A. e R., que o assinaram e cumpriram;
xv. Como a R./Recorrida não usufruiu de qualquer vantagem durante anos, o que corresponde a conclusão abusiva do A./Recorrente, que bem sabe não ter sequer cabalmente alegado tal facto, muito menos logrado provar o mesmo.
xvi. Como se expôs supra, não ocorreu privação de uso do imóvel pelo o A./Recorrente, como este bem sabe, razão pela qual o Tribunal a quo deu como não provada a alegação do A. e respetivo pedido de indemnização formulado.
xvii. Verificou-se, de facto, in casu, um desequilíbrio manifesto, não em prejuízo do A./Recorrente, mas sim em prejuízo da R./Recorrida, consubstanciado na desproporcionalidade entre os pagamentos efetuados por esta e os que foram efetuados pelo A./Recorrente, o que ficou comprovado nos presentes autos e refletido na Douta Decisão do Tribunal a quo.
xviii. A sentença recorrida não violou o disposto no artigo 334.º do Código Civil, nem o Tribunal a quo devia ter condenado a R./Recorrida em Abuso de Direito por desequilíbrio das prestações e/ou em indemnização do A./Recorrente pela alegada privação do uso e obstaculização à venda. Face ao exposto, esteve bem o Tribunal a quo na decisão proferida, cuja manutenção se requer a V.Exas., Venerandos Desembargadores.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto - no tocante ao vertido nos Pontos 4, 7, 8, 9, 10, e 16 do elenco dos factos provados; nas Alíneas a), b), c), d), e) f) g) h), i), l) e m) do elenco dos factos não provados; e ainda quanto ao vertido no segmento intitulado “II.C)-Convicção” a propósito dos factos descritos nos pontos 8 a 10 e dos factos constantes do elenco dos factos não provados;
2.ª) Se o valor base de venda da fração deve ser superior a 900.000€ (devendo ser fixado em 1.000.000€ ou, pelo menos, 920.000€);
3.ª) Se a Requerida está obrigada a pagar ao Requerente uma indemnização pela privação do uso da fração autónoma em apreço nos autos, operando-se a compensação com o contra-crédito daquela (com a improcedência da reconvenção).
Dos Factos
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (assinalámos com asterisco os pontos impugnados):
1 - Autor e Ré são donos e legítimos proprietários, em comum e sem determinação de parte ou direito, da fração autónoma designada pela letra “S”, destinada a habitação, correspondente ao Corpo A, pisos cinco e seis, quinto andar B Duplex, com a arrecadação n.º 32 e os parqueamentos n.ºs 44, 45, 46 e 47 no piso menos um, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, Lote …, freguesia do Parque das Nações (denominada desde 2012 apenas por Olivais), concelho de Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número …, e inscrito na matriz sob o artigo …, conforme cópia da respetiva Escritura de Permuta, Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca outorgada em 30-12-2003, no Cartório Notarial de Queluz.
2 - Autor e Ré compraram a referida fração autónoma em 30-12-2003, ambos no estado civil de solteiros, em partes iguais, em comum e sem determinação de parte ou direito, com o propósito de nele residirem e de que constituísse a respetiva Casa de Morada de Família, compra essa realizada mediante escritura pública cuja cópia foi junta como doc.1 com a P.I., dando-se aqui por reproduzido o respetivo teor.
3 - A fração supra identificada é indivisível.
*4 - O seu valor de venda no mercado atual será de 900.000,00€.
5 - O imóvel dividendo mostrava-se onerado com hipoteca em favor da Instituição Bancária Barclays Bank PLC, assumindo desde 2016, tal posição, o Bankinter, SA.
6 - O valor do passivo/dívida hipotecária do Autor e Ré no âmbito do respetivo Contrato de Mútuo com Hipoteca para aquisição do imóvel, ascende ao montante de 117.452,41€, com referência à data de 16-07-2019.
*7 - Autor e Ré viveram em união de facto durante mais de 20 anos, até janeiro de 2010, altura em que o A. optou por sair de casa, deixando de aí residir, tendo de tal união, nascido dois filhos: AL em 1991 e SA em 1996.
*8 - No acordo celebrado entre as ora partes, em 07-04-2010, ficou estipulado que a Ré e os filhos ficariam a residir no imóvel dos autos, até à data da sua venda ou divisão, situação que se manteve desde 2010 e mantinha à data de interposição desta ação.
*9 - Do referido acordo, subscrito por Autor e Ré, consta expressamente, além do mais, que “Não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade entre os Contraentes, estes acordaram em atribuir a utilização à 2ª Contraente/MS, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretize a venda do imóvel” e ainda que “Enquanto a fracção (...) se mantiver em compropriedade entre os contratantes, cada um deles suportará metade dos encargos relativos ao empréstimo hipotecário que onera o imóvel-incluindo, para além das prestações hipotecárias, o condomínio mensal, os seguros e demais encargos bancários associados, bem como os impostos que incidam sobre o imóvel.”, conforme doc. 17 junto com a Contestação, correspondente a escrito com o título “Acordo” datado de 07-04-2010, dando-se aqui por integralmente reproduzido o restante teor.
*10 - O Autor mantém as chaves do imóvel, aí permanecendo bens pessoais do mesmo e continuando a receber correspondência com referência a essa morada.
11 - Entre janeiro de 2010 e 30-10-2018, a Ré pagou a totalidade dos encargos mensais referentes ao Condomínio, num total de 19.500,95€.
12 - Entre janeiro de 2010 e 30-10-2018, venceram-se prestações mensais de reembolso do empréstimo hipotecário no valor total de 105.174,46€, tendo a Ré pago 74.703,00€ desse valor.
13 - A Ré fez adiantamentos ao Autor, por conta do produto da venda do imóvel identificado nos autos, num total de 60.210,00€, da seguinte forma:
- a quantia de 43.000,00€, constante como empréstimo no acordo escrito supra dado por reproduzido em 9;
- a quantia de 12.500,00€ por transferência bancária de 05-04-2010;
- a quantia de 1.000,00€ por transferência bancária de 29-06-2010;
- a quantia de 2.000,00€ por transferência bancária de 06-04-2010;
- a quantia de 210,00€ por transferência bancária de 06.07.2010 e
- a quantia de 1.500,00€ por transferência bancária de 26-05-2011.
14 - A Ré suportou o pagamento das taxas de esgotos referentes aos anos de 2010, 2011, 2013, 2016, 2017 e 2018, no valor global de 310,88€.
15 - A Ré suportou desde 2015, a totalidade dos prémios de seguro de vida e habitação referente à fração identificada nos autos, tendo pago o valor global de 5.400,00€ a tal título.
*16 - Em períodos e por valores não apurados, a Ré arrendou quartos da fração dos autos através de site denominado “Airbnb.pt”.

Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos:
*a) O imóvel identificado nos autos tem um valor comercial, não inferior a 1.000.000,00€ (um milhão de euros).
*b) O arrendamento de imóvel semelhante ao dividendo, inserido na mesma área geográfica, não é inferior a 4.183,33€ mensais.
*c) Após a cessação da vivência marital entre Autor/Reconvindo e Ré/Reconvinte, a partir de janeiro de 2010, o clima de animosidade e divergências insuperáveis entre ambos excluíram a possibilidade de utilização simultânea do imóvel dividendo.
*d) O Autor/Reconvindo viu-se na contingência de sair de casa e encontrar solução de residência alternativa.
*e) Para evitar que Autor/Reconvindo insistisse na venda imediata do imóvel, a Ré disponibilizou-se para lhe adiantar o valor de 43.000,00€, também como contrapartida da privação do uso do imóvel dos autos.
*f) O Autor/Reconvindo contribuiu com aproximadamente mais 100.000,00€ (cem mil euros), para a compra do imóvel ora dividendo do que a Ré/Reconvinte, pelo que esta ficou a dever ao Autor/Reconvindo cerca de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), dívida que a Ré/Reconvinte tinha (e tem) presente ao disponibilizar ao Autor/Reconvindo, 43.000,00€, quantia essa quase equivalente àquela que o Autor/Reconvindo pagou a mais do que a Ré/Reconvinte pelo imóvel dividendo.
*g) A minuta de Acordo aludido em 8) e 9) foi apresentada pela Ré/Reconvinte ao Autor/Reconvindo, pré-feito, sem margem para negociação, para que este o assinasse, com o argumento de que era necessário formalizar o empréstimo.
*h) A pedido da Ré/Reconvinte, o Autor/Reconvindo acabou por assinar tal minuta, sem questionar o conteúdo da mesma, atenta a relação de confiança com a Ré/Reconvinte e os Filhos em comum com esta, e o período de fragilidade emocional que a Ré/Reconvinte dizia atravessar.
*i) O Autor/Reconvindo assinou tal Documento na mais imbricada convicção de que se tratava de um aspeto meramente formal, sem repercussões práticas futuras, pois não se quis vincular ao pagamento de quaisquer juros, nem à devolução da quantia adiantada.
j) A partir de 2010, a Ré/Reconvinte passou a dormir e a usar como quarto de dormir o escritório que foi do Autor/Reconvindo, onde ficou instalada a respetiva Biblioteca, e arrendou o quarto de casal, o seu próprio escritório e o quarto do Filho AL, e durante os 4 anos em que a filha SA esteve ausente, a estudar, primeiro nas Caldas da Rainha e posteriormente na Holanda, a Ré/Reconvinte terá tido também o quarto da Filha SA arrendado.
k) A Ré/Reconvinte terá auferido como contrapartida do arrendamento/alojamento local dos quartos do imóvel, valor não inferior a 836,67€ mensais por cada quarto que foi dando de arrendamento/alojamento local, o que, multiplicado por 3 (três) quartos, decorrido estes 9 (nove) anos perfaz valor não inferior a 271.081,08€, sendo o A. credor de metade, ou seja, de 135.540,54€;
*l) A Ré/Reconvinte e Autor/Reconvindo firmaram um acordo em 2010, quando a Ré/Reconvinte começou a arrendar os quartos do imóvel dividendo, nos termos do qual os valores que auferisse provenientes do arrendamento/alojamento local seriam usados exclusivamente para fazer face às despesas com os estudos dos filhos de ambos, e despesas e encargos do próprio imóvel dividendo (como crédito-habitação, contribuições para o Condomínio, obras nas partes comuns, seguros, etc).
*m) Nos termos do referido Acordo, a Ré/Reconvinte faria sua a quota-parte do Autor/Reconvinte dos proventos do arrendamento/alojamento local por conta da contribuição deste, de 1/2, para os alimentos dos Filhos e despesas inerentes ao imóvel dividendo, tendo sido este o compromisso que a Ré/Reconvinte assumiu para com o Autor/Reconvindo.

1.ª questão - Da modificação da decisão da matéria de facto

Importa que façamos algumas considerações prévias a respeito do quadro normativo aplicável ao recurso quando versa sobre matéria de facto.
Conforme previsto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Dispõe o artigo 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art.º 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016 - Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 - 1.ª Secção, sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt, bem como o acórdão do STJ de 01-10-2015, no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Nesta linha, conclui-se resultar da conjugação do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que o ónus principal a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto.
Já a alínea a) do n.º 2 do citado art.º 640.º do CPC consagra um ónus secundário, cujo cumprimento, quanto aos invocados erros de julgamento das concretas questões de facto, não tendo de estar refletido nas conclusões da alegação recursória, deverá igualmente ser observado, sob pena de rejeição do recurso, na parte respetiva. Assim, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 16-12-2020, no processo n.º 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, citando-se, pelo seu interesse e clareza, as seguintes passagens do respetivo sumário:
“I - No âmbito do recurso de apelação visando a impugnação da decisão de facto podem distinguir-se dois ónus que incidem sobre o recorrente:
Um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – Art.º 640º nº 1 do CPC;
E
Um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art.º 640º nº 2 al. a) do CPC.
II - Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes.
III - O controlo do cumprimento deste ónus secundário deve ser feito pela Relação em termos funcionalmente adequados e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.”
Sempre sem perder de vista que, na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções) alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art.º 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art.º 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. São manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada / não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no tocante à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Assim, conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 27-11-2018, proferido no proc. n.º 1660/14.0T8OER-E.L1, a jurisprudência dos Tribunais superiores vem reconhecendo que “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (art.ºs 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).” Neste sentido, além dos acórdãos aí citados - acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, no proc. 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, no proc. n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, no proc. n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, no proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1) -, destacamos ainda os acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt, embora com omissão de algumas passagens):
- da Relação do Porto de 07-05-2012, no proc. n.º 2317/09.0TBVLG.P1: “É um acto manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se os factos impugnados não tiverem qualquer relevância para a decisão da causa.”
- da Relação de Coimbra de 12-06- 2012, no proc. 4541/08.3TBLRA.C1, conforme resulta do ponto II do respetivo sumário: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”
- do STJ de 17-05-2017, no proc. n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1: “III - O princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. IV - Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.”
- do STJ de 14-10-2021, no Proc. 5985/13.4TBMAI.P1.S1:  “I. Na impugnação da matéria de facto impende sobre o recorrente o ónus, decorrente do pressuposto processual do interesse em agir e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do CPC), de justificar o interesse nessa impugnação, não sendo de admitir que o tribunal desperdice os seus recursos na apreciação de situações de que o recorrente não possa tirar qualquer benefício. II. Na aferição do cumprimento desse ónus haverá de adoptar um estalão idêntico ao estabelecido para a aferição do cumprimento dos ónus do art.º 640º do CPC, baseado em critérios de proporcionalidade e razoabilidade, no respeito pelo princípio do processo equitativo e repudiando excessos de formalismo.
- da Relação de Lisboa de 24-09-2020, no proc. n.º 35708/19.8YIPRT.L1, em cujo coletivo também interveio a ora Relatora.
Transpondo estas considerações para o presente processo, desde já se impõe rejeitar a impugnação feita na conclusão 23.ª por remissão genérica para “todos os Pontos da Matéria de Facto conexos com o pressuposto falacioso de que presta serviço a ambos Autor e Ré”, por manifesta inobservância do ónus principal consagrado no art.º 640.º do CPC.
Por outro lado, é claro que apenas podem ser objeto de impugnação os pontos de facto, isto é, os concretos factos ou alegações de facto, que foram considerados provados ou não provados ou que, não constando no(s) elenco(s) dos factos provados / não provados, devessem, na perspetiva do Apelante, constar. Não é legalmente admissível, até porque manifestamente inútil, pretender que sejam alteradas ou emendadas passagens da decisão da matéria de facto constantes da motivação, muito menos passagens da fundamentação de direito em que são tecidas hipotéticas considerações de facto.
Assim, sem necessidade de mais considerações, rejeita-se a impugnação da decisão de matéria de facto atinente na parte em que versa sobre passagens da motivação da sentença intitulada “II.C)-Convicção”, bem como sobre passagens constante da “III- Fundamentação de Direito” (cf. designadamente conclusões 1.ª, 9.ª, 12.ª, 23.ª, 24.ª e 25.ª).
Posto isto, passamos a analisar a impugnação da decisão da matéria de facto, na parte de que cumpre conhecer.

Ponto 4 dos factos provados e alínea a) dos factos não provados
Na sentença foi considerado provado que: 4 - O seu (da fração) valor de venda no mercado atual será de €900.000,00.
E não provado que: a) O imóvel identificado nos autos tem um valor comercial, não inferior a €1.000.000,00 (um milhão de euros).
Motivou-se o assim decidido nos seguintes termos:
“O facto provado 4- resultou da análise crítica, comparativa e ponderada dos dois relatórios periciais de avaliação juntos aos autos, sendo certo que apenas se deu como assente tal facto devido ao 1º tema da prova enunciado, considerando-se porém que tal valor deverá ser fixado oportunamente e se for caso disso, na conferência de interessados.
(…) a al. a) resulta da circunstância de estar em contradição com o facto provado 4), sendo certo que nenhuma das avaliações efectuadas nos autos chegou ao valor aí dado como não provado”.
O Apelante pretende que, no ponto 4, em vez do valor de 900.000,00€ fique a constar 1.000.000,00€, suprimindo-se em conformidade a referida alínea a), já que o facto aí vertido será levado ao elenco dos factos provados ou, em alternativa, que se mantenha a redação da sentença, dando-se como provado que “4 - O seu valor de venda no mercado actual será de €1.000.000,00” -, ou, pelo menos, de 920.000,00€, conforme referido no Relatório da 2.ª perícia.
Para tanto invoca, além do relatório da 1.ª perícia, o depoimento da testemunha ACP, que disse “ter prestado serviços numa Imobiliária, onde angariou o imóvel em questão nos autos” (depoimento prestado na sessão de 03-11-2021); o “Pré-Estudo de Mercado” da Era do Parque das Nações, indicando, como valor de venda aconselhado do imóvel 1.095,735€ (doc. junto com o Requerimento de 11-02-2020); o Relatório da KW SELECT KELLER WILLIAMS, estimando o valor comercial atual da fração em 1.216,781€, designadamente, o valor mínimo em €1.166,154 e o valor máximo em 1.267,409€ (doc. junto com o Requerimento de 11-02-2020); o “Pré-Estudo de Mercado” da Era do Parque das Nações, que indica como valor de venda aconselhado 1.013.115,00€ (doc. junto com o Requerimento de 29-10-2020); e o “Estudo Comparativo de Mercado” da REMAX Portugal, atribuindo o valor de 1.200.000,00€ (doc. junto com o Requerimento de 29-10-2020).
A Requerida-Apelada discorda, argumentando, em síntese, que o Tribunal a quo, apreciou livremente as provas carreadas para os autos e decidiu segundo a sua prudente convicção acerca do facto em concreto que o valor do imóvel seria o valor contido entre as duas avaliações periciais.
Apreciando.
Atentámos nos dois relatórios periciais, bem como nos referidos documentos, conjugando-os, à luz de regras de experiência, com o depoimento da referida testemunha, ouvido na íntegra (a qual referiu um valor de venda na ordem do milhão de euros).
Lembramos que a prova pericial se encontra expressamente prevista no art.º 388.º do CC, tendo por fim “a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.” Sem olvidar que, conforme dispõe o art.º 389.º do CC, “(A) força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”, podendo o juiz, no confronto com outros meios de prova, atribuir-lhe uma maior credibilidade, atenta a especial preparação técnica ou científica do perito, sendo certo que, ao invés, se existirem razões para desvalorizar a prova pericial, o tribunal também é livre de o fazer, justificando isso mesmo. Nesta linha de pensamento, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 23-06-2021, no proc. n.º 199/07.5TTVCT-E.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança da seguinte passagem do respetivo sumário: “A prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, cabendo a estas, no âmbito dos seus poderes para julgar a matéria de facto, fixar livremente a força probatória da prova pericial, nos termos dos artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil.” De referir ainda que, conforme previsto no art.º 489.º do CPC, a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal.
O Tribunal recorrido terá considerado que ambas as perícias tinham a mesma relevância probatória e, nessa medida, decidiu fixar um valor intermédio (920.000 – 880.000 ꞊ 40.000 : 2 ꞊ 20.000€). Porém, no caso concreto, entendemos que se impõe atribuir maior relevância à segunda perícia, porque mais recente, sendo até um facto notório a tendência de subida dos preços de venda dos imóveis registada nos últimos anos. Não nos merecem a mesma credibilidade as avaliações resultantes dos aludidos depoimento e documentos, uma vez que, como é sabido, tendencialmente as agências imobiliárias incorporam nas suas avaliações o valor das comissões e também alguma margem de negociação, partindo de valores iniciais de venda mais aliciantes para o vendedor. Tudo ponderado, reputa-se mais credível e atual o valor indicado naquela segunda perícia.
Assim, mantem-se inalterada a alínea a) e altera-se a redação do ponto 4, que passa a ter o seguinte teor:
4 - O seu (da fração) valor de venda no mercado atual será de aproximadamente 920.000,00€.

Alínea b) dos factos não provados
Na sentença, foi considerado não provado que: b) O arrendamento de imóvel semelhante ao dividendo, inserido na mesma área geográfica, não é inferior a 4.183,33€ mensais.
Na motivação da sentença consta a este respeito que: “a al. b) também resultou da análise dos relatórios periciais de avaliação que não indicam tal valor, mas antes montante substancialmente inferior”.
O Apelante, invocando as duas avaliações periciais, pretende que seja considerado provado que: “O arrendamento de imóvel semelhante ao dividendo, inserido na mesma área geográfica, não é inferior a €2850,00 mensais”.
A Requerida-Apelada, por sua vez, defende que não deve ser aceite tal alteração, porque o facto objeto de prova e sujeito a confirmação, por meio de perícia, era um alegado valor locativo que não foi confirmado pelo meio de prova requerido pelo próprio Apelante (as duas perícias).
Apreciando.
Tendo em conta o objeto do litígio, mormente o pedido de indemnização por privação do uso da fração deduzido pelo Requerente, que continua no presente recurso a arrogar-se o direito à mesma, importa obviamente considerar o valor locativo da fração, não bastando que o Tribunal julgue como não provado o facto em apreço, numa lógica de “tudo ou nada”.  Como resulta da segunda perícia, efetuada em data mais recente e que nos merece credibilidade, que apartamentos semelhantes tinham um valor locativo mensal na ordem dos 2.850€, esse facto não podia deixar de ter sido considerado provado (embora não nos precisos termos indicados pelo Apelante).
Assim, pese embora quede inalterada a alínea b) do elenco dos factos não provados, determina-se o aditamento ao elenco dos factos provados do ponto 4-a) com o seguinte teor:
4-a) O valor de mercado de renda devida pelo arrendamento de fração semelhante à fração supra identificada, inserido na mesma área geográfica, é de cerca de 2.850€ mensais.

Ponto 7 dos factos provados e alíneas c) e d) dos factos não provados
Na sentença foi considerado provado que: 7 - Autora e Ré viveram em união de facto durante mais de 20 anos, até janeiro de 2010, altura em que o Autor optou por sair de casa, deixando de aí residir, tendo de tal união, nascido dois filhos: AL em 1991 e SA em 1996.
Foi considerado não provado que:
c) Após a cessação da vivência marital entre Autor/Reconvindo e Ré/Reconvinte, a partir de janeiro de 2010, o clima de animosidade e divergências insuperáveis entre ambos excluíram a possibilidade de utilização simultânea do imóvel dividendo.
d) O Autor/Reconvindo viu-se na contingência de sair de casa e encontrar solução de residência alternativa.
Na motivação da sentença referiu-se, a este propósito, o seguinte:
“O facto 7- baseou-se na análise do conjunto da prova testemunhal que confirmou, de forma unânime, tais aspectos factuais, tendo sido especialmente atendido o depoimento do filho do A. e R., AL, o qual afirmou espontaneamente que o pai saiu de casa em 2010, tendo todas as testemunhas feito alusão, na medida do respectivo conhecimento que tinham da situação, a que a separação se deveu à circunstância de o A. ter iniciado um relacionamento com outra mulher, com quem veio a casar.
(…) - as als. c) e d) resultaram da análise crítica e conjugada da prova testemunhal já supra aludida, pois até as testemunhas do A., designadamente a primeira testemunha, RS, fez referência à presença do A., em festas na casa dos autos, já depois da separação, presença essa que não seria concebível se o clima fosse de animosidade, resultando antes do conjunto da prova testemunhal que o A optou por sair de casa, não tendo sido expulso pela Ré e proibido de aí aceder, ocorrendo depois um crescente afastamento, natural nestas situações, tanto mais, que quer o A., quer a R. assumiram posteriormente a tal separação, outros relacionamentos;”
O Requerente-Apelante pretende que os factos vertidos nestas alíneas sejam considerados provados e que seja expurgado do ponto 7 o segmento “optou por sair de casa”, ficando com a seguinte redação: “7- A. e R. viveram em união de facto durante mais de 20 anos, até Janeiro de 2010, altura em que o A.  deixou de aí residir, tendo de tal união, nascido dois filhos: AL em 1991 e SA em 1996.”
O Apelante, além de se insurgir contra a motivação da sentença, por se ter mencionado que a separação foi uma opção sua e se deveu à circunstância de o mesmo ter iniciado um relacionamento com outra mulher, com quem veio a casar, estriba-se nas declarações de parte que prestou (na sessão de 17-12-2021) e nos depoimentos das testemunhas RS, amigo do Requerente, e AL, filho das partes.
A Requerida-Apelada defende que não assiste razão ao Apelante, não resultando da sua alegação de recurso e das transcrições efetuadas que o Tribunal a quo tenha incorrido em erro na apreciação da prova, antes pelo contrário, face ao que foi dito pelas testemunhas AL, RS, PR, ML, MAS, TCW e MV.
Apreciando.
Desde já adiantamos que nos parece muito duvidosa a relevância da pretendida alteração da decisão da matéria de facto. Se o Autor “optou por sair” ou se “viu na contingência de sair de casa”, convenhamos que nos parece pouco relevante, estando fora de questão que o Autor tenha sido forçado ou coagido pela Requerida a sair de casa.
Ainda assim, para que dúvidas não restem e admitindo que alguma precisão possa ter interesse para o caso, foram ouvidos na íntegra os depoimentos das testemunhas e as declarações prestadas pelo Requerente.
Mas, tudo ponderado, não descortinamos motivo algum para alterar o ponto 7, já que foi efetivamente uma opção sua sair de casa, nada indicando, repete-se, que tenha sido de alguma forma pressionado ou forçado a fazê-lo. De referir, aliás, que as declarações prestadas pela Requerida nos mereceram neste particular, pela forma como foram prestadas, inteira credibilidade.
Tão pouco se justifica dar como provada a factualidade vertida em c), desconhecendo-se se as partes ponderaram de forma séria essa possibilidade e se a casa, pelas suas caraterísticas, poderia comportar uma utilização partilhada a todos os níveis, incluindo a confeção de refeições e dormidas, em condições de privacidade.
De qualquer modo, resultou claríssimo, mormente pelo depoimento da testemunha AL, que o Requerente continuou a utilizar a casa para guardar livros e peças de vestuário, para as quais não tem espaço na sua atual residência (que o próprio Requerente disse ser um T1 em Campo de Ourique, com cerca de 50 m2) – questão a que adiante se fará referência mais desenvolvida (cf. ponto 10).
Já quanto ao referido em d), ficou claro que o Requerente quando saiu de casa se viu na contingência de encontrar solução de residência alternativa; disso deu conta de forma credível, percebendo-se, aliás, ter sido essa uma das razões para a Requerida lhe ter entregado a quantia de 43.000€.
Assim, decide-se manter inalterada a alínea c), passando o ponto 7 e a alínea d) a terem o seguinte teor:
7 - Autora e Ré viveram em união de facto durante mais de 20 anos, até janeiro de 2010 - altura em que o Autor optou por sair de casa, deixando de aí residir e vendo-se na contingência de encontrar solução de residência alternativa -, tendo de tal união, nascido dois filhos, AL em 1991 e SA em 1996.
d) O Autor/Reconvindo viu-se na contingência de sair de casa.

Pontos 8 e 9
Lembramos que na sentença foi considerado provado que:
8 - No acordo celebrado entre as ora partes, em 07-04-2010, ficou estipulado que a Ré e os filhos ficariam a residir no imóvel dos autos, até à data da sua venda ou divisão, situação que se manteve desde 2010 e mantinha à data de interposição desta ação.
9 - Do referido acordo, subscrito por Autor e Ré, consta expressamente, além do mais, que: “Não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade entre os Contraentes, estes acordaram em atribuir a utilização à 2.ª Contraente/MS, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretize a venda do imóvel” e ainda que : “Enquanto a fracção (...) se mantiver em compropriedade entre os contratantes, cada um deles suportará metade dos encargos relativos ao empréstimo hipotecário que onera o imóvel-incluindo, para além das prestações hipotecárias, o condomínio mensal, os seguros e demais encargos bancários associados, bem como os impostos que incidam sobre o imóvel.”, conforme doc.17 junto com a contestação, correspondente a escrito com o título “Acordo” datado de 07-04-2010, dando-se aqui por integralmente reproduzido o restante teor.
Motivou-se o assim decidido nos seguintes termos:
“Os factos 8- a 10- assentaram não só no teor do Acordo junto como doc.17 com a contestação e aí dado por reproduzido, documento impresso mas assinado manualmente por A. e R., que não puseram em causa a autoria e veracidade das assinaturas que lhes são respectivamente imputadas, mas também e mais uma vez, no conjunto da prova testemunhal, que aludiu, ainda que de forma genérica, quer à circunstância de na casa, viverem apenas a Ré e os dois filhos (quando estes não se encontravam fora de Lisboa, por razões de estudos universitários em que ingressaram), quer à circunstancia de, na casa, se encontrarem bens do A.. Refira-se como mais relevantes, quanto a esta matéria, os depoimentos de:
- RS (amigo de ambos), que revelou conhecimento directo de tal factualidade e prestou um depoimento mais pormenorizado e circunstanciado;
- AL, filho das partes, que relatou o seu percurso académico, bem como o da sua irmã, conseguindo delimitar temporalmente os períodos em que se manteve a residir com a ora Ré, sua mãe, na casa dos autos;
- PR, namorado da Ré desde 2013, que é portanto visita de casa da Ré com regularidade, e que confirmou a existência de bens pessoais do A. na mesma;
- e MM, empregada doméstica das partes há 23 anos, e desde a separação, nas duas casas, que confirmou que o A. sempre teve chave da casa dos autos e ainda lá tem objectos pessoais, quer vestuário, quer livros, etc...
A prova testemunhal supra aludida foi ainda conjugada com o teor da correspondência electrónica trocada entre as partes e junta como doc.37 com a contestação, da qual decorre o acesso pontual do A. à fracção dos autos para ir buscar livros ou visitar os filhos.”
O Apelante pretende, por um lado, que, no ponto 8, seja expurgada a menção “ou divisão” e feita menção inicial ao Considerando B e transcrito este, ficando o ponto com a seguinte redação:
“8 - No Considerando B do acordo celebrado entre Autor e Ré em 7.4.2010, consta que não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade, estes acordaram em o atribuir à Ré, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretizasse a venda do imóvel nos termos constantes daquele acordo, situação que se manteve desde 2010 e mantinha à data de interposição desta acção.”
Por outro lado, pretende que, no ponto 9, seja suprimida a menção “além do mais”, feita menção inicial ao Considerando B, ficando o ponto com a seguinte redação:
9 - Do Considerando B) do referido acordo subscrito por A. e R., consta expressamente “Não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade entre os Contraentes, estes acordaram em atribuir a utilização à 2ª Contraente/MS, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretize a venda do imóvel” e ainda, na Cláusula Segunda, que: “Enquanto a fracção (...) se mantiver em compropriedade entre os contratantes, cada um deles suportará metade dos encargos relativos ao empréstimo hipotecário que onera o imóvel-incluindo, para além das prestações hipotecárias, o condomínio mensal, os seguros e demais encargos bancários associados, bem como os impostos que incidam sobre o imóvel.”, conforme doc. 17 junto com a contestação, correspondente a escrito com o título “Acordo” datado de 7.4.2010, dando-se aqui por integralmente reproduzido o restante teor.
Para tanto, o Apelante estriba-se fundamentalmente no teor deste documento, invocando ainda o depoimento das testemunhas ACP (comercial de agência imobiliária) e as suas declarações de parte, acrescentando que as testemunhas cujos depoimentos foram considerados na sentença, designadamente RS e AL, não revelaram ter conhecimento do teor do documento.
A Requerida-Apelada defende que não assiste razão ao Apelante, afirmando, em síntese, que: se trata de uma falsa de questão, porquanto o Tribunal a quo reproduziu o respetivo teor; ser perfeitamente razoável que as testemunhas arroladas pelas partes - o filho de ambos, a empregada doméstica e os amigos do casal -, embora sem terem lido o aludido documento, tenham perceção direta de factos que comprovam a concretização de tal acordo.
Vejamos.
Os factos em apreço correspondem às alegações feitas pela Requerida nos artigos 47.º e 48.º da Contestação, em que se alude ao acordo celebrado a 7 de abril de 2010, afirmando-se ter ficado aí estipulado que a Ré e os filhos dela e do Autor “continuariam a residir no imóvel até à data da venda ou da divisão (cf. doc. n.º 17 que se junta e aqui se considera integralmente reproduzido).”
Parece-nos que a pretensão do Apelante encerra vários preciosismos. No entanto, por uma questão de rigor, deverá dar-se como provado o exato teor do documento 17 junto com a Contestação e não o que a Requerida alegou, de forma pouco precisa, ter ficado estipulado.
Assim, decide-se alterar a redação dos pontos 8 e 9, os quais passam a ter o seguinte teor:
8 - Autor e Ré celebraram, em 07-04-2010, o “Acordo”, reduzido a escrito que assinaram, consubstanciado no doc. 17 junto com a Contestação, aqui se dando por integralmente reproduzido o seu teor, em cujo “Considerando A)” está identificada a fração autónoma dos autos e em cujo “Considerando B” consta que “Não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade entre os Contraentes, este acordaram em atribuir a sua utilização à 2ª Contratante, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretize a venda do imóvel, nos termos constantes do presente acordo”; essa situação – de residência da Ré e dos filhos no imóvel dos autos – manteve-se  desde 2010 e mantinha-se à data de instauração desta ação.
9 - Do referido Acordo constam expressamente as cláusulas com o seguinte teor:
“PRIMEIRA
1. O Primeiro e Segunda Contratantes acordam em vender a terceiro a fracção referida na alínea A) dos considerandos do presente acordo, procedendo, nessa altura, à divisão do produto da venda, depois de liquidado o empréstimo hipotecário que onera o imóvel e tendo em conta o estabelecido na cláusula terceira do presente acordo.
2. O processo de negociação e venda da fracção previsto no número anterior iniciar-se-á em prazo não inferior a três anos a contar da data da assinatura do presente acordo.
3. O preço e demais condições de venda serão determinados por acordo entre os contratantes, de acordo com as condições de mercado que se verifiquem na data da pretendida transacção.
SEGUNDA
Enquanto a fracção referida na alínea A) dos considerandos do presente acordo se mantiver em compropriedade entre os contratantes, cada um deles suportará metade dos encargos relativos ao empréstimo hipotecário que onera o imóvel - incluindo, para além das prestações hipotecárias, o condomínio mensal, os seguros e demais encargos bancários associados, bem como os impostos que incidam sobre o imóvel.
TERCEIRA
1. Por conta do produto da venda da fracção em compropriedade entre os contratantes, a Segunda Contratante entre na presente data ao Primeiro Contratante, que declara ter recebido, confessando-se devedor dessa verba, a quantia de €43 000,00 (quarenta e três mil euros).
2. Na divisão do produto da venda da fracção, acordada na cláusula primeira do presente acordo, será deduzida à parte devida ao Primeiro Contratante, o valor ora prestado pela Segunda Contratante – quarenta e três mil euros – acrescido do montante vencido de juros contados à taxa legal, contados desde a data do presente acordo até à data do recebimento do preço de venda fracção”.

Ponto 10
Na sentença foi considerado provado que:
10 - O Autor mantém as chaves do imóvel, aí permanecendo bens pessoais do mesmo e continuando a receber correspondência com referência a essa morada.
A motivação da sentença é a que acima já reproduzimos (na apreciação dos pontos 8 e 9).
O Apelante pretende que a redação deste ponto seja alterada, passando a constar que:
“10 - O A. mantém as chaves do imóvel, de que apenas fez uso muito esporádico, uma/duas vezes por ano, no início de cada semestre, e com autorização da Ré, para recolha de livros seus que, tal como alguns CDs, se encontram acomodados nas estantes do escritório do imóvel e que em nada prejudicam o uso deste cómodo para os fins a que se destina.”
Para tanto, o Apelante desenvolve a sua argumentação desvalorizando a relevância atribuída na motivação da sentença ao depoimento da testemunha MM, empregada doméstica, e invocando os documentos n.ºs 21, 22, 23, 24, 25 e 26, 30, e 31 da Contestação (fotografias de estantes de parede onde estão acomodados livros), 27 (fotografia de um documento intitulado Carta Doutoral), 28 e 29 (fotografias de roupeiro embutidos contendo alguma roupa) e 37 da Contestação (emails de 05-03-2018 e 23-07-2016), bem como os depoimentos das testemunhas RS (amigo do Autor há mais de 20 anos), AL (filho das partes) e AZ (amiga das partes).
A Requerida-Apelada argumenta não assistir razão ao Apelante, considerando especialmente o depoimento prestado pela testemunha MM e o teor dos documentos n.ºs 37 a 39 juntos com a Contestação.
Vejamos.
Ouvidos na íntegra os depoimentos das referidas testemunhas e as declarações prestadas pelo Requerente e analisados os aludidos documentos, bem como os demais juntos aos autos, com destaque para os documentos 33 e 34 (correspondência) e 37 a 39 (emails) juntos com a Contestação, ficámos convictos quanto à ocorrência dos factos vertidos no ponto 10, apenas nos parecendo que se justifica uma pequena precisão, já que se afigura demasiado abrangente a menção “correspondência”  quando somente se encontra comprovada a receção de alguma correspondência em nome do Requerente, relativa aos fornecimentos de água e gás na fração (cf. docs. 33 e 34).
A versão alternativa dos factos, agora alegada pelo Apelante, é desmentida pelos referidos documentos e depoimentos, com destaque para o email de 23-07-2016, em que aquele se limita a avisar que irá à casa buscar livros (não pedindo autorização), sendo visível nas fotografias e percetível pelas aludidas mensagens de correio eletrónico que o Requerente deixou na casa estantes cheias de livros e CDs, bem como várias peças de roupa em roupeiro; aliás, isso foi confirmado precisamente pelas testemunhas AL e RS, que também deram conta de que o Requerente deixou estacionado um carro na garagem durante algum tempo.
O depoimento da testemunha MM - que, embora tenha deixado de trabalhar na casa do Requerido (em Campo de Ourique) há poucos anos, continua a trabalhar na casa em apreço nos autos - foi esclarecedor quanto à forma como o Requerente continuou a utilizar a casa para guardar diversos objetos, referindo inclusivamente o trabalho que ela e a Requerida tiveram a empacotar mais de 40 caixas com objetos que aquele iria buscar, mas que acabaram por ficar, pelo menos uma parte significativa, guardadas na arrecadação/garagem.
Disso também deu conta a testemunha PR, descrevendo vários espaços da fração, incluindo a arrecadação e a garagem, ocupados com objetos do Requerente, precisando que numa altura próxima do Natal de 2020 havia um número considerável de caixas na casa que o Requerente ficara de ir buscar, mais referindo que este deixava o seu carro estacionado na garagem durante algumas temporadas, quando se ausentava para o estrangeiro. Aliás, as ausências do Requerente, para o Brasil, foram igualmente referidas pela Requerida e por diversas testemunhas, designadamente RS e MAS. Também a testemunha TCW referiu, de forma segura, que ainda existiam livros do Requerente na casa, no escritório que sabia ser dele.
Assim, o ponto 10 passa a ter a seguinte redação:
10 - O Autor mantém as chaves do imóvel, aí permanecendo bens pessoais do mesmo e continuando a receber alguma correspondência com referência a essa morada.

Ponto 16
Na sentença foi considerado provado que:
16 - Em períodos e por valores não apurados, a Ré arrendou quartos da fração dos autos através de site denominado “Airbnb.pt”.
O Tribunal a quo motivou o assim decidido nos seguintes termos:
“Por fim, o facto provado 16- resultou do teor do doc.4 junto pelo A. na sequência da réplica (prints do site em causa com os anúncios publicados pela Ré, sendo certo que apenas se atendeu a tais documentos na parte em que se encontram redigidos em português) e ainda do conjunto da prova testemunhal que fez referência à existência de hóspedes, por vezes, na casa dos autos, não tendo porém nenhuma das testemunhas conseguido delimitar temporalmente tais alugueres ou aludido ao valor auferido com os mesmos, revelando especialmente e mais uma vez, o depoimento do filho das partes que confirmou que a mãe, ora Ré, alugou quartos, aquando da sua ausência e da irmã, com o objectivo de ajudar a custear as despesas de ambos por estarem a estudar fora de Portugal. Aliás a própria Ré, em sede de declarações de parte, confirmou tal aspecto factual que já tinha sido relatado pelo filho.”
O Apelante pretende que a redação deste ponto seja alterada, passando a ter o seguinte teor:
16- Em períodos e por valores não apurados, a Ré arrendou quartos da fracção dos autos, inclusivamente os dos filhos AL e SA, através de site denominado “Airbnb.pt”, auferindo rendimentos prediais que não repartiu com o Autor.
Para tanto, invoca os mesmos elementos probatórios em que se baseou a sua impugnação ao ponto 10.
A Requerida-Apelada defende o acerto da decisão recorrida, invocando a falta de prova e o depoimento do filho AL.
Vejamos.
Quanto à primeira parte da matéria em causa, parece-nos que, face à forma como o Apelante pretende que seja aditada, pode inculcar a ideia errada de que os filhos AL e SA já não residiam na casa, quando, na verdade, face à prova produzida, em que avultam as declarações de parte da Requerida e o depoimento da testemunha PR, eles mantinham aí a sua residência e quartos, apenas não os ocupando durante os períodos de tempo em que estavam a estudar no estrangeiro, regressando nas férias (Natal, Páscoa e verão). Aliás, a testemunha PR disse que até o quarto da própria Requerida esteve arrendado. Assim, apenas com uma tal precisão haveria de se introduzir algum aditamento, mas tudo isto se nos afigura irrelevante e inútil, pelo que não pode deixar de improceder a pretensão do Apelante neste particular.
Quanto ao facto de a Requerida ter auferido rendimentos prediais e não os ter partilhado com o Requerente, é nossa convicção que a Requerida auferia rendas, pois, além disso decorrer das regras de experiência, também foi afirmado pela própria Requerida, nas declarações que prestou, e resultou ainda dos depoimentos das testemunhas AL e ML. A Requerida explicou que precisava do dinheiro para conseguir pagar os estudos dos filhos enquanto estiveram no estrangeiro (o que também foi corroborado, de forma espontânea, pela testemunha ML), no período de 2014 a 2016, uma vez que o contributo do Requerente para o sustento dos filhos era insuficiente (disse que seria na ordem dos 200€ mensais, quando as despesas ultrapassavam os 1.000€). AL, filho das partes, também referiu isto mesmo. Assim, neste contexto fáctico, e tendo em conta o acordo a que nos iremos referir adiante (matéria que será aditada ao elenco dos factos provados), inexistia motivo para a Requerida entregar fosse o que fosse ao Requerente, servindo os rendimentos obtidos para o sustento dos filhos de ambos.
Logo, decide-se alterar a redação do ponto 16, passando a ter o seguinte teor:
16 - Em períodos e por valores não apurados, a Ré arrendou quartos da fração dos autos, através de site denominado “Airbnb.pt”, auferindo rendimentos.

Alíneas e), f), g), h), i), l) e m)
Lembramos que na sentença foram considerados não provados os seguintes factos:
e) Para evitar que Autor/Reconvindo insistisse na venda imediata do imóvel, a Ré disponibilizou-se para lhe adiantar o valor de 43.000,00 €, também como contrapartida da privação do uso do imóvel dos autos.
f) O Autor/Reconvindo contribuiu com aproximadamente mais 100.000,00 € (cem mil euros), para a compra do imóvel ora dividendo do que a Ré/Reconvinte, pelo que esta ficou a dever ao Autor/Reconvindo cerca de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), dívida que a Ré/Reconvinte tinha (e tem) presente ao disponibilizar ao Autor/Reconvindo, 43.000,00€, quantia essa quase equivalente àquela que o Autor/Reconvindo pagou a mais do que a Ré/Reconvinte pelo imóvel dividendo.
g) A minuta de Acordo aludido em 8) e 9) foi apresentada pela Ré/Reconvinte ao Autor/Reconvindo, pré-feito, sem margem para negociação, para que este o assinasse, com o argumento de que era necessário formalizar o empréstimo.
h) A pedido da Ré/Reconvinte, o Autor/Reconvindo acabou por assinar tal minuta, sem questionar o conteúdo da mesma, atenta a relação de confiança com a Ré/Reconvinte e os Filhos em comum com esta, e o período de fragilidade emocional que a Ré/Reconvinte dizia atravessar.
i) O Autor/Reconvindo assinou tal Documento na mais imbricada convicção de que se tratava de um aspeto meramente formal, sem repercussões práticas futuras, pois não se quis vincular ao pagamento de quaisquer juros, nem à devolução da quantia adiantada.
l) A Ré/Reconvinte e Autor/Reconvindo firmaram um acordo em 2010, quando a Ré/Reconvinte começou a arrendar os quartos do imóvel dividendo, nos termos do qual os valores que auferisse provenientes do arrendamento/alojamento local seriam usados exclusivamente para fazer face às despesas com os estudos dos filhos de ambos, e despesas e encargos do próprio imóvel dividendo (como crédito-habitação, contribuições para o Condomínio, obras nas partes comuns, seguros, etc.).
m) Nos termos do referido Acordo, a Ré/Reconvinte faria sua a quota-parte do Autor/Reconvinte dos proventos do arrendamento/alojamento local por conta da contribuição deste, de 1/2, para os alimentos dos Filhos e despesas inerentes ao imóvel dividendo, tendo sido este o compromisso que a Ré/Reconvinte assumiu para com o Autor/Reconvindo.
Na sentença motivou-se o assim decidido nos seguintes termos:
“- a al. e) resultou da total ausência de prova sobre tal aspecto factual, não tendo nenhuma das testemunhas ouvidas em julgamento feito alusão ao mesmo, sendo certo ainda que tal referencia não consta sequer no documento que titula o empréstimo (doc.17 junto com a contestação), como seria normal se assim fosse;
- quanto à al. f), a insuficiência de prova foi manifesta, porquanto nenhum documento junto pelo A. reflete tal factualidade e as testemunhas fizeram alusões vagas e genéricas à circunstância da anterior casa do A. ser mais valiosa do que a da R., dada em permuta, conforme consta da escritura pública. Mais uma vez, para além da própria alegação do A. se encontrar em termos vagos e desleixados, também a prova testemunhal realizada se revelou muito pouco consistente e rigorosa. Na verdade, as testemunhas, quando inquiridas sobre a matéria, limitaram-se a anuir às questões colocadas, não fundamentando minimamente as suas respostas, nem revelando especiais conhecimentos sobre a matéria. Com efeito, estando em causa o valor de duas casas anteriores alegadamente propriedade de cada uma das partes e alienadas para aquisição do imóvel dos autos, o mínimo exigível (uma vez que na escritura, apenas consta a permuta da casa da Ré) seria a junção da certidão predial referente à antiga casa do A., o comprovativo do preço de alienação da mesma, e bem assim os comprovativos do pagamento do remanescente do preço da casa dos autos, para aferir a sua autoria (descontando o valor do empréstimo e o atribuído à permuta). Na verdade, estava em causa matéria factual objectiva e concretizável e susceptível de prova cabal por documentos, prova essa que o A., a quem cabia o respectivo ónus, não carreou para os autos.
- relativamente às als. g), h) e i), importa referir, mais uma vez, que nenhuma das testemunhas do A. confirmou tal factualidade, a qual, aliás, vai ao arrepio quer da letra, quer do aspecto do doc. 17 (junto com a contestação), aí aludido. Esta debilidade manifesta da prova apresentada pelo A., conjugada com regras de experiência comum, determinou que a factualidade em causa fosse dada como não provada. Desde logo, considerando a formação académica que o A. se arroga e a simplicidade do documento em causa não se mostra minimamente razoável, nem verosímil, o sentido que aquele pretende dar ao documento, em manifesta contradição com o que aí consta consignado. Se o objectivo fosse unicamente o de formalizar o empréstimo, então o normal seria ter sido utilizada a forma exigida por lei e não celebrar um contrato de empréstimo nulo, por falta de forma legal, conforme ocorreu no caso em apreço.
- finalmente e quanto às als. l) e m), as mesmas resultaram da total ausência de prova, sendo certo que não foi junta qualquer prova documental (designadamente e tendo em conta a relevância do suposto acordo, um documento escrito ainda que sucinto, tal como o doc. 17 acima analisado, ou pelo menos uma prestação de contas, mesmo que informal, sobre os proventos dos alugueres, para ambas as partes poderem sindicar os valores ainda necessários para custear as despesas regulares em causa), nem as testemunhas do A. se referiram a tal factualidade, tendo a Ré negado peremptóriamente a mesma.”
O Apelante defende que tais factos devem ser considerados provados, considerando as suas declarações de parte e os depoimentos das testemunhas AL, RS e ACP.
A Apelada sustenta o acerto da decisão recorrida, ante a falta de prova destes factos e invocando como contraprova o documento n.º 1 junto com a Réplica, do qual resulta que, na altura em que as partes assinaram o documento n.º 17, foi registado um valor referente a “Despesas advogada”, com a menção “500/2”, correspondendo a quantia de 250€ ao valor devido pelo Requerente à Requerida.
Apreciando.
Desde já se adianta que, salvo quanto ao que adiante se irá referir a propósito da matéria vertida em l), não assiste razão ao Apelante, pois de modo algum os depoimentos prestados comprovam os factos em apreço, não tendo as testemunhas dado conta dos mesmos, nem nos merecendo credibilidade bastante as declarações de parte do Requerente a este propósito, até se nos afigurando descabida, face à formação académica e experiência de vida que evidenciou, a sua versão dos acontecimentos na parte em que descreve a celebração do denominado “Acordo” consubstanciado no documento 17 junto com a Contestação.
Em particular quanto à matéria das alíneas e) a i), importa salientar que esse documento foi seguramente elaborado por jurista (aliás, a Requerida esclareceu ter sido contratada advogada para o efeito e o aludido documento junto com a Réplica aponta nesse sentido), tendo as assinaturas das partes aí apostas sido reconhecidas presencialmente por advogada, o que por certo conferiu alguma solenidade ao ato, pelo que só por absurdo poderia o Requerente pensar que se tratava de documento inócuo e sem quaisquer repercussões práticas. Ademais, não faria nenhum sentido que o Requerente aí se tivesse confessado devedor da quantia de 43.000€, aceitando que a mesma, acrescida de juros, fosse deduzida à parte do produto da venda da fração a que teria direito, se, na verdade, ele é que fosse credor da Requerida pela importância de 50.000€.
Por outro lado, quanto à matéria das alíneas l) e m), tão pouco faria sentido que, tendo as partes tido o cuidado de reduzirem a escrito, em abril de 2010, um tal acordo, que foi, aliás, objeto de ulterior aditamento (alterando o clausulado quanto a juros), não cuidassem igualmente de reduzir a escrito uma outra alteração do mesmo como a que o Requerente veio referir, ainda para mais se efetuada em 2010 e com referência a despesas que já em abril de 2010 existiam e tinham sido então expressamente consideradas pelas partes.
Não ficámos, pois, convictos a respeito da verificação dos factos em causa, salvo quanto a um aspeto, que não pode ser esquecido, até porque a própria Requerida deu conta desse facto, nas declarações que prestou, fazendo-o em termos que mereceram a nossa credibilidade e que não deixam de ser, em parte, consentâneos com o que foi dito pelo Requerente e pela testemunha AL. Com efeito, aquela referiu que quando o filho AL estava prestes a ir estudar para Barcelona se reuniram os três num restaurante de modo a acordarem sobre o contributo do Requerente para o acréscimo de despesas que tal implicaria, tendo, face à indisponibilidade manifestada por este (que apenas contribuía com cerca de 200€ mensais), ficado acordado que a Requerente trataria de alugar quartos na casa, de modo a poderem suportar tais despesas. Esclareceu a Requerida que esse arrendamento de quartos foi feito em moldes pontuais, durante os anos de 2014 a 2016, quando os seus filhos estiveram a estudar no estrangeiro, pois, apesar do transtorno que isso implicou na sua vida, porque continuava a viver na casa, foi a forma encontrada para assegurar o pagamento das despesas inerentes.
Aliás, o Requerente, que continuou a manter ligação à casa, utilizando-a nos termos acima descritos, e a acompanhar a vida dos filhos, não podia deixar de ter conhecimento desta situação e por certo não teria complacente com a mesma se não estivesse devidamente enquadrada na economia do agregado familiar.
Até se nos afigura que este facto terá contribuído para que a situação de compropriedade se tivesse mantido durante vários anos, já que a fração em apreço continuava a ser, não apenas a casa de morada da família (da Requerida e filhos), mas também uma fonte de rendimentos para ambas as partes custearem os estudos dos filhos.
Assim, mantem-se inalterada a decisão da matéria de facto, aditando-se apenas como ponto 16-a) a factualidade relativa ao acordo das partes atinente ao arrendamento dos quartos, ficando este ponto e a alínea l) com o seguinte teor:
16-a) A Ré/Reconvinte e Autor/Reconvindo firmaram um acordo, quando a Ré/Reconvinte começou a arrendar os quartos do imóvel dividendo, nos termos do qual os valores provenientes do arrendamento/alojamento local seriam usados para fazer face às despesas com os estudos dos filhos de ambos.
l) O acordo referido em 16-a) tenha sido firmado em 2010 e que, nos termos do mesmo, os valores que a Requerida auferisse provenientes do arrendamento/alojamento local seriam usados exclusivamente para, além do referido em 16-a), fazer face às despesas e encargos do próprio imóvel dividendo (como crédito-habitação, contribuições para o Condomínio, obras nas partes comuns, seguros, etc.).

2.ª questão – Do valor base da fração

Trata-se de questão que foi apenas aflorada pelo Apelante, mas que, num esforço interpretativo da alegação recursória, nos parece ter sido suscitada, inferindo-se daquela que o Apelante pretende que o valor base da fração seja fixado em 1.000.000 € ou, pelo menos, em 920.000.000€.
De salientar ter sido prematura a fixação deste valor base, laborando o Apelante em erro quando parece pressupor que um tal valor será forçosamente aquele que as partes terão de considerar se acordaram na adjudicação da fração a um deles. É evidente, desde logo face ao disposto no art.º 929.º do CPC, que as partes poderão acordar na adjudicação da fração a um deles pelo valor que bem lhes aprouver. Somente na falta de acordo sobre a adjudicação é que será determinada a venda da fração, aplicando-se então o previsto quanto à venda em processo de execução, por força do disposto no art.º 549.º, n.º 2, do CPC (aliás, só então é que se justificaria a citação do Banco credor hipotecário para reclamar o seu crédito).
No entanto, uma vez que o Tribunal já decidiu fixar o valor base da fração e que, se a venda vier a ser determinada, esse valor haverá de ser considerado, incluindo para efeitos do disposto no art.º 816.º, n.º 2, do CPC, resta-nos, em conformidade com o facto vertido no ponto 4 (modificado), alterar tal valor, fixando-o em 920.000€.
 
3.ª questão – Da indemnização pela privação do uso – (eventual) compensação com o crédito da Requerida-Reconvinte

Na sentença recorrida, teceram-se a este respeito as seguintes considerações:
«Importa, pois, apreciar, desde já, o segundo pedido formulado pelo A., adiantando-se, desde já, que o mesmo é manifestamente improcedente, quer por falta de alegação, quer por falta de prova.
Senão vejamos.
Pretende o A., uma compensação indemnizatória pelo uso exclusivo da fracção por parte da Ré desde a cessação da união de facto. Tal indemnização seria calculada com referência a metade do valor locativo mensal do imóvel, multiplicado pelo número de meses que tal utilização exclusiva da R. se verifica.
De acordo com o art.º 1406, nº 1, do C.C., “Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”.
Ora, no caso em apreço, resultou provado que as partes celebraram um acordo escrito sobre a utilização da coisa comum, ficando esta atribuída à R., até à venda do imóvel –cf. factos provados 7- e 8.
Nesse acordo, não foi estipulada qualquer contrapartida por tal utilização exclusiva por parte da ré. Pelo contrário, ficou expressamente estipulado que o A. continuaria a assumir o pagamento de metade de todos os encargos com o imóvel, conforme assente em 8-.
Trata-se pois de uma utilização pela Ré, acordada com o A. e titulada por acordo escrito, não estando portanto preenchidos quaisquer dos requisitos para a fixação de uma indemnização, pois não existe qualquer ilicitude na conduta da Ré (ao contrário das situações fácticas subjacentes aos acórdãos citados pelo A., para sustentar esta sua pretensão).
Na verdade e limitando-nos à matéria da p.i., olvidando o A. o acordo por si subscrito e que veio a ser junto aos autos pela R., apenas foi alegada a utilização exclusiva por parte da Ré, o que determinaria “a privação de uso” pelo A., indemnizável na sua perspectiva.
Ora tal utilização exclusiva, neste caso concreto, não determina a existência de qualquer compensação indemnizatória.
Como se explica no Ac. da RL de 24.2.2015 (disponível in www.dgsi.pt), num caso em que não existia qualquer acordo das partes quanto à utilização do imóvel em compropriedade, “apesar do direito de ambos ao uso e fruição do bem, não pode um dos titulares decidir unilateralmente como se fará o aproveitamento, exigindo do outro uma contrapartida por gozo que não reclamou e não tentou sequer disciplinar. Mais se defendeu não haver qualquer enriquecimento sem causa da A. (justamente face ao seu direito de comproprietária), e não ter sido provado que o R. se tivesse oposto ao uso da fracção por esta ou que tivesse demonstrado à mesma a vontade de utilizar a fracção tendo sido impedido disso.”
No caso dos autos, existia um acordo, acordo esse a que o A. não se referiu na p.i., tendo depois, em sede de réplica, tentado justificar a sua outorga, com um sentido totalmente incompatível com a letra do mesmo, e ainda por ter sido compelido por força das circunstâncias em que vivia, a fazê-lo. Esta factualidade não foi considerada provada, por total ausência de prova sobre a mesma, conforme acima se consignou. Acresce que tal acordo é sucinto, claro e objectivo, não requerendo especial preparação para apreender o sentido do seu clausulado curto. Também não foi alegado, muito menos provado que o A. o tentou alterar, para reverter a situação, designadamente no que se refere à fixação de uma contrapartida patrimonial, nem sequer que tivesse sido impedido de utilizar a fracção, de acordo com a sua conveniência.
Em suma, provou-se que existia um acordo dos comproprietários que atribuía a utilização da casa à R., que o A. saiu de tal casa por sua vontade, deixando progressivamente de a usar, não tendo, pelo contrário, sido alegado, muito menos provado que o A. tivesse reclamado o seu direito a ficar com o uso exclusivo da casa, enquanto o seu destino não fosse decidido.
Assim e tal como se concluiu no Acórdão acima citado, “não se descortina, em suma, conduta abusiva ou enriquecimento ilegítimo pelo uso e fruição exclusiva do imóvel. Pelo que nenhuma compensação será devida em função do valor locativo do dito imóvel”.
Neste mesmo sentido, consulte-se o Ac. STJ de 18.11.2008 (disponível in www.dgsi.pt ), segundo o qual: “Tendo o A. saído da casa morada de família e aí permanecendo a Ré, não mais sendo reatada a vida em comum, não tem aquele que nem sequer alega se ter oposto a tal situação, direito a ser compensado por aquela em termos de valor locativo do imóvel.”
No caso dos autos, como acima aliás já se salientou, o A. também nem sequer alega que se opôs a tal situação de permanência da Ré e dos filhos na casa morada de família, como até subscreveu um acordo com esse sentido inequívoco, não tendo igualmente alegado que pretendeu a alteração dos termos do acordo subscrito em 2010.
Ora, conforme se explica no Ac. RC de 27.4.2017 (disponível in www.dgsi.pt): Não constando do acordo outorgado qualquer pagamento pela atribuição do uso da habitação da casa morada de família à ré, qualquer declaratário normal – art.º 236º do CC- entenderá que foi porque as partes não o quiseram convencionar, pois se o quisessem tê-lo-iam deixado expresso. Não se pode transformar a utilização incondicionada, numa utilização condicionada ao pagamento de quantia mensal, o que não encontra qualquer rasto nas cláusulas do acordo.
Até se dirá mais, considerando o caso em apreço, designadamente, tendo em conta que o A. celebrou o acordo em 2010, no ano em que saiu de casa por opção sua, não exigindo na altura qualquer contrapartida monetária, tendo anuído em que a R. ficasse a viver na casa, e em pagar metade das despesas fixas do imóvel, na qualidade de comproprietário, e deixado a situação prolongar-se por 8 anos, até à interposição da presente acção, vindo agora, em manifesto abuso de direito e defraudando as expectativas legitimas da Ré, atendendo ao circunstancialismo apurado, exigir metade de um valor locativo do imóvel, de caracter mensal e manifestamente exagerado, contado desde a sua saída voluntária de casa, o que perfaz um valor exorbitante. Aliás, a extensa alegação fáctica, constante apenas da réplica e perfeitamente dispensável, segundo a qual foi a Ré que foi arrastando a situação para beneficiar da mesma, não colhe, pois o A. se pretendia pôr termo à mesma, já poderia, há muito tempo, ter interposto a presente acção de divisão da coisa comum.
Ainda no mesmo sentido e com interesse para a questão em apreço, veja-se o recente Ac. RP de 10.1.2022 (disponível in www.dgsi.pt), segundo o qual:
“De acordo com o art.º 1405º nº 1 do Código Civil, os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.
Dispõe o art.º 1406º nº 1 do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Uso da Coisa Comum” que na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito. Como ensinam os Professores PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[6], “[a] possibilidade de uso integral da coisa, como se, nesse aspeto, o contitular da propriedade fosse titular único da coisa, vale apenas como princípio supletivo e nos termos que adiante se desenvolvem. Em primeiro lugar, há que respeitar o que houver sido acordado entre os interessados. Este acordo tanto pode constar do título constitutivo da compropriedade, como resultar de acordo posterior, ditado pelo consenso unânime dos interessados ou pela simples maioria dos consortes, nos termos em que esta decide sobre a administração da coisa. A maioria, porém, nunca poderá privar qualquer dos consortes, sem o respetivo consentimento, do uso da coisa a que tem direito. Apenas lhe será lícito disciplinar esse uso, de modo a evitar conflitos e choques de interesses entre os vários comproprietários”.
“Há – continuam os mesmos autores – casos em que os comproprietários harmonizam os seus interesses conflituantes no uso da coisa comum, mediante uma divisão material do gozo dela. Sem chegarem a uma divisão da coisa, que ponha termo à compropriedade, os condóminos podem acordar em usar, separadamente, as dependências em que dividem a casa comum, ou os vários lotes de terreno em que repartem para o efeito o prédio rústico comum”.
Ainda, segundo a lição daqueles autores, “nos casos em que não é possível ou conveniente o uso por partes ou frações da coisa, ou o uso por turnos, os interessados acordam por vezes no uso direto promíscuo ou simultâneo. Este é perfeitamente exequível em muitos casos de propriedade comum (couto de caça, lago para pescar, jardim de recreio, pátio ou logradouro que sirva várias casas, etc.). Podem todavia, levantar-se dificuldades práticas e teóricas, quanto ao uso direto promíscuo de prédios urbanos, que não se prestem a divisão”.
No caso de compropriedade de uma casa de habitação, não podendo aos comproprietários ser imposto o dever de coabitarem uns com os outros, ou é materialmente possível dividir o uso, habitando cada um uma parte determinada da casa, ou a única alternativa será o gozo indireto, que se traduzirá, em regra, na locação do imóvel, a terceiro ou a um dos consortes, conforme decidir a maioria, no exercício dos poderes de administração que o art.º 1407º lhe confere.
Porém, na falta de acordo, vigora a regra supletiva prevista no preceito, que estabelece o princípio do uso integral da coisa, princípio este que está sujeito a duas limitações: a que é imposta pelo fim da coisa e a que resulta da concorrência do direito dos demais consortes. O que nenhum comproprietário pode é, a pretexto de que a lei lhe faculta o uso integral da coisa, comportar-se como se fosse proprietário exclusivo, privando os demais consortes do uso a que, tal como ele, têm direito.
No caso presente, no confronto com os factos provados, não resulta provado que entre autor e ré foi estabelecido um acordo sobre o uso do imóvel que lhes pertence em comum, pelo que, por aplicação do regime do art.º 1406º/1 CC, assiste à ré-apelada, na qualidade de proprietária, em comum, o direito de usar de forma integral o imóvel.
Com efeito, o apelante-autor não logrou provar, que propôs à ré o arrendamento do imóvel, dividindo o rendimento proveniente das rendas (cfr. alíneas g) e h) dos factos julgados não provados).
Por outro lado, verifica-se que o uso que a ré faz e tem feito do imóvel desde a data em que o réu livremente se ausentou - agosto de 2015 – (cfr. ponto 6 dos factos provados), respeita o fim da coisa, a habitação, e não resulta demonstrado que tenha privado o réu do seu uso (cfr. alínea             j), k), n) dos factos julgados não provados).
Aliás, decorre dos factos provados que o apelante se ausentou e passou a residir em casas que arrendou (pontos 6, 16, 17, 18 dos factos provados).
Provou-se que o autor deixou de residir no imóvel em agosto de 2015, sendo que a ré ali permaneceu a residir e esporadicamente o autor continuou a frequentar o imóvel para visitar filhos e neto (ponto 6 dos factos provados).
O apelante-réu não logrou provar que a casa não dispunha de condições para ali continuar a habitar, apesar de não viver em comunhão de vida com a ré, pois não se provou que não tem condições para duas pessoas viverem de modo independente e sem interferência entre eles, dado que para que tal acontecesse seria necessário partilhar compartimentos em comum (alínea a) dos factos julgados não provados).
O autor não logrou provar que abandonou o imóvel por ato imputável a título de culpa à ré (ponto 6 dos factos provados e alínea b), c), j), k), n) dos factos não provados), sendo sobre o réu que recaía o ónus da prova de tal facto (art.º 342º/1 CC).
Sobre o ónus da prova de tais factos, pronunciou-se, entre outros, Ac. Rel. Lisboa 24 de fevereiro de 2015, Proc. 4548/08.0TBCSC.L1-7 (acessível em www.dgsi.pt), quando afirma:
“[n]ão tem o comproprietário direito a reclamar qualquer compensação do outro comproprietário que, em exclusivo, tenha usado a fração respetiva durante determinado período, se não provar que foi desrespeitado qualquer acordo firmado entre ambos quanto a essa utilização, que foi impedido pelo outro de usar e fruir o imóvel, porque razão terá deixado de o fazer, ou que antes tivesse reclamado esse direito”. Mostra-se, assim, lícita a ocupação do imóvel pela ré, como proprietária que é em comum com o autor-apelante, não sendo exigível o pagamento de uma contrapartida ao apelante-autor que não ficou privado da sua utilização.
Acresce ao exposto que pelo facto da fração em causa constituir a casa de morada de família, não confere, só por si, ao outro cônjuge o direito a reclamar uma contrapartida pela ocupação em exclusivo da habitação pelo outro cônjuge.”
A razão de ser de tão longa citação do acórdão supra prende-se com a circunstância do seu interesse para o caso dos autos, considerando a similitude de situações fácticas subjacentes à pretensão indemnizatória e bem assim às diversas alusões à factualidade pertinente para análise da questão, factualidade essa que, no caso dos autos, ou não foi sequer alegada, ou não resultou minimamente provada, o que justifica a manifesta improcedência do pedido deduzido na p.i..
Com efeito, em primeiro lugar, há que respeitar o acordado entre os interessados (remetendo-se novamente para o que já se disse quanto ao acordado neste caso). Na verdade, no caso em apreço, resultou provado um acordo quanto ao uso da fracção comum, atribuindo-o à Ré, ao contrário da situação relatada no Acórdão supra citado, e, nem sequer é por isso que a Ré, naquele caso, deixa de ter o direito de usar, de forma integral, o imóvel.
Depois, por um lado, não foi alegado, muito menos provado que não fosse possível, apesar de A. e R. não viverem em comunhão, uma utilização simultânea mas em separado da casa (atenta a sua extensão e número de divisões) ou uma utilização por turnos (como tem vindo a ser acordado em alguns casos de guarda partilhada dos filhos). Sendo tal coabitação inviável, o A. não alegou e portanto, muito menos, provou que propôs à R. o arrendamento do imóvel por forma a dividir os rendimentos provenientes das rendas. Numa tentativa atabalhoada de justificar os seus alegados créditos, veio alegar, em sede de réplica, que existiu um acordo no sentido de a Ré alugar quartos da casa e com os proventos de tal aluguer, custear as despesas da casa e dos filhos (pelo que o A. não teria de contribuir com a sua parte, na proporção de metade), factualidade que não resultou provada, como acima se viu.
Por outro lado, provou-se, in casu, que o R. saiu de casa, deixando de aí residir, por opção própria, tendo arranjado necessariamente habitações alternativas, mas continuou a frequentar esporadicamente o imóvel para aí recolher bens pessoais seus, designadamente livros e correspondência, ou visitar os filhos. Acresce que não foi concretamente alegado, muito menos provado, que o A. teve de abandonar o imóvel por acto imputável a título de culpa à Ré.
Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, deverá portanto improceder o pedido indemnizatório formulado pelo A. na p.i..»
Na sentença foram ainda apreciadas as questões suscitadas pela reconvenção, concluindo-se pela procedência integral do pedido reconvencional a título de capital, acrescentando-se que o Requerente não logrou provar qualquer matéria de exceção, alegada na Réplica, e referindo-se, por último, que: “o A. impugnou genericamente os valores peticionados em reconvenção, mas não negou nem os pagamentos realizados pela Ré a terceiros, referentes a encargos da casa (nem impugnou a veracidade dos documentos juntos para comprovar os mesmos), nem os adiantamentos que aquela lhe fez, nos termos concretamente alegados na reconvenção. O A. só veio alegar matéria de excepção, porquanto declara que os créditos sobre si alegados pela Ré não são devidos, na medida em que entende que é ele próprio que tem créditos sobre a Ré de valor total muito superior ao da reconvenção. Ora, não tendo logrado provar quaisquer desses créditos sobre a Ré, tal defesa do A., constante da réplica, improcede. Por último, refira-se que, para além da maior parte da factualidade constante da réplica não ter qualquer interesse para a decisão da causa (designadamente toda a extensa factualidade referente a despesas com os filhos), aquela que releva, relacionada com alegados créditos que detém sobre a Ré, apenas tem interesse enquanto matéria de excepção que obstaria à procedência da reconvenção. Na verdade, esta nova matéria factual exposta na réplica não tinha sido alegada na p.i. e não fundamenta qualquer pedido, nem sequer foi requerida qualquer ampliação de pedido, sendo que os pedidos do A. resumem-se aos formulados na p.i., e para a apreciação destes não releva tal factualidade.”
O Apelante discorda, argumentando, em síntese, que:
- A situação apreciada no acórdão da RP de 10-01-2022 citado na sentença é diferente da dos autos, tratando-se aí de casamento dissolvido por divórcio sem consentimento do outro cônjuge e de bem adquirido na pendência do casamento em regime de comunhão de adquiridos;
- Provou-se que o Apelante deixou de poder usar o imóvel para fins habitacionais por a coabitação se ter tornado impossível e que desde então tem sido obrigado a suportar em duplicado despesas de imóveis, além de outras, como as relativas aos alimentos dos filhos, tendo querido vender o imóvel dos autos a terceiro, no que tem encontrado a resistência da Requerida, que pretende a adjudicação pelo menor valor pecuniário possível, recusando qualquer encontro de contas que contemple a quota-parte do Requerente dos rendimentos prediais auferidos com o arrendamento de quartos do imóvel e a privação do uso do imóvel por aquele, o que deu origem a um enriquecimento sem causa por parte da Requerida e a um correspetivo empobrecimento do Requerente, devendo a Requerida ser condenada a pagar àquele uma compensação pela privação do uso, tendo por referência o valor locativo do imóvel;
- A descrita atuação da Ré, antecedida da imposição de assinatura do documento n.º 17 da Contestação como condição do adiantamento dos 43.000,00 € de que o Apelante carecia, na altura, para cumprir o Contrato-Promessa de compra e venda de habitação alternativa ao imóvel dos autos, consubstancia um abuso do direito, exceção que é de conhecimento oficioso e deveria ter sido declarada pelo Tribunal a quo;
- Mesmo que não se propenda para o abuso de direito, sempre se terá que notar que o referido documento tem clausulada uma obrigação pura, sem prazo, tendo ocorrido a interpelação judicial para a presente ação, através da citação, em outubro de 2018.
A Apelada contrapõe, em síntese, que: Pese embora não se contente o Apelante com a decisão proferida, que dá como provado o pedido reconvencional, nada opõe ou contesta em concreto; o acordo vertido no documento n.º 17 foi querido e acordado entre ambas as partes que o assinaram e cumpriram, não tendo ocorrido privação de uso do imóvel, nem o Tribunal a quo devia ter condenado a Apelada em indemnização por Abuso de Direito.
Apreciando.
Estamos perante uma situação em que se cruzam os regimes da compropriedade (cf. artigos 1043.º a 1413.º do CC) e da união de facto (cf. Lei n.º 7/2001, de 11-05 - Proteção das Uniões de Facto), matéria que tem merecido a atenção da jurisprudência, com destaque para os acórdãos do STJ cujos sumários foram compilados em “União De Facto Consequências Patrimoniais da Dissolução Sumários de Acórdãos (2016 – Março de 2022)”, disponível em www.stj.pt.
No caso dos autos, não se pode olvidar que a fração dividenda era a casa de morada da família e que as partes, comproprietários, aquando da cessação da união de facto, acordaram em regular o destino dessa casa de morada de família, nos termos constantes do doc. 17 junto com a Contestação. Logo, não pode deixar de ser convocado o disposto no art.º 4.º da referida Lei n.º 7/2001), que manda aplicar o estabelecido nos artigos 1105.º e 1793.º do CC, com as necessárias adaptações, em caso de rutura da união de facto, resultando dessas normas – conjugadas também com as regras adjetivas do Código de Processo Civil (cf. art.º 990.º do CPC) que, em caso de dissolução da união de facto, os ex-membros podem acordar quanto à atribuição da casa de morada da família.
Daqui emerge também, até por maioria de razão, que os ex-membros da união de facto podem igualmente acordar num regime provisório quanto à utilização da casa de morada da família, que, não podendo obviamente valer na pendência de um (inexistente) processo de separação de pessoas e bens ou divórcio, vigorará em conformidade com o que tiver sido estipulado face à natureza das coisas, podendo, no caso de se tratar de imóvel de que ambos são comproprietários, ser fixado como limite temporal a divisão da coisa (em sentido amplo), incluindo a venda a terceiro com repartição por ambos do produto da venda ou a adjudicação a um deles com pagamento de tornas ao outro (que não deixa de ser uma venda/alienação do direito de compropriedade).
No caso dos autos, as partes celebraram, em 07-04-2010, o “Acordo”, reduzido a escrito que assinaram, consubstanciado no doc. 17 junto com a Contestação, estipulando no denominado Considerando B, que “Não obstante o imóvel se encontrar em compropriedade entre os Contraentes, este acordaram em atribuir a sua utilização à 2ª Contratante, para sua residência e dos filhos de ambos e até que se concretize a venda do imóvel, nos termos constantes do presente acordo”, venda essa referida na cláusula primeira, cujo teor é, recorda-se, o seguinte:
“1. O Primeiro e Segunda Contratantes acordam em vender a terceiro a fracção referida na alínea A) dos considerandos do presente acordo, procedendo, nessa altura, à divisão do produto da venda, depois de liquidado o empréstimo hipotecário que onera o imóvel e tendo em conta o estabelecido na cláusula terceira do presente acordo.
2. O processo de negociação e venda da fracção previsto no número anterior iniciar-se-á em prazo não inferior a três anos a contar da data da assinatura do presente acordo.
3. O preço e demais condições de venda serão determinados por acordo entre os contratantes, de acordo com as condições de mercado que se verifiquem na data da pretendida transacção.”
Ante este Acordo, cuja validade não nos oferece dúvida, não se poderá considerar que o Requerente tenha ficado numa situação de privação do uso da fração – que, sublinhe-se, seria apenas parcial, face à utilização que continuou a fazer da mesma –, já que voluntariamente saiu da casa de morada da família e concordou com a respetiva utilização nos moldes acima referidos.
Vem o Apelante defender que o Acordo é inaplicável, por não ter o sentido e alcance que a Requerida lhe atribui, invocando nesta senda uma panóplia de razões, assentes num conjunto de factos que, na sua maioria, não resultaram provados.
Vejamos, pois, se a interpretação do estipulado no dito Acordo, de harmonia com as regras consagradas nos artigos 236.º e 237.º do CC, vai ao encontro da argumentação desenvolvida pelo Apelante.
Em primeiro lugar, este sustenta, se bem percebemos, não ser aplicável o estipulado no considerando B, por se tratar de um considerando e não de uma cláusula. Ora, não nos parece que esta posição tenha qualquer cabimento, antes se mostra indiferente a designação escolhida pelas partes quanto àquela parte do texto do Acordo, pois do mesmo resulta claríssimo que as partes quiseram reduzir a escrito o acordo a que chegaram quanto à utilização da casa de morada da família.
Por outro lado, o Apelante parece defender a inaplicabilidade do Acordo pela circunstância de não ter sido efetuada a venda da fração a terceiro, tendo sido necessário que intentasse a presente ação de divisão da coisa comum. Porém, não podemos acompanhar essa visão “redutora” e que até é frontalmente desmentida pela forma como o Acordo foi sendo cumprido pelas partes ao longo dos anos.
Com efeito, ainda não tendo sido efetuada a venda da fração (a terceiro) e não estando sequer provado que a Requerida tenha obstaculizado uma qualquer venda, o Acordo subsiste e deve continuar a ser cumprido, tanto mais que as partes até previram, na cláusula segunda, que “(E)nquanto a fracção referida na alínea A) dos considerandos do presente acordo se mantiver em compropriedade entre os contratantes, cada um deles suportará metade dos encargos relativos ao empréstimo hipotecário que onera o imóvel - incluindo, para além das prestações hipotecárias, o condomínio mensal, os seguros e demais encargos bancários associados, bem como os impostos que incidam sobre o imóvel”. Ou seja, o que foi acordado deve valer enquanto a situação de compropriedade se mantiver.
O Apelante ainda defende, de forma um pouco confusa, que a atuação da Requerida consubstancia um abuso do direito, pretendendo que seja declarado enquanto exceção. Como o Apelante não questiona verdadeiramente a decisão de procedência da reconvenção, a não ser, se bem percebemos (com algum esforço e benevolência) por via da compensação, ante o reconhecimento do direito a indemnização que se arroga, mais nos parece que poderá, quanto muito, tratar-se aqui de contra-exceção, pretendendo o Apelante, para fundar a sua pretensão indemnizatória, invocar o abuso do direito para assim inviabilizar a relevância do aludido Acordo.
Importa, pois, antes de prosseguirmos, tecer a propósito deste instituto algumas considerações, lembrando que o Código Civil de 1966 consagrou no art.º 334.º o abuso do direito na conceção objetiva, dispondo que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. O abuso do direito é, assim, o excesso patente dos limites impostos pela boa fé, não se tornando necessário que tenha havido a consciência de se excederem esses limites. E tem sido entendido que para determinar quais os limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes o julgador deverá atender às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, devendo para apurar do fim social ou económico do direito considerar os juízos de valor positivamente consagrados na lei (assim, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 299).
De referir que as consequências do abuso do direito não podem deixar de ser ajustadas às especificidades de cada caso concreto, operando, com frequência (mas não apenas), como exceção perentória. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, págs. 299-300, “tem as consequências de todo o acto ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade, nos termos do artigo 294.º; à legitimidade de oposição; ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade.” Na mesma linha, sobre as consequências do abuso do direito, veja-se Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, in ROA Ano 2005, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/:
O artigo 334.º fala em “ilegitimidade” quando, como vimos, se trata de ilicitude. As consequências podem ser variadas:
— a supressão do direito: é a hipótese comum, designadamente na suppressio;
— a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito;
— um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário;
— um dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa.
Não é, pois, possível afirmar a priori que o abuso do direito não suprima direitos: depende do caso.
A jurisprudência é, desde há largos anos, muito rica na identificação de situações em que se justifica lançar mão deste instituto. Lembramos a síntese exemplar feita no acórdão do STJ de 21-09-1993, a partir dos ensinamentos de Manuel de Andrade, Almeida Costa, Pires de Lima e Antunes Varela: “a complexa figura do abuso do direito é uma cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por onde podem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social (...) em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito, dito de outro modo, o abuso do direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo mas este poder formal é exercido em aberta contradição, seja com o fim (económico e social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica envolve o seu reconhecimento” (in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, pág. 21).
Também a doutrina vem dando abundante contributo para a compreensão desta figura, elaborando, muitas vezes com base na jurisprudência dos tribunais superiores, uma série de hipóteses típicas concretizadoras da cláusula geral da boa fé.
Destaca-se a proibição de venire contra factum proprium, que visa impedir uma pretensão incompatível ou contraditória com a anterior conduta do pretendente; ocorre sempre que uma pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou negócio invocando, por exemplo, uma determinada causa de resolução, denúncia, nulidade ou anulação, quando já tinha feito crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito. Nas palavras de Baptista Machado, no estudo “Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium”, in “Obra Dispersa”, Vol. I - págs. 415 a 418 - e RLJ anos 116, 117 e 118 – n.º 3735, págs. 170 e ss., o funcionamento do instituto depende da verificação de três pressupostos:
1º) uma situação de confiança, isto é, uma conduta ou omissão (simples passividade) de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; por outras palavras, uma conduta ou omissão (inércia) que desperta na contraparte a convicção de que também no futuro se comportará, coerentemente, da mesma maneira;
2º) um investimento na confiança, o que significa que a contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos (não removíveis ou dificilmente removíveis a não ser com a paralisação do direito) se aquela confiança vier a ser frustrada;
3º) a boa fé da contraparte que confiou, ou seja, que a contraparte tenha agido tomando o cuidado e as precauções usuais no tráfego jurídico, desconhecendo uma eventual divergência entre a intenção aparente do responsável pela confiança e a sua intenção real.
Uma outra situação, próxima do “venire”, é a “verwirkung”, que visa vetar o exercício de um direito subjetivo ou de uma pretensão quando o seu titular, por os não ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos, assumindo o seu posterior exercício natureza desleal e intolerável. A “verwirkung” corresponde, assim, à figura da “neutralização do direito” de que já se falava no Acórdão do STJ de 28-06-1994, in CJ II - 157. Não há para a “verwirkung”, ao contrário do que sucede com a prescrição e a caducidade, limites fixos de tempo. O tempo necessário dependerá muito das circunstâncias que, combinadamente, contribuam para a formação do estado de confiança. A “verwirkung” distingue-se do venire por estar mais em causa, além do decurso do tempo associado a um “não agir”, o resultado a que o exercício tardio do direito conduziria e a questão de saber se ainda será exigível da contraparte conformar-se à pretensão do titular do direito a suportar esse resultado. De qualquer modo, a maioria das vezes, a inadmissibilidade de exercício do direito resultará também da proibição de venire contra factum proprium.
Ainda na doutrina, em que avulta Menezes Cordeiro, na sua vasta obra publicada, designadamente in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1.º Vol. 1987/88, pág. 371 e ss. e 663 e ss., vem sendo referida como figura parcelar de comportamento inadmissível a suppressio, que se caracteriza por o exercente de um direito deixar passar um tal lapso de tempo sem exercer esse direito que, quando o faça, contraria a boa fé (reconduz-se à figura da surrectio, em que, por força da boa fé, o exercente vê, contra ele ou em termos que ele deva respeitar, formar-se um direito que, de outro modo, não existiria).
Numa síntese exemplar, explica este autor, no artigo acima citado, que (omitimos na citação as notas de rodapé): “O abuso do direito é um instituto multifacetado. Encontramo-lo, hoje, no dia-a-dia dos nossos tribunais, para resolver questões deste tipo: (…)
II. Os exemplos alinhados documentam, sucessivamente, cinco subinstitutos, ausentes dos nossos manuais até há bem pouco tempo: venire contra factum proprium, inalegabilidade formal, suppressio, tu quoque e desequilíbrio no exercício. Todos eles traduzem concretizações de uma ideia tradicional: a da proibição do abuso do direito. Finalmente: todos apelam ao adensamento de um princípio clássico: a boa fé.
(…) I. A suppressio (supressão) abrange manifestações típicas de “abuso do direito” nas quais uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé.
Propusemos o termo suppressio para exprimir o alemão Verwirkung. Recorremos ao latim, dentro das tradições nacionais, para evitar o deselegante recurso ao alemão e na impossibilidade de adaptar locuções portuguesas. De facto e entre nós, já foram propostas as locuções “caducidade”, “exercício inadmissível do direito”, “decadência”, “inibição”, “paralisação”, “preclusão” e “perda”. São todas reconhecidamente inadequadas, seja por assumirem outros significados técnicos que, aqui, não ocorrem, seja por traduzirem efeitos e não causas.
Ora suppressio contracena com a surrectio (surgimento), num universo onde ocorrem a exceptio doli, o venire, o tu quoque e o dolo agit: a expressão latina fica bem integrada, desde que se admitam novidades (já com vinte anos).
Não nos parece nada vantajoso, para o progresso da nossa Ciência, que cada Autor interessado no tema comece logo por alterar toda a terminologia e isso, para mais, para reproduzir candidamente expressões há décadas rejeitadas pelos nossos clássicos. Com isso, só se prejudica a nossa Ciência do Direito.
II. A suppressio teve a sua origem na prática da jurisprudência comercial alemã dos finais do século XIX (104), tendo-se intensificado com a guerra de 1914-18 e com o subsequente período de grande inflação. No cerne do problema, verificou-se que o exercício retardado de certos direitos, em conjunturas de instabilidade, podia dar azo a graves injustiças. Na base da jurisprudência alemã, foram-se elaborando diversas proposições que dariam corpo ao seu regime. São elas:
— todos os direitos e posições similares lhe estariam sujeitos;
— exige-se um decurso do tempo sem exercício, decurso esse que varia com as circunstâncias;
— requerem-se, ainda, indícios objectivos de que a posição em causa não irá ser exercida.
III. Estas proposições são demasiado vagas. Qual a efectiva sustentação dogmática da suppressio? Duas hipóteses:
— ela visa o comportamento do agente, cuja inacção deveria ser penalizada;
— ela visa proteger o beneficiário, na sua confiança de que não haverá exercício.
Na primeira hipótese, a suppressio deveria ser normalizada e os seus prazos nivelados. Só sendo cognoscíveis de antemão, eles surtiriam algum efeito. Na segunda, teríamos de indagar, junto do beneficiário, os pressupostos da tutela da confiança.
Equacionado desta forma, o problema tem solução fácil. Se a suppressio visasse a conduta omissiva do agente, ela aproximar-se--ia dos pressupostos histórico-culturais da prescrição. Mas para eles, temos já, justamente, a prescrição: nenhuma vantagem existiria em duplicar esta através de um instituto que, apesar de tudo, sempre pecaria por falta de clareza.
Fica a segunda hipótese: a suppressio é uma forma de tutela do beneficiário, confiante na inacção do agente. Teríamos, no fundo, uma espécie de venire, em que o factum proprium seria constituído por uma simples inacção. Esta, porém, nunca poderá ser tão clara e óbvia como um comum factum proprium. Por isso, o correspondente modelo de decisão será um pouco mais complexo do que o da habitual tutela da confiança:
— um não-exercício prolongado;
— uma situação de confiança, daí derivada;
— uma justificação para essa confiança;
— um investimento de confiança;
— a imputação da confiança ao não-exercente.
O quantum do não-exercício será determinado pelas circunstâncias do caso: o necessário para convencer um homem normal, colocado na posição do real, de que não mais haveria exercício.
A justificação será reforçada por todas as demais circunstâncias ambientais capazes de conformar essa convicção, legitimando-a.
Quer isto dizer que, no fundo, o confiante ex bona fide, vê surgir, na sua esfera, uma nova posição jurídica: será a surrectio (surgimento), contraponto da suppressio.
IV. Resta acrescentar que a suppressio está perfeitamente radicada no nosso Direito. Assim, referindo apenas arestos publicados a partir de 2000:
(…)  I. No Direito português, a base jurídico-positiva do abuso do direito reside no artigo 334.º e, dentro deste, na boa fé. Para além de todo o desenvolvimento histórico e dogmático do instituto que aponta nesse sentido, chamamos ainda a atenção para a inaten-dibilidade, em termos de abuso, dos bons costumes e da função económica e social dos direitos.
Os bons costumes remetem para regras de comportamento sexual e familiar que, por tradição, não são explicitadas pelo Direito civil, mas que este reconhece como próprias. E eles remetem, também, para certos códigos deontológicos reconhecidos pelo Direito. Nestes termos, os bons costumes traduzem regras que, tal como muitas outras, delimitam o exercício dos direitos e que são perfeitamente capazes de uma formulação genérica. Não há, aqui, qualquer especificidade.
Quanto ao fim económico e social dos direitos: a sua ponderação obriga, simplesmente, a melhor interpretar as normas instituidoras dos direitos, para verificar em que termos e em que contexto se deve proceder ao exercício. Também aqui falta um instituto autónomo, já que tal interpretação é sempre necessária.
(…) II. A boa fé, em homenagem a uma tradição bimilenária, exprime os valores fundamentais do sistema. Trata-se de uma visão que, aplicada ao abuso do direito, dá precisamente a imagem propugnada. Dizer que, no exercício dos direitos, se deve respeitar a boa fé, equivale a exprimir a ideia de que, nesse exercício, se devem observar os vectores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa.
III. Aparentemente vago, este postulado obtém uma concretização fecunda através dos vectores próprios do manuseio da boa fé. Recordamos:
— a utilização dos princípios mediantes da tutela da con-fiança e da primazia da materialidade subjacente;
— o enquadramento nos grupos típicos de actuações abusivas, com relevo para o venire, a suppressio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício.
Esta doutrina tem sido acolhida em vários acórdãos, nos quais se equaciona lançar mão da figura suppressio ou verwirkung, merecendo destaque os seguintes acórdãos do STJ, todos disponíveis em www.dgsi.pt, conforme se alcança dos respetivos sumários:
- o acórdão do STJ de 07-02-2008, na revista n.º 4403/07 - 2.ª Secção (proc. n.º 07B4403), com especial relevância para o caso dos autos: “XIV - O abuso do direito, na modalidade da neutralização do direito, supressio ou Verwirkung tem os mesmos pressupostos do reportado ao venire contra factum proprium, substituindo-se o facto próprio pelo decurso do tempo. XV - Não tem, então, lugar no caso de apenas se ter provado que a autora, até vir a juízo, quase esgotou o prazo de prescrição relativo ao seu direito.”;
- o acórdão do STJ de 11-12-2013, no proc. n.º 629/10.9TTBRG.P2.S1: “I – A inércia, omissão ou não-exercício do direito por um período prolongado, sem que possa sê-lo tardiamente se contundir com os limites impostos pela boa fé, constitui uma expressão ou modalidade especial do ‘venire contra factum proprium’, conhecida por supressio  (ou ‘verwirkung’, no alemão original). II – À sua caracterização não basta, contudo, o mero não-exercício e o decurso do tempo, impondo-se a verificação de outros elementos circunstanciais que melhor alicercem a justificada/legítima situação de confiança da contraparte. III – Não configura abuso do direito, na referida modalidade, sendo por isso legítimo, o exercício do direito dos AA. de reclamarem, na constância do vínculo laboral, a sua promoção na carreira e o pagamento dos diferenciais retributivos correspondentes.”;
- o acórdão do STJ de 05-06-2018, no proc. n.º 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1: “I - O abuso do direito – art. 334.º do CC –, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido. II - O Banco exequente, ao deduzir processo executivo contra o avalista duma livrança em branco, treze anos depois desse mesmo avalista ter abandonado a sociedade subscritora da livrança (entretanto declarada insolvente), e reportando-se as responsabilidades reclamadas (só conhecidas do embargante quando foi citado para a execução), a dívidas contraídas por essa sociedade já após o seu abandono como sócio, age com manifesto abuso do direito, na modalidade da supressio”.
Transpondo estas considerações para o caso dos autos, não descortinamos nenhuma atuação por parte da Requerida passível de configurar um abuso do direito. Não obstante o documento em apreço tenha igualmente servido para formalizar a confissão de dívida da quantia de 43.000€ (cf. cláusula terceira), não logrou o Apelante provar uma qualquer situação de aproveitamento abusivo por parte da Requerida (aliás, quanto à negociação e celebração do acordo, a situação que aquele descreveu, sem a provar, mais nos remeteria para a figura da usura – cf. art.º 282.º do CC).
Resta saber se, não obstante o acordo das partes quanto à utilização da casa de morada da família, se poderá, ainda assim, ter constituído o direito à restituição com fundamento no invocado enriquecimento sem causa.
Trata-se, como é sabido, de instituto consagrado nos artigos 473.º a 482.º do CC e que tem merecido a atenção da doutrina e sido amplamente analisado na jurisprudência. Lembramos a propósito, pela sua clareza, as palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, págs. 454-456:
“A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento.
O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista. Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial (…); outras numa diminuição do passivo (…); outras, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária (…); outras, ainda, na poupança de despesas (…);
b) A obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido. (…)
c) A obrigação de restituir pressupõe, finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o empobrecimento de outra.”
Na jurisprudência, a título meramente exemplificativo, veja-se acórdão do STJ de 07-11-2017, na revista n.º 2140/12.4TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt, citando-se parte do respetivo sumário (sublinhado nosso):
“I - O enriquecimento sem causa pressupõe que ocorra um enriquecimento (i.e. a obtenção de uma vantagem de cariz patrimonial), que este seja desprovido de causa justificativa (porque nunca a teve, por não se ter verificado o escopo pretendido ou, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido, devido à supressão posterior desse fundamento) e que o mesmo haja sido obtido à custa de quem requer a restituição. O enriquecimento reputa-se sem causa quando o Direito não o aprove ou não consinta por inexistir uma relação ou um facto apto a justificar a deslocação patrimonial.
II - A obrigação de restituir tem como objeto a medida do enriquecimento, a qual corresponderá à diferença entre a situação real e atual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada.”
Destacamos também, sobre a aplicação deste instituto, a síntese constante do sumário do acórdão do STJ de 29-01-2014, proferido na Revista n.º 3354/05.9TBAGD.C2.S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt:
“II - Pode formular-se para o caso de improcedência do pedido principal de restituição de uma quantia com fundamento na nulidade do mútuo o subsidiário de restituição de uma dada importância fundamentada no enriquecimento sem causa, instituto de cariz subsidiário. 
(…) IV - O requisito da «ausência de causa no enriquecimento» perfila-se como constitutivo do direito do autor que terá de o alegar e provar, a isto não obstando a circunstância de estarmos perante um facto negativo. 
V - O instituto do «enriquecimento sem causa» não visa reparar o dano sofrido pelo lesado (que é o escopo da responsabilidade civil) mas apenas o de eliminar o enriquecimento que o beneficiado obteve à custa deste; e tal enriquecimento corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada.”
Numa situação próxima da que nos ocupa, se pronunciou o acórdão do STJ de 04-07-2019, na Revista n.º 2048/15.1T8STS.P1.S1 - 7.ª Secção, em cujo sumário, disponível em www.stj.pt, se afirma que:
 I - A crescente relevância social da união de facto, constituída quando duas pessoas se “juntam” e passam a viver em comunhão de leito, mesa e habitação, determinou a intervenção do legislador, que estabeleceu requisitos para o seu reconhecimento jurídico e passou a regulamentar os seus efeitos em vários domínios, nada prescrevendo, porém, no âmbito dos efeitos patrimoniais, optando o legislador por não estabelecer um regime patrimonial geral, atinente aos bens dos membros da união de facto, nem definir regras sobre a administração e disposição desses bens, outrossim, sobre as dívidas contraídas pelos conviventes e a liquidação e partilha do património, em virtude da dissolução da união. 
II - É inviável para a resolução dos casos de divisão do acervo patrimonial constituído no seio da união de facto, o recurso ao regime previsto para as sociedades de facto, outrossim, o recurso ao instituto da compropriedade, restando-nos o instituto do enriquecimento sem causa, como solução no plano do direito comum, com vista a regular e disciplinar os efeitos patrimoniais da cessação da união de facto. 
III - O instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, donde só deve ser chamado quando a lei não concede ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído. 
IV - A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos, quais sejam, a existência de um enriquecimento; sem causa justificativa; e à custa de quem requer a restituição. 
V - O nosso direito substantivo civil, no que respeita a um dos exigidos requisitos atinentes ao enunciado instituto do enriquecimento sem causa, traduzido na ausência de causa justificativa, conquanto tenha identificado um critério de orientação, uma linha de rumo interpretativa, pressupõe, numa enumeração exemplificativa, três situações especiais de enriquecimento desprovido de causa: condictio in debiti (repetição do indevido), condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) e condictio ob causam datorum (enriquecimento derivado da falta de resultado previsto). 
VI - O desaparecimento posterior da causa, condizente à tradicional condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir), caracteriza-se por alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que, entretanto, deixou de existir, donde, verificada a deslocação patrimonial mediante uma prestação, a causa há-de ser a relação jurídica que essa prestação visa satisfazer, e se esse fim falta, a obrigação daí resultante fica sem causa. 
VII - Para se reconhecer a obrigação de restituir sustentada no enriquecimento, não é suficiente que se demonstre a obtenção duma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo exigível ainda exigível mostrar que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, importando anotar que a falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito à restituição, impondo-se, assim, ao demandante que reclama a restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da demonstração dos respectivos factos constitutivos que contém a falta de causa justificativa desse enriquecimento.”
No caso sub judice, ainda que se possa dizer que a Requerida ficou enriquecida pela utilização que tem feito da casa ao longo dos anos, não logrou o Apelante provar, como lhe incumbia, a falta de causa justificativa desse enriquecimento. Pelo contrário, uma tal utilização funda-se no facto de aquela ser comproprietária dessa fração, que é também casa de morada de família, e ter acordado com o ex-membro da união de facto e comproprietário essa concreta utilização, conforme foi também sobejamente justificado na decisão recorrida, cuja fundamentação, a este propósito, não nos merece censura.
Diga-se, para terminar, que não resulta do “Acordo” das partes quanto à utilização da casa de morada da família a constituição de uma obrigação pura nos termos referidos pelo Apelante, na conclusão 36.ª, pois, como vimos, as partes pretenderam que vigorasse enquanto fossem comproprietários da fração, o que ainda sucede, não tendo a mera instauração da ação modificado o estado das coisas a esse respeito. De qualquer modo, sempre se dirá que o Requerente podia há muito ter intentado uma ação de divisão de coisa comum, mais nos parecendo que a tramitação dos presentes autos teria provavelmente sido mais célere se não fosse o pedido (cumulativo) de indemnização que deduziu.
Até se nos afigura que, a considerar-se, por mera hipótese, que o Requerente teria direito a ser indemnizado pela invocada privação do uso, a sua pretensão, ante a forma como veio exercitar um tal (suposto) direito, constituiria mesmo um abuso do direito, nas modalidades de venire contra factum proprium e supressio. Com efeito, seria atentatório da boa fé e do fim económico e social do direito que o Requerente, tendo concordado que a Requerida e os filhos ficassem a viver na casa, casa que ele continuou a utilizar, mormente para guardar diversos objetos que lhe pertenciam, mais tendo aceitado que quartos da mesma fossem arrendados para custear os estudos dos filhos no estrangeiro, viesse “dar o dito por não dito”, ao pretender, volvidos mais de 8 anos após ter firmado o aludido “Acordo”, a condenação da Requerida no pagamento de uma indemnização num valor que ascende a quase 1/3 do valor de venda da fração.
Improcedendo as conclusões da alegação de recurso neste particular, impõe-se concluir, sem necessidade de mais considerações, pelo acerto da decisão recorrida na parte em que absolveu a Requerida do pedido de indemnização.
Logo, e porque o Apelante não questiona propriamente que à Requerida assiste o direito de crédito reclamado na reconvenção a que se refere o ponto 7 do segmento decisório da sentença, mas apenas pretenderá a sua extinção por via da compensação, não pode deixar de ser negado provimento ao recurso também nesta parte.

O Requerente-Apelante ficou vencido nas suas pretensões de revogação da sentença, salvo no que concerne ao valor base de venda da fração, afigurando-se ajustado considerá-lo responsável pelo pagamento das custas do presente recurso na proporção de 95%, sendo a Requerida-Apelada responsável pelos restantes 5% (cf. (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***

III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
a) Revogar a sentença recorrida na parte em que fixou o valor base de venda do imóvel em 900.000,00€ (cf. ponto 3 do segmento decisório da sentença), que ora se substitui, decidindo fixar esse valor em 920.000,00€;
b) Manter a sentença recorrida quanto ao mais objeto do recurso (cf. pontos 6 e 7 da sentença);
c) Condenar o Apelante e a Apelada no pagamento das custas do presente recurso na proporção de 95% e 5%, respetivamente.

D.N.
Lisboa, 13-10-2022
Laurinda Gemas
António Moreira
Carlos Castelo Branco