Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1245/18.2T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL PAGÁVEIS COM JUROS
PRESCRIÇÃO
JUROS MORATÓRIOS
SOCIEDADE COMERCIAL
CAPACIDADE DE GOZO DAS SOCIEDADES
FINALIDADE LUCRATIVA DA SOCIEDADE COMERCIAL
Nº do Documento: RP202211281245/18.2T8PVZ.P1
Data do Acordão: 11/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇAO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Às prestações fracionadas de capital e juros é aplicável o prazo prescricional da alínea e) do artigo 310º do Código Civil e isso mesmo nos casos de vencimento antecipado das prestações acordadas, iniciando-se neste caso o prazo prescricional no momento em que se verifica o vencimento antecipado.
II - Prescrita a obrigação de pagamento do capital e dos juros remuneratórios em prestações em certa data e extinta por tal facto essa obrigação civil (veja-se o nº 1, do artigo 304º do Código Civil), a obrigação de juros de mora, enquanto obrigação acessória e com prazo de prescrição similar ao da obrigação principal a que respeita, deixa também de poder operar a partir de então.
III - A sociedade comercial tem por objeto a prática de atos comerciais, sendo o seu fim o lucro.
IV - A capacidade de gozo de uma sociedade comercial, tal como a de qualquer pessoa coletiva em geral, compreende todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim (vejam-se o nº 1 do artigo 6º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais e o nº 1 do artigo 160º do Código Civil).
V - Ao contrário do que sucede com as pessoas humanas, a capacidade de gozo das entidades ideais tais como as pessoas coletivas em geral e as sociedades comerciais, em particular, é finalisticamente limitada.
VI - Por não ter qualquer contrapartida para a ré sociedade, constitui um ato gratuito a sua vinculação ao pagamento à primitiva autora das obrigações pecuniárias assumidas por esta perante a entidade bancária que lhe mutuou o capital de sessenta mil euros.
VII - Não sendo esse ato necessário ou conveniente ao fim lucrativo da sociedade ré, nem se mostrando um ato usual, segundo as circunstâncias da época e as condições da sociedade ré, enferma o mesmo de nulidade por violação do disposto no nº 1 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1245/18.2T8PVZ.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1245/18.2T8PVZ.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
Em 05 de julho de 2018, no Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim, AA instaurou a presente ação declarativa sob forma comum, contra E..., Lda pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €29.235,54 (vinte e nove mil duzentos e trinta e cinco euros e cinquenta e quatro cents), acrescida dos juros de mora, calculados sobre o referido valor em dívida, vencidos e vincendos, à taxa anual convencionada de 10%, até integral pagamento, sendo os juros vencidos relativos aos últimos cinco anos no valor de €14.617,75 (catorze mil seiscentos e dezassete euros e setenta e cinco cents).
Para fundamentar a sua pretensão a autora alegou, em síntese, ter comprado em 04 de junho de 2003 a BB, casado no regime da separação de bens com CC e a DD e mulher EE, pelo preço de setenta e cinco mil euros, a fração autónoma “CA” correspondente ao nono andar, lado sul-nascente, para habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal situado na Avenida ... e Travessa ..., na Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o número ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...; para proceder à referida aquisição, solicitou ao Banco 1..., S.A. um empréstimo no valor de €60.000,00 (sessenta mil euros), valor a reembolsar em cento e quarenta e quatro meses; por documento outorgado em 5 de junho de 2003, denominado de “contrato de moratória e assunção de dívida”, a ré, representada por FF e GG obrigou-se a pagar a dívida contraída pela autora ao Banco 1..., no valor de €60.000,00 (sessenta mil euros), obrigando-se a pagar o montante da prestação mensal, juros e outras despesas respeitantes ao empréstimo, até ao dia quinze de cada mês e mediante depósito na conta da autora com o nº ..., da agência sita na Praça ..., na Póvoa de Varzim; porém, a partir de setembro de 2010, a ré deixou de pagar o valor correspondente à prestação mensal do referido crédito e respetivas despesas, pelo que a autora viu-se obrigada a pagar ao Banco 1... a totalidade do restante valor em dívida correspondente às prestações mensais e respetivas despesas associadas ao referido empréstimo, no valor global de €29.235,54 (vinte e nove mil duzentos e trinta e cinco euros e cinquenta e quatro cents); nos termos da cláusula terceira do contrato de moratória e assunção de dívida subscrito pelas partes, a “falta de pagamento, no respectivo vencimento, de duas prestações seguidas, bem como a falta reiterada de prestações ou a falta de pagamento de despesas relativas à hipoteca objecto deste contrato, implica: a) O vencimento imediato de todas as restantes prestações; b) A exigibilidade, por parte da primeira outorgante, de juros moratórios a partir da entrada em mora, calculados a uma taxa de 10%.”
Citada, a ré apresentou contestação na qual invocou a exceção de prescrição do direito da autora, nos termos previstos no artigo 310º, do Código Civil, por ter sido citada em 30/08/2018 e aquela reclamar o pagamento de prestações mensais alegadamente vencidas entre 15/09/2010 e 21/02/2013, referindo ainda que o regime legal decorrente do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais proíbe as sociedades comerciais de assumirem dívidas de terceiros ou mesmo de sócios, mostrando-se excluídos da capacidade de gozo das sociedades comerciais os atos gratuitos, ao que acresce que de acordo com o artigo 6º do contrato de sociedade da contestante, os atos de contração de empréstimos que saiam fora do âmbito da normal atividade social, carecem de autorização da assembleia geral, sendo por isso nula a alegada assunção de qualquer dívida e o alegado “contrato de moratória e assunção de dívida”, por não terem sido aprovados em assembleia geral da ré, contrariamente ao estabelecido no contrato de sociedade da ré; atendendo às ligações familiares que a autora tem com os sócios da ré, sua mãe, tios e primos, a mesma não pode ser considerada como um terceiro de boa-fé; além disso, nada se dizendo sobre a causa que teria levado a ré a assumir o pagamento da dívida contraída pela autora junto do Banco 1..., qualquer pagamento efetuado pela ré à autora, constituiria um enriquecimento sem causa; em sede de impugnação, a ré alegou que o “contrato de moratória e assunção de dívida” não foi feito na data nele aposta, mas numa altura em que FF e GG já não eram gerentes da ré, pelo que não dispunham de poderes para vincular a sociedade; de acordo com o vertido no clausulado do suposto contrato, os alegados vendedores nunca receberam o preço devido pelo comprador, decorrendo de tal alegado contrato que a GG e o marido HH, o BB e os seus pais e a autora nunca pretenderam realizar qualquer negócio que tivesse por objeto a compra e venda da fração autónoma “CA”, o que configura um negócio simulado; ainda que dinheiro tivesse sido mesmo emprestado à ré, o único negócio válido seria o dissimulado, ou seja, os suprimentos prestados pela sócia GG, sujeitos ao regime da simulação relativa, o que origina a ilegitimidade da autora, por não ser titular da relação material controvertida e a incompetência do Tribunal em razão da matéria, por uma hipotética restituição de suprimentos à sócia GG se tratar do exercício de um direito social, cuja apreciação cabe ao Tribunal do Comércio; tendo a quantia mutuada sido entregue à ré, o contrato de empréstimo realizado entre a autora e o Banco 1... é nulo por ter sido celebrado contra a lei, conforme estatui o artigo 294º, do Código Civil, por violação do disposto no Regime Geral de Crédito à Habitação, instituído pelo decreto-lei nº 349/98 de 11 de novembro, concluindo pela total improcedência da ação.
Notificada para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de exceção invocada pela ré, a autora veio sustentar que a questão da prescrição invocada pela ré apenas se verificaria se o direito de crédito da autora resultasse de uma obrigação de prestação periódica renovável, o que não sucede, já que a obrigação a cujo pagamento a ré se obrigou perante a autora é uma obrigação unitária, mas de prestação fracionada, pelo que é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos; por outro lado, a ré não alega factos concretos que, se provados, possam conduzir à conclusão da inexistência de interesse da sociedade na assunção da dívida em causa nos presentes autos; e existiu por parte da ré interesse na assunção da dívida em causa perante a autora, na medida em que parte de tal quantia (€28.000,00) lhe foi entregue e o remanescente foi utilizado para o pagamento de despesas (designadamente o distrate de hipoteca), no interesse da ré; além disso, a autora não é, nem nunca foi sócia nem desempenhou qualquer cargo societário na ré, pelo que desconhece, sem que tenha obrigação de conhecer, quer o teor do contrato de sociedade da ré, quer as eventuais deliberações que tenham sido tomadas por esta ou pelos seus gerentes, bem como se os demais sócios e/ou gerentes tinham ou não conhecimento do contrato celebrado com a autora; mesmo que tal assunção de dívida fosse proibida pelo contrato social da ré ou por qualquer deliberação tomada pelos sócios da mesma, tal em nada afetaria a validade do contrato celebrado com a autora, podendo, tão-só, fazer incorrer os gerentes que representaram a ré em tal contrato, em responsabilidade perante esta, concluindo, por isso, pela falta de fundamento para a nulidade do contrato celebrado entre a autora e a ré; além disso, porque a obrigação de pagamento por parte da ré resulta do contrato, não se verifica qualquer enriquecimento sem causa; como a ré é a titular da relação material controvertida, tal como ela a configura, improcede a exceção da ilegitimidade ativa; finalmente, no que respeita à exceção da incompetência material, a competência do tribunal fixa-se no momento da propositura da ação e não pode ser aferida (ou alterada) com base numa hipotética matéria a apurar em sede de julgamento da causa, razão pela qual também improcede esta exceção.
Designou-se dia para realização de tentativa de conciliação, frustrando-se a conciliação entre as partes.
A ré foi convidada a concretizar a data de celebração do contrato alegado no artigo 46º da sua contestação[2], convite a que respondeu, referindo que o contrato foi celebrado entre 30 de setembro de 2006 e 14 de fevereiro de 2011, concretização que foi impugnada pela autora.
Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, tendo sido julgadas improcedentes as exceções dilatórias de incompetência material e de ilegitimidade ativa, relegou-se para final o conhecimento da exceção de prescrição, fixou-se o valor da causa no montante de €43.853,29, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, requerendo a ré a produção de prova pericial, sendo proferida decisão sobre os requerimentos probatórios das partes.
A autora faleceu em .../.../2019, declarando-se suspensa a instância por despacho proferido em 12 de setembro de 2019.
Por sentença de 02 de julho de 2020 foi julgada habilitada para prosseguir na causa como sucessora da falecida autora AA, GG.
Realizou-se se a perícia requerida pela ré e após a obtenção de alguns documentos bancários realizou-se a audiência final em duas sessões.
Em 17 de dezembro de 2021 foi proferida sentença[3] que julgou procedente a exceção de prescrição arguida pela ré, absolvendo esta do pedido.
Em 15 de fevereiro de 2022, inconformada com a sentença, GG interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) A recorrente considera que foi incorrectamente julgado e, em consequência, indevidamente considerado não provado o ponto 4 da sentença.
B) Bem como que deve ser aditada ao elenco dos factos provados, a matéria de facto alegada pela autora no art. 5º da petição inicial.
C) No que respeita ao ponto 4 dos factos não provados, quer a prova documental quer a testemunhal impunham inequivocamente a consideração de tal facto como provado.
D) O referido contrato foi celebrado, em representação da ré, pelos seus gerentes à data, FF e GG, com poderes para obrigar a mesma (cfr. pontos 3 e 6 dos factos provados).
E) O teor do contrato subscrito pelas partes, que foi dado como provado, subscrito pelos gerentes da recorrida, com poderes para a representar, em conjugação com os depoimentos prestados pelas testemunhas, cujos excertos se encontram acima transcritos, sendo que um deles, FF, foi um dos próprios subscritos do referido contrato, em representação da recorrida, com perfeito conhecimento directo dos factos em causa, cujo depoimento foi integralmente corroborado pela testemunha, II, que à data era funcionária da recorrida e que igualmente revelou conhecimento directo dos factos, constituem prova irrefutável quer da utilização em proveito exclusivo da recorrida quanto ao valor do empréstimo de 60 mil euros obtido pela autora junto do Banco 1..., bem como da forma como tal montante foi utilizado, ou seja, 28.000 euros foi entregue à recorrida e o remanescente foi utilizado pela recorrida para o pagamento de despesas (designadamente escritura e impostos) e distrate da hipoteca anterior que pendia sobre a fracção.
F) Acresce que, nenhuma prova em contrário foi produzida pela recorrida!
G) Isto posto, é inequívoco que o ponto 4 do rol dos factos não provados tem de ser considerado provado.
H) No que respeita à matéria de facto alegada pela autora no art. 5º da petição inicial, relativo à falta de pagamento pela recorrida, a partir de Setembro de 2010, do valor correspondente à prestação mensal do crédito e respectivas despesas, tratando-se de uma obrigação pecuniária contratualmente estipulada a favor da autora, a esta, na qualidade de credora, incumbia apenas demonstrar o seu direito (facto constitutivo – artigo 342.º, n.º 1. do Código Civil), enquanto que à recorrida – devedora – incumbia provar o pagamento, enquanto facto extintivo da obrigação (artigo 342.º, n.º 2, do CC), recaindo sobre si uma dupla presunção: a de que não pagou e a presunção de culpa de tal falta de pagamento (cumprimento) – cf. Artigo 799.º, n.os 1 e 2, do CC.
I) Donde decorre que, tendo a recorrente demonstrado o seu direito e não tendo a recorrida feito qualquer prova do cumprimento de tal obrigação, em face das regras supra referidas, deveria ter sido considerado provada a matéria de facto alegada pela autora no art. 5º da petição inicial.
J) A previsão normativa da alínea e) do art. 310º do CC abrange as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma de capital e, outra, de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente.
K) No caso em apreço, o direito de crédito de que a recorrente é titular relativamente à recorrida, não resulta de qualquer obrigação pecuniária decorrente de um plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma de capital e, outra, de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente.
L) Essa é a natureza da obrigação resultante do contrato de mútuo com hipoteca outorgado entre a autora e o Banco 1..., mas já não da obrigação assumida pela recorrida perante a autora no âmbito do contrato denominado de moratória com assunção de dívida, celebrado entre as partes em 5 de Junho de 2003.
M) Com efeito, no âmbito deste último contrato não resultava para a recorrida qualquer obrigação de pagamento de juros à autora, mas apenas o reembolso da quantia que a autora entregou à recorrida, de acordo com o plano de pagamento que aquela ficou contratualmente obrigada a cumprir relativamente à entidade bancária em causa.
N) Isto é, a recorrida não ficou obrigada a pagar à autora quaisquer juros a favor desta, mas apenas, como se disse, o valor exacto que esta tivesse de pagar ao banco (esse sim, credor de juros em conjunto com a amortização do capital mutuado), de acordo com o plano de amortização da dívida estipulado.
O) Donde resulta que, neste caso, não constituindo a obrigação de pagamento contratualmente assumida pela recorrida relativamente à autora uma obrigação pecuniária a ser amortizada com juros, não é aplicável ao caso sub judice o disposto no art. 310º, al. e) do CC mas antes o prazo de prescrição ordinária de 20 anos, previsto no art. 309º do CC.
P) De igual modo, no que respeita à obrigação de juros decorrentes do incumprimento da recorrida, nos termos previstos na cláusula 3ª do denominado “contrato de moratória e assunção de dívida”, tal obrigação apenas se encontra prescrita no que respeita aos juros que se tiverem vencido há mais de 5 anos contados dos cinco dias posteriores a propositura da presente acção (art. 323º, nº 2 do CC), sendo, portanto, exigível quanto aos últimos 5 anos.
Q) Sem prescindir do supra exposto, sempre se dirá que, ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, tendo a recorrida deixado de pagar, a partir de Setembro de 2010, o valor correspondente às prestações mensais devidas pela autora ao Banco 1..., venceram-se todas as restantes prestações até final do prazo (cfr. cláusula 3ª do contrato de fls. 13 e 14).
R) Pelo que a dívida que aqui se peticiona não corresponde à soma de cada uma das restantes prestações, mas, sim, a totalidade do capital em dívida à data do incumprimento, e que a autora se viu obrigada a liquidar à referida entidade bancaria.
S) Com efeito, a autora, socorrendo-se do contratualmente acordado com a recorrida, conforme supra exposto, e em conformidade com o disposto no artigo 781º do CC, e face ao não cumprimento desta, considerou vencidas todas as restantes prestações, com a obrigatoriedade de pagamento imediato de todas as prestações em falta acrescidas de juros de mora à taxa de 10%.
T) Ora, o vencimento imediato das prestações restantes, significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações: desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros.
U) Desfeita a ligação anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional: os juros que se forem vencendo prescreverão no prazo de cinco anos, e o capital, no valor de 29.235,54€, encontrar-se-á sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
V) Concluindo, apenas os juros se encontram sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos.
W) A sentença a quo violou, entre outras, a normas dos artigos 309º e 781º do Código Civil.
E..., Lda ofereceu contra-alegações que terminou com as seguintes conclusões:
1. Em primeiro lugar, diga-se desde já que a douta sentença impugnada não é merecedora de qualquer censura.
2. Assim sendo, a resposta à matéria de facto não deve ser objecto de qualquer alteração ou censura.
3. Sendo que a Recorrente não cumpriu os ónus impostos pelo artigo 640º, do CPC, injunção determinante para que se possa apreciar em sede de recurso o julgamento respeitante à matéria de facto.
4. Acresce que, mesmo que assim não fosse, a verdade é que incumbia à Recorrente provar os factos constitutivos do direito alegado.
5. Contudo, a Recorrente não logrou produzir tal prova.
6. Designadamente que entregou à Recorrida a quantia de 28.000,00€, obtida com o empréstimo referido em 2 dos factos provado e o remanescente foi utilizado para o pagamento de despesas e distrate da hipoteca que pendia sobre a fracção.
7. Nem que até Agosto de 2010, a Recorrida procedeu ao reembolso à Recorrente das quantias referentes ao pagamento das prestações do empréstimo referido em 2 dos factos provados, juros, imposto de selo, comissões e seguros.
8. Ademais, ainda que assim não fosse, o crédito cujo pagamento a Recorrente reclama e peticiona, já se encontra prescrito, nos termos do disposto na alínea e), do artigo 310º, do CC.
9. A título subsidiário, em sede de ampliação do objecto do recurso, teria de se dar como provado, ao contrário do decidido na douta sentença, que considerou não provado, que, até Agosto de 2010, a Recorrida procedeu ao reembolso à Recorrente das quantias referentes ao pagamento das prestações do empréstimo referido em 2 dos factos provados, juros, imposto de selo, comissões e seguros[4].
10. Dado que esse facto se extrai do teor do contrato de sociedade da Recorrida.
11. Reputando-se esta matéria importante para a necessidade de se ter de aferir de uma eventual ineficácia face à Recorrida do putativo contrato de moratória e assunção de dívida, em caso de procedência o recurso no que à impugnação da matéria de facto concerne.
GG ofereceu contra-alegações à matéria da ampliação do âmbito do recurso requerida a título subsidiário pela recorrida, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil) e bem assim da ampliação do âmbito do recurso, tudo por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da apelação
2.1.1 Da reapreciação do ponto 4 dos factos não provados e da ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão nos factos provados do alegado no artigo 5º da petição inicial;
2.1.2 Da inverificação da prescrição da obrigação da ré em virtude de não constituir uma obrigação de amortização de capital e juros, tal como previsto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil.

2.2 Da ampliação do âmbito do recurso
2.2.1 Da ampliação da matéria de facto com inclusão nos factos provados da matéria vertida no ponto 2 dos factos não provados (que contém o que alegadamente consta do artigo 6º do pacto social da recorrida[5]).

3. Fundamentos
3.1 Da reapreciação do ponto 4 dos factos não provados e da ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão nos factos provados do alegado no artigo 5º da petição inicial
A recorrente insurge-se contra a matéria de facto dada como não provada no ponto 4 dos factos não provados, pugnando por que seja dada como provada, pretendendo ainda que seja incluída na factualidade provada o que alegou no artigo 5º da sua petição inicial.
O ponto 4 dos factos não provados tem o seguinte conteúdo:
- A autora entregou à ré a quantia de €28.000,00 obtida com o empréstimo referido em 2 dos factos provados e o remanescente foi utilizado para o pagamento de despesas e “distrate da hipoteca” que pendia sobre a fração.
Por seu turno, no artigo 5º da petição inicial, a recorrente alegou o seguinte:
- Sucede que, a partir de setembro de 2010, a ré deixou de pagar o valor correspondente à prestação mensal do referido crédito e respetivas despesas.
A recorrente indica as seguintes razões para a procedência da sua pretensão no que respeita ao ponto 4 dos factos não provados:
- o teor do contrato datado de 05 de junho de 2003, denominado “contrato de moratória e assunção de dívida”;
- o teor dos depoimentos das testemunhas FF e II, nos segmentos que destaca localizando-os no tempo e transcrevendo-os.
No que respeita ao artigo 5º da petição inicial a recorrente indica razões de direito, nomeadamente a distribuição do ónus da prova que impende sobre a ré de provar qualquer facto extintivo do direito exercido pela autora e bem assim a presunção de culpa que também onera aquela.
Na decisão recorrida motivaram-se as respostas negativas da forma que segue:
A factualidade dada como não provada obteve tal resposta negativa por falta de mobilização de elementos probatórios bastantes quanto à mesma.
Do relatório pericial de fls. 158 a 160 decorre que inexistia entre 2003 e 2010 na sociedade ré qualquer conta contabilística em nome da falecida autora, não existindo qualquer registo de movimentos contabilísticos de entrada ou saída de fundos relacionado com aquela. Ademais, consta do mesmo que apenas entraram na conta bancária da autora valores provenientes de transferências bancárias da ré em 03-05-2010, 27-05-2010, 01-07-2010 e 02-08-2010, com montantes distintos, que se encontram registados em termos contabilísticos na sociedade ré em nome de GG e de EE, e não da autora. Tendo ainda em esclarecimentos escritos posteriores, de fls. 165 a 167 concluído que “não existiu contabilisticamente nenhuma relação entre a ré e a falecida”. E em audiência, o Sr. Perito esclareceu de forma inequívoca que a verba em questão não deu entrada na ré, nem em termos contabilísticos, nem em termos bancários.
A testemunha FF referiu que os pagamentos resultantes de tal acordo entraram nas contas particulares dos sócios e não da sociedade ré e que os valores da prestação bancária em causa eram igualmente pagos por cheques de contas particulares. Embora tenha referido que esse dinheiro “era da ré”, não conseguiu explicar devidamente porque tal sucedida, nem como seria feita a distinção dos valores que eram pessoalmente dos sócios e os da sociedade.
A testemunha HH, filho da habilitada e irmão da autora falecida referiu que o empréstimo da sua irmã foi devido à incapacidade de endividamento da ré perante os bancos. Porém, mencionou ainda que uma parte do dinheiro do empréstimo entrou em contas particulares dos sócios da ré, mas não soube explicitar os valores, nem em que contas de que sócios ao certo, e reconheceu que nunca viu qualquer documentação sobre isso, nem presenciou o depósito de qualquer cheque, revelando conhecimento insuficiente sobre tais factos.
A testemunha BB nada esclareceu sobre a concreta forma como o dinheiro teria sido canalizado para ré, nem sobre pagamentos existentes entre esta e a autora falecida.
A testemunha II afirmou ainda que o valor do empréstimo da ré entrou em contas particulares dos sócios, onde “caiam dinheiros que não tinham justificação” e que havia “um livro de actas paralelo”. E que os cheques depositados na conta da autora falecida saiam das contas particulares dos sócios. Contudo, não soube indicar montantes e também reconheceu desconhecer ter existido contrato entre a ré e a autora falecida a consignar isso, pelo que suscitou dúvidas perante o Tribunal sobre o seu efectivo conhecimento de tal factualidade em apreço.
Acresce que nenhuma das testemunhas inquiridas conseguiu justificar a circunstância dos documentos juntos a fls. 220 e seguintes terem valores diferentes, se todos seriam para pagar a prestação bancária da autora.
E, a ser assim, ficam por explicar as transferências bancárias realizadas para a conta bancária da ré para a conta bancária da autora falecida, aludidas no relatório pericial. Com efeito, ou era a sociedade quem fazia os pagamentos, ou eram os sócios através de contas particulares. As duas versões em simultâneo não nos parecem compatíveis.
Da documentação junta a fls. 98 verso e 208 e seguintes resulta a existência de transferências e depósitos na conta da autora falecida de valores distintos, uns de €145,00, outros de €150,00, uns de € 400,00, outros de €600,00 e outros de €650,00, sem uma continuidade temporal mensal seguida, sendo manifestamente insuficientes para traduzir o pagamento de prestação que teria carácter estável, desconhecendo-se em concreto a sua origem e finalidade.
O documento junto a fls. 38 a 39 constitui um mero documento particular, que não se encontra datado e foi impugnado pela parte contrária, sendo insuficiente, por si só para a demonstração do facto dado como não provado sob o n.º 2.
Não foi apresentada qualquer prova documental comprovativa do facto não provado sob o n.º 4.
Ainda que assim não se entendesse, a dúvida sobre a realidade da factualidade dada como não provada e a logicamente dependente da mesma sempre seria resolvida contra a parte a quem a mesma aproveitava, de harmonia com o disposto no artigo 414 º do C.P.C.
Cumpre apreciar e decidir.
Uma vez que a recorrida pugna pela rejeição da reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente, importa antes de mais conhecer deste obstáculo ao conhecimento desta pretensão recursória.
De acordo com o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil, quando seja impugnada a decisão da matéria de facto com base em prova gravada, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, no segmento em causa, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No caso em apreço, a recorrente situou cronologicamente de forma precisa as passagens da gravação em que funda a sua pretensão recursória, procedeu à transcrição desses excertos e teceu algumas considerações sobre a razão de ciência dos depoentes autores das declarações em causa.
A nosso ver, tanto basta para se considerar cumprido o ónus previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil e na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo, inexistindo assim o obstáculo que a recorrida sustentou existir ao conhecimento da reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente.
Procedeu-se ao exame da prova documental junta aos autos e pertinente para a reapreciação da decisão da matéria de facto, como seja, o denominado contrato de moratória e assunção de dívida[6], o primeiro documento oferecido pela ré com a sua contestação intitulado “Texto Actualizado do Contrato da Sociedade E..., Limitada”, sem data e subscrito, sob um carimbo da ré por FF e JJ, ata nº 75 da ré datada de 27 de dezembro de 2003[7], o extrato da conta bancária da autora no Banco 1... com o nº ..., no período compreendido entre 01 de janeiro de 2010 e 18 de janeiro de 2011 e oferecido com o requerimento de 25 de fevereiro de 2019[8], relatório pericial singular oferecido em 12 de novembro de 2020[9], procedendo-se à audição da prova pessoal produzida nas duas sessões da audiência final.
Ouvida a prova pessoal produzida nas duas sessões da audiência final constata-se que a descrição feita pelo tribunal recorrido do conteúdo de cada um dos depoimentos produzidos nessa sede traduz fielmente o que cada um dos depoentes declarou.
Apenas se acrescenta que a testemunha BB, primo da primitiva autora, também interveniente no negócio que precedeu aquele em que interveio a primitiva autora, declarou que a compra em que interveio foi apenas um expediente para obter financiamento para a ré, que a casa que declarou ter comprado nunca foi dele, revelando a partir de certo momento do seu depoimento grande incomodidade, chegando a invocar um acordo de confidencialidade para se eximir responder às perguntas que lhe iam sendo feitas e refugiando-se em alegadas faltas de memória ou em respostas evasivas.
Da globalidade da prova pessoal produzida nestes autos resultou que foi montado um “esquema”, ilícito, diga-se, para aceder a financiamentos bancários para aquisição de habitação própria, desviando-os da sua finalidade legal e contratual, com a realização sucessiva de compras e vendas simuladas, envolvendo-se nesses negócios sócios da ré e familiares próximos de sócios, tudo pretensamente para financiar a ré.
Na realidade, além do que foi sendo declarado pelas testemunhas ouvidas em audiência relativamente à utilização de contas pessoais para recolha dos financiamentos bancários bancários ilicitamente obtidos e à canalização de tais valores para a atividade social da ré, nenhuma prova documental com um mínimo de consistência foi produzida no sentido de corroborar essas declarações e especialmente sobre a forma como davam entrada no ativo da sociedade ré esses valores e como eram escriturados na contabilidade da ré.
O que resultou claro destes depoimentos é que a mutuária não entregou qualquer valor à ré, como ficou consignado no denominado contrato de moratória e assunção de dívida, pois que a entrada desses valores nos cofres da ré, nos dizeres dessas testemunhas, seria sempre intermediada por sócios da ré.
Ao invés, foi produzida prova documental resultante da escrita da ré, como justamente se destacou na prova pericial realizada no âmbito destes autos, em conjugação com documentação bancária que coloca em crise o que foi declarado pelas testemunhas oferecidas pela autora, no que respeita ao recebimento pela ré do produto do mútuo concedido à primitiva autora e que consta do denominado contrato de moratória e assunção de dívida.
A questão que se coloca neste momento é a de saber se é admissível prova livre da matéria cuja reapreciação foi requerida pela recorrente ou, ao invés, se existe prova plena da mesma, a determinar a necessária inclusão da mesma nos factos provados, ex vi segunda parte do nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.
Na verdade, na sua contestação, a ré não impugnou as assinaturas constantes do documento denominado “Contrato de moratória e assunção de dívida”, apenas alegando nos artigos 45 e 46 desse articulado que a data nele aposta não corresponde à realidade e que foi subscrito pelas pessoas que no mesmo se identificam como gerentes da ré numa altura em que já não tinham essa qualidade, vindo posteriormente a esclarecer, na sequência de convite do tribunal, que essa subscrição se verificou entre 30 de setembro de 2006 e 14 de fevereiro de 2011.
Neste contexto, a ré arguiu a falsidade ideológica do documento apresentado pela autora no que respeita à data em que o mesmo foi outorgado.
Ora, se ao apresentante do documento compete a prova da veracidade da letra ou da assinatura do documento particular (artigo 374º, nº 2, do Código Civil), àquele que vem arguir a falsidade do documento cuja autenticidade formal se acha estabelecida, compete o ónus da prova dessa falsidade, pois está em causa uma exceção probatória[10].
Produziu-se prova no sentido de facultar à ré a demonstração de que a data aposta no documento apresentado pela autora não correspondia à verdade e que de facto havia sido subscrito numa data em que os alegados representantes da ré não tinham essa qualidade, razão pela qual o aludido documento não a vincularia.
Contudo, produzida a prova, o tribunal recorrido julgou não provada a alegação da ré (veja-se o facto não provado nº 3 nos fundamentos de facto da sentença recorrida[11]).
Neste contexto, a ré não logrou provar a falsidade ideológica do documento particular oferecido pela primitiva autora, no que respeita à data nele aposta como sendo a da sua subscrição, permanecendo como data de subscrição do aludido documento o dia 05 de junho de 2003, data em que os subscritores em representação da ré tinham a qualidade de gerentes, como a própria ré reconhece e resulta inequívoco da certidão permanente oferecida pela ré com a sua contestação como documento nº 2.
Assim, pelo que se acaba de expor, constando do aludido documento, além do mais, que “h) O distrate da hipoteca que ainda pendia sobre a fracção, no valor de 29.000 euros, foi liquidado pela primeira outorgante, AA socorrendo-se da verba de 60.000 euros que lhe foi emprestada. Os restantes 28.000 euros, foram entregues à terceira outorgante, E..., Lª.”, devem considerar-se plenamente provadas estas declarações (artigo 376º, nº 1, do Código Civil).
Por outro lado, resultando destas declarações factos contrários aos interesses da ré, nomeadamente no que respeita ao caráter oneroso da denominada “assunção de dívida” e à utilização de vinte e nove mil euros para distrate da hipoteca que ainda pendia sobre a fração vendida à primitiva autora, devem os mesmos considerar-se provados, ex vi nº 2 do artigo 376º do Código Civil.
Sublinhe-se ainda que estas declarações constantes de documento particular cuja autenticidade se acha estabelecida valem como confissão extrajudicial (artigo 355º, nº 4 do Código Civil) e têm força probatória plena (artigo 358º, nº 2 do Código Civil).
A confissão extrajudicial pode ser declarada nula ou anulada nos termos gerais, mediante a alegação cumulativa de não ser verdadeiro o facto confessado e a existência de erro ou vício de que haja sido vítima o confitente[12].
E poderá produzir-se prova do contrário com o fim de ilidir a força probatória plena destas declarações?
De acordo com o disposto no artigo 347º do Código Civil, a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas por lei.
As restrições legais probatórias a que o preceito anteriormente citado alude são as que decorrem dos artigos 393º e 394º do Código Civil[13].
No caso dos autos, a restrição à produção de prova testemunhal seria a que consta do nº 2 do artigo 393º do Código Civil.
Em situações similares à destes autos, o nosso mais alto Tribunal tem vindo a admitir a ilisão da força probatória plena decorrente de confissão extrajudicial, desde que exista um princípio de prova suficientemente verosímil, podendo nessas circunstâncias produzir-se prova sujeita à livre apreciação do julgador, nomeadamente prova testemunhal complementar para prova do facto contrário ao constante da declaração confessória, ou seja, para demonstrar não ser verdadeira a afirmação consciente e voluntariamente produzida perante o documentador[14].
Ora, no caso dos autos, como se viu, foi produzida prova documental e pericial que com segurança permite a demonstração de que a declaração constante do denominado contrato de moratória e assunção de dívida de recebimento pela ré da quantia de vinte e oito mil euros proveniente do mútuo concedido à primitiva autora não corresponde à verdade.
Por isso, bem andou o tribunal recorrido em julgar não provado o ponto 4 dos factos não provados.
Debrucemo-nos agora sobre o ponto 5 dos factos não provados, matéria que a recorrente pretende seja julgada provada com base nas regras da distribuição do ónus da prova, pois que, na sua perspetiva, tendo provado os factos constitutivos do direito por si exercido, cumpria à ré a prova dos factos extintivos desse direito.
Que dizer?
Antes de mais, não obstante da localização sistemática do artigo 414º do Código de Processo Civil se poder ser tentado a concluir o contrário, as regras do ónus da prova não operam em sede de julgamento da matéria de facto, apenas intervindo em momento posterior, em sede de julgamento de direito, devendo a decisão da matéria de facto ser proferida de acordo com a prova produzida e nos termos previstos no artigo 607º, nºs 4 e 5, do Código de Processo Civil.
Na verdade, naquele normativo apenas se estabelece a consequência jurídica em sede de decisão da matéria de direito quando se verifica uma situação de dúvida sobre a realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova[15].
No caso dos autos, não obstante se ter comprovado mediante a prova pericial realizada nestes autos a existência de cinco transferências bancárias da conta da ré para a conta bancária da primitiva autora, de montantes variáveis, de periodicidade irregular e apenas no ano de 2010, na escrita da ré essas transferências figuram como tendo sido realizadas a favor de sócias da ré e não da autora, ficando por isso a dúvida sobre a razão por que foram feitas essas movimentações bancárias nesse ano.
Deste modo, bem andou o tribunal recorrido em julgar não provada a matéria contida no ponto 5 dos factos não provados.
Pelo exposto, a reapreciação da decisão da matéria de facto improcede totalmente.
Prevenindo a possibilidade de revogação total ou parcial da decisão recorrida no que respeita à questão da prescrição, importa ainda aferir da necessidade e viabilidade de ampliação da decisão da matéria de facto, tendo em conta as divergências doutrinais e jurisprudenciais existentes relativamente ao ónus de alegação e prova nos casos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais.
Na hipótese em análise, em termos simples, o que está em causa é saber se, como entendeu o tribunal recorrido, incumbe ao beneficiário do ato a prova positiva da natureza onerosa da obrigação assumida pela ré perante a primitiva autora ou, pelo contrário, se importa a demonstração pela sociedade vinculada pelo ato a demonstração do caráter gratuito do ato ou da ausência de onerosidade do mesmo.
No caso em apreço, tendo em conta os entendimentos díspares existentes, as soluções plausíveis desta questão de direito determinam que ambos os prismas tenham assento na base factual, em ordem a que a mesma seja construída de modo a que os diversos entendimentos jurídicos plausíveis sobre a matéria disponham de todos os dados de facto necessários.
No artigo 32º da sua contestação, a ré alegou que a primitiva autora nunca lhe emprestou qualquer soma pecuniária, matéria que, a nosso ver, à luz das aludidas soluções plausíveis das questões de direito, é relevante e sobre a qual o tribunal recorrido não emitiu qualquer juízo em sede de fundamentos de facto.
No entanto, a prova documental, pessoal e pericial produzida em audiência, como resulta da motivação da reapreciação do ponto 4 dos factos provados que precede, é toda convergente no sentido de que efetivamente a primitiva autora, AA nunca emprestou à sociedade E..., Lda qualquer soma pecuniária.
Por isso, visto o disposto na parte final da alínea c), do nº 2, do artigo 662º do Código de Processo Civil, constando do processo todos os elementos que permitem a ampliação da decisão da matéria de facto[16], aditar-se-á aos factos provados a seguinte factualidade:
- AA nunca emprestou à sociedade E..., Lda qualquer soma pecuniária.
Pelo exposto, improcede a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente, procedendo-se à ampliação da decisão da matéria de facto nos termos que precedem.

3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida e que se mantêm integralmente dada a total improcedência da reapreciação da decisão da matéria de facto, expurgados das meras remissões probatórias e a que se adita a resultante da ampliação oficiosa da decisão da matéria de facto antes decidida

3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
Por escritura pública celebrada no dia 4 de junho de 2003, pelo preço de setenta mil euros, BB, DD e mulher, EE declararam vender a AA, que declarou aceitar a venda, a fração identificada com as letras “CA” correspondente ao nono andar, lado sul nascente, para habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal situado na Avenida ... e Travessa ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o número ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ....
3.2.1.2
Na referida escritura, a autora declarou que, para a aquisição da identificada fração solicitou ao “Banco 1..., S.A.” um empréstimo no valor de €60.000,00 (sessenta mil euros), confessando-se “devedora” daquela quantia, a qual lhe foi concedida pelo prazo de cento e quarenta e quatro meses, “ao abrigo do Regime Geral de Crédito à Habitação, regulado pelo DL n.º 349/98, de 11 de Novembro”.
3.2.1.3
A autora, BB e os gerentes da ré, FF e GG celebraram um acordo que denominaram de “contrato de moratória e assunção de dívida”, datado de 05-06-2003[17].
3.2.1.4
Entre 01-09-2010 e 21-02-2013, a autora pagou ao “Banco 1..., S.A.” para liquidação das prestações do empréstimo concedido, juros, imposto de selo, comissões e seguros, a quantia global de €29.235,54 (vinte e nove mil duzentos e trinta e cinco euros e cinquenta e quatro cents).
3.2.1.5
A ré foi citada em 30-08-2018.
3.2.1.6
Através da Ap. 5 de 21-04-1980 foi inscrita no registo comercial a constituição da ré, como forma de obrigar a ré “a assinatura de dois gerentes ou de um gerente e de um procurador com poderes específicos para o acto” e a nomeação de JJ, FF e GG como gerentes.
3.2.1.7
Através da Ap. 2 de 10-10-2006 foi inscrita no registo comercial a destituição de FF da gerência da ré, por deliberação de 22-09-2006.
3.2.1.8
Através da Ap. 1 de 19-10-2006 foi inscrita no registo comercial a destituição de GG da gerência da ré, por deliberação de 18-10-2006.
3.2.1.9
AA era filha de GG.
3.2.1.10
Em 05-06-2003, GG era titular de uma quota da ré.
3.2.1.11
Em 27-12-2003 foi realizada Assembleia Geral da ré, na qual foram tomadas as deliberações constantes da ata nº 75[18].
3.2.1.12
BB, DD e mulher, EE não pretenderam vender a fração acima identificada à autora e esta não a pretendeu comprar.
3.2.1.13
As declarações efetuadas por BB, DD e mulher, EE e a autora, na escritura pública celebrada no dia 4 de junho de 2003, foram proferidas para obtenção de um empréstimo com uma taxa de juro bonificada e um prazo de pagamento prolongado.
3.2.1.14
AA nunca emprestou à sociedade E..., Lda qualquer soma pecuniária.
3.2.1.15
A petição inicial foi apresentada em 05-07-2018.

3.2.2 Factos não provados
3.2.2.1
Os sócios da ré desconheciam o acordo referido em 3 dos factos provados [3.2.1.3].
3.2.2.2
Consta da cláusula sexta do acordo denominado de “contrato da sociedade E..., Lda” “Dependem de autorização da Assembleia Geral os actos de contracção de empréstimos que saiam do âmbito normal da actividade social, penhor ou hipoteca de bens sociais, participação em outras empresas ou cessação dessa participação.”.
3.2.2.3
O acordo referido em 3 dos factos provados [3.2.1.3] foi celebrado entre 30-09-2006 e 14-02-2011.
3.2.2.4
A autora entregou à ré a quantia de €28.000,00 obtida com o empréstimo referido em 2 dos factos provados [3.2.1.2] e o remanescente foi utilizado para o pagamento de despesas e “distrate da hipoteca” que pendia sobre a fração.
3.2.2.5
Até agosto de 2010, a ré procedeu ao reembolso à autora das quantias referentes ao pagamento das prestações do empréstimo referido em 2 dos factos provados [3.2.1.2], juros, imposto de selo, comissões e seguros.

4. Fundamentos de direito
4.1 Da inverificação da prescrição da obrigação da ré em virtude de não constituir uma obrigação de amortização de capital e juros, tal como previsto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida porque, na sua perspetiva, a obrigação assumida pela ré não é de pagamento em prestações de amortização de capital juntamente com juros, tendo antes assumido a obrigação de pagar em prestações tudo aquilo que a primitiva autora teria de pagar à entidade bancária.
Por outro lado, a prescrição da obrigação de pagamento de juros de mora à taxa de 10% ao ano, no caso de incumprimento pela ré da obrigação assumida perante a primitiva autora, apenas se verifica relativamente aos juros vencidos há mais de cinco anos.
Finalmente, tendo-se verificado o vencimento antecipado da obrigação que impendia sobre a ré, ficou sem efeito o plano de pagamento, sujeitando-se a obrigação de pagamento do capital ao prazo ordinário da prescrição e ficando apenas a obrigação de pagamento de juros sujeita a um prazo quinquenal.
Cumpre apreciar e decidir.
No caso dos autos, no contrato denominado de “Contrato de Moratória e Assunção de dívida”, além do mais, os seus outorgantes declararam o seguinte:
J) A terceira outorgante, E..., Lª., passou a ser responsável a partir daquela data pela quantia de 60.000 euros e fica obrigada a pagar mensalmente à primeira outorgante, AA, a amortização e os juros, depositando-os na conta que esta possui no Banco 1..., .... l) Que conforme as condições de aprovação, o prazo de pagamento é de 144 meses”.
Deste enunciado contratual antes transcrito resulta a nosso ver claro que a ré se obrigou a pagar mensalmente à primitiva autora no prazo de cento e quarenta e quatro meses a amortização do capital e os juros devidos por esta à entidade bancária que lhe mutuou sessenta mil euros.
Neste contexto contratual, a obrigação da ré, à luz do que foi declarado no contrato em que a autora funda a sua pretensão, é decalcada da obrigação da primitiva autora para com a entidade bancária que lhe mutuou o capital de sessenta mil euros.
Por isso, sendo a obrigação da primitiva autora uma obrigação de pagamento mensal de uma amortização do capital mutuado, juntamente com os juros calculados de acordo com o plano de reembolso do capital mutuado, a obrigação da ré tem o mesmo perfil que a obrigação da primitiva autora, integrando deste modo a previsão da alínea e) do artigo 310º do Código Civil.
Apreciemos então se ocorreu ou não a prescrição extintiva quinquenal prevista na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, seguindo-se em parte e de perto os relatos que fizemos no processo nº 22083/20.7T8PRT-A.P1, no acórdão proferido em 21 de março de 2022[19] e no processo nº 1640/09.8TBMCN-A.P1, no acórdão proferido em 07 de fevereiro de 2022, ambos também subscritos pelos dois juízes-adjuntos nestes autos.
Nos termos do disposto no artigo 310º, alínea d) do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades.
Por seu turno, de acordo com o disposto na alínea e) do artigo antes citado, prescrevem em cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
O Sr. Professor Vaz Serra, em sede de trabalhos preparatórios do Código Civil vigente[20], referia que a teleologia do nº 1, do artigo 543º do Código de Seabra se destinava “a evitar a ruína do devedor, pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas”. Mais adiante, na obra que se acaba se citar[21], referia que com “os juros parece deverem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (Código alemão, § 197º), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros”[22].
Retomando o que relatámos no acórdão desta Relação do Porto no processo nº 388/11.8TJPRT-A.P1, de 14 de setembro de 2015, acessível na base de dados da DGSI, com alterações meramente formais, na “doutrina[23], as prestações periódicas são uma das modalidades das prestações duradouras, sendo que estas últimas, por sua vez, se distinguem das prestações fracionadas ou repartidas.
Nas prestações duradouras, o tempo influi decisivamente na determinação do seu objeto[24], especialmente do seu montante, enquanto nas prestações fracionadas a duração contende apenas com o modo de execução da prestação, servindo somente para permitir a liquidação de uma certa prestação no tempo, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações[25].
Dentro das prestações duradouras, distinguem-se as prestações de execução continuada, ou seja, aquelas em que o seu cumprimento é ininterrupto, das prestações reiteradas ou com trato sucessivo[26], que se renovam em prestações singulares sucessivas, podendo estas, por sua vez, ser periódicas ou não periódicas, consoante se renovem num dado período temporal certo ou não.
Aponta-se como justificação para o prazo especial de prescrição das obrigações periódicas, sob um prisma passivo, o evitar a ruína do devedor pela acumulação de prestações periódicas em atraso ou, sob um prisma ativo, o evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar[27].”
No caso em apreço, a obrigação acionada é claramente uma obrigação fracionada, pois que as prestações mensais devidas resultam da divisão do montante global em dívida – capital, juros remuneratórios e encargos – pelo número de prestações acordado, no caso cento e quarenta e quatro prestações mensais, relevando o tempo apenas para permitir a liquidação de cada prestação e não para a determinação do seu objeto.
Porém, se a alínea g) do artigo 310º do Código Civil contempla as prestações periódicas, na previsão da alínea e) do mesmo artigo cabem prestações fracionadas, como aquela em que se amortiza certo capital mutuado e os juros remuneratórios correspondentes, como por decalque sucede no caso dos autos com a “assunção”[28] por parte da recorrente da obrigação que a primitiva autora tinha para com a entidade bancária mutuante.
Na espécie em apreço, o tribunal recorrido subsumiu o caso na esteira de vasta jurisprudência publicada[29] dos tribunais superiores e que pelo menos desde 1993[30] tem enquadrado estes casos de prestações fracionadas de reembolso de capital juntamente com juros na previsão da alínea e) do artigo 310º do Código Civil[31].
Nenhuma razão se divisa para nos afastarmos desta forte corrente jurisprudencial, que já seguimos na qualidade de relator neste Tribunal da Relação[32] e bem assim na qualidade de adjunto[33], sendo certo, em todo o caso, que a falta de pagamento de prestações fracionadas para reembolso de capital mutuado, juros remuneratórios e outros encargos se subsume diretamente à aludida previsão que se refere à amortização de quotas de capital pagáveis com os juros (alínea e) do artigo 310º do Código Civil).
Onde ainda não existe unanimidade dos tribunais superiores e bem assim de alguma doutrina é no enquadramento ou não na referida alínea dos casos em que se verifica o vencimento de toda a dívida, como justamente alega a recorrente que se verificou no caso dos autos[34].
De facto, existe jurisprudência publicada, minoritária, a sustentar que nos casos de vencimento antecipado, a previsão da alínea e) do artigo 310º, do Código Civil, já não seria aplicável[35], entendimento que tem algum suporte doutrinal[36], entendendo outros que mesmo nestes casos, não obstante o vencimento antecipado, aplicar-se-ia a alínea e) do artigo 310º do Código Civil, mas para efeitos de prescrição ter-se-ia em conta o vencimento programado[37].
Ajuizando criticamente esta última posição minoritária, afigura-se-nos incompreensível que em caso de vencimento antecipado das prestações acordadas, tal releve para efeitos de exigibilidade do crédito, mas não releve para efeitos de contagem do prazo prescricional, continuando o plano prestacional a produzir efeitos, sendo certo que para efeitos de início do curso do prazo prescricional, como decorre claramente do nº 1, do artigo 306º do Código Civil, releva o momento em que o direito puder ser exercido.
Em termos claramente maioritários a jurisprudência publicada do nosso mais alto tribunal tem seguido a orientação pela qual o Professor Vaz Serra manifestava a sua preferência[38].
De facto, se a teleologia da prescrição quinquenal no caso de prestações fracionadas de reembolso de capital e juros é a de evitar a acumulação da dívida e a ruína do devedor, essa razão de ser ainda é mais pertinente quando ocorre um vencimento antecipado da totalidade das prestações, ficando sem efeito o plano de amortização convencionado, pois que, nesse momento, o devedor e os seus garantes pessoais vêem-se confrontados com a obrigação de pagar a totalidade das prestações cuja liquidação estava prevista para ocorrer num prazo mais ou menos dilatado, sendo em tal contexto justificada a exigência de uma maior diligência do credor na cobrança do seu crédito.
No caso em apreço, ocorreu o vencimento antecipado da totalidade da dívida em setembro de 2010, pelo que o prazo prescricional da totalidade das prestações então em dívida completou-se em setembro de 2015.
No momento presente, foi entretanto publicado o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 6/2022, tirado por unanimidade, publicado na primeira série do Diário da República nº 184, de 22 de setembro de 2022, e que fixou jurisprudência nos termos seguintes:
I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
Assim, face ao exposto e tendo agora o suporte do acórdão de uniformização de jurisprudência antes citado, conclui-se que a obrigação que a ré assumiu de pagar à primitiva autora as prestações de amortização do capital que foi mutuado a esta pelo Banco 1..., S.A. e bem assim os respetivos juros remuneratórios se extinguiu por prescrição em setembro de 2015.
Vejamos agora a questão da prescrição dos juros de mora à taxa de 10% ao ano convencionados para a eventualidade da recorrida não honrar as obrigações assumidas face à primitiva autora.
Sublinhe-se que com esta obrigação moratória se visa sancionar o atraso no cumprimento da obrigação de reembolso de capital, juros e despesas por parte da ré, no caso sancionar o atraso no cumprimento da totalidade dessas obrigações vencidas antecipadamente.
A nosso ver, prescrita a obrigação de pagamento da totalidade do capital e dos juros remuneratórios naquela data e extinta por tal facto essa obrigação civil (veja-se o nº 1, do artigo 304º do Código Civil), a obrigação de juros de mora, enquanto obrigação acessória, deixa também de poder operar a partir de então[39].
Na realidade, como poder configurar uma situação de mora relativamente a uma prestação de capital e de juros remuneratórios que há muito e por efeito da prescrição é judicialmente inexigível? Como contar juros de mora relativamente a um capital que deixou de ser judicialmente exigível por efeito da procedente invocação da prescrição?
A única possibilidade de tais juros poderem continuar a frutificar mesmo na eventualidade de prescrição do capital a que dizem respeito seria a de haver lugar a anatocismo (artigo 563º do Código Civil), situação jurídica que contudo não é convocada na hipótese dos autos.
No entanto, o Sr. Professor Vaz Serra, realçando a natureza autónoma da obrigação de pagamento de juros de mora, criticou em sede de trabalhos preparatórios do vigente Código Civil[40] os ordenamentos jurídicos que tinham preceitos a fazer decorrer a prescrição das obrigações acessórias da prescrição da obrigação principal, circunstância que porventura estará na origem de o nosso Código Civil não conter qualquer previsão similar aos artigos 133º da Lei Federal que completou o Código Civil Suíço e 224º da primitiva redação do Código Civil Alemão[41].
No caso em apreço, relevando a natureza autónoma da obrigação acessória de pagamento de juros de mora e atendo-nos às regras próprias de prescrição dessa obrigação (alínea d), do artigo 310º do Código Civil), porque o seu prazo de prescrição é similar ao da obrigação principal a que se referem (artigo 310º, alínea e) do Código Civil), necessariamente se conclui pela prescrição da obrigação de pagamento de juros de mora convencionais à taxa de 10% ao ano, devidos antes de 10 de julho de 2013[42], sendo devidos desde 10 de julho de 2013 até 15 de setembro de 2015, pois que não poderão ser contados num período em que era já judicialmente inexigível o capital sobre o qual iriam incidir[43].
Assim sendo, neste ponto diverge-se a decisão recorrida, havendo por isso que conhecer da ampliação do âmbito do recurso deduzida a título subsidiário e, se necessário, conhecer das questões cujo conhecimento ficou prejudicado, ex vi artigo 665º, nº 2, do Código de Processo Civil, ou seja, a invalidade da obrigação assumida pela ré e isso por força do disposto no nº 2 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais e da nulidade da mesma obrigação por violação das regras legais de concessão dos empréstimos para habitação.

4.2 Da ampliação da matéria de facto com inclusão na factualidade provada da matéria vertida no ponto 2 dos factos não provados
A recorrida veio em sede de ampliação do âmbito do recurso requerer que se julgue provada a matéria vertida no ponto 2 dos factos não provados pois que embora a cópia oferecida por si na contestação não esteja certificada, o tribunal não ordenou a junção de certidão, como lhe impunha o artigo 7º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Ainda que não o faça de forma expressa, em função desta alteração na decisão da matéria de facto a recorrida pretende que se aprecie da alegada nulidade da assunção de dívida pela ré e por força do disposto no artigo 6º do seu pacto social.
Cumpre apreciar e decidir.
Para instruir a sua contestação, nomeadamente o que alegou nos artigos 10º e 14º desse articulado, a ré ofereceu alegadamente uma cópia do seu contrato social.
No seu requerimento de 18 de outubro de 2018, a autora referiu, além do mais, que “o doc. 1, denominado “texto actualizado do contrato da sociedade E...……”, trata-se de uma mera fotocópia sem data, desconhecendo a autora se o mesmo corresponde efectivamente ao texto actualizado do contrato da ré e em que data”.
Na sequência desta posição da autora, a ré não cuidou de oferecer certidão do aludido pacto social, como era seu ónus por força do disposto no nº 2 do artigo 445º do Código de Processo Civil (veja-se ainda o nº 2 do artigo 387º, nº 2, do Código Civil).
O dever de cooperação do tribunal com as partes não se destina a suprir a inobservância dos ónus processuais que impendem sobre as partes, sob pena de isso poder redundar numa crassa violação do dever de imparcialidade.
Por isso, a invocação da pretensa violação do dever de cooperação por parte do tribunal para justificar a não observância de um ónus processual que recaía sobre a ré, atentas as regras que disciplinam a produção da prova documental, não tem qualquer base legal. Além disso, essa invocação não tem qualquer suporte normativo quando se pretende que essa alegada violação do dever de cooperação por banda do tribunal determina que o facto probando com a certidão da cópia do documento que não foi oportunamente junta aos autos e que o devia ter sido por parte da ré se deva ter como provado.
Assim, face ao exposto, uma vez que a cópia do pacto social da ré foi impugnada pela autora e a ré não ofereceu certidão da mesma, improcede a ampliação do âmbito do recurso requerida a título subsidiário pela recorrida, quer na vertente estritamente factual, quer na vertente jurídica por falta de prova dos factos integradores da defesa por exceção perentória acima identificada, cumprindo agora conhecer das questões cujo conhecimento ficou prejudicado na sentença recorrida por força da integral procedência da exceção perentória de prescrição invocada pela ré, tal como decorre do disposto no nº 2 do artigo 665º do Código de Processo Civil.
Essas questões, se não erramos, são a da nulidade da assunção de dívida pela ré e por força do disposto no nº 2 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais e a nulidade da mesma assunção de dívida por violação de regras que disciplinam a concessão de empréstimos para aquisição de habitação.

4.3 Da nulidade da assunção de dívida pela ré e por força do disposto no nº 2 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais
A ré sustentou na sua contestação a nulidade da sua assunção da dívida da primitiva autora perante a entidade bancária em consequência do disposto no nº 2 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais que exclui da capacidade de gozo das sociedades comerciais a prática de atos gratuitos.
No articulado de resposta às exceções deduzidas pela ré na contestação, sobre a questão em análise, a primitiva autora alegou que a prestação de garantias é admitida no Código das Sociedades Comerciais desde que haja um justificado interesse próprio por parte da sociedade garante, como sucede no caso dos autos, dado que tal assunção é contrapartida dos vinte e oito mil euros que a primitiva autora entregou à ré e invocou jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de em todo o caso competir à ré a alegação e prova da inexistência de justificado interesse próprio da ré na prestação da garantia, ónus que a ré não observou.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, recordemos os preceitos pertinentes do Código das Sociedades Comerciais para o enquadramento do caso.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais, a “capacidade da sociedade compreende os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, excetuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.”
“As liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta” (artigo 6º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais).
Finalmente, de acordo com o disposto no nº 3, do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais considera-se “contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio ou se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.”
Na sua contestação, como se viu, a ré enquadrou a assunção de dívida acionada pela primitiva autora no domínio dos atos gratuitos e que de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais são havidas como contrárias ao fim da sociedade salvo se puderem ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade.
Pelo contrário, no articulado em que se pronunciou sobre a defesa por exceção da ré, a primitiva autora considera que a assunção de dívida por si acionada constitui uma garantia a que se aplica o nº 3 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais.
Que dizer?
No contrato em que a primitiva autora fundou as suas pretensões, a vinculação da ré ao pagamento das obrigações que a primeira contraiu junto da entidade bancária vem qualificada como assunção de dívida.
Na realidade, desse contrato resulta que a ré se obrigou a pagar à primitiva autora as amortizações do capital que lhe foi mutuado e juros respetivos de acordo com o plano prestacional acordado com a entidade bancária mutuante.
Neste ponto, a vinculação da ré não constitui a figura típica da assunção de dívida prevista no artigo 595º do Código Civil, nem sequer a figura do contrato a favor de terceiro prevista nos artigos 443º, nº 1 e 444º, nº 3, ambos do Código Civil, na medida em que a ré não se vinculou a pagar os referidos montantes à entidade bancária credora da primitiva autora[44], antes se tendo obrigado a proceder aos pagamentos acordados à primitiva autora, não havendo assim qualquer transmissão da dívida da primitiva autora para a ré.
Por efeito do acordado entre as partes, a primitiva autora tornou-se credora da ré nos exatos termos em que por sua vez era devedora face à entidade bancária e por causa do empréstimo no montante de sessenta mil euros para aquisição de habitação que contraiu junto desta entidade.
Por outro lado, a vinculação da ré à satisfação das aludidas obrigações à primitiva autora não constitui a prestação de uma garantia pessoal pois que essa vinculação não surge em benefício da entidade bancária credora, mas sim no interesse da primitiva autora devedora da entidade bancária, a quem a ré se obrigou a proceder aos pagamentos acordados.
No contrato que as partes denominaram de concessão de moratória e assunção de dívida, as partes declararam que a ré nestes autos havia recebido vinte e oito mil euros da autora e em consequência do mútuo que esta havia celebrado com o Banco 1..., S.A.
Porém, por força da ampliação da decisão da matéria de facto decidida oficiosamente neste acórdão provou-se que essa declaração das partes não correspondia à verdade, provando-se, ao invés, que AA nunca emprestou à sociedade E..., Lda qualquer soma pecuniária.
Neste contexto fáctico, a vinculação da ré ao pagamento das prestações que a primitiva autora se obrigou a pagar à entidade bancária que lhe concedeu o empréstimo no montante de sessenta mil euros para aquisição de habitação não tem qualquer contrapartida para si, tendo natureza gratuita.
Neste circunstancialismo, o caso enquadra-se na previsão dos nºs 1 e 2, do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais e não no nº 3 deste mesmo artigo[45].
A primeira questão a que importa agora responder é a seguinte: a assunção por parte da ré das obrigações previstas nas alíneas j), l) e m) do contrato denominado de moratória e assunção de dívida constitui uma vinculação necessária ou conveniente à prossecução do fim da sociedade ré?
A sociedade comercial tem por objeto a prática de atos comerciais (artigo 1º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais), sendo o seu fim o lucro (veja-se o artigo 980º do Código Civil).
A capacidade de gozo de uma sociedade comercial, tal como a de qualquer pessoa coletiva em geral, compreende todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim (vejam-se o nº 1 do artigo 6º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais e o nº 1 do artigo 160º do Código Civil[46]).
Assim, ao contrário do que sucede com as pessoas humanas, a capacidade de gozo das entidades ideais tais como as pessoas coletivas em geral e as sociedades comerciais, em particular, é finalisticamente limitada.
No caso dos autos, importa aferir se a vinculação da ré ao pagamento à primitiva autora das prestações que esta assumiu perante uma entidade bancária que lhe emprestou sessenta mil euros constitui um ato necessário ou conveniente à prossecução do seu intento lucrativo.
Em termos simples e imediatos, o lucro é um excedente relativamente ao que se despendeu para fabricar um bem posteriormente alienado ou para adquirir um bem posteriormente vendido ou ainda para prestar um serviço.
No entanto, o lucro, ou o aumento do lucro, pode ser uma vantagem mediata e resultante, por exemplo, da realização de despesas com a promoção dos produtos ou serviços da sociedade comercial, mediante ofertas de amostras dos bens ou exemplificação gratuita dos serviços prestados, atos gratuitos que levam ou podem levar ao aumento da procura dos produtos e serviços promovidos.
A vinculação da ré à satisfação à primitiva autora das obrigações pecuniárias assumidas por esta perante a entidade bancária que lhe mutuou o capital de sessenta mil euros não tem qualquer contrapartida para a ré, tendo-se provado, ao contrário do que constava do denominado contrato de moratória e assunção de dívida, que a primitiva autora nunca emprestou à sociedade E..., Lda qualquer soma pecuniária (ponto 3.2.1.14 dos factos provados).
Essa vinculação, sem qualquer contrapartida, é um ato gratuito.
A beneficiária do aludido ato, para além de uma relação familiar com os gerentes da ré no momento da sua prática, não tem qualquer relação (provada, entenda-se) com a atividade social da ré.
Neste circunstancialismo factual, não é possível afirmar que o ato praticado pela ré seja necessário ou sequer conveniente à consecução do seu fim, revelando-se, ao invés, oposto ao intento lucrativo inerente às sociedades comerciais na medida em que pode implicar uma redução patrimonial da ré sem qualquer contrapartida presente ou futura, sem qualquer perspetiva de acréscimo patrimonial presente ou futuro para a mesma ré.
Além disso, parece-nos não oferecer dúvida que o ato em análise não é usual, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não podendo deste modo ser havido como conforme com o fim da sociedade ré.
Pode assim concluir-se que a sociedade ré, ao subscrever as cláusulas j), l) e m) do denominado contrato de moratória e assunção de dívida, praticou um ato violador da sua capacidade de gozo e sendo a previsão do nº 1 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais uma norma imperativa[47], a sua infração determina a nulidade do ato em causa por força do disposto no artigo 294º do Código Civil[48].
A nulidade é insanável pelo decurso do tempo (artigo 286º do Código Civil) e não havendo prova de que algo haja sido prestado em execução do ato nulo, é inaplicável ao caso o disposto no nº 1 do artigo 289º do Código Civil.
Não estão provados e nem sequer foram alegados factos reveladores de que a invocação da nulidade da vinculação da ré por parte desta integre um abuso do direito.
Sendo nulo o ato praticado pela ré no qual a primitiva autora fundou as suas pretensões de condenação, o mesmo não produz efeitos jurídicos, não vinculando a ré ao seu cumprimento, pelo que a ação improcede por força da verificação de um facto impeditivo, devendo a ré ser absolvida do pedido e ficando prejudicado o conhecimento da questão enunciada para ser conhecida de seguida.
As custas da ação e do recurso são da exclusiva responsabilidade da autora habilitada e ora recorrente, pois que a ação improcedeu e o recurso, apesar de parcialmente procedente no que respeita à questão da prescrição, a final, por força do conhecimento de questão cujo conhecimento havia ficado prejudicado na decisão recorrida, nenhum proveito teve para a recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar o recurso de apelação interposto por GG parcialmente procedente, nos termos precedentemente expostos e, conhecendo das questões cujo conhecimento o tribunal recorrido considerou prejudicado por força da integral procedência da exceção perentória de prescrição invocada pela ré E..., Lda (artigo 665º, nº 2, do Código de Processo Civil), declaram-se nulas as obrigações assumidas pela recorrida no contrato datado de 05 de junho de 2003 e denominado “Contrato de Moratória e Assunção de Dívida” e constantes das cláusulas j), l) e m) do referido contrato, julgando-se, em consequência, improcedente a ação, absolvendo-se a ré do pedido.

Custas da ação e do recurso a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de quarenta e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 28 de novembro de 2022
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
____________________
[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Refere-se ao denominado “Contrato de Moratória e Assunção de Dívida”.
[3] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 22 de dezembro de 2021.
[4] Sublinhe-se que esta conclusão se mostra desconforme com o que consta do corpo das contra-alegações, onde se refere que “Efectivamente, na douta sentença sub judice, não se deu como provado que, consta do contrato de sociedade da Recorrida E..., Lda, na sua cláusula sexta, o seguinte texto: “Dependem de autorização da Assembleia Geral os actos de contracção de empréstimos que saiam do âmbito normal da actividade social, penhor ou hipoteca de bens sociais, participação em outras empresas ou cessação dessa participação”. Porém, atendendo à prova documental junta aos autos com a contestação, naturalmente que essa factualidade teria de ser considerada como provada. É certo que a cópia do contrato de sociedade não se encontrava certificada, mas o Tribunal não ordenou a junção de certidão no termos do disposto no artigo 7º, nº1, do CPC. destarte, tal facto teria de ser dado como provado, ao invés de não provado. A prova de tal matéria é importante em caso de procedência do presente recurso relativamente à impugnação da matéria de facto, caso se dê como provado que a Autora entregou à Ré a quantia de 28.000,00 €, obtida com o empréstimo referido em 2 dos factos provado e o remanescente foi utilizado para o pagamento de despesas e distrate da hipoteca que pendia sobre a fracção. Por outro lado, a prova do referido artigo do pacto social é igualmente relevante para se poder ajuizar da ineficácia do estipulado no denominado contrato de moratória e assunção de dívida.” O lapso é ostensivo na medida em que na conclusão nona a recorrida pugna por que em sede de ampliação do âmbito do recurso se dê como provada a matéria constante do ponto quatro dos factos não provados, tal como foi requerido pela recorrente. Ora, se o que consta da nona conclusão correspondesse à real vontade da recorrida, a ampliação do âmbito do recurso em vez de ser um remédio face à procedência da apelação tornar-se-ia numa adesão a um dos fundamentos do recurso de apelação, no segmento referente a parte da impugnação da decisão da matéria de facto. No entanto, a décima conclusão permite com toda a segurança evidenciar o lapso cometido pela recorrida, razão pela qual se irá considerar em sede de ampliação do âmbito do recurso o que a este propósito a recorrida argumentou no corpo das suas contra-alegações. Acresce que foi com este último sentido que a recorrente interpretou a pretendida ampliação do âmbito do recurso.
[5] O artigo sexto do documento que a ré identificou como sendo cópia do seu pacto social tem o seguinte teor: “Dependem de autorização da Assembleia Geral os actos de contracção de empréstimos que saiam do âmbito normal da actividade social, penhor ou hipoteca de bens sociais, participação em outras empresas pu cessação dessa participação.” Esta matéria foi dada como não provada no ponto 2 dos factos não provados. Sublinhe-se que este documento foi impugnado pela autora no requerimento oferecido em 18 de outubro de 2018.
[6] Neste contrato datado de 05 de junho de 2003, é identificada como primeira outorgante AA, como segundo outorgante BB e terceira outorgante a sociedade E..., Lda, representada pelos gerentes FF e GG. O conteúdo deste contrato é o seguinte: “É celebrado o presente contrato de moratória e assunção de dívida, que se rege pelas seguintes cláusulas: a) No dia 23 de Novembro de mil novecentos e noventa e três, GG, aqui a assinar em representação do terceiro outorgante, E..., L.ª e marido HH venderam ao segundo outorgante, BB, na altura no estado de solteiro e a seus pais EE e DD, estes intervindo por na altura o segundo não ter qualquer rendimento, um apartamento sito na Avenida ..., designado por fracção CA, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, sob o número ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo preço de 12.500 contos e sobre o qual foi constituída uma hipoteca no valor de 10.000 contos ao Banco 2.... b) Esta venda foi feita, no sentido da quantia emprestada pelo Banco ao segundo outorgante e a seus pais, para pagamento do dito apartamento a GG e HH, ser emprestada por estes, à sociedade E..., Lª, terceira outorgante. c) A terceira outorgante, E..., Lª., recebeu, naquela data, a referida quantia e passou a pagar mensalmente ao segundo outorgante, a amortização e os juros, depositando-os na conta que o segundo outorgante, BB, tinha no Banco 2..., na agência da Praça .... d) O segundo outorgante e seu pai, entregaram a HH, em 23 Maio 1994, uma promessa de compra e venda, onde os mesmos se comprometiam a devolver, a ele ou a quem ele indicasse, através de venda a referida fracção, num prazo nunca inferior a dez anos, a fracção livre de encargos ou de ónus. e) Esta operação destinou-se a resolver um importante estrangulamento financeiro, que a E..., Lª. tinham naquela data, fruto entre outras razões, pela entrada em colapso da firma M..., Lª., por gestão dano do seu sócio KK. f) Desde aquela data até hoje, a terceira outorgante E..., Lª, tem vindo a pagar a totalidade das prestações (amortização e juros), bem como todas as despesas resultantes da venda e da referida hipoteca, ao segundo outorgante, por depósito de valores na conta do Banco 2... (Banco 1...), na Praça .... g) O segundo outorgante BB e seus pais venderam ontem dia quatro de Junho de dois mil e três, por escritura pública realizada na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, à primeira outorgante AA, a fracção CA, objecto deste contrato, correspondente ao nono andar, lado sul-nascente, sito na Avenida ..., desta cidade, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número ... da Póvoa de Varzim, inscrita na respectiva matriz sob o artigo ..., pelo preço de 75.000 euros e sobre o qual foi constituída uma hipoteca de 60.000 euros ao Banco 1.... h) O distrate da hipoteca que ainda pendia sobre a fracção, no valor de 29.000 euros, foi liquidado pela primeira outorgante, AA socorrendo-se da verba de 60.000 euros que lhe foi emprestada. Os restantes 28.000 euros, foram entregues à terceira outorgante, E..., Lª. i) Esta venda destinou-se a dar cumprimento à cláusula d) do presente contrato, sendo a venda feita à filha, AA, primeira outorgante. j) A terceira outorgante, E..., Lª., passou a ser responsável a partir daquela data pela quantia de 60.000 euros e fica obrigada a pagar mensalmente à primeira outorgante, AA, a amortização e os juros, depositando-os na conta que esta possui no Banco 1..., .... l) Que conforme as condições de aprovação, o prazo de pagamento é de 144 meses, conforme documento em anexo, do Banco 1... a este contrato, que irá ser assinado por todos os outorgantes. m) Os outorgantes convencionam a seguinte forma de regularização da dívida, resultante do pagamento da hipoteca pela primeira outorgante e que aqui é assumida pela sociedade E..., Lª., terceira outorgante como se segue: Clausula Primeira A partir desta data, a terceira outorgante, E..., Lª., por si ou recorrendo às suas contas particulares, passará a depositar mensalmente, até ao dia quinze, as prestações, amortizações, juros e outras despesas relacionadas com a hipoteca de 60.000 euros, na conta da primeira outorgante, AA, na agência da Póvoa de Varzim, na Praça ... do Banco 1..., até à liquidação total da dívida. Clausula Segunda A terceira outorgante, E..., Lª, apesar do prazo indicado no documento em anexo, irá desenvolver todos os esforços, para a redução, para a redução do prazo para dez anos. Clausula Terceira A falta de pagamento, no respectivo vencimento, de duas prestações seguidas, previstas, bem como a falta de prestações ou a falta de pagamento de despesas relativas à hipoteca, objecto deste contrato, assinado pelos outorgantes implica: a) O vencimento imediato de todas as restantes prestações. b) A exigibilidade, por parte da primeira outorgante, de juros moratórios a partir da entrada em mora, clausulados a uma taxa de 10%. Clausula Quarta O segundo outorgante deixa de ter qualquer responsabilidade a partir da venda desta data. Clausula Quinta A primeira outorgante assumirá desde já o pagamento das despesas relativas à contribuição autárquica, bem como aos consumos de água e luz da fracção, bem como as despesas de condomínio. Clausula Sexta Este contrato é feito em triplicado, ficando um para cada um dos outorgantes. Clausula Sétima As parte convencionam fixar o foro da Comarca da Póvoa de Varzim, para dirimir quaisquer litígios emergentes deste contrato.”
[7] O teor desta ata é o seguinte: “Aos vinte e sete dias do mês de Dezembro do ano de dois mil e três, pelas onze horas, reuniram em Assembleia Geral da sociedade por quotas “E..., Limitada, na sua sede social, sita na Avenida ..., rés-do-chão. A referida sociedade, com o número colectivo ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Póvoa de Varzim, sob o número ..., tem o capital social de quinhentos e cinquenta mil euros e é possuidora de uma quota de trinta e oito mil e quinhentos euros, adquirida ao senhor LL. Na reunião estiveram presentes os sócios, JJ, titular de uma quota de duzentos e oitenta mil e quinhentos euros e GG, FF, EE e MM na qualidade de representante da Sociedade N..., S.A., titulares de uma quota, cada, de trinta e oito mil e quinhentos euros, estando assim representado oitenta e seis por cento do capital social. Faltaram à reunião os sócios NN e o representante legal dos Herdeiros de OO. A ordem de trabalhos, enviada a todos os sócios, era constituída por um ponto cinco “Valores que cada sócio possui, quer em prestações suplementares de capital, quer em suprimentos na E..., Limitada. Presidiu à reunião o sócio JJ, que procedeu à leitura da Convocatória, dando de seguida a palavra ao sócio gerente FF, gerente que acompanhou mais de perto a entrada e saída de dinheiro da sociedade, ao longo destes últimos anos, destinados de uma maneira geral a liquidar as dívidas existentes, fruto de diversas situações que esta sociedade e a sociedade “C...” tiveram, a partir de mil novecentos e noventa e um. Assim referiu como facto mais relevante para tal situação, a quase falência, fraudulenta, a que a sociedade M..., Limitada, foi levada pelos seus únicos sócios gerentes KK e mulher PP, a partir de Junho de mil novecentos e noventa e um, após terem adquirido a quota de sessenta por cento pertencente à sociedade C..., naquela sociedade. Também relevante para a situação criada, foi o negócio de construção nos terrenos de QQ e os problemas criados pela Câmara Municipal e pelo próprio QQ. Como é do conhecimento dos sócios, a M..., Limitada, a partir de Junho de mil novecentos e oitenta e nove, altura em que foi comprada a quota da C..., pelo KK e mulher, por promessa de compra e venda, ficou com a obrigação de acabar o prédio em construção na zona norte, em frente ao mar, os prédios em construção nos terrenos adquiridos a QQ, parte da galeria dois e as infraestruturas do loteamento dos .... A M... recebeu como contrapartida, de E... e de C..., diversos terrenos nos ... e centenas de milhares de contos durante cerca de três anos. Em mil novecentos e noventa e dois, já após ter recebido todas as quantias estipuladas, a M..., Limitada, devido a má gestão e desvio de fundos dos dois únicos sócios gerentes KK e mulher, entrou em dificuldades, tendo parado as obras, que ainda estavam longe de se encontrar terminadas. Em finais do ano de mil novecentos e noventa e dois, os sócios das sociedades E... e C..., perante os problemas que foram criados, reuniram informalmente a fim de encontrarem soluções, para acabarem os prédios e as obras não terminadas pela M.... Perante a impossibilidade das sociedades E... e C..., poderem gerar valores para acabarem a totalidade das obras, foi proposto ao sócio gerente JJ que por compra ou aumento de capital, pudesse entrar com uma verba de pelo menos duzentos e cinquenta mil contos, comprometendo-se os sócios a que a quota do referido sócio gerente passasse a ser de, digo, superior a cinquenta por cento nas duas sociedades. O sócio JJ, aceitou esta solução, ficando de pagar esta quantia num prazo mais ou menos longo, dependente das vendas de bens eu teria de efectuar. Como se pode demonstrar por documentos, o valor entregue pelo sócio gerente JJ, ao longo dos anos, a partir de mil novecentos e noventa e três, por necessidade das duas sociedades, foi muito superior. Também ao longo dos anos, alguns sócios entregaram quantias para resolver problemas pontuais das duas sociedades, valores esses que ainda não foram devolvidos. Assim, há empréstimos feitos pelos sócios GG, EE e pela N.... Há dois lotes de terreno que foram cedidos pelos sócios JJ e FF, destinados a pagar dívidas fiscais da E.... Há dinheiros entregues dos sócios JJ, GG, FF, EE e N..., destinados a pagar as infraestruturas do loteamento dos ... e o [o texto que segue não é a continuação do período que antecede] Pelo sócio FF foi ainda referido que a parte do compromisso assumido pelos sócios, relativamente ao sócio JJ, já se encontra resolvido e que o sócio JJ já era dono de uma quota na E..., Lda, de cinquenta por cento do capital social. Era preciso agora acertar o valor das prestações suplementares de capital e dos suprimentos, que foram alterados ao longo dos anos, a partir de mil novecentos e noventa e dois, sem que esta situação fosse reflectida na contabilidade. Para resolver definitivamente esta situação e fazer reflectir os valores correctos nos balanços e na contabilidade, foi feita uma reunião no dia vinte e dois de Dezembro do corrente ano, com a presença dos sócios gerentes JJ e FF e do responsável pela contabilidade das suas sociedades, E... e C..., onde ficaram totalmente determinadas as quantias que cada sócio tem em ambas as sociedades e que constam dos balanço e da demonstração de resultados. Assim relativamente à sociedade “E..., Lª”, na conta 53 (cinquenta e três), prestações suplementares de capital, existe a quantia de setecentos e cinquenta e três mil cento e oitenta e quatro euros e oitenta e um cêntimos, que pertencem aos seguintes sócios: FF, GG, EE, N... e NN, cada um com a quantia de vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos e JJ a quantia de seiscentos e vinte e oito mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos, que inclui a quantia entrada para as infraestruturas e parte da V[ilegível] e dos .... Na conta 25 (vinte e cinco) suprimentos de sócios, existe a quantia de trezentos e noventa e sete mil novecentos e quinze euros e sessenta e oito cêntimos, que pertencem aos seguintes sócios: JJ e FF, cada um com cento e trinta e oito mil novecentos e sessenta e nove euros e vinte e dois cêntimos; N... com cento e nove mil quatrocentos e setenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos, EE, a quantia de oito mil e quinhentos euros e GG, a quantia de dois mil euros. Os sócios após analizarem [sic] e verificarem toda a documentação que lhes foi apresentada, relativamente a entradas e saídas em dinheiro, desde mil novecentos e noventa e dois, deliberou, por unanimidade, concordar com os valores indicados e com a propriedade dos mesmos, valores que passarão a fazer parte dos instrumentos contabilísticos da sociedade. E nada mais havendo a tratar, foi encerrada a presente reunião, da qual foi elaborada a presente acta, que depois de lida e achada conforme, vai ser assinada por todos os sócios presentes.”
[8] Neste extrato constam, a crédito, os seguintes movimentos provenientes da ré: em 03 de maio de 2010, € 450,00, em 27 de maio de 2010, € 650,00, em 01 de julho de 2010, € 600,00 e em 02 de agosto de 2010, € 650,00.
[9] Deste relatório destacam-se as seguintes passagens: “O Perito antes de responder ao quesito único pretende referir que anteriormente já havia sido indicado Perito pelo Tribunal no Processo 409/11.4TBPVZ-A do 2.º Juízo de Competência Cível da Póvoa de Varzim, cuja matéria de peritagem estava relacionado com o pedido agora solicitado. Assim sendo, da análise efetuada aos documentos da contabilidade e aos Balancetes Contabilísticos de Encerramento dos anos de 2003 a 2010 o Perito não verificou qualquer conta contabilística em Nome do Falecido AA. Ou seja na contabilidade qualquer movimento financeiro de entrada de fundos relacionado com o Falecido, nem de saída de fundos relacionado com o Falecido. Da análise efectuada ao extracto da conta bancária do Falecido com o nº ... da Banco 1... entre o período compreendido de 01 de agosto de 2003 a 29 de outubro de 2010 o Perito apenas verificou existirem as seguintes transferências a crédito (TEI – Transferências Eletrónicas Interbancárias) referentes a entrada nessa conta e cujo remetente foi a E..., nomeadamente as seguintes: - Transferência Bancária evidenciada na conta bancária nº ... do Falecido com data de 03 de maio de 2010 no montante de 450,00 € e cujo registo contabilístico na E... está evidenciado no dia 30 de abril de 2010, transferência bancária no montante global de 900,00 € tendo sido registado na Contabilidade 450,00 € em Nome de GG e outros 450,00 € em nome de EE; - Transferência Bancária evidenciada na conta bancária nº ... do Falecido com data de 27 de maio de 2010 no montante de 650,00 € e cujo registo contabilístico na E... está evidenciado no dia 26 de maio de 2010, transferência bancária no montante global de 1.300,00 € tendo sido registado na Contabilidade 650,00 € em Nome de GG e outros 650,00 € em nome de EE; - Transferência Bancária evidenciada na conta bancária nº ... do Falecido com data de 01 de julho de 2010 no montante de 600,00 € e cujo registo contabilístico na E... está evidenciado no dia 30 de junho de 2010, transferência bancária no montante global de 1.200,00 € tendo sido registado na Contabilidade 600,00 € em Nome de GG e outros 600,00 € em nome de EE; Transferência Bancária evidenciada na conta bancária nº ... do Falecido com data de 02 de agosto de 2010 no montante de 650,00 € e cujo registo contabilístico na E... está evidenciado no dia 30 de julho de 2010, transferência bancária no montante global de 1.300,00 € tendo sido registado na Contabilidade 650,00 € em Nome de GG e outros 650,00 € em nome de EE; Tendo em todos os documentos de suporte referentes à Transferência Bancária mencionado a lápis o nome de “FF ...”.” De acordo com o evidenciado o Perito refere que a contabilidade da E... não espelha a realidade dos movimentos efetuados, tendo por isso sido manipulada a sua escrituração.” O relatório foi objeto de reclamação, tendo o Sr. Perito mantido as suas conclusões periciais.
[10] Sobre esta problemática veja-se Código de Processo Civil Anotado, da autoria de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, 3ª edição, Volume 2º, Almedina 2017, páginas 269 a 271, anotação 1 ao artigo 446º do Código de Processo Civil.
[11] Consta do ponto 3 dos factos não provados o seguinte: “O acordo referido em 3 dos factos provados foi celebrado entre 30-09-2006 e 14-02-2011.” Por seu turno, deu-se como provado no ponto 3 dos factos provados o seguinte: “A autora, BB e os gerentes da ré, FF e GG celebraram um acordo que denominaram de “contrato de moratória e assunção de dívida”, datado de 05-06-2003.”
[12] Vejam-se: Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, Reimpressão, Coimbra Editora, fevereiro 2011, Pires de Lima e Antunes Varela, página 319, anotação 4 ao artigo 359º do Código Civil; Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Actualizada de acordo com o DEC.-LEI 242/85, Coimbra Editora, da autoria de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, página 564, 2º parágrafo e nota 2.
[13] A proibição de prova testemunhal prevista nestes preceitos é extensível à prova por presunções por força do disposto no artigo 351º do Código Civil, mas não se aplica à prova pericial, embora se trate também de um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador.
[14] Sobre esta problemática, por todos, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 2015, proferido no processo nº 940/10.9TVPRT.P1.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes e acessível na base de dados da DGSI.
[15] Sobre esta problemática veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2012, proferido no processo nº 4146/07.6TVLSB.L1.S1, acessível no site da DGSI.
[16] Segue-se nesta problemática a posição do Senhor Juiz Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes, exposta na sua obra intitulada “Recursos em Processo Civil”, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, páginas 357 e 358, quando sustenta que mesmo em sede de ampliação da decisão da matéria de facto apenas deve ser decretada a anulação do julgamento quando a Relação não tenha ao seu dispor todos os elementos probatórios relevantes.
[17] Neste contrato datado de 05 de junho de 2003, é identificada como primeira outorgante AA, como segundo outorgante BB e terceira outorgante a sociedade E..., Lda, representada pelos gerentes FF e GG. O conteúdo deste contrato é o seguinte: “É celebrado o presente contrato de moratória e assunção de dívida, que se rege pelas seguintes cláusulas: a) No dia 23 de Novembro de mil novecentos e noventa e três, GG, aqui a assinar em representação do terceiro outorgante, E..., L.ª e marido HH venderam ao segundo outorgante, BB, na altura no estado de solteiro e a seus pais EE e DD, estes intervindo por na altura o segundo não ter qualquer rendimento, um apartamento sito na Avenida ..., designado por fracção CA, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, sob o número ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo preço de 12.500 contos e sobre o qual foi constituída uma hipoteca no valor de 10.000 contos ao Banco 2.... b) Esta venda foi feita, no sentido da quantia emprestada pelo Banco ao segundo outorgante e a seus pais, para pagamento do dito apartamento a GG e HH, ser emprestada por estes, à sociedade E..., Lª, terceira outorgante. c) A terceira outorgante, E..., Lª., recebeu, naquela data, a referida quantia e passou a pagar mensalmente ao segundo outorgante, a amortização e os juros, depositando-os na conta que o segundo outorgante, BB, tinha no Banco 2..., na agência da Praça .... d) O segundo outorgante e seu pai, entregaram a HH, em 23 Maio 1994, uma promessa de compra e venda, onde os mesmos se comprometiam a devolver, a ele ou a quem ele indicasse, através de venda a referida fracção, num prazo nunca inferior a dez anos, a fracção livre de encargos ou de ónus. e) Esta operação destinou-se a resolver um importante estrangulamento financeiro, que a E..., Lª. tinham naquela data, fruto entre outras razões, pela entrada em colapso da firma M..., Lª., por gestão dano do seu sócio KK. f) Desde aquela data até hoje, a terceira outorgante E..., Lª, tem vindo a pagar a totalidade das prestações (amortização e juros), bem como todas as despesas resultantes da venda e da referida hipoteca, ao segundo outorgante, por depósito de valores na conta do Banco 2... (Banco 1...), na Praça .... g) O segundo outorgante BB e seus pais venderam ontem dia quatro de Junho de dois mil e três, por escritura pública realizada na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, à primeira outorgante AA, a fracção CA, objecto deste contrato, correspondente ao nono andar, lado sul-nascente, sito na Avenida ..., desta cidade, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número ... da Póvoa de Varzim, inscrita na respectiva matriz sob o artigo ..., pelo preço de 75.000 euros e sobre o qual foi constituída uma hipoteca de 60.000 euros ao Banco 1.... h) O distrate da hipoteca que ainda pendia sobre a fracção, no valor de 29.000 euros, foi liquidado pela primeira outorgante, AA socorrendo-se da verba de 60.000 euros que lhe foi emprestada. Os restantes 28.000 euros, foram entregues à terceira outorgante, E..., Lª. i) Esta venda destinou-se a dar cumprimento à cláusula d) do presente contrato, sendo a venda feita à filha, AA, primeira outorgante. j) A terceira outorgante, E..., Lª., passou a ser responsável a partir daquela data pela quantia de 60.000 euros e fica obrigada a pagar mensalmente à primeira outorgante, AA, a amortização e os juros, depositando-os na conta que esta possui no Banco 1..., .... l) Que conforme as condições de aprovação, o prazo de pagamento é de 144 meses, conforme documento em anexo, do Banco 1... a este contrato, que irá ser assinado por todos os outorgantes. m) Os outorgantes convencionam a seguinte forma de regularização da dívida, resultante do pagamento da hipoteca pela primeira outorgante e que aqui é assumida pela sociedade E..., Lª., terceira outorgante como se segue: Clausula Primeira A partir desta data, a terceira outorgante, E..., Lª., por si ou recorrendo às suas contas particulares, passará a depositar mensalmente, até ao dia quinze, as prestações, amortizações, juros e outras despesas relacionadas com a hipoteca de 60.000 euros, na conta da primeira outorgante, AA, na agência da Póvoa de Varzim, na Praça ..., até à liquidação total da dívida. Clausula Segunda A terceira outorgante, E..., Lª, apesar do prazo indicado no documento em anexo, irá desenvolver todos os esforços, para a redução do prazo para dez anos. Clausula Terceira A falta de pagamento, no respectivo vencimento, de duas prestações seguidas, previstas, bem como a falta de prestações ou a falta de pagamento de despesas relativas à hipoteca, objecto deste contrato, assinado pelos outorgantes implica: a) O vencimento imediato de todas as restantes prestações. b) A exigibilidade, por parte da primeira outorgante, de juros moratórios a partir da entrada em mora, clausulados a uma taxa de 10%. Clausula Quarta O segundo outorgante deixa de ter qualquer responsabilidade a partir da venda desta data. Clausula Quinta A primeira outorgante assumirá desde já o pagamento das despesas relativas à contribuição autárquica, bem como aos consumos de água e luz da fracção, bem como as despesas de condomínio. Clausula Sexta Este contrato é feito em triplicado, ficando um para cada um dos outorgantes. Clausula Sétima As parte convencionam fixar o foro da Comarca da Póvoa de Varzim, para dirimir quaisquer litígios emergentes deste contrato.”
[18] O teor desta ata é o seguinte: “Aos vinte e sete dias do mês de Dezembro do ano de dois mil e três, pelas onze horas, reuniram em Assembleia Geral da sociedade por quotas “E..., Limitada, na sua sede social, sita na Avenida ..., rés-do-chão. A referida sociedade, com o número colectivo ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Póvoa de Varzim, sob o número ..., tem o capital social de quinhentos e cinquenta mil euros e é possuidora de uma quota de trinta e oito mil e quinhentos euros, adquirida ao senhor LL. Na reunião estiveram presentes os sócios, JJ, titular de uma quota de duzentos e oitenta mil e quinhentos euros e GG, FF, EE e MM na qualidade de representante da Sociedade N..., S.A., titulares de uma quota, cada, de trinta e oito mil e quinhentos euros, estando assim representado oitenta e seis por cento do capital social. Faltaram à reunião os sócios NN e o representante legal dos Herdeiros de OO. A ordem de trabalhos, enviada a todos os sócios, era constituída por um ponto cinco “Valores que cada sócio possui, quer em prestações suplementares de capital, quer em suprimentos na E..., Limitada. Presidiu à reunião o sócio JJ, que procedeu à leitura da Convocatória, dando de seguida a palavra ao sócio gerente FF, gerente que acompanhou mais de perto a entrada e saída de dinheiro da sociedade, ao longo destes últimos anos, destinados de uma maneira geral a liquidar as dívidas existentes, fruto de diversas situações que esta sociedade e a sociedade “C...” tiveram, a partir de mil novecentos e noventa e um. Assim referiu como facto mais relevante para tal situação, a quase falência, fraudulenta, a que a sociedade M..., Limitada, foi levada pelos seus únicos sócios gerentes KK e mulher PP, a partir de Junho de mil novecentos e noventa e um, após terem adquirido a quota de sessenta por cento pertencente à sociedade C..., naquela sociedade. Também relevante para a situação criada, foi o negócio de construção nos terrenos de QQ e os problemas criados pela Câmara Municipal e pelo próprio QQ. Como é do conhecimento dos sócios, a M..., Limitada, a partir de Junho de mil novecentos e oitenta e nove, altura em que foi comprada a quota da C..., pelo KK e mulher, por promessa de compra e venda, ficou com a obrigação de acabar o prédio em construção na zona norte, em frente ao mar, os prédios em construção nos terrenos adquiridos a QQ, parte da galeria dois e as infraestruturas do loteamento dos .... A M... recebeu como contrapartida, de E... e de C..., diversos terrenos nos ... e centenas de milhares de contos durante cerca de três anos. Em mil novecentos e noventa e dois, já após ter recebido todas as quantias estipuladas, a M..., Limitada, devido a má gestão e desvio de fundos dos dois únicos sócios gerentes KK e mulher, entrou em dificuldades, tendo parado as obras, que ainda estavam longe de se encontrar terminadas. Em finais do ano de mil novecentos e noventa e dois, os sócios das sociedades E... e C..., perante os problemas que foram criados, reuniram informalmente a fim de encontrarem soluções, para acabarem os prédios e as obras não terminadas pela M.... Perante a impossibilidade das sociedades E... e C..., poderem gerar valores para acabarem a totalidade das obras, foi proposto ao sócio gerente JJ que por compra ou aumento de capital, pudesse entrar com uma verba de pelo menos duzentos e cinquenta mil contos, comprometendo-se os sócios a que a quota do referido sócio gerente passasse a ser de, digo, superior a cinquenta por cento nas duas sociedades. O sócio JJ, aceitou esta solução, ficando de pagar esta quantia num prazo mais ou menos longo, dependente das vendas de bens eu teria de efectuar. Como se pode demonstrar por documentos, o valor entregue pelo sócio gerente JJ, ao longo dos anos, a partir de mil novecentos e noventa e três, por necessidade das duas sociedades, foi muito superior. Também ao longo dos anos, alguns sócios entregaram quantias para resolver problemas pontuais das duas sociedades, valores esses que ainda não foram devolvidos. Assim, há empréstimos feitos pelos sócios GG, EE e pela N.... Há dois lotes de terreno que foram cedidos pelos sócios JJ e FF, destinados a pagar dívidas fiscais da E.... Há dinheiros entregues dos sócios JJ, GG, FF, EE e N..., destinados a pagar as infraestruturas do loteamento dos ... e o [o texto que segue não é a continuação do período que antecede] Pelo sócio FF foi ainda referido que a parte do compromisso assumido pelos sócios, relativamente ao sócio JJ, já se encontra resolvido e que o sócio JJ já era dono de uma quota na E..., Lda, de cinquenta por cento do capital social. Era preciso agora acertar o valor das prestações suplementares de capital e dos suprimentos, que foram alterados ao longo dos anos, a partir de mil novecentos e noventa e dois, sem que esta situação fosse reflectida na contabilidade. Para resolver definitivamente esta situação e fazer reflectir os valores correctos nos balanços e na contabilidade, foi feita uma reunião no dia vinte e dois de Dezembro do corrente ano, com a presença dos sócios gerentes JJ e FF e do responsável pela contabilidade das suas sociedades, E... e C..., onde ficaram totalmente determinadas as quantias que cada sócio tem em ambas as sociedades e que constam dos balanço e da demonstração de resultados. Assim relativamente à sociedade “E..., Lª”, na conta 53 (cinquenta e três), prestações suplementares de capital, existe a quantia de setecentos e cinquenta e três mil cento e oitenta e quatro euros e oitenta e um cêntimos, que pertencem aos seguintes sócios: FF, GG, EE, N... e NN, cada um com a quantia de vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos e JJ a quantia de seiscentos e vinte e oito mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos, que inclui a quantia entrada para as infraestruturas e parte da V[ilegível] e dos .... Na conta 25 (vinte e cinco) suprimentos de sócios, existe a quantia de trezentos e noventa e sete mil novecentos e quinze euros e sessenta e oito cêntimos, que pertencem aos seguintes sócios: JJ e FF, cada um com cento e trinta e oito mil novecentos e sessenta e nove euros e vinte e dois cêntimos; N... com cento e nove mil quatrocentos e setenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos, EE, a quantia de oito mil e quinhentos euros e GG, a quantia de dois mil euros. Os sócios após analizarem [sic] e verificarem toda a documentação que lhes foi apresentada, relativamente a entradas e saídas em dinheiro, desde mil novecentos e noventa e dois, deliberou, por unanimidade, concordar com os valores indicados e com a propriedade dos mesmos, valores que passarão a fazer parte dos instrumentos contabilísticos da sociedade. E nada mais havendo a tratar, foi encerrada a presente reunião, da qual foi elaborada a presente acta, que depois de lida e achada conforme, vai ser assinada por todos os sócios presentes.”
[19] Acessível na base de dados da DGSI.
[20] Veja-se o Boletim do Ministério da Justiça nº 106, maio 1961, página 107 e nota 675. Nesta nota de rodapé cita-se, entre outras fontes, a Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 89, nº 3090, de março de 1957, página 328, nota 2 que por sua vez invocando Pothier referia que a “prescrição do artigo 543º, nº 1 (e também a do nº 2, só estando fora disso a do nº 3), destina-se a evitar – como já ensinava Pothier, Obrigações, nº 674 – a ruína do devedor, por acumulação de prestações periódicas em atrazo.”
[21] Páginas 113 e 114.
[22] De seguida ao texto supra transcrito, na nota de rodapé nº 694, são citados Azzariti e Scarpello, anotação nº 9 ao artigo 2948º, da forma que segue: «É duvidoso se a prescrição breve pode aplicar-se às quotas de amortização de uma dívida, que, como é sabido, compreendem uma fracção de capital e os juros em proporção variável. Em rigor de lógica, deveria aplicar-se a cada um dos elementos que constituem a quota, a sua prescrição própria, isto é, a breve ao elemento juros e a ordinária ao elemento capital. Mas esta solução não parece aceitável, pois viria a admitir-se o concurso de duas prescrições diferentes sobre uma prestação, considerada pelas partes como unitária e incindível. Excluída esta solução, resta examinar se deve ter preferência, quanto ao complexo da quota, a prescrição ordinária ou a prescrição especial. Alguns propendem para esta última, atendendo a que o plano de amortização transforma a dívida numa série de prestações por um longo número de anos, capazes de produzir uma acumulação de atrasados excedente ao capital [Citam Pugliese, 383, e Baudry-Lacantinerie e Tissier, trad. It., 621]. Outros, pelo contrário, objectam (e esta tese parece mais fundada) que, compreendendo cada quota também uma fracção de capital, se torna necessariamente aplicável o prazo ordinário de prescrição [citam Venzi, II, 644]».
[23] Segue-se o ensinamento do Sr. Professor Rui de Alarcão in Direito das Obrigações, Coimbra 1983, texto elaborado com base nas suas lições pelos Srs. Drs. J. Sousa Ribeiro, J. Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, páginas 47 a 51.
[24] Neste sentido, na jurisprudência, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de fevereiro de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Alves Velho, no processo nº 08A3952, acessível no site da DGSI.
[25] Na jurisprudência, operando a distinção entre obrigações periódicas e fracionadas vejam-se os seguintes acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa: de 16 de setembro de 2008, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador João Aveiro Pereira, no processo nº 4693/2008-1 e de 12 de julho de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Pedro Brighton, no processo nº 815/11.4TJLSB.L1-1, ambos acessíveis no site da DGSI.
[26] Também conhecidas por vezes como prestações periódicas. Porém, ensina o autor que antes citámos (ver página 49) que, em rigor, nem todas as prestações com trato sucessivo são periódicas, devendo assim distinguir-se dentro das prestações reiteradas ou com trato sucessivo as prestações periódicas das não periódicas. Como exemplo de prestações periódicas a obrigação de pagamento de renda e como não periódica a obrigação de fazer reparações numa dada máquina, sempre que o seu bom funcionamento o exija.
[27] Neste sentido, vendo as coisas pela perspetiva passiva: Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3090, Ano 89, 1956-1957, página 328, nota 2; Boletim do Ministério da Justiça, nº 106, maio 1961, estudo do Sr. Professor Vaz Serra intitulado “Prescrição Extintiva e Caducidade”, página 107. Enfocando a fundamentação do regime da prescrição quinquenal pelo prisma ativo vejam-se: Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª reimpressão, Coimbra 1974, Manuel A. Domingues de Andrade, página 452; Código Civil Anotado, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, página 280, anotação 1. Referindo as duas vertentes veja-se, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, página 755, § 4. Na jurisprudência, focando-se na segunda vertente, vejam-se os seguintes acórdãos, todos acessíveis na base de dados da DGSI: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de maio de 2002, proferido no processo nº 02B1143 e relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Dionísio Correia; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de março de 2014, proferido no processo nº 189/12.6TBHRT-A.L1 e relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Silva Gonçalves.
[28] O uso de aspas justifica-se porque a figura dos autos, como melhor se verá adiante, não é uma assunção de dívida como prevista no artigo 595º do Código Civil.
[29] Referimo-nos à jurisprudência publicada já que, como é sabido, apenas uma parte reduzida da jurisprudência produzida é publicada, desconhecendo-se se a que é publicada é um retrato fiel de toda a jurisprudência.
[30] Neste ano, na Colectânea de Jurisprudência Ano I, Tomo II – 1993, páginas 82 a 84, é publicado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de maio de 1993, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Santos Monteiro e no qual se decidiu que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital mutuado pagáveis com os juros respetivos, independentemente de haver capitalização de juros.
[31] Assim, citando apenas jurisprudência do nosso mais alto tribunal publicada em 2020 e 2021, estão acessíveis nas bases de dados da DGSI os seguintes acórdãos, ordenados cronologicamente: acórdão de 23 de janeiro de 2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, acessível em ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S; acórdão de 10 de setembro de 2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Rijo Ferreira, no processo nº 805/18.6T8OVR-A.P1.S1; acórdão de 03 de novembro de 2020, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Fátima Gomes, no processo nº 8563/15.0T8STB-A.E1.S1; acórdão de 12 de novembro de 2020, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria do Rosário Morgado, no processo nº 7214/18.5T8STB-A.E1.S1; acórdão de 09 de fevereiro de 2021, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fernando Samões, no processo nº 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1; acórdão de 04 de maio de 2021, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pedro Lima Gonçalves, no processo nº 3522/18.3T8LLE-A.E1.S1; acórdão de 06 de julho de 2021, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Fátima Gomes, no processo nº 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1. Para uma resenha exaustiva da jurisprudência publicada sobre esta problemática e com indicação das dissonâncias existentes veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09 de setembro de 2021, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Pedro Martins, no processo nº 139552/18.5YIPRT.L1-2, também acessível na base de dados da DGSI.
[32] Processo nº 1640/09.8TBMCN-A.P1, acórdão proferido em 07 de fevereiro de 2022.
[33] Um deles, datado de 12 de julho de 2021, está publicado na base de dados da DGSI e foi relatado pelo Sr. Juiz Desembargador José Eusébio Almeida, no processo nº 48/19.1T8MAI-B.P1.
[34] Justamente porque a recorrente faz derivar esta pretensão de vencimento antecipado não exclusivamente do artigo 781º do Código Civil, mas também da cláusula terceira do contrato de moratória e assunção de dívida que prescreve, além do mais, que “A falta de pagamento, no respectivo vencimento, de duas prestações seguidas, previstas, bem como a falta de prestações ou a falta de pagamento de despesas relativas à hipoteca, objecto deste contrato, assinado pelos outorgantes implica: a) O vencimento imediato de todas as restantes prestações. b) A exigibilidade, por parte da primeira outorgante, de juros moratórios a partir da entrada em mora, clausulados a uma taxa de 10%.” Na medida em que o vencimento das restantes prestações em dívida é imediato, não é necessária a interpelação para que o vencimento antecipado ocorra como se tem dominantemente entendido à luz do artigo 781º do Código Civil.
[35] Assim vejam-se: acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de novembro de 2019, relatado pela Sra. Juíza Desembargadora Maria Teresa Albuquerque, no processo nº 126848/17.2YIPRT.C1; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de janeiro de 2021, relatado pela Sra. Juíza Desembargadora Isabel Salgado, no processo nº 8636/16.1T8LRS-A-7.
[36] Veja-se o Professor António Menezes Cordeiro no Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, Exercício Jurídico, 2ª Edição Revista e Atualizada, Almedina 2015, páginas 212 e 213, alínea e) onde escreve o seguinte: “e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros: opera nos casos em que se tenha convencionado que o próprio capital iria sendo pago em prestações, com os juros; numa ocasião pode suceder que, por força do contrato, o não pagamento de uma prestação provoque o vencimento das restantes; pois bem: a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência [neste ponto, na nota de rodapé nº 652 cita-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de maio de 1993, publicado no Tomo II da Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, páginas 82 a 84,já antes citado]; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de …quotas de amortização”. Esta passagem está integralmente reproduzida no Código Civil Comentado, I – Parte Geral, coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina 2020, páginas 892 e 893, alínea e) da anotação 3 ao artigo 310º do Código Civil.
[37] Veja-se o seguinte acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, acessível na base de dados da DGSI: acórdão de 26 de janeiro de 2021, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria João Vaz Tomé, no processo nº 20767/16.3T8PRT-A.S2. Neste acórdão cita-se na nota de rodapé nº 14, no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de maio de 1993 já antes citado. Cita-se ainda o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 27 de março de 2014, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Silva Gonçalves, no processo nº 89/12.6TBHRT-A.L1.S1 [na realidade o número deste processo é o 189/12.6TBHRT-A.L1.S1]. Porém, lidos os fundamentos deste acórdão não vemos neles que tome posição sobre a questão do prazo prescricional aplicável, no caso de vencimento antecipado das prestações fracionadas, hipótese que aliás não era convocada no caso decidido em tal aresto.
[38] Assim, a título meramente exemplificativo vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, acessíveis nas bases de dados da DGSI: acórdão de 23 de janeiro de 2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, acessível em ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S1; acórdão de 10 de setembro de 2020, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Rijo Ferreira, no processo nº 805/18.6T8OVR-A.P1.S1; acórdão de 03 de novembro de 2020, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Fátima Gomes, no processo nº 8563/15.0T8STB-A.E1.S1; acórdão de 12 de novembro de 2020, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria do Rosário Morgado, no processo nº 7214/18.5T8STB-A.E1.S1. Na doutrina, neste sentido, veja-se Boletim do Ministério da Justiça nº 105, abril 1961, estudo já citado do Senhor Professor Vaz Serra, primeiro parágrafo da página 213 e A Moeda, Estudo Jurídico e Económico, Almedina 2021, José Engrácia Antunes, páginas 573 e 574.
[39] Antes do Código Civil atual já assim pensava Luiz da Cunha Gonçalves no seu Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil Português, Coimbra Editora, Lda., Coimbra 1930, Volume III, página 671, que em anotação aos artigos 505º e 506º, alínea a) do nº 419 dedicado aos efeitos da prescrição, escrevendo a propósito o seguinte: “a) O devedor, cuja dívida ficou extinta, fica liberto de pagar, não só o capital, mas também os juros que pudesse estar devendo no momento em que a prescrição se completou.” Também A. Von Tuhr, no seu Tratado de las Obligaciones, Tomo II, Reus, S.A., reimpresión de la 1ª edición 1999, tradução do alemão por W. Roces, página 193, V, com referência ao artigo 133º da Lei Federal que completou o Código Civil Suíço, refere que a prescrição é extensiva aos juros e demais direitos acessórios que envolve. Na sua redação originária, o artigo 224º do Código Civil alemão também apontava neste sentido. Refira-se ainda que a circunstância de o penhor não se extinguir com a prescrição da obrigação garantida (artigo 677º do Código Civil), ao invés do que sucede com a hipoteca (artigo 730º, alínea b), do Código Civil), não constitui argumento no sentido de poder subsistir a obrigação de pagamento de juros de mora independentemente da obrigação de pagamento do capital a que se refere, pois que essa exceção, se não erramos, tem a ver com a natureza real do penhor e que em regra implica a entrega da coisa (artigo 669º, nº 1, do Código Civil), criando-se assim um regime paralelo ao que existe em sede de exceção de não cumprimento no artigo 430º do Código Civil.
[40] Veja-se o Boletim do Ministério da Justiça nº 105, Abril 1961, páginas 171 a 173.
[41] E ao invés, no artigo 561º do Código Civil prevê-se que desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro.
[42] Uma vez que a ação foi proposta em 05 de julho de 2018 (veja-se o ponto 3.2.1.15 dos factos provados), a prescrição interrompeu-se em 10 de julho de 2018, ex vi artigo 323º, nº 2, do Código Civil.
[43] A propósito, veja-se A Moeda, Estudo Jurídico e Económico, Almedina 2021, José Engrácia Antunes, página 572 que escreve “prescrita a obrigação de capital cessa a contagem e o vencimento de juros, salvo convenção em contrário e sem prejuízo da exigibilidade dos juros vencidos nos cinco anos anteriores”.
[44] As partes tinham todo o interesse em ocultar à entidade bancária qual era o destino do capital mutuado pois que o contrato em causa era um mútuo de escopo, isto é, o capital mutuado destinava-se ao pagamento do preço da fração autónoma comprada pela primitiva autora (sobre a figura do mútuo de escopo veja-se Direito das Obrigações, Volume III, 5ª Edição, Almedina 2008, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, páginas 419 a 422).
[45] Quanto a uma assunção de dívida no sentido próprio do termo, que, como vimos, não é o caso dos autos, o Sr. Juiz Conselheiro Pinto Furtado sustenta que lhe é aplicável a fortiori o regime previsto no nº 3 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais (veja-se Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Artigos 1º a 19º, Almedina 2009, página 251, ponto 5., I). Alexandre Soveral Martins critica este enquadramento, sustentando que a figura da assunção de dívida é mais grave do que a simples garantia de pagamento da dívida alheia, devendo por isso ser analisada à luz do nº 2 do artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais (veja-se Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina 2010, Volume I, página 114, nota 18).
[46] Não se deve perder de vista que enquanto as pessoas humanas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres previstos na Constituição da República Portuguesa (artigo 12º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza (artigo 12º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa),
[47] Neste sentido veja-se Curso de Direito Comercial, Volume II, 7ª Edição, Das Sociedades, Almedina 2021, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, página 188.
[48] Sobre o alcance do direito civil como direito subsidiário do Código das Sociedades Comerciais veja-se a anotação 3 ao artigo 2º do Código das Sociedades Comerciais, da autoria de Hugo Duarte Fonseca in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina 2010, Volume I, páginas 58 a 60.