Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
101366/20.5YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
CONCLUSÕES DA ALEGAÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RP20240208101366/20.5YIPRT
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Conforme o AUJ 12/2023, de 17.10, nos termos da alínea c), do n.° 1, do artigo 640.°,do Código de Processo Civil, “o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, sendo certo, que como resulta do texto do mesmo aresto, é indispensável à admissibilidade do recurso, que nas conclusões se faça menção aos concretos pontos da matéria de facto que se quer ver reapreciados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 101366/20.5YIPRT.P1




Sumário (artigo 663º nº 7 do código de processo civil)

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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


A..., SA, intentou injunção contra B... Ldª, peticionando a condenação da Requerida no pagamento da quantia global de €166.292,62, correspondente a €164.299,08 de capital, €1.800,54 de juros de mora e €40,00 de outras quantias, bem como juros de mora vincendos.
Alega, em síntese, no âmbito da sua atividade, prestou serviços à R., encontrando-se em dívida a quantia de €164.299,08 respeitante a duas faturas emitidas em 31-07-2020 no valor de 20.000,00 euros e de 144.299,80 euros, respetivamente, fatura nº 83602110 e 83602111.
A Requerida deduziu oposição, por impugnação e invocando a exceção de não cumprimento do contrato por à data da petição inicial a obra apresentar defeitos.


A SENTENÇA A FINAL CONDENOU R., B..., LDª, A PAGAR A QUANTIA DE €164.299,08.
DECRETOU QUE OS JUROS SERIAM DEVIDOS APENAS A PARTIR DA CITAÇÃO PORQUANTO À DATA DA INTERPELAÇÃO PARA PAGAMENTO DAS FATURAS A OBRA PADECIA DE DEFEITOS QUE POSTERIORMENTE VIERAM A SER REPARADOS


FACTOS DECLARADOS PROVADOS NA SENTENÇA: A A. dedica-se à atividade de construção civil.

2) No âmbito dessa atividade, a Requerida, na qualidade de dona da obra, adjudicou à Requerente, em 07.03.2018, a execução da empreitada relativa à “Construção do Hotel C... Porto ...”.
3) Entre 07/03/2019 e 31/03/2019, a A. levou a cabo parte dos trabalhos de construção civil previstos no contrato (Fase 1).
4) Durante esse período a R. levou a cabo uma série de alterações ao projecto inicial e que implicaram uma renegociação com a A. da parte do contrato ainda por executar.
5) Em 27/03/2019, a A. enviou à R. uma revisão à sua proposta de preço para execução da empreitada na sequência de alterações que a R. introduziu no projecto a ser inicialmente executado (designada por Fase 2), vide doc. 1 (4) do articulado superveniente.
6) Tal proposta revista resultava num preço global para a execução da empreitada de €4.143.904,59, o qual contemplava já um desconto comercial feito pela A. e a redução ao preço inicial da empreitada correspondente àqueles já executados e medidos/facturados na Fase 1 – trabalhos no valor de €247.828,01, vide doc. 1 (4) do articulado superveniente.
7) Sucede que a R., na pessoa do seu representante AA, solicitou à A., em 28/03/2019, que se procedesse à facturação dos trabalhos de “Caixilharia PVC”, entre outros, ainda nessa 1ª fase, retirando-se portanto o preço dos mesmos do valor referido em que havia sido proposto pela A., vide doc. 2 (5) do articulado superveniente.
8) O artigo “Caixilharias de PVC” tinha, na proposta da A. para a Fase 2, um preço de €49.611,32, cfr doc, 1 (4) do articulado superveniente.
9) A A., perante esse pedido da R., apresentou nesse mesmo dia os correspondentes autos de medição que a R. aprovou a 29/03/2019 para que fossem facturados antes de celebrado o acordo relativo à revisão do preço da empreitada da Fase 2, vide doc. 2 (5) do articulado superveniente.
10) Anteriormente, no dia 28/03/2019, o legal representante da R., Sr. BB, solicitou à A. a revisão da proposta para a Fase 2 da empreitada de modo a que o preço passasse de €4.143.904,59 para €3.970.000,00, vide doc. 3 (6) do articulado superveniente.
11) Perante este pedido e a solicitação do Sr. AA para que certos trabalhos fossem medidos e faturados por conta da Fase 1, ainda em Março de 2019, a A., em 29/03/2019, propõe que o preço da Fase 2 da empreitada seja de €4.050.000,00, cfr doc. 3 do articulado superveniente.
12) Após nova ronda negocial ainda nesse dia 29/03/2019, A. e R. acordam que o preço devido pela execução da Fase 2 da empreitada seria de €4.020.000,00, cfr doc. 3 do articulado supervenientede resposta da A. às excepções da R..
13) Todas estas negociações, descontos e acertos foram feitos pelas partes tendo sempre por base, e único ponto-de-partida negocial, a proposta da A. enviada em 27/03/2019 e referida em 5).
14) Na sequência de todas estas negociações, A. e R. celebraram, em 31/03/2019, o “Primeiro Aditamento ao Contrato de Empreita de Construção do “Hotel C... Porto ...”, vide doc. junto pela R. a seguir à oposição.
15) Compulsado tal documento, resulta do seu ponto 1.3, “remissões”, que o “regime da empreitada é em preço global sendo executada pelo montante fixo e não sujeito a revisão de €4.020.000,00”
16) E da sua cláusula oitava que “Por força do presente aditamento, o Empreiteiro reconhece que nada mais lhe é devido, a título da paragem dos trabalhos da execução da empreitada até à presente data, pelo que, nesta, são anuladas as facturas entretanto emitidas referentes a tal paragem, nada mais sendo devido para além do pagamento do valor total acordado para a empreitada, ou seja €4.020.000,00 referidos na cláusula 1.3 supra, acrescido dos valores já facturados por conta dos autos devidamente certificados.”
17) Consta do mapa da R., elaborado pelo Sr. AA, que na Fase 1, foram emitidos autos de medição, entre os meses de Janeiro de 2019 e Março de 2019, que totalizaram €907.741,63, cfr doc. 8 do articulado superveniente.
18) Sendo que o auto de medição do qual consta a execução das “Caixilharias PVC” está incluído nessa Fase 1.
19) Já quanto à Fase 2 e após a assinatura do aditamento, foram promovidas alterações à empreitada que resultaram na realização de um conjunto de trabalhos-a-mais e na supressão de outros inicialmente previsto – i.e., trabalhos a menos.
20) Foram executados os seguintes trabalhos a mais, referidos pela R. como “Additions PHASE II
21) O preço dos trabalhos-a-mais foi de €178.811,11, o que faria com que o preço da Fase 2 passasse a ser de €4.198.811,11 (= €4.020.000,00+€178.811,11), vide doc. fls. 43 junto pela R. (R. E. 38625065). 22) Sucede que foram suprimidos da Fase 2 os seguintes trabalhos, referenciados pela R. como “Deductions Phase II”:
O valor dos trabalhos a menos foi de €132.855,00, vide doc. vide doc. fls. 43 junto pela R. a seguir à oposição (R. E. 38625065).
23) O preço total para a execução da Fase I e Fase II da empreitada é de €4.973.697,74 (= €4.065.956,11+€907.741,63), vide doc. 7 do articulado superveniente.
24) Tendo a R. pago à A., relativamente à Fase 1, o montante de €907.741,63 e, relativamente à Fase 2, o montante de €3.901.657,03, resulta que ainda permanece por pagar pela R. à A. o montante de €164.299,08 (= €4.973.697,74-€4.809.398,66), correspondente às faturas nº 83602110 de 31.07.2020 e vencimento em 29.09.2020, no valor de €20.000,00 e fatura nº 83602111 de 31.07.2020 e vencimento em 29.09.2020, no valor de €144.299,08, pese a interpelação da R. para o seu pagamento.
25) Terminados os trabalhos, mas devido à situação de pandemia global, só em Julho de 2020 foi possível realizar o auto de recepção provisória dos trabalhos elencou-se erros e omissões relativos a:
a) à entrada em funcionamento dos elevadores do prédio devidamente legalizados; b) à correção dos esgotos de parte das instalações;
c) à correção do microcimento de alguns quartos;
d) ou ainda a pinturas e correcções em diversas áreas do prédio Todos eles corrigidos, vide Relatório pericial.
26) Ora, para tanto, para que se pudessem realizar tais correcções, as partes acordaram entre elas prazos e condições, os quais só se vieram a verificar, e parcialmente, em Outubro de 2020.
27) Com efeito, a 10 de Dezembro de 2020, ainda andavam empregados da requerente no Hotel a proceder a reparações várias quer em termos de pinturas, quer em termos de painéis acústicos, etc.
28) Verificou-se a ocorrência de novos defeitos na obra, designadamente:
Quanto ao quarto 502 foi reportado à A. pela R., a resolução do problema com as janelas “Vellux”, as quais abrem e fecham, mas persiste um problema com as cortinas blackout que não funcionam correctamente, estando a R. a aguardar pelo envio do fornecedor de novas cortinas para substituir o material defeituoso.
29) Já no que às portas em vidro corta fogo entre os pisos 2 e 3, os problemas mecânicos que apresentavam foram resolvidos pela R., aquando da perícia foram entregues pela A. à R. os certificados de instalação e termos de responsabilidade, bem como das fichas técnicas das mesmas.
30) No que diz respeito às sanitas instaladas em cada quarto do hotel, a parede inicialmente prevista era de alvenaria com estrutura de superfície de suporte da sanita embutida + reboco + sanita suspensa, tendo a parede executada em obra de alvenaria com estrutura de suporte da sanita embutida + camada de isolamento acústico + placa de gesso cartonado + sanita suspensa, constatando-se em algumas sanitas que o silicone de remate está parcialmente descolado.
31) Na porta do piso -2, localizada na escadaria de evacuação Sul, verifica-se uma não conformidade com o projecto de segurança contra incêndio, porquanto a porta deverá ter a classificação de resistência ao fogo de EI45C e a placa classifica a porta colocada de EI30.
32) Os quartos 217, 317, 417, 517 e 617 encontram-se localizados na mesma prumada, em pisos consecutivos desde o 2º piso até ao 6º piso, verifica-se haver uma descontinuidade no isolamento colocado.
33) Cada uma das 21 portas e janelas corta fogo não padecem de um defeito mas apenas de desconformidade às exigências mínimas relativamente às normas de segurança contra incêndio acuais, um caminho de evacuação (neste caso vertical) não pode ter classificações e exigências distintas ao longo do seu percurso (caso isso aconteça terá de se optar pela exigência maior), pelo que o projeto do hotel deveria ter sido articulado com a atualização do restante edifício, neste caso pisos 0 e 1 que não fazem parte do hotel e que não foram intervencionados pela A.,
34) O custo de cada uma das 21 portas e janelas corta fogo é de €4.081,90.
35) A R. em Dezembro de 2022 endereçou à entidade bancária Banco 1... documento com o seguinte teor “tendo sido feita a receção provisória da empreitada em epígrafe e tendo decorrido o prazo de validade respectivo, solicitamos a V. Exª o cancelamento da garantia bancária nº ...18... no valor €111.500,00, emitida em nome de A..., S. A., em data de 23 de Março de 2018”, conforme doc. 2 junto com articulado superveniente.


FACTOS NÃO PROVADOS:

a) As faturas apresentadas, contêm erros, na medida em que alguns dos trabalhos faturados, foram-no em duplicado, porquanto na rúbrica denominada por “carpintarias” e que mais não é do que os trabalhos referentes às caixilharias de janelas do Hotel, estão manifestamente duplicados, num montante de €132.699,90.
b) Com efeito, tais carpintarias estavam definidas nos capítulos 09, 21 e PA012E do contrato original e foram facturadas nos meses de Janeiro e Março de 2019, tendo estes trabalhos sido pagos na primeira fase da empreitada, existindo um saldo a favor da ora requerida no montante de €5.665,71.
c) As paredes onde estão instaladas as sanitas não esteja conforme, com o facto de as paredes de cada WC serem em pladur.
d) “Nos pisos -2 a -1, verificou-se a inexistência de compartimentação, em incumprimento ao previsto no projecto de segurança contra incêndios e nas medidas de autoprotecção”. Ou seja, nos pisos inferiores do prédio, abaixo dos andares ocupados pelo Hotel, e na escada de segurança nas traseiras do prédio, há janelas e/ou portas que não estão conformes ao projecto por não serem corta fogo, o que tem ser obrigatoriamente alterado, por meio de colocação de portas e janelas com tais características. Relativamente à restante matéria a mesma a mesma era conclusiva, de direito ou mera impugnação simples e motivada, pelo que não se considera ser de levar à factualidade provada ou não provada.


A RÉ RECORREU TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES: (…)
f) A Recorrente teve de mandar executar por terceiro reparações e trabalhos, com custos acrescidos para a recorrente, por não terem sido realizados pela recorrida, que ultrapassou todos os prazos e prorrogações acordadas,
g) Como se verifica da prova produzida, a recorrente pagou o valor final acordado conforme auto de entrega provisório datado de 21 de julho e que consta dos autos, pelo que, as faturas apresentadas, não são devidas, contêm erros, na medida em que alguns dos trabalhos faturados, foram-no em duplicado, como é o caso das caixilharias.
h) Foram apresentados diversos documentos, dois articulados supervenientes, realizou-se audiência prévia, e audiência de discussão e julgamento em duas sessões realizadas nos dias 19 de abril de 2023 e 10 de maio de 2023,
i) Ainda assim, a Douta Sentença de fls., julgou parcialmente procedente o pedido formulado contra o Recorrente B..., Ldª, condenando-a a pagar à Recorrida a quantia de €164.299,08 (cento e sessenta e quatro mil duzentos e noventa e nove euros e oito cêntimos, acrescido de juros de mora comerciais contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
J) A douta sentença, salvo melhor opinião, padece de vício de raciocínio nas respetivas considerações, levando à errónea decisão da causa, como de seguida se demostrará.
k) Competia, evidentemente, à Autora o ónus da prova, por um lado que prestou os serviços quais serviços, que os prestou na integra e sem vícios e que os mesmos foram aceites, bem como as faturas, l) Nada disso aconteceu!
m) É ponto assente que os autos se prendem com um contrato de empreitada que foi assinado entre Autora (empreiteira) e Ré (dono de obra) em 7 de março de 2018, designado pelas partes como Fase I, e que, em virtude da sua inexequibilidade, foi sujeito a um aditamento em 31 de março de 2019, designado FASE II
n) Do aditamento (Fase II), resulta um preço global de € 4.020.000,00, montante esse fixo e não sujeito a revisão. (cláusula 1ª, 1.3 remissões I do aditamento ao contrato)
o) Pelos trabalhos executados na Fase I, foi pago pelo dono de obra o valor de € €907.741,63,
p) O que, aparentemente, resultaria num valor global da obra, de €4.973.697,74 (=€4.065.956,11+€907.741,63)
q) No entanto, conforme dado como provado houve trabalhos a mais e trabalhos a menos, o que alterou o valor final da empreitada, e nisto as partes estão de acordo.
r) No dia 21 de julho de 2020 foi efetuada a receção provisória da obra (conforme facto provado em 25) e elaborado auto de receção provisório COM RESERVAS, onde estiveram presentes todas as partes.
s) Nos termos do aditamento celebrado, o prazo para terminar a obra seria o dia 23 de novembro de 2019.
t) Acontece que, só em julho de 2020, conforme referido no ponto 25 dos factos provados, foi possível realizar o auto de receção provisória dos trabalhos, tendo o mesmo elencado diversos erros e omissões. U) Ficou provada a existência de um acordo entre as partes que fixou um prazo para o suprimento e correção dos defeitos e termino dos trabalhos ainda em falta – correção, prazo esse para Outubro de 2020 – V. ponto 26 matéria assente.
v) No entanto, em dezembro de 2020 ainda andavam trabalhadores da Ré em obra – V. ponto 27 dos factos provados,
w) Foi efetuada já no decorrer do processo em tribunal, uma peritagem, datada de 9.05.2022, ou seja, decorridos mais de 2 anos da entrega provisória da obra que constatou:
- Quanto ao quesito 6) que as questões se encontravam corrigidas, embora não especifique se foi as Autora que as corrigiu, ou quando foram corrigidas;
- Quanto ao quesito 35) …. “ persiste um problema com as cortinas blackout que não funcionam corretamente não recolhendo. Segundo informações prestadas no local pelo Autor, estão a aguardar pelo envio do fornecedor de novas cortinas para substituir o material defeituoso.
- Quesito 36) Os problemas mecânicos existentes nas portas corta fogo foram resolvidos pela Ré e não pela autora
- Só com a peritagem a Autora entregou ao perito os certificados de instalação, termos de responsabilidade, bem como fichas técnicas das mesmas em conformidade com a legislação em vigor. - À data da peritagem, verificou-se em algumas sanitas que o silicone de remate está parcialmente descolado. (quesito 37 e 44)
x) Ou seja, conforme sempre referiu a Ré, aqui recorrente, e logrou provar, só em Julho de 2020 foi possível realizar o auto de recepção provisória dos trabalhos, decorrendo desse auto que o mesmo foi feito “COM RESERVAS” – doc 3 junto aos autos pela Ré por requerimento em 21.04.2021,
y) E do auto de receção provisório datado de 21 de julho de 2020, decorre que estavam presentes: PROMOTORA B... BB CLIENTE: B... BB PROJECT MANAGER: D... AA FISCALIZAÇÃO: E... CC COORD SEG. SAUDE OBRA: PERCENTIL DD
CONSTRUTORA: A... S.A. Administrador: EE Direção de Obra: FF
z) Podendo ler-se do PONTO QUARTO. ‐ Que a data do presente documento, a Liquidação e Fecho de Contas da Empreitada está acordada, por valor de 4.835.335,66 € (quatro milhões oitocentos trinta e cinco mil e trezentos trinta e cinco Euros e sessenta e seis cêntimos) que se anexam ao presente Auto, como Anexo III.
aa) Tendo sido exatamente esse o valor pago pela Ré à autora,
bb) ao contrário do decidido pelo douto Tribunal a quo, que decidiu erroneamente face à prova carreada e diz:
“ Ora, tendo a R. pago à A., relativamente à Fase 1, o montante de €907.741,63 e, re-lativamente à Fase 2, o montante de €3.901.657,03, resulta que ainda permanece por pagar pela R. à A. o montante de €164.299,08 (=€4.973.697,74-€4.809.398,66), correspondente às facturas nº 83602110 de 31.07.2020 e vencimento em 29.09.2020, no valor de €20.000,00 e factura nº 83602111 de 31.07.2020 e vencimento em 29.09.2020, no valor de €144.299,08.”
cc) O valor acordado pelas partes depois de considerados trabalhos a mais e a menos foi, no auto de receção provisória o valor de 4.835.335,66€ (quatro milhões oitocentos trinta e cinco mil e trezentos trinta e cinco Euros e sessenta e seis cêntimos) e não de €4.973.697,74.
dd) Por outro lado, ficaram pendentes de realização pela Autora diversos trabalhos de reparação de deficiências e erros de construção e, não estando os mesmos realizados no prazo acordado, foram os mesmos mandados executar por terceiro ou pela própria Ré.
ee) Isto mesmo foi atestado pelas testemunhas da Ré, GG, diretor do hotel desde 2019 que referiu que iniciou funções em novembro de 2019 (data prevista para a conclusão da obra), e que o hotel não estava em funcionamento
ff) E que em março de 2020, o hotel ainda não estava em funcionamento,
gg) E que em julho de 2023 foi efetuada a entrega provisória, com reservas,
hh) Remete-se para o depoimento da testemunha prestado na sessão de julgamento de 19 de abril e gravada digitalmente na aplicação informática Habilus Media Studio. Diligencia_101366-20.5YIPRT_2023-04-19_12-18-23, acima transcrito.
ii) E da testemunha HH, técnico de manutenção há mais de 20 anos, atualmente trabalhador da Ré, ouvido na sessão de julgamento de 10.05.2023 Diligencia_101366-20.5YIPRT_2023-05-10_10-52-08, que atestou ter trabalhado no hotel 2020 por conta de uma terceira entidade – F....
jj) Decorre claro que, a Autora não cumpriu o contratualizado, havendo reparações que demorou anos a fazer e que ainda não fez até à data de hoje, impedindo uma utilização plena do hotel e que por isso mesmo, confere à Ré o direito de invocar a exceção de não cumprimentos,
kk) A Ré desde 2020, altura em que a testemunha HH exercia funções de manutenção pela sociedade F..., teve de contratar terceiros para terminar trabalhos que eram da responsabilidade da Autora.
ll) O que significa que, deveria constar da matéria de facto provada que a Ré teve a necessidade de contratar terceiros que efetuaram trabalhos que deveriam ter sido efetuados pela Autora e efetuaram reparações que a autora nunca veio reparar apesar de ter sido chamada para o efeito,
mm) A Autora tenta baralhar o tribunal e consegue, na nossa opinião, fazendo crer que a questão das portas corta fogo só se coloca em pisos que não estariam comtemplados no contrato de empreitada,
nn) No entanto, tal não corresponde à verdade e o tribunal percebeu a questão quando dá por provado o alegado no ponto 29) não tendo, no entanto, dado relevo ao facto de a perícia ter sido realizada só em 2022 e ao facto de a testemunha da Ré GG ( diretor do hotel) ter referido em audiência que em 10 de maio de 2023 ainda não tinha os certificados todos.
oo) Estão também em causa diversos erros e omissões relativos, por exemplo, correção do microcimento de alguns quartos; ou ainda a pinturas e correções em diversas áreas do prédio.
pp) Nesta medida, a Ré, acaso fossem devidas as faturas peticionadas, o que não s aceita, sempre estará a ré no direito de invocar a exceção de não cumprimento, porque a Autora não conclui os trabalhos e não procedeu à reparação dos defeitos e omissões existentes nos prazos acordados, levando à contratação de terceiros.
qq) Constata-se assim, salvo melhor opinião, uma omissão da douta sentença quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, já que, se por um lado o tribunal a quo considera que, de facto, foram suscitados defeitos, considera-os reparados, no entanto, não faz qualquer referência a quem procedeu à reparação ou quando., sendo certo que, se encontra provado que a receção provisória da obra foi muito para além do prazo acordado para a conclusão da obra e foi com reservas e que muitos dos defeitos e trabalhos foram executados com recurso à contratação de terceiros.
rr) O tribunal a quo ignora, por exemplo, os documentos 1, 2 e 3 juntos com o articulado superveniente apresentado pela Ré em 23.11.2021. onde (decorrido um ano do prazo de entrega da obra) ainda estavam por realizar trabalhos pela Autora
ss) Outra questão que o Tribunal a quo não teve dúvidas foi e refere na douta sentença foi:

“Relativamente à questão da pretensa duplicação do valor das caixilharias foi evidente para o Tribunal que nenhuma duplicação houve”
Com efeito, a obra foi realizada em duas fases, fase 1 e fase 2, sendo certo que houve obras de caixilharia na primeira e segunda fase.
Na sequência da renegociação do contrato da fase 1 para a fase 2, a A. enviou em 27/03/2019 uma revisão de preços para realizar na fase 2, vide doc. 2.
Conforme decorre de todas as renegociações havidas entre A. e R. para a Fase 2, onde se acordou o preço final de €4.020.000,00 (primeiro aditamento ao contrato de empreitada de construção doc. 4), este valor final teve sempre por base a revisão proposta pela A. em 27/03/2019.
Atente-se que houve apresentação pela A. de autos de medição em 29/03/2019, com vista a serem faturados antes do aludido acordo para a fase 2, ou seja, as medições tinham como referência os trabalhos até aí realizados e não os da fase 2, incluindo os €49.611,32 das caixilharias e que já não entrou nas contas dos €4.020.000,00 da fase 2, valor que correspondia a um preço final independentemente de obras a mais ou a menos que se verificassem ou não ser necessárias, as quais correriam por conta da A..
Do exposto resulta claramente que os autos emitidos, em 29/03/2019, foram-no ainda relativamente à Fase 1 do contrato de empreitada e, como tal, retirados do objeto da Fase 2. Serve o exposto para dizer não se compreender, tendo a R. celebrado o aditamento ao contrato em 31/03/2019, como pôde vir em 02/04/2019 invocar que €132.699,09 constavam indevidamente da fase 2 a título de caixilharias e que nunca foi acordado com a A., assim tinha de se dar por não provado a alínea a).
Aliás, se dúvidas houvessem sobre a versão que devia prevalecer para o Tribunal elas encontram-se afastadas pelos diferentes documentos elaborados por A e R., respetivamente 1 e 9 onde dos mesmos consta a título de trabalhos realizados €247.828,01.
tt) Salvo o devido respeito, entende a Ré que esteve mal o tribunal a quo nesta sua decisão, na verdade, e conforme foi referido por diversas testemunhas, mesmo as da Autora, a faturação era feita de acordo com as medições mensais.
uu) E conforme refere a testemunha II, contabilista certificado que acompanhou em termos de financiamento e contabilidade todo o processo de reconstrução do hotel, relativamente à questão das caixilharias, na segunda Fase, nunca houve auto de medição correspondente.
vv) A testemunha não tem dúvidas, enquanto contabilista certificado da Ré que houve duplicação de faturação que já estava considerado em autos de medição anteriores e, por isso, as faturas em causa nos autos nunca foram aceites.
ww) A testemunha explicou que o 1º projecto foi declarado inexequível pela A., houve vistorias e necessidade de refazer o projecto e foi feito um aditamento ao contrato e aumento do preço.
xx) Acompanhou a realização do novo contrato (aditamento).
yy) E o que aconteceu é que, na na 2ª fase surge uma rúbrica de caixilharias que já se encontrava descrito e pago na 1ª fase e por tal razão não aceitaram pagar novamente.
zz) Refere também, que houve várias reparações efetuadas por uma empresa espanhola e os custos de reparação foram pagas pela R.
aaa) O tribunal considera como provado, e bem, V. facto 18) Sendo que o auto de medição do qual consta a execução das “Caixilharias PVC” está incluído nessa Fase 1.
bbb) E não restam dúvidas pelos documentos juntos aos autos que esse valor surge novamente na fase II, v. o documento que se junta aqui como doc 1 para melhor entendimento e que foi junto pela Autora no articulado superveniente fazendo parte do doc. 6 – Caixilharias exteriores 132095,23.
ccc) Por outro lado nos factos dados como não provados, designadamente o ponto a) e b) o Tribunal entende que não se provou que a) As faturas apresentadas, contêm erros, na medida em que alguns dos trabalhos faturados, foram-no em duplicado, porquanto na rúbrica denominada por “carpintarias” e que mais não é do que os trabalhos referentes às caixilharias de janelas do Hotel, estão manifestamente duplicados, num montante de €132.699,90 e b) Com efeito, tais carpintarias estavam definidas nos capítulos 09, 21 e PA012E do contrato original e foram facturadas nos meses de Janeiro e Março de 2019, tendo estes trabalhos sido pagos na primeira fase da empreitada, existindo um saldo a favor da ora requerida no montante de €5.665,71.
ddd) Pelo que, também a matéria dada como não provada está em contradição com a matéria dada como provada.
eee) Ou seja, andou mal o tribunal na fixação da matéria de facto,
fff) Sendo que, da análise critica da documentação, designadamente, auto de entrega provisório, onde estiveram presentes ambas as partes, fixou-se o valor da obra eme 4.835.335,66 € (quatro milhões oitocentos trinta e cinco mil e trezentos trinta e cinco Euros e sessenta e seis cêntimos), valor esse já integralmente pago pela Ré.
ggg) Entende a Ré que com relevância para a boa decisão da causa deveria ter-se dado por provado que em sede de receção provisória da obra as partes fixaram o valor da obra em 4.835.335,66 € (quatro milhões oitocentos trinta e cinco mil e trezentos trinta e cinco Euros e sessenta e seis cêntimos) e não €4973.697,74 conforme referido no pronto 23) dos factos dados como provados, considerando pagas todas as quantias nos termos acordados pelas partes.
hhh) O que necessariamente altera o facto dado como provado no ponto 24) iii) e atenta a matéria provada no ponto 26), 27) 28) 29), 30) 31), 32), 34)
jjj) Considerar que a Ré, ainda que algum valor fosse devido, o que por mera hipótese académica se admite, teria a mesma sempre o direito a invocar a exceção de não cumprimento,
kkk) Aditando-se à matéria assente que a Ré teve necessidade de contratar terceiros para terminar os trabalhos da responsabilidade da Ré e que teve necessariamente custos acrescidos.
Nestes termos e nos demais de direito que v.exas. Se dignarem suprir, deve o presente recurso merecer adequado provimento, e, em consequência, deverá a sentença em crise ser substituída por outra que absolva o réu da totalidade do pedido formulado pela autora,

RESPONDEU A RECORRIDA:

Sustentou a inadmissibilidade do recurso de impugnação da matéria de facto por violação dos ónus do artigo 640º do Código de Processo Civil.
A improcedência total do recurso. Nada obsta ao mérito


OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Em consonância e atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes:
1- Recurso de impugnação da matéria de facto. Requisitos. Apreciação.
2- Exceção de não cumprimento.


O MÉRITO DO RECURSO: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.


FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I
O Recurso de impugnação da matéria de facto:

Como tem vindo a ser pacificamente entendido e decorre do disposto, nos arts.º 635.º, n.º 4 e 639.º, do Código de Processo Civil, são as conclusões apresentadas pelo Recorrente que delimitam o objeto do recurso e fixam a matéria a submeter à apreciação do tribunal, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 608.º, n.º 2, do CPC. Neste sentido, escreve Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 85: “Salvo quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que, além disso, não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal.”
Devendo na motivação do recurso o recorrente cumprir o ónus de alegação inserto no artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, tem sido questão controvertida e debatida na jurisprudência, a de saber quais os elementos que têm de constar não só da motivação do recurso, mas também das conclusões do mesmo, quando o Recorrente pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, à luz das exigências previstas pelo legislador no referido normativo.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a firmar-se no sentido de que a exigência prevista no n.º 2, al. a) do art.º 640.º, relativa à indicação das passagens da gravação em que se funda o recurso quando a prova tenha sido gravada, não tem de ser incluída nas conclusões do recurso, tendo o seu lugar próprio na motivação apresentada, devendo, no entanto, constar das conclusões do recurso pelo menos a exigência prevista na al. a), do n.º 1, deste artigo, ou seja, a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados.
Neste sentido o Acórdão de 29-10-2015 (LOPES DO REGO) 233/09.4TBVNC.G1.S1, in www.dgsi.pt refere: “Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes e consta atualmente do nº 1, do art.º. 640º, do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes (e que consta atualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC).”
Na mesma senda, de que, pelo menos, a indicação dos factos considerados incorretamente julgados tem de constar das conclusões do recurso, pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 12/05/2016 (ANA LUISA GERALDES) 324/20.9TTALM.L1.S1; e de 19/2/2015 (TOMÉ GOMES) 299/05.6TBMGD.P2.S1; de 22/09/2015in www.dgsi.pt
A necessidade de o Recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, traduz uma opção do legislador que não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados, relativamente aos quais a parte manifesta e concretiza a sua discordância em razão da prova produzida.
Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 126 refere: “Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.” Acrescenta a pág. 129: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
Por outro lado, o art.º 640.º do CPC impõe a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificação sob pena de rejeição dos:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
b) (…) 3. (…)”
Mais recentemente, foi proferido em 17 de outubro de 2023, pelo STJ no processo n.° 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 AUJ, consultável in dgsi: “Nos termos da alínea c), do n.° 1 do artigo 640.°do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, sendo certo que e no entanto como resulta do texto do mesmo aresto é indispensável à admissibilidade do recurso, que nas conclusões se faça menção aos concretos pontos da matéria de facto que se quer ver reapreciados.

I.1
Ora, a Recorrente no corpo das alegações elenca desgarradamente concretas passagens da gravação dos depoimentos que a seu ver fundamenta uma alteração da matéria de facto a que depois se refere também sem uma precisa concretização (sequer quanto à reclamada alteração, não se descortinando a que factualidade concreta pretende a reapreciação de tal prova, o que vem a ter concretização nas conclusões apenas quanto aos pontos 23 e 24, dos factos provados e alíneas a) e b) dos factos não provados. Depreende-se, no entanto das suas conclusões que a mesma pretende reverter, de provado para não provado, os pontos 23 e 24, da matéria de facto; invoca a contradição/nulidade entre as respostas dadas às alíneas a) e b) dos factos não provados com a factualidade provada , e requer o aditamento de um novo facto (alínea KKK).
Entende-se, assim, que no segmento referido no parágrafo anterior está suficientemente motivada a impugnação de facto, nesta parte e apenas, de que por isso se conhece.
II. II.1
Aceitando-se, que do teor das conclusões da apelante (alínea ggg e zz) conjugadas com a motivação no corpo das alegações (ver & 66 ) resulta, que quanto aos pontos 23 e 24, da sentença a recorrente cumpriu o ónus da alegação imposto pelo referido artigo 640º, sustentando a alteração a esta matéria de facto com o teor do documento junto aos autos o qual minutado e titulado como auto de receção provisória da obra, no qual, se faz constar no ponto quarto, o seguinte teor:
«Que a data do presente documento, a Liquidação e Fecho de Contas da Empreitada está acordada, por valor de 4.835.335,66 € (quatro milhões oitocentos trinta e cinco mil e trezentos trinta e cinco Euros e sessenta e seis cêntimos) que se anexam ao presente Auto, como Anexo III».
Pretende a Recorrente retirar daqui a conclusão de que tendo pago à autora a quantia de 4.835.335,66 € nada deve uma vez que este foi o montante fixado entre as partes, no referido auto.
Requer que seja dado como provado que “em sede de receção provisória da obra as partes fixaram o valor da obra em 4.835.335,66 € (quatro milhões oitocentos trinta e cinco mil e trezentos trinta e cinco Euros e sessenta e seis cêntimos). A Recorrida veio sustentar que o documento em causa não está assinado, pelo que nada vale já que também o seu teor foi impugnado.
A sentença declarou assente nestes referidos pontos de facto que:
23:O preço total para a execução da Fase I e Fase II da empreitada é de €4.973.697,74 (= €4.065.956,11+€907.741,63), vide doc. 7 do articulado superveniente.
24: “Tendo a R. pago à A., relativamente à Fase 1, o montante de €907.741,63 e, relativamente à Fase 2, o montante de €3.901.657,03, resulta que ainda permanece por pagar pela R. à A. o montante de €164.299,08 (= €4.973.697,74-€4.809.398,66), correspondente às faturas nº 83602110 de 31.07.2020 e vencimento em 29.09.2020, no valor de €20.000,00 e fatura nº 83602111 de 31.07.2020 e vencimento em 29.09.2020, no valor de €144.299,08, pese a interpelação da R. para o seu pagamento” DECIDINDO .
Se por um lado, o que se peticiona nesta ação, é o concreto valor das faturas emitidas em 31.07.2020, pelos trabalhos a que as mesmas respeitam, e portanto posteriores à data aposta na referida minuta de documento, que é a de 21-07-2020, por outro lado, como está bom de ver, um documento não assinado não tem qualquer valor probatório, dado que apenas os documentos assinados pelo seu autor fazem prova das declarações neles contidas (artigo 373º e ss do CC) pelo que não é este meio de prova idóneo a fundamentar juízo afirmativo sobre os factos em discussão.
De resto, a prova desta factualidade decorre ainda do teor dos factos provados nº 12, 15, 17, 20º, 21 e 22, ao que acresce estar a mesma cabalmente motivada na sentença a partir da valoração dos documentos junto (designadamente 1 a 9, com o articulado superveniente) os quais não foram infirmados pela prova testemunhal apresentada pela requerida.
Desatende-se, por consequência, a este segmento da impugnação .

II.2
Vem ainda a apelante sustentar no seu recurso (alíneas ccc e ddd) que os factos não provados constantes das alíneas a) e b) da factualidade não provada estão em contradição com a matéria provada.

Vejamos.

O teor destes pontos de facto não provados é o seguinte:

a) As faturas apresentadas, contêm erros, na medida em que alguns dos trabalhos faturados, foram-no em duplicado, porquanto na rúbrica denominada por “carpintarias” e que mais não é do que os trabalhos referentes às caixilharias de janelas do Hotel, estão manifestamente duplicados, num montante de €132.699,90.
b) Com efeito, tais carpintarias estavam definidas nos capítulos 09, 21 e PA012E do contrato original e foram faturadas nos meses de Janeiro e Março de 2019, tendo estes trabalhos sido pagos na primeira fase da empreitada, existindo um saldo a favor da ora requerida no montante de €5.665,71.

DECIDINDO.
A contradição entre a matéria de facto supõe o conflito/inconcludência ou exclusão de uns em relação aos outros, de tal forma que a afirmação/negação de uns, ou outros, põe em causa o processo lógico-factual descrito na sentença tornando-o inconclusivo.
No caso sub iudice nada disso acontece, bem ao contrário. A sentença não reconhece nas alíneas a) e b) dos factos não provados matéria que possa por em crise a factualidade provada, nomeadamente, nos pontos 23 e 24, não tendo considerado suficientemente demonstrado que tais situações aconteceram. Daí que não assista razão à Recorrente, também aqui.

II.3

Na conclusão kkk a Recorrente requer o aditamento “à matéria assente que a Ré teve necessidade de contratar terceiros para terminar os trabalhos da responsabilidade da Ré e que teve necessariamente custos acrescidos”.

DECIDINDO.

Esta formulação é assaz conclusiva e carece de utilidade para o objeto da causa, porquanto da mesma não resulta (i) trabalhos efetivos contratados a terceiros (ii) serem tais trabalhos contratualmente acordados com a autora quanto à sua execução (iii)inexecução tempestiva dos mesmos pela autora (iii) valor de tais trabalhos.
Daí que não se atenda também aqui ao recurso interposto (artigo 130º do Código de ProcessoCivil).

III
DE DIREITO

III.1´
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO.

A Recorrente vem ainda sustentar que, em qualquer caso, deveria proceder a exceção de não cumprimento do contrato atenta a matéria provada nos factos, 26 a 32 e 34.
Nos termos do artigo 428.º, n.º 1, do Código Civil, «Se, nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
São pressupostos da exceção de não cumprimento do contrato (i): a existência de um contrato bilateral (ii) a não existência da obrigação de cumprimento prévio por parte do contraente que invoca a exceção, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação (iii) não contrariedade à boa fé.
Na jurisprudência tem sido entendido que “A exceptio non adimpleti contractus vale tanto para a falta integral de cumprimento como para o cumprimento parcial ou defeituoso.” (Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2007, proc. nº 971/03.5TBFND.C1, e Ac. da Rel. de Coimbra de 11-09-2007, proc. nº 5670/04.8TBLRA.C1)i n www.dgsi.pt/jtrc».
Esta exceção é o meio de assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas – (José João Abrantes, A exceção de não cumprimento do contrato, 1986, págs. 39 e seguintes).
Constitui um meio de compelir os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados contraditórios com o equilíbrio ou equivalência das prestações que caracteriza o contrato bilateral, e apesar de a lei apenas prever a hipótese de não haver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, entende-se comumente que a exceção pode ser invocada ainda que haja vencimentos diferentes, por aquele dos contraentes cuja prestação deva ser feita depois da do outro; só não poderá opô-la o contraente que devia cumprir primeiro.(cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 342, págs. 355 e seguintes).
É entendimento pacífico, quer a nível doutrinal, quer a nível jurisprudencial, que a exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo comprador (ou do dono de obra) se este tiver já, junto do vendedor (ou do empreiteiro, respetivamente), denunciado os defeitos da coisa e exigido a sua eliminação. (Neste sentido, veja-se, por todos, Pedro Romano Martinez, In Cumprimento Defeituoso, Em Especial Na Compra E Venda e na Empreitada, Coleção Teses, Almedina, págs. 328 e 330, e acórdão do STJ, de 10-12-2009, no proc. nº 163/02.0TBVCD.S1; particularmente para a empreitada, o acórdão do STJ, de 26-11-2009, no proc. nº 674/02.8TJVNF.S, ambos em www.dgsi.pt/jstj).
Com efeito, o regime próprio do contrato de empreitada, face ao cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a exceção do não cumprimento.
É que perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra terá de subordinar-se à ordem estabelecida nos arts.1221, 1222 e 1223, do CC, ou seja, (i) o direito de exigir a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos, (ii) o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados, (iii) o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, (iv) o direito à indemnização, nos termos gerais.
Pedro Martinez in Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.328) acentua que: “A exceptio non rite adimpleti contractu” poderá unicamente ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos “circa rem “.

III.2
Daqui para os autos.

O teor da factualidade provada convocada pela Recorrente para sustentar a exceptio:

«26) Ora, para tanto, para que se pudessem realizar tais correcções, as partes acordaram entre elas prazos e condições, os quais só se vieram a verificar, e parcialmente, em Outubro de 2020.
27) Com efeito, a 10 de Dezembro de 2020, ainda andavam empregados da requerente no Hotel a proceder a reparações várias quer em termos de pinturas, quer em termos de painéis acústicos, etc.
28) Verificou-se a ocorrência de novos defeitos na obra, designadamente:

Quanto ao quarto 502 foi reportado à A. pela R., a resolução do problema com as janelas “Vellux”, as quais abrem e fecham, mas persiste um problema com as cortinas blackout que não funcionam corretamente, estando a R. a aguardar pelo envio do fornecedor de novas cortinas para substituir o material defeituoso.
29) Já no que às portas em vidro corta fogo entre os pisos 2 e 3, os problemas mecânicos que apresentavam foram resolvidos pela R., aquando da perícia foram entregues pela A. à R. os certificados de instalação e termos de responsabilidade, bem como das fichas técnicas das mesmas.
30) No que diz respeito às sanitas instaladas em cada quarto do hotel, a parede inicialmente prevista era de alvenaria com estrutura de superfície de suporte da sanita embutida + reboco + sanita suspensa, tendo a parede executada em obra de alvenaria com estrutura de suporte da sanita embutida + camada de isolamento acústico + placa de gesso cartonado + sanita suspensa, constatando-se em algumas sanitas que o silicone de remate está parcialmente descolado.
31) Na porta do piso -2, localizada na escadaria de evacuação Sul, verifica-se uma não conformidade com o projeto de segurança contra incêndio, porquanto a porta deverá ter a classificação de resistência ao fogo de EI45C e a placa classifica a porta colocada de EI30.
32) Os quartos 217, 317, 417, 517 e 617 encontram-se localizados na mesma prumada, em pisos consecutivos desde o 2º piso até ao 6º piso, verifica-se haver uma descontinuidade no isolamento colocado.
34) O custo de cada uma das 21 portas e janelas corta fogo é de €4.081,90.

Sucede que a esta factualidade há que aditar a que consta dos pontos 25 e 33 da matéria de facto.

Com efeito o ponto 26 inicia-se pela proposição “ora para tanto” sendo este e os subsequentes uma explicitação do que vem factualmente assente no ponto 25 com o seguinte teor:
25) Terminados os trabalhos, mas devido à situação de pandemia global, só em Julho de 2020 foi possível realizar o auto de recepção provisória dos trabalhos elencou-se erros e omissões relativos a:
a) à entrada em funcionamento dos elevadores do prédio devidamente legalizados; b) à correção dos esgotos de parte das instalações;
c) à correção do microcimento de alguns quartos;
d) ou ainda a pinturas e correções em diversas áreas do prédio Todos eles corrigidos, vide Relatório pericial (sublinhado nosso)
Ao que acresce que no ponto 33 da factualidade provada se fez consignar que: “33) Cada uma das 21 portas e janelas corta fogo não padecem de um defeito mas apenas de desconformidade às exigências mínimas relativamente às normas de segurança contra incêndio acuais, um caminho de evacuação (neste caso vertical) não pode ter classificações e exigências distintas ao longo do seu percurso (caso isso aconteça terá de se optar pela exigência maior), pelo que o projeto do hotel deveria ter sido articulado com a atualização do restante edifício, neste caso pisos 0 e 1 que não fazem parte do hotel e que não foram intervencionados pela A.”,


III.3

Do teor dos factos enunciados se retira que (i) os defeitos da obra foram corrigidos /facto 25) (ii) e no que respeita às portas fogo (facto 34, como ficou provado no ponto 33 as mesmas não padecem de defeitos.
De resto esta situação – reparação dos defeitos inicialmente verificados e inexistência de defeitos veio mesmo a ser considerada na sentença que face à referida fundamentação de facto, condenou a ré, por isso mesmo, no pagamento dos juros, apenas, a partir da citação.
A matéria assente não permite deste modo sustentar a pretensão da Recorrente, que também aqui decai na apelação.




SEGUE DELIBERAÇÃO.

NÃO PROVIDO O RECURSO. CONFIRMA-SE A SENTENÇA.
Custas pela recorrente.






Porto, 8 de fevereiro de 2024
Isoleta de Almeida Costa
António Paulo Vasconcelos
João Venade