Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3276/18.3T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE VIDA
MORTE
DECLARAÇÕES INEXACTAS
ANULABILIDADE POR FALSAS DECLARAÇÕES NA DECLARAÇÃO INICIAL DO RISCO
Nº do Documento: RP202104153276/18.3T8PNF.P1
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As omissões ou declarações inexactas conducentes à anulabilidade de um contrato de seguro, são aquelas que, de um modo objetivo para qualquer declaratário normal, sejam essenciais para a apreciação do risco, sendo susceptíveis de determinar uma diferente decisão por parte da seguradora relativamente à proposta que lhe foi apresentada.
II - Tendo o segurado agido de má-fé na omissão ou nas declarações inexactas por si realizadas para efeitos de celebração do contrato de seguro, conducente à sua anulabilidade, não tem o mesmo direito à restituição dos prémios por si anteriormente liquidados.
III - Os “questionários de saúde” pré-elaborados, aos quais se responde preliminarmente à celebração de um contrato de seguro, não correspondem a cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas em contratos de adesão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 3276/18.3T8PNF.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjuntos: António Paulo Vasconcelos; Filipe Caroço

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
1.1 No processo n.º 3276/18.3T8PNF do Juízo Local Cível de Penafiel, da Comarca do Porto Este, em que são:

Recorrente/Autora: B… e outros

Recorrida/Ré: C… – Companhia de Seguros, S.A.

por sentença proferida em 06/set./2020 foi decidido o seguinte:
“Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo a ré do pedido formulado.
Custas a cargo dos autores.”
1.1. A A. B… e o seu marido D…, demandaram a R., invocando a celebração de um contrato seguro de vida, na modalidade de C…/seguro proteção crédito habitação, encontrando-se o segundo numa situação de invalidez abrangida por esse contrato, recusando-se, no entanto, a R. a pagar ao Banco E… o montante do empréstimo para habitação ainda em dívida, invocando a falsidade de declarações, terminando com os seguintes pedidos:
A) Reconhecer a validade do contrato de seguro Protecção de Crédito à Habitação, celebrado entre AA. e R., com a Apólice Nº ……., e que o mesmo se mantém em vigor;
B) Reconhecer que se verificou o evento que faz desencadear, nos termos desse contrato, a obrigação do R. de se substituir aos AA. no pagamento das amortizações desse empréstimo – a incapacidade definitiva e irreversível do A., sem possibilidade de exercício de outra profissão;
C) Pagar ao Banco E… o valor do empréstimo seguro em falta, no valor de 33.085,32 euros (trinta e três mil, oitenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos)
D) Pagar aos AA. a quantia de 6.997,70 euros (seis mil, novecentos e noventa e sete euros e setenta cêntimos), a título de prestações de capital pagas, até ao momento presente, pelos AA. em substituição do R., a que acresce o montante de 23,50 euros a título de juros de mora vencidos;
E) Pagar ainda aos AA. o montante das prestações e juros moratórios que se vencerem até integral pagamento
1.2. A R. C… – Companhia de Seguros, S.A. contestou em 17/dez./2018, invocando a nulidade do mencionado contrato de seguro, por não terem respondido com verdade quanto à situação de saúde do A. marido, impugnando no demais a versão dos AA., sustentando a nulidade do contrato de seguro e a improcedência da ação.
1.3. Na sequência do falecimento do A. marido em 17/nov./2018 foram habilitados os seus herdeiros.
1.4. A A. e aqueles AA. que foram habilitados, em 06/nov./2019 apresentaram articulado superveniente, formulando um pedido subsidiário anteriormente indicados sob as alíneas B), C), apenas quanto ao valor e D), nos seguintes termos:
“formulando-se o pedido de o R. ser condenado a reconhecer que se verificou o evento que faz desencadear, nos termos do contrato de seguro existente entre AA. e R., a obrigação do R. de se substituir aos AA. no pagamento das amortizações do empréstimo relativo ao contrato de crédito à habitação celebrado com o Banco E… – evento esse consistente na morte do primitivo A.; e a pagar ao mesmo Banco o valor do empréstimo seguro em falta, à data da morte de D…, no montante que resultar da informação a prestar pelo Banco, que de requererá no requerimento da prova; e condenado ainda a pagar aos AA. o montante das prestações e juros moratórios que se vencerem até integral pagamento.”
1.5. A R. em 19/nov./2019 respondeu a este articulado superveniente concluindo pela improcedência do pedido aí formulado.
1.6. Os AA. em 21/nov./2019, mediante convite do tribunal, responderam à matéria da relativa à nulidade do contrato de seguro, considerando que a mesma deve improceder.
1.7. Os AA. 15/mai./2020 apresentaram novo requerimento, o qual terminou do seguinte modo:
“Termos em que requer a alteração do pedido, formulando o pedido, subsidiário, quer relativamente ao pedido principal, quer ao pedido subsidiário formulado no articulado superveniente, de a R., em caso de procedência da excepção invocada quanto à nulidade do contrato, ser condenada a restituir ao A. os montantes dos prémios de seguro pagos à R. pelo mesmo A., durante o período de vigência do contrato, no montante de €16.298,44 ( dezasseis mil, duzentos e noventa e oito euros e quarenta e quatro cêntimos)”.
1.8. A R. respondeu a esta alteração do pedido, sustentando que o mesmo deve ser considerado totalmente improcedente.
2. A A. B… e outros insurgiram-se contra a referida sentença, tendo em 09/dez./2020 interposto recurso, pugnando pela revogação da sentença recorrida, decretando-se e passamos a citar “a procedência da acção, condenando-se a Recorrida nos termos constantes da petição inicial ou dos posteriores pedidos em via subsidiária, declarando-se válido e eficaz o contrato de seguro celebrado entre AA. e Recorrida, devendo esta ser condenada a reconhecer a validade do contrato e a substituir-se aos Recorrentes no pagamento das prestações vencidas após a verificação do evento que acciona o seguro e das prestações vincendas relativas ao contrato de crédito à habitação em causa, com todos os efeitos e consequências legais – ou, caso assim não seja entendido, condenado nos pedidos formulados em via sucessivamente subsidiária, nos requerimentos de alteração do pedido”. Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:
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3. A Ré C… – Companhia de Seguros contra-alegou em 05/fev./2021, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
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3. Admitido o recurso foi o mesmo remetido a esta Relação, onde foi autuado em 19/fev./2021, realizando-se o exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
4. Não existem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do recurso.
5. O objeto do recurso incide sobre o reexame da matéria de facto (a) a validade do contrato de seguro e as suas consequências (b)
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II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Os factos provados da sentença recorrida
“a. Factos Provados
1. No dia 25 de novembro de 2004 os autores subscreveram junto da ré uma Declaração Individual de Adesão, que consubstanciou a celebração entre autores e ré de um acordo de seguro de vida, na modalidade de C…/Seguro Proteção Crédito Habitação, a que correspondeu a apólice nº ……., com início de vigência a 16.12.2004.
2. O acordo foi celebrado no Balcão …, Penafiel, E…, onde foi emitida a respetiva apólice.
3. Resulta da Cláusula Terceira das Condições Gerais da Apólice (que se encontram juntas aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido) que Está abrangida por esta apólice a cobertura do risco de morte ou de invalidez total e definitiva da pessoa segura, se ocorrida durante o prazo definido no respetivo certificado de adesão, salvo disposição em contrário no Certificado Individual de Adesão.
4. Resulta ainda do ponto 3 da referida cláusula que Para efeitos deste contrato entende-se por invalidez total e definitiva toda a situação em que se verifiquem simultaneamente as seguintes condições na Pessoa Segura:
a) Situação irreversível de invalidez provocada por doença ou acidente;
b) Impossibilidade de desenvolver a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos, capacidades ou aptidões;
c) Um grau de invalidez geral de, pelo menos, 75%, determinada com base na Tabela Nacional de Incapacidades e confirmada pelo médico nomeado pela C…,”
5. Por decisão da Junta Médica da ARS Norte, presidida pelo médico, Dr. F…, datada de 23 de Janeiro de 2017, foi atribuída ao A. D… a incapacidade global de 77%, sendo as lesões consideradas de carácter definitivo, encontrando-se o A. reformado por invalidez.
6. Tendo o autor suscitado junto da ré o acionamento do seguro acima identificado, por considerar verificar-se a situação de invalidez prevista na Cláusula 3.2. a ré solicitou, num primeiro momento, pelo ofício Refª 00143851/5.1732, de 27.2.2017, dirigido ao A., o envio de diversa informação clínica, a ser prestada pelo médico de família do mesmo A..
7. Consequentemente, o autor enviou à ré., o documento denominado “Relatório do Médico Família (Assistente)”, datado de 7.2.2017 e subscrito pela médica G…- que se encontra junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Desse relatório consta que a causa principal da invalidez é a circunstância de o autor sofrer de pneumoconiose – silicose, a qual foi diagnosticada em 2002, constando ainda que a data dos primeiros sintomas foi em 1999.
9. Invocando o teor desse documento, a ré enviou ao autor o ofício datado de 10 de Abril de 2017 comunicando ao A. que considera nulo o contrato de seguro celebrado entre ambos, por, “… após análise da documentação que lhe foi entregue, designadamente da Informação Clínica prestada pela médica de Família, Dra. G… (…) veio a apurar que o Sr. D… sofre de Bronquite Asmática desde 1995 e de Pneumoconiose desde 2002, nada tendo, no entanto, o mesmo declarado sobre tais doenças aquando da subscrição do seguro.
10. Por documento datado de 17.2.2017 denominado “Relatórios Médicos”, onde consta o seguinte: “Para os devidos efeitos se declara que D… tem historial de pneumoconiose- trabalhou nas pedreiras desde os 23 anos com diagnóstico preciso de pneumoconiose provavelmente como o colega sabe as queixas começam com dispneia e as consultas de pneumologia começaram em 2008 no CH …, HPA. Só sou médica do paciente desde o dia 01 de abril de 2015 data precisa… como pensionista foi em novembro de 2013 é a data também precisa”
11. Em Maio de 2017, o valor em dívida do empréstimo concedido pelo banco E… aos AA. era de 33.085,32 euros (trinta e três mil e oitenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos).
12. Para efeitos da aceitação da proposta de seguro, e aquando da assinatura da referida Declaração Individual de Adesão, os autores declararam expressamente “…ter respondido com verdade às perguntas constantes desta Declaração Individual de Adesão, tendo perfeito conhecimento que qualquer omissão, resposta inexata ou incompleta que induzam em erro na apreciação do risco, terá como consequência a nulidade da adesão ao contrato, ficando nulas e sem nenhum efeito as garantias contratuais subscritas, qualquer que seja a data em que a C… delas tome conhecimento”
13. Declararam ainda “….ainda ter tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato e que tomei conhecimento das condições
aplicáveis ao contrato (…) com elas concordando inteiramente”
14. Bem como que “Preenchi com o meu punho ou foi preenchido a meu pedido o presente formulário que faz parte integrante da declaração individual de adesão ao seguro, tendo respondido com toda a veracidade e completamente a todas as perguntas nele contidas com perfeito conhecimento de quaisquer omissões, declarações incompletas ou inexatas que possam induzir a C… em erro na apreciação do risco proposto poderão ter como consequência a nulidade da adesão, ficando nulas e sem efeito as garantias contratuais subscritas, qualquer que seja a data em que a C… delas tome conhecimento”.
15. Conforme consta do artigo 2º das Condições Gerais da Apólice, sob a epígrafe “Incontestabilidade” “As declarações prestadas pelo segurado e pela pessoa segura, tanto na Declaração individual de Adesão como nos questionários exigidos, servem de base ao presente contrato, o qual é incontestável após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do estabelecido sobre a nulidade do contrato”
16. Os Autores assinaram, assim, os referidos documentos, com perfeito conhecimento das declarações que haviam proferido ao assiná-los.
17. Os quais, uma vez preenchidos e assinados, foram analisados e apreciados pela Ré, tendo sido por esta aceite celebrar o referido contrato de seguro com base nas informações aí prestadas pelos mesmos.
18. Aquando do preenchimento e assinatura da Declaração Individual de Adesão à apólice e respetivo Questionário Clínico, o Autor, D…, às perguntas sobre se sobre se “Sofre ou sofreu de alguma doença e/ou está a efectuar algum tratamento médico?” e se “Tem ou teve alguma das seguintes doenças ou distúrbios (…) Aparelho respiratório: (…) asma, bronquite crónica, etc. (…) Outras doenças não especificadas.”, respondeu que “Não”.
19. Questionário esse que tinha por finalidade o esclarecimento da Ré sobre o real estado da sua saúde e, consequentemente, possibilitar a correta avaliação do risco a segurar.
20. O autor sofria de Bronquite Asmática desde 1999 e de Pneumoconiose desde 2002.
21. Aquando da subscrição da adesão ao seguro supra referido, o Autor omitiu deliberada e intencionalmente as doenças de que sofria, declarando, precisamente, que não sofria nessa data, ou em data anterior, de qualquer doença.
22. Essas declarações constituíram um falso pressuposto sobre a qual a ora Ré decidiu contratar com a mesma, aceitando em erro a sua inclusão no contrato de seguro de grupo dos autos,
23. O que alterou a apreciação e a aceitação do risco por parte da ora Ré.
24. Se a Ré soubesse da real situação clínica do Autor, preexistente à data da celebração do contrato, não teria, sequer, aceite celebrar o contrato de seguro com o mesmo,
25. Ou, caso, ainda assim, decidisse aceitar celebrar o seguro, seria sempre com condições diferentes das que veio a contratar, designadamente, quanto a exclusões e prémios,
26. Uma vez que, nesse caso (de decidir, ainda assim, contratar o seguro com a mesma), o seguro ficava sempre com causas de exclusão adicionais,
27. Para além de ficar, também, com prémios de seguro mais elevados.
28. O artigo 15.º, n.º 1, das Condições Gerais da Apólice de Seguro de Vida Grupo em causa nos presentes autos, dispõe que “as omissões e as declarações inexactas ou incompletas que, sendo da responsabilidade do Tomador do Seguro, do Segurado ou da Pessoa Segura, alterem a apreciação do risco tornam o contrato nulo, não produzindo, consequentemente, o mesmo, quaisquer efeitos, sem que o Tomador de Seguro ou o Segurado, em caso de má fé, tenham direito a qualquer restituição de prémios”
29. O n.º 2 do mesmo artigo acrescenta que “para efeitos do número anterior, entende-se por má-fé o conhecimento por parte do Tomador do Seguro, do Segurado ou da Pessoa Segura de que as declarações são inexactas ou incompletas” (cfr. doc. 2).
30. O autor faleceu no dia 17 de novembro de 2018.
31. À data da morte do autor o capital em dívida à E… ascendia a € 21.177,77 (vinte e um mil cento e setenta e sete euros e setenta e sete cêntimos).
b. Factos não provados
Com relevância, não resultaram quaisquer factos por provar.
c. Motivação
A convicção do tribunal assentou na generalidade da prova produzida em audiência, designadamente, a prova documental junta aos autos, conjugada com os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em audiência.
Com efeito, os factos atinentes ao contrato celebrado entre as partes e suas cláusulas (pontos 1, 2, 3, 4, 15, 28 e 29 da matéria de facto), assentaram no teor das condições gerais e particulares do mesmo que se encontram juntas com a petição inicial,
sendo que, quanto a este aspeto houve acordo das partes nos articulados.
O facto referente à incapacidade que foi atribuída ao autor resulta do atestado médico de incapacidade multiuso junto como documento nº 2 da petição inicial.
O facto constante do ponto 6 resulta do teor da missiva que a ré enviou ao autor e
que se encontra junta com a petição inicial.
O facto constante dos pontos 7, 8 e 10 referentes aos relatórios elaborados pela Dra. G…, resultou do teor do mesmo que se encontra junto como documento nº 4 da petição inicial, conjugado com o documento nº 8 e bem assim com o depoimento prestado em sede de audiência pela ilustre médica que, pese embora não se
recorde da situação concreta do autor, confirmou a autoria do documento, confirmando que efetivamente o autor consta dos seus registos como seu paciente sendo que o primeiro registo do processo clínico do autor é de 1999 e que o autor sofria de bronquite asmática e hérnia discal. Acrescentou que raramente se assiste em melhorias de bronquite asmática numa pessoa adulta sendo que o facto de não ter frequentado consultas durante alguns anos nada significa. Disse que pese embora não se recorde da situação concreta, a informação que consta dos relatórios que elabora advém ou do processo clínico ou daquilo que lhe é transmitido pelo doente.
O facto constante do ponto 9 (relativo à posição da ré quanto à nulidade do contrato de seguro) teve por base o teor da missiva enviada pela ré ao autor, que se encontra junta como documento nº 5 da petição inicial, sendo certo que no seu articulado
a ré aceitou o envio ao autor.
Os factos constantes dos pontos 11 e 31 assentou no teor dos extratos de conta que se encontra junto como documento nº 9 da petição inicial e referência 5990870..
Os factos constantes dos pontos 12 a 14 e 18 resultam todo teor dos documentos referentes ao preenchimento da Declaração Individual de Adesão que se encontram juntos com a contestação.
A restante factualidade teve por base a conjugação do teor dos documentos juntos aos autos com os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas e ainda pelo recurso às regras da experiência comum e do normal acontecer.
Ora, em primeiro lugar, da prova produzida em audiência não restaram dúvidas que o autor D… omitiu o seu estado de saúde aquando do preenchimento do questionário para a subscrição do seguro em causa nos autos. Na verdade, resulta dos relatórios médicos juntos aos autos, designadamente do relatório elaborado pela Senhora Doutora G… (documentos nº4 e 8 da petição inicial) que o autor sofria de pneumoconiose desde 2002 resultando ainda da informação clínica junta como documento 11 da contestação (elaborada pela ilustre médica) que existe quadro de bronquite asmática desde 1999. Como já referimos, a médica em causa confirmou o teor desses documentos em sede de audiência. Por outro lado, no documento junto pelo Centro de Saúde … sob a referência 5995718, é igualmente referido um quadro de bronquite asmática desde 1999, sendo que no relatório de uma consulta de 2001 é feita alusão ao facto de o autor referir padecer de bronquite asmática desde 1999. Mostrou-se igualmente relevante o depoimento prestado pelo Exmo. Sr. Doutor H…, médico cardiologista e diretor clínico da I… desde 2005/2006 que, de forma clara e esclarecedora descreveu pormenorizadamente os problemas de saúde de que o autor padecia classificando-as como “patologias clínicas altamente invalidantes”, com risco de morte e invalidez acrescido. Explicou igualmente com pormenor a razão pela qual as informações prestadas à companhia de seguros são tão relevantes e que, caso houvesse indicação das doenças de que autor padecia à data da subscrição do contrato de seguro, pelo menos quanto à componente morte a taxa seria agravada sendo a de invalidez integralmente recusada.
Acrescentou ainda que, caso informasse que padecida de pneumoconiose, o seguro seria recusado. O seu depoimento foi ainda absolutamente esclarecedor quanto à qualificação da bronquite asmática como doença crónica.
Também a testemunha J…, profissional de seguros e funcionária da ré desde 2004, prestou depoimento claro, escorreito e objetivo. Descreveu a forma como se desenrolou a subscrição do seguro em causa nos autos concluindo que, no mínimo, caso fossem prestadas as informações reais quanto ao estado de saúde do autor, o seguro não teria as mesmas condições.
Conjugando todos estes elementos de prova, não restam dúvidas que o autor omitiu informações relevantes quanto ao seu estado de saúde, sabendo que as suas declarações não correspondiam à verdade e, nessa medida, levou a ré a contratar em condições que nunca ocorreriam e que seriam certamente mais desvantajosas para o segurado caso tivesse sido prestada a informação verdadeira.
Os depoimentos das restantes testemunhas arroladas pelos autores nada acrescentaram à prova produzida, não se mostrando suficientes para abalar a credibilidade das já identificadas testemunhas quer quanto ao conhecimento por parte do autor das patologias de que padecia quer quanto à circunstância de as omissões constantes do questionário terem influído definitivamente na decisão de contratar. Neste aspeto, cumpre dizer que a testemunha K…, cofrador e vizinho dos autores há 40 (quarenta) anos explicou que o falecido autor D… era pedreiro de profissão e que sempre o viu trabalhar tendo o seu estado de saúde piorado nos últimos quatro anos. Já a testemunha L…, construtor civil e ex-patrão de D…, disse que este iniciou funções na sua empresa no decurso do ano 2005 e que na altura foi realizado um exame médico não tendo sido detetado qualquer problema, sendo que o autor nunca lhe transmitiu que sofria de bronquite asmática. Contudo, o facto de o autor padecer de uma doença crónica, não lhe confere logo algum grau de incapacidade para o trabalho pelo que o facto de continuar a trabalhar e ser um bom trabalhador, nada conflitua com o padecer de uma doença como a bronquite asmática ou pneumoconiose.
De resto, a informação de que o autor foi submetido a exame médico e não foi detetado qualquer problema é em tudo contraditória com a informação que resulta dos documentos juntos autos.”
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2. Fundamentos do recurso
a) O reexame da matéria de facto
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121 – NCPC) estabelece no seu artigo 640.º, n.º 1 que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. Acrescenta-se no seu n.º 2 que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Nesta conformidade e para se proceder ao reexame da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente: (i) indicar os factos impugnados; (ii) a prova de que se pretende fazer valer; (iii) identificar o vício do julgamento de facto, o qual se encontra expresso na motivação probatória. Nesta última vertente assume particular relevância afastar a prova ou o sentido conferido pelo tribunal recorrido, demonstrando que o julgamento dos factos foi errado, devendo o mesmo ser substituído por outros juízos, alicerçados pela prova indicada pelo recorrente.
Assim, tal reexame passa, em primeiro lugar, pela reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (recurso de apelação limitada). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia, possibilitando-se o seu conhecimento pela Relação, que formará a sua própria convicção sobre a factualidade impugnada (Acs. STJ de 04/mai./2010, Cons. Paulo Sá; 14/fev./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt). Porém, fica sempre em aberto, quando tal for admissível, a possibilidade do tribunal de recurso, designadamente por sua iniciativa e perante o mesmo, renovar ou produzir novos meios de prova (662.º, n.º 2, al. a) e b) NCPC), alargando estes para o reexame da factualidade impugnada (recurso de apelação ampliada). Mas em ambas as situações, sob pena de excesso de pronúncia e de nulidade do acórdão (666.º, 615.º, n.º 1, al. d) parte final), o tribunal de recurso continua a estar vinculado ao ónus de alegação das partes (5.º) e ao ónus de alegação recursiva (640.º) – de acordo com a primeira consideram-se como não escritos o excesso de factos que venham a ser fixados, face à segunda o tribunal superior não conhece de questões não suscitadas, salvo se for de conhecimento oficioso (Ac. STJ de 11/dez./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt).
Por sua vez, estipula-se no artigo 607.º, n.º 5 que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. A estes últimos condicionantes legais de prova, seja os de natureza substantiva elencados no Código Civil, seja adjetiva enunciados na mesma lei do processo civil (410.º - 422.º; 444.º - 446.º; 463.º; 446.º, 489.º, 490.º, 516.º NCPC), com destaque para a prova ilícita (417.º, n.º 3 NCPC), acrescem e têm primazia aqueles outros condicionantes resultantes dos direitos humanos e constitucionais, os quais têm desde logo expressão no princípio a um processo justo e equitativo (20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH; n.º 14.º, n.º 1 PIDCP; 6.º, n.º 1 CEDH; 47.º § 2 CDFUE). Nesta conformidade, podemos assentar que o regime da legalidade da prova, enquanto “imperativo de integridade judiciária”, tanto versa sobre os meios de prova, que correspondem aos elementos que servem para formar a convicção judicial dos factos submetidos a julgamento, como sobre os meios de obtenção de prova, que são os instrumentos legais para recolha de prova. Tal regime acaba por comprimir o princípio da livre apreciação da prova, estabelecendo as correspondentes proibições de produção ou valoração de prova. Por tudo isto, o princípio da livre apreciação das provas é constitucional e legalmente vinculado, não tendo carácter arbitrário, nem se circunscrevendo a meras impressões criadas no espírito do julgador. O mesmo está desde logo sujeito aos princípios estruturantes do processo justo e equitativo (a) – como seja o da legalidade das provas –, como ainda condicionado pelos critérios legais que disciplinam a sua instrução (b), estando, por isso, submetido às regras da experiência e da lógica comum (i), e nalguns casos expressamente previstos (v.g. 364.º exigência legal de documentos escrito) subtraído a esse juízo de livre convicção (ii), sendo imprescindível que esse julgamento de factos, incluindo a sua análise crítica, seja motivado (c).
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Os AA. recorrentes impugnam a factualidade provada mediante os itens 8, 16, 20 a 27, que passamos a transcrever:
8. Desse relatório consta que a causa principal da invalidez é a circunstância de o autor sofrer de pneumoconiose – silicose, a qual foi diagnosticada em 2002, constando ainda que a data dos primeiros sintomas foi em 1999.
16. Os Autores assinaram, assim, os referidos documentos, com perfeito conhecimento das declarações que haviam proferido ao assiná-los.
20. O autor sofria de Bronquite Asmática desde 1999 e de Pneumoconiose desde 2002.
21. Aquando da subscrição da adesão ao seguro supra referido, o Autor omitiu deliberada e intencionalmente as doenças de que sofria, declarando, precisamente, que não sofria nessa data, ou em data anterior, de qualquer doença.
22. Essas declarações constituíram um falso pressuposto sobre a qual a ora Ré decidiu contratar com a mesma, aceitando em erro a sua inclusão no contrato de seguro de grupo dos autos,
23. O que alterou a apreciação e a aceitação do risco por parte da ora Ré.
24. Se a Ré soubesse da real situação clínica do Autor, preexistente à data da celebração do contrato, não teria, sequer, aceite celebrar o contrato de seguro com o mesmo,
25. Ou, caso, ainda assim, decidisse aceitar celebrar o seguro, seria sempre com condições diferentes das que veio a contratar, designadamente, quanto a exclusões e prémios,
26. Uma vez que, nesse caso (de decidir, ainda assim, contratar o seguro com a mesma), o seguro ficava sempre com causas de exclusão adicionais,
27. Para além de ficar, também, com prémios de seguro mais elevados.
Sustentam a impugnação desta matéria de facto tomando por referência o depoimento da testemunha G…, médica de família do A. entretanto falecido, em virtude de esta apenas ter assumido essas funções no Centro de Saúde …, a partir de 2015, sendo ainda o seu depoimento incongruente e contraditório. Muito embora não faça qualquer referência nas suas conclusões, sustenta no corpo das suas alegações de recurso que a testemunha H…, médico e diretor clínico da R. Companhia de Seguros, nunca assistiu o A. falecido. Por outro lado, valora o depoimento da testemunha L…, antigo patrão daquele A. na referida pedreira. A questão que se coloca, não é tanto o conhecimento que aquelas duas primeiras testemunhas têm mediante observação clínica de D… no ano de 2004, pois tal nunca aconteceu, ou a impressão que a testemunha L…, seu antigo patrão, tinha sobre o estado de saúde do seu então empregado D…, porquanto aquele não tem conhecimentos médicos para validar qualquer impressão clínica. O que está em causa é a valoração a dar aos elementos clínicos que foram junto aos autos, mais precisamente ao relatório clínico elaborado por aquela médica de família do falecido Autor elaborado em 07/fev./2017 (doc. 4 junto com a p.i.; doc. 10 junto com a contestação), a designada “Informação Clínica para Seguradoras” datada de 27/fev./2017, que vem do ACES da ARSNorte – USC …, assim como uma folha de consulta do seu processo clínico respeitante a 23/fev./1999, que foi junta aos autos em 20/dez./2019. Desta última consta precisamente que o falecido Autor tinha queixas de bronquite asmática desde 1999 e nos demais documentos é corroborado este registo clínico e acrescentado que o mesmo sofria de pneumoconiose desde 2002.
A propósito convém ter em atenção, de acordo com a Lei n.º 12/2005, de 26/jan. (DR I-A, n.º 18), mais precisamente com o seu artigo 1.º, que “a informação de saúde abrange todo o tipo de informação directa ou indirectamente ligada à saúde, presente ou futura, de uma pessoa, quer se encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica e familiar”. Mais adiante no artigo 3.º, n.º 1 consagra-se que “A informação de saúde, incluindo os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos, é propriedade da pessoa, sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação, a qual não pode ser utilizada para outros fins que não os da prestação de cuidados e a investigação em saúde e outros estabelecidos pela lei” – sendo nosso o negrito. No subsequente n.º 2 estipula-se que “O titular da informação de saúde tem o direito de, querendo, tomar conhecimento de todo o processo clínico que lhe diga respeito, salvo circunstâncias excepcionais devidamente justificadas e em que seja inequivocamente demonstrado que isso lhe possa ser prejudicial, ou de o fazer comunicar a quem seja por si indicado”. Mais se explicita no n.º 3 que “O acesso à informação de saúde por parte do seu titular, ou de terceiros com o seu consentimento, é feito através de médico, com habilitação própria, escolhido pelo titular da informação”. Por sua vez e relativamente à informação médica preceitua-se no artigo 5.º, n.º 3 “Cada processo clínico deve conter toda a informação médica disponível que diga respeito à pessoa, ressalvada a restrição imposta pelo artigo seguinte”, aditando-se no n.º 4 que “A informação médica é inscrita no processo clínico pelo médico que tenha assistido a pessoa ou, sob a supervisão daquele, informatizada por outro profissional igualmente sujeito ao dever de sigilo, no âmbito das competências específicas de cada profissão e dentro do respeito pelas respectivas normas deontológicas”.
Tratando-se os processos clínicos de documentos particulares os mesmos gozam da força probatória inscrita 376.º do Código Civil. Assim, esta Relação parte do princípio de que os registos clínicos assinalados no processo clínico foram realizados pelo médico que observou o falecido D…. E cada vez que o mesmo foi observado, nas distintas datas, foram assinaladas as correspondentes observações clínicas, nada havendo de contraditório como foi apontado pelos recorrentes. E o que podemos de seguida constatar é que o falecido D… ao responder ao questionário clínico datado de 03/dez./2004, preencheu um x no espaço do “sim” no quesito “Goza de boa saúde” (doc 2 da contestação), omitindo as suas queixas que foram registadas em 1999 no seu processo clínico e pelo médico que o observou em 1999 como sendo bronquite asmática. E também ocultou que desde 2002 sofria de pneumoconiose.
Nesta conformidade, será de manter como provados os factos provados que foram recursivamente impugnados.
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b) A validade do contrato de seguro e as suas consequências
Os contratos de seguro celebrados antes da vigência do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/abr., DR I, n.º 75, de 16/abr. – RJCS), ocorrida no dia 1/jan./2009 (artigo 7.º) continuam a ser essencialmente regulamentados pelo Código Comercial (Carta de Lei de 28/jun./1888 – C. Com.), mais precisamente pelos revogados artigos 425.º a 462.º. Para o efeito estipula-se no artigo 2.º, n.º 1 desse Decreto-Lei n.º 72/2008, que “O disposto no regime jurídico do contrato de seguro aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes”.
Assim e de acordo com o artigo 429.º do C. Com., respeitante à nulidade do seguro por inexactidões ou omissões, “Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo”, acrescentando-se no seu § único que “Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio.”
Por sua vez, a jurisprudência do STJ tem vindo desde há longo tempo a considerar que “a declaração inexacta ou reticente a que se refere o art. 429.º do Código Comercial diz respeito a factos ou circunstâncias que sejam conhecidas do segurado ou de quem fez o seguro e que, a terem sido conhecidas do segurador, o levariam a não contratar ou a contratar em condições diferentes. Para este efeito desinteressa conhecer da intenção do segurado, da sua actuação de boa ou má fé, pois o que se exige é que as suas declarações revistam aquela inexactidão ou reticência que influam sobre a existência ou condições do contrato” (Ac. STJ de 14/abr./1999, CJ (S) II/258). E também tem prescindindo da existência de um nexo de causalidade entre declaração inexata ou reticente e a celebração do contrato de seguro – neste sentido Ac. STJ de 17/out./2006 (Cons. Urbano Dias), 24/abr./2007 (Cons. Alves Velho). E este posicionamento que prescinde do nexo de causalidade tem sido sufragado nesta Relação, de que é exemplo mais recente o Ac. do TRP de 08/out./2020 (Des. Carlos Portela, que este Relator e 1.º adjunto igualmente subscreveram). Mas não se trata de qualquer declaração, porquanto, como se refere no Ac. TRP de 06/nov./2007 (Des. Guerra Banha) apenas “Constituem motivo de anulabilidade do contrato de seguro as omissões e declarações inexactas que, objectivamente analisadas por um declaratário normal colocado na posição da seguradora (o declaratário real), sejam essenciais para a apreciação do risco por parte desta, sendo susceptíveis de determinar uma diferente decisão por parte da seguradora relativamente à proposta que lhe foi apresentada” – neste sentido e mais recentemente o Ac. TRP de 08/mar./2019 (Des. Madeira Pinto, igualmente subscrito pelo presente Relator). Mais acresce que apesar da referência à nulidade no artigo 429.º do C. Com., tem sido sustentado de modo predominantemente a necessidade de uma interpretação corretiva e teleológica deste normativo, de modo a considerar que o vício existente é conducente à anulabilidade – neste sentido o Ac. STJ de 17/out./2006 (Cons. Urbano Dias), 27/mai./2008 (Cons. Moreira Camilo), 08/jun./2010 (Cons. Barreto Nunes).
Numa síntese destes posicionamentos o Ac. STJ de 11/nov./2020 (Cons. Rosa Tching) considerou que “A sanção da anulabilidade do contrato de seguro contemplada no artigo 429.º, do Código Comercial, constitui um afloramento do erro vício que atinge os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, previsto nos artigos 251º e 247º, ambos do Código Civil, sendo seus pressupostos de verificação: i) que o segurado tenha prestado declarações inexatas, não conformes com a realidade, ou reticentes, isto é, que omitem factos com interesse para a formação da vontade contratual da outra parte; ii) que essas declarações respeitem a factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro no momento da subscrição da proposta de seguro; iii) e sejam suscetíveis de influenciar a seguradora na decisão de contratar”. “Daí recair sobre a seguradora apenas e tão só o ónus da prova da verificação destes pressupostos da anulabilidade do contrato de seguro em causa, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, não se exigindo a prova do carácter doloso das declarações inexatas ou reticentes e/ou de que essas declarações influíram, efetivamente, sobre a celebração ou condições contratuais fixadas, do nexo de causalidade entre a informação inexata ou omitida e a verificação do risco coberto pelo contrato de seguro nem da verificação deste risco”. Pelo que “Imprescindível à declaração desta anulabilidade é tão somente a existência de uma declaração inexata ou reticente que seja suscetível de influenciar a seguradora na sua decisão de contratar, irrelevando, por isso, que exista, ou não, nexo causal entre a doença omitida nas declarações prestadas pelo segurado na proposta de seguro e a que efetivamente se revelou letal ou determinante da invalidez total e permanente”.
E o Tribunal Constitucional, ainda que relativamente à aplicação do disposto no artigo 429.º C. Com. aos seguros de acidente de trabalho, aceitou a legitimidade constitucional daquele normativo, considerando que “A exacta determinação do risco constitui um aspecto fundamental da disciplina do contrato de seguro, uma vez que o montante do prémio a pagar pelo segurado é fixado em relação ao risco e que uma exacta determinação do risco por parte do segurador é susceptível de se repercutir na gestão da empresa e na possibilidade de proporcionar à generalidade dos segurados a garantia e a segurança pretendidos. Daí que, em diversas ordens jurídicas, a lei estabeleça para o segurado o ónus de, no momento da formação do contrato, comunicar ao segurador todas as circunstâncias conhecidas que possam ter influência na determinação do risco e determine as consequências, quanto à validade ou eficácia do contrato, da inobservância de tal ónus pelo segurado”. Por isso “A norma do artigo 429.º do Código Comercial tem, portanto, como objectivo dar concretização a esta necessidade de determinar com exactidão o risco do contrato de seguro” (TC n.º 524/99, DR II, n.º 65).
Por último, uma referência aos “questionários de saúde” pré-elaborados, aos quais se responde preliminarmente à celebração de um contrato de seguro. A jurisprudência tem sido persistente em posicionar-se no sentido de que tais questionários de saúde” pré-elaborados não correspondem a cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas em contratos de adesão – neste sentido o Acs. STJ de 06/jul./2011 (Cons. Alves Velho), 14/fev./2017 (Cons. Garcia Calejo); Ac. TRP de 24/mai./2011 (Des. Sílvia Pires); Ac. TRC de 02/jul./2013 (Des. Maria José Guerra); Ac. TRL de 01/fev./2018 (Des. Maria José Mouro). E isto porque apenas são previamente elaboradas pela Seguradora as perguntas, cabendo sempre ao segurado responder às mesmas, de modo livre e consciente, ou seja, na expressão da sua livre vontade.
Como se pode simplesmente constatar do disposto no artigo 429.º, § 1.º do C. Com., a pretensão dos AA. em receberem o valor dos prémios até agora pagos é manifestamente contra legem, não sendo aplicável o disposto no artigo 289º, 1 do Código Civil. Por outro lado, as demais questões por si suscitadas quanto à matéria de direito, designadamente a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais aos questionários de saúde pré-elaborados e a inexistência de má-fé, esbarra com a jurisprudência anteriormente assinalada ou então com os factos provados (itens 18.º a 27.º). Nesta conformidade, improcede o presente recurso.
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Na improcedência do recurso, as suas custas ficam a cargo dos AA. – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pelos AA. B… e outros e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas desde recurso a cargo dos AA. recorrentes.

Notifique.

Porto, 15 de abril de 2021
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço