Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2419/21.4JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: CRIME DE HOMICÍDIO TENTADO
REGIME ESPECIAL DE JOVENS DELINQUENTES
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA DE PRISÃO
PREVENÇÃO GERAL
Nº do Documento: RP202403062419/21.4JAPRT.P1
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO E PROVIMENTO PARCIAL.
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Um reconhecimento seja ele presencial ou fotográfico, apenas pode ter dois resultados: positivo, se for identificada uma pessoa de uma forma consistente ou negativo, se não houver nenhuma identificação.
II - Face à idade à data dos factos, 20 anos, às tentativas de reorganização familiar e as condenações criminais terem ocorreram após a prática destes factos, justifica-se aplicar o regime especial para jovens e em função disso operar a atenuação especial da pena abstrata encontrada para o crime de homicídio simples na forma tentada.
III - A comunidade em geral e a comunidade em que se insere o arguido, bairro com problemáticas sociais, não veria as suas expetativas satisfeitas na normalização da norma jurídica violada com a manutenção do arguido na situação de liberdade, ainda que eventualmente sujeito a regime de prova, pois a mensagem que passaria seria a de impunidade para um atentado à vida humana.

(da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n º 2419/21.4JAPRT.P1


Relator Paulo Costa.
Adjuntos Pedro Afonso Lucas
Donas Botto






Acordam em Conferência na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto


1 Relatório

Nos autos nº 2419/21.4JAPRT.P1, que correram os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto e Vila do Conde - Juiz 6, foi proferida decisão:
A) condena o arguido AA pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido, pelo art. 132º, nº 1, nº2 al. h) do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão.
B) Absolve o arguido AA da prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, al. c) da Lei 5/2006 de 23/02
C)condena o arguido BB pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido, pelo art. 132º, nº 1, nº2 al. h) do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
D) Absolve o arguido BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, al. c) da Lei 5/2006 de 23/02
E) Julgar o pedido de indemnização civil procedente e consequentemente condenar o demandado no pagamento da quantia de quatro mil, seiscentos e quarenta e sete euros ao Centro Hospitalar Universitário do Porto, E.P.E. acrescidos dos respectivos juros de mora à taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral e efectivo pagamento
F) Condeno os arguidos nas custas, em 2 Ucs de taxa de justiça, G)Condeno o arguido nas custas do pedido de indemnização civil, na proporção do decaimento.
H) Ordeno a recolha da ADN nos termos do art. 8º, nº2 da lei 5/2008 de 12 de Fevereiro
I)Declaro perdidas a favor do Estado as munições e os invólucros e a sua destruição.”
Não conformados, vieram os arguidos interpor recurso, tendo concluído o mesmo nos seguintes termos:
Arguido BB.
III – Conclusões
1. O Recorrente foi condenado por um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art.132º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do C.P., a uma pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.
2. Tal condenação assentou nos factos dados como provados pelo Tribunal “A Quo” – vide ponto 6 da presente matéria recursiva.
3. Factos cuja motivação assentou essencialmente nas declarações do ofendido prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento – vide ponto 8 do presente recurso.
4. Sendo tal prova testemunhal suficiente para formar a livre convicção do Tribunal “A Quo” de que foi o arguido BB quem cometeu os factos que consubstanciam o crime aqui em questão.
5. Assim, é precisamente por tal motivo que não pode o Recorrente conformar-se com a sua condenação, uma vez que o próprio ofendido não foi capaz de afirmar com certeza que era o arguido BB um dos sujeitos que entrou na garagem, na data e hora em que ocorreram os factos,
6. E que, consequentemente disparou uma arma de fogo, cujo um dos disparos veio, supostamente, a atingir o ofendido.
7. Motivo pelo qual, o Recorrente, impugna amplamente a matéria de facto, nomeadamente os factos vertidos nos pontos 2, 3, 5, 6, 7, 8, 11, 12 e 13 do Acórdão Recorrido.
8. No que concerne ao ponto 2 da matéria de facto dada como provada, deu o Tribunal “A Quo” como provado que: ““2 - No dia 26 de junho de 2021, a hora não concretamente apurada, mas antes das 19.30 horas, os arguidos acordaram entre si ajustar contas com o ofendido CC, em virtude de desentendimentos anteriormente ocorridos entre este e o arguido AA.”
9. Entende o Recorrente que tal ponto se encontra incorretamente julgado por inexistirem elementos probatórios que o sustentem.
10. Não existe uma única mensagem, uma escuta, uma conversa que prove que os arguidos aderiram a um plano para justar contas com o ofendido.
11. Neste ponto, o Tribunal “A Quo” baseou-se na amizade existente entre os dois arguidos – vide ponto 19 do presente recurso.
12. Ora, não pode uma amizade ser justificação para uma situação como a que se encontra em apreço.
13. Pelo que, tal ponto deve ser dado como não provado.
14. No que concerne ao ponto 3 da matéria de facto dada como provada, dá o Tribunal “A Quo” como provado que: “3 - Na execução desse plano previamente gizado entre ambos, nesse mesmo dia, pelas 19.30 horas, sabendo que CC ai se encontrava, os arguidos dirigiram-se para a referida garagem, sendo que o arguido BB ia munido de uma arma de fogo de calibre 6,35 mm, municiada.”
15. Entende, o Recorrente, que tal ponto se encontra incorretamente julgado, pois não foi possível apurar de forma inequívoca que foi o aqui Recorrente um dos indivíduos que cometeu os factos e que disparou uma arma de fogo.
16. Pelo que se procedeu à sua impugnação nos termos do art. 412º, n.3 do C.P.P.
17. Por tal ponto se encontrar relacionado com o ponto 2 da matéria de facto dada como provada, o aqui Recorrente, dá como reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 10 a 12 das presentes conclusões.
18. Cumpre acrescentar que, das declarações do ofendido prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento é clara a incerteza e a dúvida do próprio quando questionado se reconhecia o arguido BB ali presente na sala.
19. Pelo que, respondeu que não conhecia aquele rapaz (arguido BB) e assim não podia afirmar com certeza absoluta que foi ele um dos sujeitos que cometeram os factos aqui em discussão – vide pontos 36 e 46 da presente matéria recursiva.
20. Tendo, o próprio até referido que no bairro onde se localiza a garagem onde ocorreram os factos existem mais 2 ou 3 rapazes idênticos aquele que se encontrava na sala de audiências e que correspondia à pessoa do aqui Recorrente.
21. Aliás, o próprio ofendido, quando chamado para efetuar o reconhecimento presencial identificou o arguido BB como sendo semelhante com a pessoa que efetivamente disparou – vide pontos 40 a 41 do presente recurso.
22. A tudo isto acrescem as declarações da outra testemunha no processo, DD, que afirmou, perentoriamente, em sede de audiência de discussão e julgamento que não foi possível identificar as pessoas que cometeram os factos aqui em discussão, porque estes tinham entrado de cara tapada – vide ponto 52 do presente recurso.
23. Ou seja, não existe um único elemento probatório que coloque o arguido BB nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram os factos.
24. Pois, não existe uma identificação cabal e com a certeza exigível inerente a uma condenação.
25. Mas porque tal não era suficiente e o Tribunal “A Quo” sabia disso, entendeu, para justificar a condenação, que as testemunhas não identificaram os arguidos por medo.
26. O que não se pode aceitar.
27. Pois, em primeiro lugar, o ofendido foi questionado, no início do seu depoimento se pretendia prestar declarações na ausência dos arguidos, tendo respondido que lhe era indiferente – vide ponto 80 do presente recurso.
28. Em segundo lugar, no que respeita à testemunha DD, o Tribunal “A Quo” afirmou que este não os identificou porque não olhou para a cara deles com medo.
29. Isto porque, esta testemunha não encarou os arguidos, sendo que tal não ocorreu por medo seu, mas antes porque os arguidos não estavam presentes na sala.
30. Mal andou, o Tribunal “A Quo” a querer, a todo o custo, uma condenação destes arguidos.
31. Neste sentido, deve tal ponto ser dado como provado da seguinte forma: “3 - Nesse mesmo dia, os arguidos dirigiram-se para a referida garagem, sendo que um deles, cuja identificação não se logrou apurar, ia munido de uma arma de fogo de calibre 6,35 mm.”
32. No que concerne ao ponto 5 da matéria de facto dada como provada, dá o Tribunal “A Quo” como provado que: “5- Após o sucedido o ofendido CC atira com a mesa de ping pong contra o arguido BB com intuito de se proteger e este, logo de seguida, empurra a mesma mesa contra o ofendido fazendo com que este último caísse ao chão.”
33. Facto que o Recorrente entende estar incorretamente julgado, pelo que se procedeu à sua impugnação nos termos do art.412º, n.º 3 do C.P.P., e por se encontrar inteiramente relacionado com os pontos 2 e 3 da matéria de facto dada como provada, dando-se por integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 9 a 13 e 15 a 30 das presentes conclusões.
34. Assim, deve tal ponto ser dado como provado da seguinte forma: 5 - Após o sucedido o ofendido CC atira com a mesa de ping pong contra um indivíduo não identificado com o intuito de se proteger e este, logo de seguida, empurra a mesma mesa contra o ofendido fazendo com que este último caísse ao chão.”
35. No que concerne ao ponto 6 da matéria de facto dada como provada, dá o Tribunal “A Quo” como provado que: “6- Nesse momento, o arguido BB que já tinha a arma empunhada, e, encontrando-se a uma distância aproximada de 1,30m do ofendido CC, efetuou três disparos indiscriminadamente na direção do corpo do mesmo, incluindo de zonas onde se alojam órgãos vitais, o qual, pese embora ter procurado desviar-se da trajetória dos projéteis disparados e estar atrás de uma mesa de ping- pong que aí se encontrava foi atingido por um projétil na zona anterior da coxa da perna esquerda.”
36. Facto que o Recorrente entende estar incorretamente julgado, pelo que se procedeu à sua impugnação nos termos do art.412º, n.º 3 do C.P.P., e por se encontrar inteiramente relacionado com os pontos 2, 3 e 5 da matéria de facto dada como provada, dando-se por integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 9 a 13; 15 a 30 e 33 das presentes conclusões.
37. Cumprindo apenas acrescentar que, supostamente, o arguido BB, não teve intenção de atingir zonas do corpo do ofendido onde se alojam órgãos vitais, como se deu como provado neste ponto.
38. Pois, por um lado, a pessoa que efetua os disparos encontrava-se a 1,30 metros de distância do ofendido, o que representa uma distância muito curta, e
39. Foi também dado como provado que, alegadamente, o arguido BB disparou 3 tiros, sendo que, foi o primeiro desses tiros que atingiu a coxa da perna esquerda do ofendido,
40. Tendo, o próprio ofendido ter admitido isso, em sede de audiência de discussão e julgamento, e que quando é atingido se atira para o chão.
41. O que significa que quando, supostamente, o aqui recorrente dispara os outros 2 tiros seguintes, já o ofendido se encontrava no chão.
42. Pelo que, se este quisesse efetivamente atingir órgãos vitais do ofendido, intencionando a sua morte, teria, perfeitamente logrado fazê-lo.
43. Neste sentido, deve tal ponto ser dado como provado da seguinte forma: “6- Nesse momento, um indivíduo desconhecido que já tinha a arma empunhada, e, encontrando-se a uma distância aproximada de 1,30m do ofendido CC, efetuou três disparos na direção da perna do ofendido, o qual, pese embora ter procurado desviar-se da trajetória dos projéteis disparados e estar atrás de uma mesa de ping-pong que aí se encontrava foi atingido por um projétil na zona anterior da coxa da perna esquerda.”
44. No que concerne ao ponto 7 da matéria de facto dada como provada, dá o Tribunal “A Quo” como provado que: “7- Após o que o arguido BB, continuou a apontar a referida arma indiscriminadamente na direção do corpo deste, mormente de zonas onde se alojam órgãos vitais, e tentou efetuar outros dois disparos, só não o conseguindo fazer e atingir o ofendido porque, nesse momento, a arma de fogo que empunhava encravou.”
45. Facto que o Recorrente entende estar incorretamente julgado, pelo que se procedeu à sua impugnação nos termos do art.412º, n.º 3 do C.P.P., e por se encontrar inteiramente relacionado com os pontos 2, 3; 5 e 6 da matéria de facto dada como provada, dando-se por integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 9 a 13; 15 a 30; 33 e 37 a 42 das presentes conclusões.
46. Neste sentido, deve tal ponto ser dado como provado da seguinte forma: “7- Após o que o indivíduo cuja identificação não se logrou apurar, tentou efetuar outros dois disparos, só não o conseguindo fazer e atingir o ofendido porque, nesse momento, a arma de fogo que empunhava encravou.”
47. No que concerne ao ponto 8 da matéria de facto dada como provada, dá o Tribunal “A Quo” como provado que: “8- Como consequência direta e necessária dos disparos efetuados pelo arguido BB, o ofendido sofreu:
-Rotura da artéria femoral superficial esquerda, que causou hemorragia ativa, período de hipotensão e alteração do estado de consciência e demandou a realização de cirurgia urgente, realizada nesse mesmo dia, para resolver a hemorragia, o que permitiu manter a estabilidade hemodinâmica e obstar ao perigo existente para a sua vida.”
48. Facto que o Recorrente entende estar incorretamente julgado, pelo que se procedeu à sua impugnação nos termos do art.412º, n.º 3 do C.P.P., e por se encontrar inteiramente relacionado com os pontos 2, 3 e 5 da matéria de facto dada como provada, dando-se por integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 9 a 13; 15 a 30 e 33 das presentes conclusões.
49. Pelo que, deve tal ponto ser dado como provado da seguinte forma: “8- Como consequência direta e necessária dos disparos efetuados pelo indivíduo não identificado, o ofendido sofreu: -Rotura da artéria femoral superficial esquerda, que causou hemorragia ativa, período de hipotensão e alteração do estado de consciência e demandou a realização de cirurgia urgente, realizada nesse mesmo dia, para resolver a hemorragia, o que permitiu manter a estabilidade hemodinâmica e obstar ao perigo existente para a sua vida.”
50. No que concerne ao ponto 11 da matéria de facto dada como provada, dá o Tribunal “A Quo” como provado que: “11-Os arguidos BB e AA agiram de comum acordo, em conjugação de esforços, tendo o arguido BB utilizado a referida arma de fogo, cuias características e perigosidade ambos os arguidos conheciam e sabiam.”
51. Facto que o Recorrente entende estar incorretamente julgado, pelo que se procedeu à sua impugnação nos termos do art.412º, n.º 3 do C.P.P., e por se encontrar inteiramente relacionado com os pontos 2, 3 e 5 da matéria de facto dada como provada, dando-se por integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 9 a 13; 15 a 30 e 33 das presentes conclusões.
52. Neste sentido, deve tal ponto ser dado como provado da seguinte forma: “11-O arguido AA e um indivíduo não identificado agiram, tendo o indivíduo não identificado utilizado a referida arma de fogo, cuias características e perigosidade o arguido AA e o indivíduo não identificado conheciam e sabiam.”
53. No que concerne ao ponto 12 da matéria de facto dada como provada, deu o Tribunal “A Quo” como provado que: “12-Os arguidos agiram com o propósito de causar a morte do ofendido, o que só não conseguiram por razões alheias às suas vontades, designadamente, porque o ofendido conseguiu desviar a parte do seu corpo onde se alojam órgãos vitais da trajetória dos projéteis e porque a arma encravou.”
54. Facto que o Recorrente entende estar incorretamente julgado, pelo que se procedeu à sua impugnação nos termos do art.412º, n.º 3 do C.P.P., e por se encontrar inteiramente relacionado com os pontos 2, 3; 5; 6; 7; 8 e 11 da matéria de facto dada como provada, dando-se por integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 9 a 13; 15 a 30; 33; 37 a 42; 45; 48 e 51 das presentes conclusões.
55. No que concerne ao ponto 13 da matéria de facto dada como provada, deu o Tribunal “A Quo” como provado que: “13-Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”
56. Facto que o Recorrente entende estar incorretamente julgado, pelo que se procedeu à sua impugnação nos termos do art.412º, n.º 3 do C.P.P., e por se encontrar inteiramente relacionado com os pontos 2, 3 e 5 da matéria de facto dada como provada, dando-se por integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 9 a 13; 15 a 30 e 33 das presentes conclusões.
57. Pelo que, deve tal ponto ser dado como provado da seguinte forma: “13- O arguido AA e o indivíduo que o acompanhava e, cuja identificação não foi possível apurar, sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”
58. Atento a todo o exposto, deverá o Recorrente ser absolvido ser absolvido do crime pelo qual vem condenado.
Sem prescindir e caso assim não se entenda,
59. Não pode o aqui Recorrente conformar-se com o tipo de crime que lhe é imputado.
60. Entendeu o Tribunal “A Quo” que os arguidos agiram com o propósito de tirar a vida ao ofendido, tendo por isso, condenado o aqui Recorrente pela prática do crime de homicídio na forma tentada p. e p. pelo art.132º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do C.P.
61. No entanto, olvidou-se, o Tribunal “A Quo” de ponderar devidamente a factualidade em apreço que permita aferir com certeza da verdadeira intenção dos arguidos.
62. Aqui chegados, o Recorrente dá como integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 37 a 42 das presentes conclusões.
63. Assim, atendendo aos requisitos do dolo – vide pontos 192 e 195 do presente recurso,
64. Não está preenchido o dolo para o tipo de crime de homicídio, pois não houve, por parte do ofendido a representação de que a sua conduta consubstanciaria esse tipo de crime.
65. Desta feita, entende o Recorrente, o que apenas se concebe por mero deleito intelectual, deveria ter sido condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física grave, p. e p. pelo art. 144º, alínea d) do C.P.
Sem prescindir,
66. Deveria o Tribunal “A Quo” ter avaliado melhor e com mais zelo a possibilidade a possibilidade de aplicação do Regime de Suspensão da Execução da Pena.
67. Pois, a pena de prisão suspensa na sua execução é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social.
68. Sendo este um dos vetores dos fins das penas, e sendo o outro vetor a proteção dos bens jurídicos e, naturalmente, a proteção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime.
69. Nesta senda, e considerando que para o efeito o seu ponto de partida será sempre o momento da decisão e não da prática do crime, é ainda possível formar um juízo de prognose favorável em relação ao aqui Recorrente.
70. Atendendo às circunstâncias abonatórias a favor do Recorrente, constantes do seu Relatório Social.
71. O relatório social é um dos elementos probatórios por excelência, que deverá ser atendido e ponderado pelo Tribunal “A quo” uma vez que, através da análise do mesmo, o tribunal consegue conhecer uma realidade à cerca do Recorrente que de outra forma desconheceria.
72. Na verdade, in casu, através da leitura atenta do relatório social é possível constatar desde logo que o Recorrente mantém uma relação próxima com o núcleo familiar, que sempre educou o Recorrente que para ser alguém na vida teria de estudar e trabalhar.
73. Assim, apesar do Recorrente ter crescido num local em que o ambiente encontrava-se associado a problemáticas sociais e criminais, o mesmo interiorizou que se em algum momento optasse pelo caminho mais fácil, ligado à criminalidade sabia que se encontrava impedido de constituir família e viver em sociedade.
74. Ora, com esse propósito, o Recorrente frequentou o ensino escolar até ao ensino escolar, tendo ultrapassado as suas limitações provenientes de um diagnosticado de hiperatividade e deficit de atenção para conseguir lutar pelo seu sonho de constituir família.
75. Nesse seguimento e após atingir a maioridade, o Recorrente iniciou o seu percurso profissional por pretender adquirir estabilidade financeira e consequentemente construir a sua própria família.
76. Assim, o Recorrente iniciou a sua carreira profissional numa empresa de trabalho temporário e, volvido 1 ano, começou a trabalhar na empresa ‘’A...- Soluções de Armazenagem e Otimização de Espaço” onde, mais tarde, fruto do seu empenho e competência assumiu a função de representar a empresa internacionalmente durante 2 meses do Dubai.
77. Tendo formalizado vínculo laboral através de contrato de trabalho, com a referida empresa pelo seu bom desempenho profissional.
78. Vínculo profissional que cessou por ter sido aplicado ao Recorrente uma medida de coação de apresentações periódicas, que o impossibilitava de cumprir com as deslocações para fora do pais, situação que era subjacentes a sua atividade profissional.
79. Ora, perante tal adversidade e ciente de que não queria ir pelo caminho mais fácil rapidamente procurou outro emprego tendo sido contratado como estafeta numa pizzaria na Cidade da Maia, até ao momento da sua detenção no âmbito do processo em apreço.
80. Posto isto, não se consegue perceber a não valoração do Relatório Social, favorável ao Recorrente, para a aplicação do regime da suspensão da Execução da Pena.
81. Veja-se que o Recorrente sempre laborou desde a sua maioridade, exercendo a sua atividade num horário laboral de 10 horas/dia, auferindo de um salário fixo que rondava os €1000 (mil euros), cumprindo com todas as suas obrigações enquanto filho, irmão, marido e pai.
82. Pois bem, face a estes pressupostos, vemos que o Requerente sempre esteve integrado na sociedade merecendo nela continuar., uma vez que sempre se pautou por cumprir com as suas obrigações, desconhecendo o motivo pelo qual interpretou o Tribunal “A Quo” que as condições de prevenção especial não se encontravam reunidas.
83. Ademais, e ainda que tais fatores que militam a favor do arguido não fossem suficientes, deveria o Tribunal “A Quo” ter atentado ao campo afetivo/relacional do Recorrente.
84. De facto, após iniciar um relacionamento amoroso com a sua companheira e decidir constituir família, face suas limitações económico financeiras, o Recorrente optou por residir inicialmente na casa dos seus pais, sendo certo que só após conseguir alguma estabilidade financeira, volvidos 3 anos é que fixou a sua residência num apartamento arrendado juntamente com a sua companheira e filho.
85. Ora, perante tais factos, mal andou o Tribunal ‘’A Quo’’ ao não analisar corretamente a personalidade e trajeto de vida do Recorrente, pois se o tivesse realmente feito, teria atentado ao facto de que o Recorrente nunca fez nada sem um peso e uma medida, tendo consciência que as suas conquistas pessoais são fruto do seu trabalho, dedicação e sacrifício.
86. Pelo que, mal andou o Tribunal A Quo ao não analisar corretamente a personalidade e trajeto de vida do Recorrente, pois acreditamos que se o tivesse feito, certamente não concluiria que uma pena privativa da liberdade, seria a única capaz de acautelar a proteção dos bens jurídicos e de reintegração do arguido.
87. Estando assim verificados os pressupostos (material e formal) para a aplicação do Regime da Suspensão da Execução da Pena,
88. Deverá a decisão revidenda ser revogada e substituída por outra que condene o arguido numa pena de prisão suspensa na sua execução.
PRINCÍPIOS E NORMAS VIOLADAS OU INCORRETAMENTE
APLICADAS
- Violou o art. 132º do C.P.;
- Violou o art. 144º do C.P.;
- Violou o art.50º do C.P.;
- Considerou, erradamente, a aplicação do art. 132º, n.º 1 e n.º 2 alínea h), 22º n.º 1 e 2 alínea a) e b) e 23º do C.P., devendo, ao invés, aplicar o disposto no art. p. e p. pelo artigo 144º, alínea d) do C.P. (Ofensa à Integridade Física Grave).
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e em consequência:
a) Ser o Recorrente absolvido da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada p.e.p. pelo art. 131º, 132º n.º 2 alínea h), 22º n.º 1 e 2 alínea a) e b) e 23º do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) Caso assim não se entenda, deverá o Recorrente ser condenado por um crime de Ofensa à Integridade Física p.e.p. pelo art. 144º, alínea d) CP, por alteração da qualificação jurídica;
c) Em caso de condenação, sempre deverá a pena aplicada ser suspensa na sua execução.”
Arguido AA.
“CONCLUSÕES:
1. O Recorrente foi condenado pela prática, em coautoria, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art.132º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do C.P., a uma pena de 4 (quatro) anos de prisão efetiva.
2. Tal condenação assentou nos factos dados como provados pelo Tribunal “A Quo” – vide ponto 5 da presente matéria recursiva.
3. A motivação do Tribunal “A Quo” assentou essencialmente nas declarações do ofendido prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento – vide ponto 7 do presente recurso.
4. No entanto, não pode o aqui Recorrente conformar-se com a sua condenação.
5. Uma vez que, a análise dos elementos probatórios constantes dos autos, importam a sua absolvição.
6. Motivo pelo qual, o Recorrente, impugna amplamente a matéria de facto, nomeadamente os factos vertidos nos pontos 2, 11, 12 e 13 dos factos dados como provados.
7. No que concerne ao ponto 2 da matéria de facto dada como provada, deu o Tribunal “A Quo” como provado que: ““2 - No dia 26 de junho de 2021, a hora não concretamente apurada, mas antes das 19.30 horas, os arguidos acordaram entre si ajustar contas com o ofendido CC, em virtude de desentendimentos anteriormente ocorridos entre este e o arguido AA.”
8. Entende o Recorrente que tal ponto se encontra incorretamente julgado, por inexistirem elementos probatórios nos autos que o sustentem.
9. Pelo que, o Tribunal “A Quo” funda este seu entendimento numa ilação.
10. Ilação essa que retira da relação de amizade existente entre os arguidos.
11. Neste sentido, deve tal ponto ser dado como não provado.
12. No que concerne ao ponto 4 da matéria de facto dada como provada, deu o Tribunal “A Quo” como provado que: “ 4- Aí chegados, sem nada dizer ou falar, entraram de rompante no interior da referida garagem, cuja porta de entrada estava parcialmente aberta, de imediato o arguido AA dirige-se ao ofendido e tenta agredi-lo na cabeça com uma garrafa de vinho que aí se encontrava, o que não conseguiu porque o ofendido se desviou.”
13. Entende o Recorrente que tal ponto se encontra incorretamente julgado, por existirem elementos probatórios que importem decisão diversa da recorrida.
14. Olvidou-se o Tribunal “A Quo” de ponderar devidamente a factualidade em apreço.
15. Desde logo, se questiona o seguinte: se existia uma plano previamente gizado por ambos os arguidos e o arguido AA sabia que, alegadamente, o arguido BB tinha na sua posse uma arma de fogo e que tencionava usá-la, porque razão se “daria ao trabalho” de procurar um objeto para atingir o ofendido?
16. Quer-nos parecer que este raciocínio do Tribunal “A Quo” não tem qualquer sentido.
17. Mas, ainda que assim não se entenda,
18. Se, efetivamente, o Recorrente tivesse intenção de agredir fisicamente o ofendido, teria ele próprio ido munido previamente de uma garrafa ou de outro objeto suscetível de ferir,
19. Ao invés de, já no local, ter pegado numa garrafa de vidro que aí se encontrava.
20. Tal como consta da factualidade dada como provada.
21. Pois, não ia o arguido AA, adivinhar que, chegado ao local, iria encontrar uma garrafa de vidro para que pudesse atingir o ofendido.
22. Por outro lado, resulta das declarações da testemunha DD que os arguidos entraram e só depois de uma troca de palavras é que começaram as agressões físicas.
23. Aliás, esta testemunha refere que foi o ofendido quem pegou na garrafa para tentar atingir o aqui Recorrente.
24. Mal andou o Tribunal “A Quo” em não valorar tal depoimento.
25. Tendo optado pela teoria que, após um plano previamente traçado pelos arguidos, foi o aqui Recorrente quem pega na garrafa que se encontrava no local e tenta atingir o ofendido,
26. Porém, como não logrou fazê-lo, o indivíduo que o acompanhava, alegadamente, disparou contra o ofendido com a intenção de lhe tirar a vida.
27. Sendo, por isso condenado em coautoria, pois, alegadamente sabia, previamente, desta conduta do outro indivíduo que o acompanhava.
28. Porém, essa teoria, salvo o devido respeito não tem qualquer nexo.
29. Pois, alguém que sabia que o seu companheiro estava munido de uma arma de fogo e que a iria utilizar para disparar contra o ofendido com o propósito de lhe tirar a vida, iria mesmo tentar agredi-lo com o que quer que fosse?
30. Certamente que, se o arguido AA tivesse conhecimento daquela conduta por parte do indivíduo que o acompanhava, jamais se sujeitaria a “sujar as suas mãos”.
31. Face ao exposto, não pode o Tribunal “A Quo” entender que houve coautoria relativamente ao crime de homicídio qualificado na forma tentada.
32. Pelo que, tal ponto deve ser dado como provado da seguinte forma: “O arguido AA, na referida garagem, dirigiu-se ao ofendido, tendo este último pegado numa garrafa que se encontrava em cima da mesa tendo o aqui Recorrente conseguido desviar-se da mesma”
33. No que respeita ao ponto 11 da matéria de facto dada como provada, deu o Tribunal “A Quo” como provado que: “11-Os arguidos BB e AA agiram de comum acordo, em conjugação de esforços, tendo o arguido BB utilizado a referida arma de fogo, cuias características e perigosidade ambos os arguidos conheciam e sabiam.”
34. No entanto, entende o Recorrente que tal ponto se encontra incorretamente julgado, por existirem elementos probatórios nos autos que importem decisão diversa da recorrida.
35. Pelo que se procedeu à sua impugnação nos termos do art.412º, n.º 3 do C.P.P. e, por se encontrar inteiramente relacionado com o ponto 2 da matéria de facto dada como provada, dando-se por integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 14 a 31 das presentes conclusões.
36. Neste sentido, deve tal ponto ser dado como não provado.
37. No ponto 12 dos factos dados como provado refere o Tribunal “ A Quo” que “os arguidos agiram com o propósito de causar a morte do ofendido, o que só não conseguiram por razoes alheias às suas vontades.
38. Acontece que tal ponto encontra-se incorretamente julgado uma vez que as declarações prestadas em sede de audiência pelo ofendido CC e pela testemunha DD impõem decisão diversa.
39. De facto, entende o tribunal que a intenção dos arguidos era de atingir qualquer órgão vital do ofendido, sucede que o primeiro disparo atingiu o ofendido e ele atirou-se para o chão, tendo aí permanecido nos disparos seguintes que, supostamente, o individuo que o Tribunal A Quo entende ser o BB, veio a efetuar, estando o ofendido imóvel, no chão, a uma distância tão curta do mesmo individuo
40. Posto isto, se o Recorrente quisesse efetivamente atingir qualquer órgão vital do ofendido, teria a vida facilitada e teria, certamente conseguido fazê-lo. Se não fosse logo no primeiro disparo seria, com certeza, nos dois disparos seguintes.
41. O que significa, que a pessoa que efetuou os disparos, atingiu a perna do ofendido porque nunca foi a sua intenção atingir zonas do corpo onde se alojam órgãos vitais.
42. Motivo pelo qual, encontra-se tal facto incorretamente julgado.
43. Deu o Tribunal “A Quo” como provado no seu ponto 13 que os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei,
44. Contudo existem elementos probatórios nos autos que impõe decisão diversa da Recorrida mormente as declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento pelo ofendido CC e pelo depoimento prestado DD.
45. Motivo pelo qual deverá tal ponto ser dado como não provado.
Sem prescindir, e caso assim não se entenda,
46. Não pode o aqui Recorrente conformar-se com o tipo de crime pelo qual vem condenado.
47. Entendeu o Tribunal “A Quo” qualificar o tipo de ilícito criminal em apreço como homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelo art. 132º, n.º 1 e n.º 2, alínea h).
48. Pois, entendeu que houve, por parte dos arguidos, intenção de tirar a vida ao ofendido.
49. Aqui chegados, e no que concerne à coautoria, o Recorrente dá por integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 14 a 31 das presentes conclusões.
50. Por outro lado, olvidou-se o Tribunal “A Quo” de atentar em determinados detalhes e que deu como provados que são estritamente necessários para aferir da real intenção dos arguidos.
51. Deu o Tribunal “A Quo” como provado que o aqui Recorrente tentou agredir o ofendido, na cabeça, com uma garrafa de vidro.
52. Porém, se este tivesse efetivamente tal intenção, teria, facilmente, logrado fazê-lo,
53. Dada a posição de inferioridade em que se encontrava o ofendido: completamente desprevenido e sentado no sofá.
54. Tal como resulta das declarações prestadas pelo ofendido em sede de audiência de discussão e julgamento.
55. Ora, diz-nos a experiência comum que que numa situação de agressão, ou tentativa de agressão, quem tira mais vantagem sempre será a pessoa que esta em cima.
56. Ou será que o arguido AA não tinha, de facto, tal intenção?
57. Quer-nos parecer que não.
58. No entanto, e ainda que o aqui Recorrente tivesse tentado atingir o ofendido com uma garrafa de vidro, o que só por mera hipótese académica de concebe mas não se concede,
59. Não significa que o mesmo soubesse que o indivíduo que o acompanhava estava munido de uma arma de fogo.
60. Por outro lado, importa salientar que a alegada garrafa se encontrava inteira e intacta, pelo que, assim sendo, não é, de todo, idónea a matar.
61. Assim, se o aqui Recorrente tivesse acertado com a alegada garrafa na cabeça do Recorrente, jamais tal agressão seria idónea a produzir a morte do ofendido.
62. Motivo pelo qual, no limite, o Tribunal “A Quo” a condenar o arguido AA, sempre seria pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples na forma tentada, p. e p. pelo art.º 143º e pelo art.22º, ambos do C.P.
63. No entanto, ainda que o entendimento de Vexa.(s) seja que o aqui Recorrente deva ser condenado em co-autoria por crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelo artigo 132º, n.º 1 e n.º 2 alínea h) do Código Penal, sempre devem ter em consideração uma correta avaliação do dolo.
64. Pois, tal como resulta da factualidade dada como provada, o arguido BB encontrava-se a 1,30 metros de distância do ofendido quando efetuou os disparos, mormente aquele que vem a atingir o ofendido.
65. Facto corroborado pelas duas testemunhas.
66. Tal distância parece-nos demasiado curta para errar “o alvo”.
67. Por outro lado, o próprio ofendido afirmou, em sede de audiência de discussão e julgamento, que foi o primeiro tiro que atingiu e logo que tal aconteceu se atirou para o chão.
68. Pelo que, quando o arguido BB dispara os outros 2 tiros seguintes, tal como resulta da factualidade provada, já o ofendido se encontrava imóvel no chão.
69. Ou seja, se fosse intenção, alegadamente do arguido BB, em atingir alguma zona do corpo do ofendido onde se encontram órgãos vitais, teriam certamente logrado fazê-lo, face a toda a esta factualidade dada como provada.
70. Desta feita, não houve qualquer intenção de matar, afastando-se, desta forma, o dolo do tipo de crime de homicídio.
71. Pois, não houve qualquer representação, por parte, supostamente do arguido BB, de que a sua conduta consubstanciaria tal ilícito criminal, atuando com tal intenção.
72. Não existiu qualquer intenção de matar, mas antes de provocar ferimentos que não colocassem em causa a vida do ofendido.
73. Pelo que, entende o Recorrente que, o que apenas se concebe por mero deleito intelectual, deveria ter sido condenado pela prática do crime de ofensas à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144º, alínea d) do C.P.
74. Entendeu o Tribunal “A Quo” não aplicar ao aqui Recorrente, o Regime Especial para Jovens Delinquentes.
75. No entanto, crê, o aqui Recorrente que a não aplicação de tal regime se revela manifestamente injusto.
76. Com a criação do Diploma em apreço, o legislador pretendeu assegurar que um jovem com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos seja merecedor de um tratamento penal especializado.
77. Pretendendo o legislador, instituir ao jovem uma componente mais reeducadora do que sancionatória.
78. O que, no caso concreto, não logrou suceder.
79. Pois, apesar dos 20 anos do aqui Recorrente à data da prática dos factos, o desejo de justiça social por parte do Tribunal “A Quo” foi maior ao invés de contribuir para a ressocialização do Arguido.
80. Sendo certo que com a aplicação de uma pena de prisão de 4 anos ao invés de reeducar, provocará efeitos devastadores na vida do Recorrente.
81. Limitou-se, o Tribunal “A Quo” a referir que o Arguido não consegue fazer um juízo crítico da sua conduta a qual tem uma carga desvalorativa de nível elevado e por o mesmo ter antecedentes criminais.
82. Tendo-se olvidado de que o Regime em causa vai muito para além da factualidade provada.
83. Em primeiro lugar, é necessário ponderar na perspetiva do jovem/arguido.
84. Mormente, se é possível efetuar um juízo de prognose favorável em relação ao jovem/arguido tendo em conta as circunstâncias pessoais do mesmo.
85. Pelo que, aqui chegados importa analisar o Relatório Social do aqui Recorrente, sendo este, o elemento probatório por excelência para efetuar a respetiva ponderação.
86. Desde logo, do respetivo Relatório Social é possível retirar que o Arguido AA teve uma infância totalmente afastada daquilo que é o “crescimento normal” de uma criança.
87. Tendo sido criado e educado por uma família de acolhimento, pois os seus progenitores se demitiram das suas responsabilidades parentais.
88. Posteriormente, a sua mãe tentou uma reaproximação, tendo solicitado junto do Tribunal uma reunificação familiar.
89. Porém, tal como seria de esperar o aqui Recorrente não se adaptou, pois nunca teve um exemplo de figura maternal que fosse capaz de lhe impor regras e normas.
90. Durante o tempo que o aqui Recorrente viveu com a mãe, fugiu várias vezes de casa, tendo-se refugiado na sua família de acolhimento.
91. Apesar de ter sido, mais tarde, acolhido na residencial “...”,
92. O que é certo é que a falta de laços afetivos com a sua família de sangue marcou o aqui Recorrente ao longo do seu percurso de vida.
93. Tornando-o num adolescente sem qualquer prospeção de futuro.
94. O contacto com o consumo de estupefacientes é extremamente precoce na vida do Recorrente,
95. Sendo que, com apenas 15 anos foi internado numa comunidade terapêutica em ....
96. Igualmente, desde muito jovem que o aqui Recorrente inicia a sua vida profissional, sendo o primeiro emprego aos 16 anos em bares no Porto.
97. Com o rendimento que auferia desses trabalhos fazia face às suas despesas.
98. Ainda assim e face a todas as adversidades que enfrentou, o aqui Recorrente consegue constituir a sua própria família.
99. O que o levou a procurar outro tipo de emprego, tendo iniciado uma nova atividade profissional no ramo da construção civil.
100. Fruto da relação que mantém com a sua companheira, nasce o primeiro filho do casal.
101. Atualmente, o agregado familiar do aqui Recorrente é composto pela sua companheira, o filho do casal e ainda, por uma filha de uma ex companheira sua.
102. No entanto, o aqui Recorrente revela ainda certas dificuldades em superar as dores do passado,
103. Pelo que, vê no consumo de estupefaciente um refúgio para a sua mágoa.
104. No entanto, tal situação nunca o afastou nem descorou das suas responsabilidades enquanto pai de família.
105. Mal andou o Tribunal “A Quo” ao não fazer a valoração do Relatório Social que lhe era merecida.
106. Tendo o Tribunal “A Quo” o poder dever de reeducar o aqui Recorrente, através de mecanismos eficazes para a sua integração na sociedade,
107. Face ao exposto, entende o Recorrente que lhe deve ser aplicado o Regime Especial para Jovens Delinquentes.
Aqui chegados cumpre referir que,
108. O Tribunal na escolha da pena, deverá optar pela aplicação da pena de multa e só deverá aplicar a pena de prisão apenas se aquela, ainda que no seu limite máximo, for insuficiente para realizar as exigências da prevenção geral e especial que no caso em concreto se verifiquem, nos termos do artigo 70º do Código Penal
109. No caso em concreto, o artigo 143º do Código Penal prevê que quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
110. Por tal motivo, caso entendam Vexa.(s) condenar o aqui Recorrente, sempre deverão optar pela pena de multa ao invés de uma pena privativa da liberdade.
111. Ou caso assim não entendam, deverá pena aplicada ser suspensa na sua execução.
Mas vejamos,
112. O Tribunal “A Quo” devia ter avaliado melhor e com mais zelo a possibilidade de aplicação do Regime de Suspensão da Execução da Pena, sendo certo que a pena de prisão suspensa na sua execução é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social.
113. Sendo este um dos vetores dos fins das penas, e sendo o outro vetor a proteção dos bens jurídicos e, naturalmente, a proteção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime.
114. Nesta senda e tendo por base a doutrina e jurisprudência trazida à colação, sendo alterados todas as penas parcelares para o mínimo legal, entende o recorrente que lhe deve ser aplicada uma pena inferior a 5 anos, suspensa na execução em virtude dos elementos que constam dos autos (CRC e relatório social) militarem a favor do Recorrente.
115. Motivo pelo qual, deverá o Recorrente ser condenado numa pena de prisão inferior a 5 anos, suspensa na execução.
PRINCÍPIOS E NORMAS VIOLADAS OU INCORRETAMENTE
APLICADAS
- Violou o art. 132º do C.P.;
- Violou o art. 143º do C.P.;
- Violou o art.50º do C.P.;
- Violou o art.374º, n.º 2 do C.P.P.;
- Considerou, erradamente, a aplicação do art. 132º, n.º 1 e n.º 2 alínea h), 22º n.º 1 e 2 alínea a) e b) e 23º do C.P., devendo, ao invés, aplicar o disposto no art. p. e p. pelo artigo 143º do Código Penal, ou caso assim não se entenda aplicar em ultima ratio 144º, alínea d) Código Penal.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e em consequência, deve a decisão revidenda ser revogada e substituída por outra que:
- Absolva o Arguido da prática em co-autoria de um crime de homicídio qualificado na forma tentada p.e.p. pelo art. 131º, 132º n.º 2 alínea h), 22º n.º 1 e 2 alínea a) e b) e 23º do Código Penal;
- Caso assim não se entenda, condenar o aqui Recorrente num crime de ofensa à integridade física
simples na forma tentada nos termos do artigo 143º e 22º do Código Penal numa pena de multa;
- Caso assim não se entenda, condenar o aqui Recorrente num crime de ofensa à integridade física
simples na forma tentada nos termos do artigo 143º e 22º do Código Penal numa pena de prisão suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regras e deveres de conduta;
- Caso assim não se entenda, e em última ratio, condenar o aqui Recorrente da prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física grave nos termos do artigo 144º alínea d) do Código Penal numa pena de prisão suspensa na sua execução.”

Respondeu aos recursos a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, tendo concluído pelo seu não provimento.
Neste Tribunal o/a Digno/a Procurador/a Geral Adjunto/a, teve vista nos autos, tendo emitido parecer no mesmo sentido.
Deu-se Cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Cumpre assim apreciar e decidir.
2 Fundamentação
“Discutida a causa e com relevância para a sua decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1- No dia 26 de junho de 2021, na parte da tarde, o ofendido CC encontrava-se no interior da garagem nº. ...1, situada na Rua ... (Bairro ..., no Porto, a qual era habitualmente utilizada como espaço de lazer, para reunião com amigos, juntamente com o respetivo proprietário EE e com DD.
2- No dia 26 de junho de 2021, a hora não concretamente apurada, mas antes das 19.30 horas, os arguidos acordaram entre si ajustar contas com o ofendido CC, em virtude de desentendimentos anteriormente ocorridos entre este e o arguido AA.
3- Na execução desse plano previamente gizado entre ambos, nesse mesmo dia, pelas 19.30 horas, sabendo que CC aí se encontrava, os arguidos dirigiram-se para a referida garagem, sendo que o arguido BB ia munido de uma arma de fogo de calibre 6,35 mm, municiada.
4- Aí chegados, sem nada dizer ou falar, entraram de rompante no interior da referida garagem, cuja porta de entrada estava parcialmente aberta, de imediato o arguido AA dirige-se ao ofendido e tenta agredi-lo na cabeça com uma garrafa de vinho que aí se encontrava, o que não conseguiu porque o ofendido se desviou.
5- Após o sucedido o ofendido CC atira com a mesa de ping pong contra o arguido BB com intuito de se proteger e este, logo de seguida, empurra a mesma mesa contra o ofendido fazendo com que este último caísse ao chão
6- Nesse momento, o arguido BB que já tinha a arma empunhada, e, encontrando-se a uma distância aproximada de 1,30m do ofendido CC, efetuou três disparos indiscriminadamente na direção do corpo do mesmo, incluindo de zonas onde se alojam órgãos vitais, o qual, pese embora ter procurado desviar-se da trajetória dos projéteis disparados e estar atrás de uma mesa de ping-pong que aí se encontrava foi atingido por um projétil na zona anterior da coxa da perna esquerda.
7- Após o que o arguido BB, continuou a apontar a referida arma indiscriminadamente na direção do corpo deste, mormente de zonas onde se alojam órgãos vitais, e tentou efetuar outros dois disparos, só não o conseguindo fazer e atingir o ofendido porque, nesse momento, a arma de fogo que empunhava encravou.
8- Como consequência direta e necessária dos disparos efetuados pelo arguido BB, o ofendido sofreu:
- Rotura da artéria femoral superficial esquerda, que causou hemorragia ativa, período de hipotensão e alteração do estado de consciência e demandou a realização de cirurgia urgente, realizada nesse mesmo dia, para resolver a hemorragia, o que permitiu manter a estabilidade hemodinâmica e obstar ao perigo existente para a sua vida.
9- Tais lesões determinaram um período de doença de vinte dias, com afetação da capacidade de trabalho geral de cinco dias, e com afetação da capacidade de trabalho profissional de quinze dias.
10- O ofendido sofreu, ainda, como consequência permanente:
- Cicatriz no terço médio da face anterior da coxa do membro inferior esquerdo, com 1x0,5 cm de maiores eixos, com diminuição da sensibilidade peri cicatricial.
11- Os arguidos BB e AA agiram de comum acordo, em conjugação de esforços, tendo o arguido BB utilizado a referida arma de fogo, cujas características e perigosidade ambos os arguidos conheciam e sabiam
12- Os arguidos agiram com o propósito de causar a morte do ofendido, o que só não conseguiram por razões alheias às suas vontades, designadamente, porque o ofendido conseguiu desviar a parte do seu corpo onde se alojam órgãos vitais da trajetória dos projéteis e porque a arma encravou.
13- Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
14- O processo de socialização primária de BB decorreu junto do seu agregado familiar de origem, de modesta condição socioeconómica, domiciliado em empreendimento social da cidade do Porto, território associado a problemáticas sociais e criminais. O núcleo familiar era composto pelos progenitores e dois irmãos mais velhos, sendo relatada uma dinâmica intrafamiliar suportada na afetividade e práticas educativas assertivas.
15- A trajetória escolar foi iniciada em idade regular, marcada pelo diagnóstico de hiperatividade e deficit de atenção, logo no primeiro ciclo de escolaridade, o que promoveu o seu encaminhamento para consulta de pedopsiquiatria, que manteve até aos 12 anos de idade.
Progrediu na escolarização até à frequência do ensino secundário, que não concluiu, sempre pela via profissionalizante, vindo a abandonar este percurso quando atingiu a maioridade.
16- A primeira experiência profissional aconteceu de imediato, através de empresa de trabalho temporário e, cerca de um ano depois, conseguiu colocação na mesma entidade patronal do progenitor, “A... – Soluções de Armazenagem e Otimização de Espaço”, na cidade da Maia. Através desta empresa esteve 2 meses no Dubai e, quando regressou a território nacional, formalizou o vínculo laboral através de contrato de trabalho.
17- No campo afetivo/relacional, BB iniciou relacionamento amoroso com FF em 2017, do qual resultou um descendente, nascido a ../../2018. Inicialmente, o casal residiu em união de facto em casa dos pais do arguido até optar por se autonomizar, em março/2021, fixando-se em apartamento arrendado, sito na Rua ..., ..., Porto. Segundo o arguido, também o coarguido AA e respetiva companheira residiam na mesma habitação, sendo relatada pelo primeiro uma relação de significativa amizade entre ambos, desde há cerca de 4 anos.
18- A referida habitação estava inserida em edifício de construção recente, localizado em zona limítrofe ao Bairro ..., zona conotada com problemáticas sociais e criminais, tais como exclusão social, tráfico e consumo de substâncias estupefacientes.
19- A subsistência do agregado familiar era assegurada pelos rendimentos do arguido, na ordem dos 1000€ mensais, enquanto trabalhador da empresa “A...”, e da sua companheira, empregada de limpeza em regime informal, funções pelas quais auferia um rendimento médio de 600€. A estes valores acrescia o abono de família para crianças e jovens atribuído ao filho menor, no montante de 135€. Foram indicadas despesas domésticas mensais na ordem dos 800€, resultantes do pagamento da renda da habitação e consumos de energia elétrica, água e gás que, segundo BB, eram pagas solidariamente com o coarguido e respetiva companheira.
20- BB praticava um horário laboral das 7h às 17h, sendo o restante tempo livre passado em família, segundo o próprio. Afirma não ter nenhuma relação com o ofendido, que apenas conhecia de frequentar o meio residencial dos seus progenitores (Bairro ...).
Após a aplicação das medidas de coação nos autos (termo de identidade e residência e apresentações periódicas) viu-se impedido de cumprir com as deslocações para fora do país que estavam subjacentes à sua atividade laboral, o que levou à rescisão do contrato em
maio/2022.
21- Passou então a trabalhar como estafeta numa pizzaria da cidade da Maia, até ao momento da sua reclusão.
22- No período que antecedeu a aplicação de medida de coação privativa de liberdade aplicada no âmbito do processo nº 31/21.7SFPRT do Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 3, no qual está indiciado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de detenção de arma proibida, BB tinha já regressado à coabitação com os progenitores, em conjunto com a sua companheira e filho, situação que estes mantêm e que o arguido pretende retomar quando em meio livre, expressando aqueles familiares total disponibilidade para o apoiar, quer em meio prisional, quer quando em liberdade.
23- No meio socio comunitário não foram identificados indicadores de rejeição à sua presença, sendo escrito como pessoa prestável.
24- O arguido BB deu entrada no Estabelecimento Prisional ... a 14/07/2022 no âmbito da aplicação da medida de coação de prisão preventiva supra referida.
25- Institucionalmente, o arguido tem apresentado comportamento ajustado ao normativo disciplinar vigente e está laboralmente ocupado como Faxina.
26- A manutenção dos laços familiares tem sido assegurada por um regime de visitas regulares da companheira, filho, mãe e irmão. BB descende de agregado familiar com uma dinâmica referenciada como normativa e que proporcionou ao arguido as condições necessárias para um desenvolvimento ajustado, quer ao nível dos afetos, quer da transmissão de valores adequados à vida em sociedade. Não obstante tenha protagonizado um percurso escolar desinvestido, encetou trajetória laboral com registo de regularidade e que se mostrou apenas condicionada por constrangimentos causados pelos recentes contactos com o Sistema de Administração da Justiça Penal.
27- Em meio livre continua a dispor do apoio da sua família de origem e da sua companheira, relacionamento que conserva desde há alguns anos e que se constitui como elemento de suporte ao seu projeto de vida.
28- Em caso de condenação, consideramos que o processo de reinserção social de BB estará dependente da interiorização de valores ético-jurídicos, com especial incidência no respeito pela vida humana.
29- A infância de AA decorreu junto de uma “família de acolhimento” (sic.; agregado de uma tia-avó), a quem foi entregue no primeiro ano de vida, à semelhança do que vinha acontecendo com os restantes sete irmãos. O arguido residiu com essa família na Maia, cidade onde frequentou o 1º e parte do 2º ciclo do ensino básico. No final da infância a mãe solicitou reunificação familiar, que terá sido concedida pelo tribunal competente, passando a residir com essa figura em .... O arguido não se adaptou às novas condições de vida, em parte devido à conflitualidade recorrente entre si e a mãe, acabando por empreender fugas sucessivas para a família de acolhimento.
Consequentemente, foi aplicada medida de promoção e proteção de acolhimento residencial e o arguido integrou a “...” (Matosinhos).
30- No início da adolescência foi-se instalando um quadro de disrupção comportamental extensível a todos os contextos de vida, com impacto negativo significativo no seu ajustamento pessoal e social. O arguido concluiu apenas o 6º ano de escolaridade. Tendo iniciado consumos regulares de canábis, foi transferido aos 15 anos de idade para uma comunidade terapêutica em ..., da qual fugiu duas vezes, refugiando-se em casa de irmãs mais velhas.
31- AA referiu ter começado a trabalhar informalmente aos 16 anos em bares no centro histórico do Porto, para custear as suas despesas pessoais. Na mesma idade, mudou-se para o Bairro 2 ... (Porto) com a namorada, para uma casa que amigos da irmã teriam desocupada, e começou a trabalhar informalmente na construção civil com um tio da figura feminina. A companheira ficou grávida. O filho morreu no parto, acontecimento descrito como penoso e perturbador da relação. O casal ainda 32- se mudou para casa de familiares dela em ..., até que o arguido tomou a iniciativa de separação e integrou o contexto socio- habitacional de uma irmã. AA iniciou relação de namoro com a atual companheira em 2019, iniciando coabitação em data e circunstâncias não concretamente apuradas.
33- O arguido beneficiou de intervenção de promoção e proteção e tutelar educativa, tendo cumprido medidas de tarefas a favor da comunidade e de imposição de regras de conduta.
34- Já após o nascimento do filho, o arguido retomou a relação com a atual companheira (GG, 31 anos). Deste modo, o agregado familiar é constituído pelo casal, pelo filho (HH, 8 meses) e pela filha da companheira (II, 9 anos), com residência estabelecida na morada dos autos de configuração urbana conotada com problemáticas sociais e criminais. Os proventos familiares são alegadamente obtidos
35- através dos trabalhos informais do arguido na área da construção civil (valores variáveis, mas tipicamente superiores a mil euros), do subsídio social de desemprego da companheira (250 euros), dos abonos de família (200 euros) e do fundo de garantia de alimentos (88 euros). As despesas fixas mensais relacionam-se com a renda da habitação (225 euros), eletricidade (40 euros), água e saneamento (20 euros), televisão e comunicações (26 euros), alimentação e aquisição de outros bens e serviços. A situação económica foi autoavaliada como suficiente para responder a todas as necessidades básicas.
36- O arguido mantém consumos regulares de canábis desde a adolescência, que considera não terem interferência negativa na sua participação na vida diária. O seu quotidiano está alegadamente associado à assunção das responsabilidades laborais nos dias em que trabalha, bem como à participação nas rotinas familiares, dedicando algum tempo ao convívio com amigos que vivem na vizinhança.
37- O seu projeto de vida passa por concluir as aulas e exames para a carta de condução, trabalhar, mudar-se para uma casa maior e viver tranquilamente com a família.
38- AA teve outros confrontos com o sistema de administração da justiça penal.
39- O arguido BB não tem antecedentes criminais.
40- O arguido AA por decisão proferida no processo sumário nº 427/22.7PWPRT transitado em julgado a 2021/011/11 foi condenado pela prática de um crime de condução ilegal numa pena de cinco meses prisão substituída por trabalho a favor da comunidade.
41- O arguido AA por decisão proferida no processo 23/20.3SFPRT transitado em julgado a 2022/09/30 foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes numa pena de cinco meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano.
42- O arguido AA por decisão proferida no processo sumário nº 247/21.6GAMLD transitado em julgado a 2022/05/18 foi condenado pela prática de um crime de condução ilegal numa pena de dois meses prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano.
43- O Centro Hospitalar Universitário do Porto, E.P.E assistência hospitalar ao ofendido na quantia de €4647, 00, o qual não se encontra pago
FACTOS NÃO PROVADOS
44- O arguido BB não possuía licença de uso e porte de arma e que a referida arma não se encontrava registada e manifestada.
MOTIVAÇÃO
Tendo presente que a prova judiciária não visa alcançar uma certeza ontológica, mas apenas uma certeza judiciária – que, no plano dos princípios, deveria coincidir com a verdade material – e em obediência ao disposto no artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, bem como ao consagrado no artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, proceder-se-á indicação e ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, explicitando o processo de formação dessa convicção.
1- PROVA PERICIAL:
- Relatório de Exame Pericial nº 202100564-NLC, elaborado pelo Serviço de Perícia Criminalista da Polícia Judiciária;
- Relatório de perícia de avaliação do dano corporal realizado a CC, elaborada pelo Serviço de Clínica Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, Delegação do Norte;
2. PROVA DOCUMENTAL
- Episódio de urgência da vítima aquando da sua entrada no Centro Hospitalar do Porto - fls. 82;
- Auto de apreensão dos objetos recolhidos no exame ao local - fls. 92 a 95;
- autos de diligência de fls.. 82 e 210
- Auto de reconhecimento presencial de BB por CC - folhas 348-349.
- Registos de enfermagem de fls. 237 a 241;
- Registos clínicos de fls. 242-268.
3- DECLARAÇÕES DOS ARGUIDOS:
Os arguidos em sede de audiência de discussão e julgamento não prestaram declarações, sendo um direito que lhes assiste.
4. DECLARAÇÕES DO OFENDIDO
O ofendido prestou declarações, sendo patente o receio que o mesmo tinha dos arguidos. Confirma que o AA lhe telefonava a ameaça-lo em virtude de umas mentiras inventadas por um terceiro.
No dia constante dos factos, estando o ofendido e os seus amigos na garagem, os arguidos entraram na dita. O arguido BB de imediato lhe apontou a arma à cabeça enquanto o arguido AA dirigiu-se para o ofendido com uma garrafa na mão para lhe acertar na cabeça, não tendo conseguido os seus intentos porque o ofendido se desviou. Foi nessa altura que se apercebeu que estava perto do arguido BB que continuava de arma empunhada e de imediato empurrou uma mesa de ping-pong contra o arguido (com o intuito de se proteger), sendo que este lhe arremessou a referida mesa e de imediato efetuou 3 disparos, e ao primeiro disparo o ofendido atirou-se ao chão (sendo nessa altura que foi atingido na perna) e o arguido BB continuou a efectuar disparos e porque a arma encravou os arguidos colocaram-se em fuga.
5. PROVA TESTEMUNHAL
DD, a testemunha que se encontrava na garagem, mas que em sede julgamento não conseguiu identificar os arguidos, porque não olhou para a cara deles (é manifesto o medo da testemunha em identificar os arguidos).
Apenas viu que entraram duas pessoas, gerou-se uma discussão e a dada altura viu alguém a apontar uma arma a si e ao ofendido e de seguida vê que uma mesa de ping pong é arremessada e ouve um disparo estando essa pessoa a uma distância de 1,30 m do ofendido.
Análise crítica da prova.
Objectivamente apenas temos a versão do ofendido que confirma que estava a ser ameaçado pelo arguido AA, por questões relacionadas com umas mentiras que terceiros tinham contado ao referido arguido. No dia constante da acusação, o ofendido estava numa garagem juntamente com os seus amigos. E a dada altura os arguidos entraram na dita garagem, um deles com uma pistola empunhada em direcção ao ofendido e simultaneamente o arguido AA vai ter com o ofendido com uma garrafa na mão e tenta atingir este último na cabeça, só não o conseguindo porque o ofendido se desviou. De imediato o ofendido tenta proteger-se atrás da mesa de ping-pong, que entretanto arremessara e foi nessa altura que ouviu três disparos, sendo que um deles atingiu-o na perna, causando-lhe as lesões descritas no relatório pericial junto aos autos.
A versão da testemunha presencial confirma a descrição dos factos, apenas diz que não conseguiu ver quem eram as pessoas, mas atento o auto de reconhecimento junto aos autos e a versão do ofendido, o tribunal não teve dúvidas quanto ao autor dos factos e a forma como os mesmos ocorreram.
Na verdade, as pequenas imprecisões existentes resulta do nervosismo e medo que o ofendido e a testemunha presencial demonstraram em sede de julgamento. Aliás o ofendido até chega a desculpabilizar a conduta dos arguidos ao dizer que a intenção deles não era matar o ofendido mas sim assusta-lo e ou agredi-lo.
Relativamente à atuação conjunta dos arguidos, resulta que o arguido AA e o ofendido estavam zangados sendo este último ameaçado por este último arguido. Ambos os arguidos residiam na mesma habitação, tal como resulta da factualidade provada, muito embora os arguidos não tivessem prestado declarações, resulta das regras da experiência que a deslocação de ambos, estando um deles munido com uma arma de fogo, aderiram a um plano, ainda que tacitamente, de tirar a vida à vítima, atenta a forma como entraram nessa garagem
O arguido AA tentou com bater com uma garrafa de vidro na cabeça do ofendido, o que não conseguiu, enquanto o outro arguido estava com a arma apontada à cabeça do ofendido e que vendo que o arguido AA não atinge o seu objetivo e em consequência começa a efetuar disparos.
Como é sabido a cabeça é um órgão vital, pelo que a conduta dos arguidos é conjunta na medida em que não tendo o AA alcançado o seu objectivo actuou o arguido BB.
A intenção de matar que resulta da matéria respeitante ao dolo da atuação, porque se situa no campo da subjectividade, é sempre de difícil discernimento.
Se quem atua não esclarecer qual o estado de alma em que atuou, terá de ir buscar-se a elementos, a dados objetivos reveladores da verdadeira vontade, o sentimento que determinou a atuação. In casu os arguidos não prestaram declarações mas entende o Tribunal conjugado os instrumentos utilizados na prática do crime e a forma como o foram, a parte do corpo atingida e a extensão qualitativa e quantitativa das lesões, existiu intenção de matar.
Na verdade, entrando duas pessoas num espaço, garagem, um deles tenta agredir a cabeça do ofendido com uma garrafa enquanto o outro está com a arma de fogo apontada à cabeça do ofendido, e como o primeiro arguido (AA) não conseguiu atingir o seu objetivo de imediato o outro arguido munido com a referida arma fogo efetua cinco disparos (só tendo deflagrado 3) indistintamente só pode ter a intenção de matar, sendo que o resultado morte não aconteceu porque a arma encravou e ofendido se escondeu atrás da mesa.
Relativamente aos factos não provados resulta do facto da arma não ter sido apreendida e examinada, sabendo que o calibre da mesma era 6,35mm em virtude dos invólucros e munições apreendidos no local e no processo não existe qualquer documento que comprove ou não a licença de uso e porte de arma ou o manifesto da mesma, pelo que se dá tais factos como não provados.
Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernante à conduta dos arguidos foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Foi igualmente relevante o relatório social juntos aos autos, o certificado do Registo criminal e o respectivo relatórios periciais.
Relativamente aos factos do pedido de indemnização civil referente à assistência hospitalar foi valorado os documentos juntos aos autos.”
***

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Atentas as conclusões dos recursos, podemos delimitar os seus objetos à apreciação das seguintes questões:
a) Erro de julgamento relativamente aos factos dados como provados em 2,3,4,5,6, 7, 8, 11, 12, 13, nomeadamente a autoria dos mesmos.
b) Enquadramento jurídico dos factos.
c) Atenuação especial da pena- regime jovem.
d) Suspensão da pena.

Vejamos então:
Insurgem-se os recorrentes relativamente à factualidade dada como provada nos autos, entendendo que houve erro de julgamento por parte do coletivo pois haveria a mesma que ser dada como não assente e, consequentemente, condenados por crime diferente com penas mais baixas.
Vejamos, para as questões de natureza semelhante a decisão incidirá sobre os dois recursos em simultâneo.
Na impugnação ampla da matéria de facto, a sua apreciação alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido:
“3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar os concretos pontos de facto (ou os factos individualizados ou segmentos dos factos) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorretamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens da gravação desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação.
A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º que “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
No caso dos autos, e com o devido respeito, surgem identificados os concretos pontos da matéria de facto tida como incorretamente julgada, mas e quanto à concreta prova indicada, os recorrentes limitam-se a dar uma interpretação e a fazer uma apreciação e análise crítica diferente daquela que fez o Tribunal quanto à maior parte dos factos dados como provado exceto no que diz respeito à participação do recorrente BB.
Vejamos.
O recorrente BB alega que não foi feito, em momento algum, um reconhecimento cabal e suficiente, quer pelo ofendido, quer pelas testemunhas, que justifique a condenação do Recorrente nos termos em que ocorreu.
Ora, existe um auto de reconhecimento pessoal nos autos e constante de fls. 348 e ali o ofendido CC após observação cuidada referiu que reconhecia a pessoa identificada com o nº 2 correspondente a BB dizendo que era idêntico e que tinha deixado crescer a barba.
A única testemunha ouvida afirmou que os agentes dos factos tinham máscaras, não lhes tendo visto as caras e o ofendido não foi capaz de identificar o arguido BB e mesmo confrontado com o auto de reconhecimento não foi perentório.
Por sua vez, aquele auto não é suficientemente convincente, pois que a utilização do termo idêntico não é o mesmo que o termo igual ou afirmar que foi aquela pessoa em concreto.
De facto, a fila de pessoas apresentada ao ofendido para efeitos de reconhecimento tem por pressuposto apresentar pessoas idênticas ao agente e o auto de reconhecimento não pode terminar por concluir que determinada pessoa é idêntica ao agente, ou seja idênticos ao agente são todos os que se encontram na fila.
Ocorre, pois, dupla hesitação na identificação do arguido BB, quer por parte de quem prestou depoimentos quer pelo caráter dúbio do auto de reconhecimento, pelo que não pode concluir-se com toda a certeza que quem acompanhava AA e disparou o revólver era o arguido BB.
Os depoimentos do Ofendido CC e da testemunha DD; o Auto de Reconhecimento presencial do Arguido BB por CC – fls. 348 e 349, não permitem concluir com a certeza que uma condenação implica que o Recorrente BB se encontrava no local do crime, à data e hora em que o mesmo ocorreu.
Quer do depoimento do Ofendido, quer do reconhecimento presencial efetuado por este – fls. 348 e 349 dos presentes autos, percebe-se que o próprio tem dúvidas em afirmar que foi o Recorrente BB quem se dirigiu ao interior da garagem e bem assim, da autoria dos supostos disparos efetuados.
Tal como se pode ler no auto de reconhecimento presencial de fls. 348 e 349, onde o ofendido demonstra claramente que não tem certezas de que se trata do autor dos factos, mas atente-se: “Após observação cuidada, disse: Que reconhecia a pessoa identificada com o n.°2 correspondente a BB, dizendo que era idêntico e que tinha deixado crescer a barba.”
E o ofendido em sede de audiência de julgamento, revela muita dificuldade em identificar o Recorrente, mas atente-se em tais declarações, afirmando não o conhecer, descrevendo pormenores físicos não coincidentes, chegando a dizer que tem no ... mais para aí 2 ou 3 rapazes idênticos a ele, afirmando, após olhar para o arguido não se lembrar dele
E quando confrontado pela Sra. Juíza, afirmou não ter a certeza. “100% de certeza não. “
Portanto, o próprio Ofendido não foi capaz de identificar presencialmente, em audiência de discussão e julgamento, o Arguido BB como sendo um dos indivíduos que entrou na garagem naquele dia 26 de junho de 2021.
Muito menos como sendo a pessoa que efetuou os disparos.
Por outro lado, Importa, também atentar, no auto de reconhecimento presencial ao ora Recorrente, efetuado pelo Ofendido CC – fls. 348 e 349 dos autos.
Nessa diligência, o Ofendido CC não identificou cabalmente o Arguido BB.
O ofendido afirmou que o Arguido BB é idêntico à pessoa que entrou na garagem onde ocorreram os factos.
Posição essa que o Ofendido corroborou em sede de audiência de discussão e julgamento ao afirmar de forma perentória não ter a certeza que tinha sido aquela pessoa, o arguido BB, um dos indivíduos envolvidos no caso concreto.
Ou seja, o ofendido, em algum momento aponta para o Recorrente e afirma com a certeza exigível que foi aquela pessoa quem, na data e hora dos factos, entrou no local onde os mesmos ocorreram.
Tendo presente, tal como o próprio Tribunal “A Quo” refere na sua motivação, fls. 14 do Acórdão Recorrido: “Análise crítica da prova. Objetivamente apenas temos a versão do ofendido(…)”, o que se compreende, pois a outra testemunha, o senhor DD, não reconheceu nenhum dos arguidos como sendo os autores, pois estariam com máscaras e que não os conhecia.
Desde logo se nota uma discrepância entre as declarações desta testemunha, que diz que os arguidos estavam de cara tapada e as declarações do ofendido que, segundo ele, viu os seus agressores, não tendo sido capaz de identificar cabalmente o Arguido BB.
Existem duas testemunhas, sendo que nenhuma delas foi capaz de identificar o aqui Recorrente, como já havia ocorrido em momento anterior na PJ.
Não existe um único elemento probatório que coloque BB no local dos factos, na data e hora em que os mesmos ocorreram.
Se, nem o próprio Ofendido, que segundo ele, entrou em confronto físico com dois indivíduos, foi capaz de efetuar, com a certeza exigível, uma identificação cabal e suficientemente forte não se compreende que se tenha concluído pela prova para lá da dúvida razoável, que o Recorrente entrou na garagem 11, onde ocorreram os factos, munido de uma arma, tendo disparado vários tiros.
É certo que o Tribunal “A Quo” motiva que “Na verdade, as pequenas imprecisões existentes resulta do nervosismo e medo que o ofendido e a testemunha presencial demonstraram em sede de julgamento.”
Ora, em termos objetivos no que respeita à prova, apenas existem as declarações do ofendido que, por sua vez, não identificou cabalmente o Recorrente, não podia ter concluído que tal reconhecimento foi negativo com o fundamento de que notou receio das testemunhas relativamente aos arguidos.
No que diz respeito às declarações da testemunha DD, o Tribunal “A Quo” concluiu que “DD, a testemunha que se encontrava na garagem, mas que em sede de julgamento não conseguiu identificar os arguidos, porque não olhou para a cara deles (é manifesto o medo da testemunha em identificar os arguidos).”
Ora, esta testemunha entendeu prestar declarações na ausência dos arguidos, desconhecendo-se o motivo, que não lhe foi questionado. De todo o modo a forma como depôs, revelou desconforto, o que pode ser entendido como receio.
Relativamente ao ofendido, que também não identificou cabalmente o aqui Recorrente, o Tribunal “A Quo” entendeu, igualmente, que foi por medo dos arguidos.
Ora, o ofendido foi confrontado com o seu direito de prestar declarações na ausência dos arguidos, direito esse que o próprio recusou, tendo dito o seguinte:
“Exmo. Sr. Juiz: Vou-lhe perguntar: o senhor quer prestar declarações na presença dos arguidos, ou sente-se de alguma forma constrangido?
Ofendido CC: Não, não se preocupe. Tanto faz.
Exmo. Sr. Juiz: Não se importa? Pode prestar declarações?
Ofendido CC: Não me importo.”
Parece ser notória a indiferença do ofendido em relação à presença dos arguidos e o seu discurso não revelou postura receosa, o mesmo já não podendo dizer-se relativamente à testemunha DD.
Por outro lado, um reconhecimento seja ele presencial ou fotográfico, apenas pode ter dois resultados: positivo, se for identificada uma pessoa de uma forma consistente ou negativo, se não houver nenhuma identificação.
Não há um mais ou menos, não um meio termo, não há um “aquele é idêntico à pessoa que eu vi”, como afirma o recorrente.
Sendo assim e não se afigurando que mais diligências pudessem ser feitas, este arguido tem de ser absolvido da prática do crime de que vinha acusado.
Ocorreu erro de julgamento, a dúvida deveria, em face dos elementos probatórios de que se socorreu o tribunal a quo, ter imperado e beneficiado o arguido em questão.
Não podem ser dados como assentes os factos 2., 3., 5., 6., 7., 8., 11., 12., 13., no que ao arguido BB dizem respeito.
Relativamente à concertação de comportamentos.
Dos elementos probatórios constantes dos autos e que relevaram para a motivação em que assentou a condenação do ora Recorrente é possível retirar a conclusão de que o arguido AA e um outro individuo acordaram ajustar contas com o ofendido.
Os atos e atitudes de AA e do outro individuo revelam, tendo presente o depoimento do ofendido, que aqueles decidiram deslocar-se à garagem a fim de ajustarem contas com o ofendido.
Esclareceu-se perfeitamente que ofendido e AA vinham tendo altercações sustentadas em acusações, alegadas mentiras no discurso do ofendido, quer nas redes sociais quer depois já presencialmente no Bairro ..., altercações que até então não passavam de discussões verbais e escritas sem contacto físico. O móbil foi devidamente explicado.
E depois também não há dúvidas que AA e individuo não identificado se deslocaram à garagem onde se encontrava o ofendido e começaram logo a discussão e o ataque físico, AA tentou dar com uma garrafa na cabeça do ofendido que se desviou e posteriormente o individuo disparou por diversas vezes em direção ao ofendido.
Mostra a evidência dos factos apurados sustentada nos depoimentos ouvidos do ofendido e testemunha ali presente, que AA não vindo sozinho e fazendo-se acompanhar com individuo que já empunhava arma na mão, vinham tirar satisfações na sequência de altercações anteriores entre AA e ofendido e fazendo-se acompanhar de um individuo com uma arma, que AA não podia ignorar, pois à vista de todos, sabendo que o seu uso podia colocar em perigo ou tirar a vida de outra pessoa.
Não temos dúvidas que houve concertação entre aquelas duas pessoas e ainda que não tivesse sido apurado qualquer tipo de amizade ou residência comum, o facto de ali se deslocarem empunhando um deles uma arma visível, exigindo explicações, com manifesta atitude agressiva, revela claramente concertação de ação e de intentos.
Tendo presente a motivação do Acórdão recorrido, nomeadamente fls. 15:
“Relativamente à actuação conjunta dos arguidos, resulta que o arguido AA e o ofendido estavam zangados sendo este último ameaçado por este último arguido. Ambos os arguidos residiam na mesma habitação, tal como resulta da factualidade provada, muito embora os arguidos não tivessem prestado declarações, resulta das regras da experiência que a deslocação de ambos, estando um deles munido com uma arma de fogo, aderiram a um plano, ainda que tacitamente, de tirar a vida à vítima., atenta a forma como entraram nessa garagem.”, nada temos a opor, pois sustentada na prova e na experiência comum.
Há elementos probatórios que demonstram e sustentam esta factualidade dada como provada e constante do ponto 2 da matéria de facto, inexistindo outra prova que imponha decisão diversa da recorrida.
Assim deve tal ponto ser mantido como provado excluindo-se, contudo, a menção ao arguido BB, passando o ponto 2 a ter a seguinte redação: “2 - No dia 26 de junho de 2021, a hora não concretamente apurada, mas antes das 19.30 horas, AA acordou com um outro individuo ajustar contas com o ofendido CC, em virtude de desentendimentos anteriormente ocorridos entre este e o arguido AA.”
Também o ponto 3 dos factos provados deve ter a seguinte redação: “3 - Nesse mesmo dia, o arguido AA juntamente com outro indivíduo dirigiram-se para a referida garagem, sendo que esse individuo, cuja identificação não se logrou apurar, ia munido de uma arma de fogo de calibre 6,35 mm.”
Também o ponto 5 passa a ter a seguinte redação:“5 - Após o sucedido o ofendido CC atira com a mesa de ping pong contra um indivíduo não identificado com o intuito de se proteger e este, logo de seguida, empurra a mesma mesa contra o ofendido fazendo com que este último caísse ao chão.”
Também o ponto 6 da matéria de facto dada como provada por força do suprarreferido deve ser alterado, pois tendo-se dado por provado que:
“6- Nesse momento, o arguido BB que já tinha a arma empunhada, e, encontrando-se a uma distância aproximada de 1,30m do ofendido CC, efetuou três disparos indiscriminadamente na direção do corpo do mesmo, incluindo de zonas onde se alojam órgãos vitais, o qual, pese embora ter procurado desviar-se da trajetória dos projéteis disparados e estar atrás de uma mesa de ping-pong que aí se encontrava foi atingido por um projétil na zona anterior da coxa da perna esquerda.”
Passando agora e no que toca a BB a ter a seguinte redação: “6- Nesse momento, o individuo não identificado que já tinha a arma empunhada, e, encontrando-se a uma distância aproximada de 1,30m do ofendido CC, efetuou três disparos indiscriminadamente na direção do corpo do mesmo, incluindo de zonas onde se alojam órgãos vitais, o qual, pese embora ter procurado desviar-se da trajetória dos projéteis disparados e estar atrás de uma mesa de ping-pong que aí se encontrava foi atingido por um projétil na zona anterior da coxa da perna esquerda.”

Relativamente à questão colocada a propósito da distância em que foram efetuados os disparos e forma indiscriminada como forma feitos em direção ao ofendido, o tribunal ouvida a prova e devidamente concatenada, tendo presente a forma como os projeteis estava dispersos na garagem, o número de disparos efetuados, três efetivos, a existência de projeteis não deflagrados, dois, que indicia avaria do revólver, a duração do evento não mais de 2 minutos, tudo muito rápido como afirmaram a testemunha e ofendido, a dinâmica dos acontecimentos, o ofendido é abordado de imediato, por AA que se lhe dirige para o agredir com uma garrafa, não conseguindo acertá-lo, a imediata reação do ofendido que dirigindo-se a quem empunhava a arma lhe arremessa com uma mesa e os imediatos disparos que se seguem, permite concluir que o individuo não identificado começou, por reação, a disparar em direção ao ofendido, sendo evidente que não disparou para o ar e que este reagiu imediatamente atirando-se para o chão e escondendo-se atrás da mesa, tendo sido atingido numa perna. Esta dinâmica permite concluir com toda a certeza que no conflito existente e no frente a frente, o referido individuo em face do número de disparos, fê-lo indiscriminadamente em relação ao corpo do ofendido, só não lhe acertando em mais pontos do mesmo porque este reagiu escondendo-se atrás da mesa e pela provável atrapalhação evidenciada pelo estado anímico do individuo, número de disparos e avaria da arma, seguida da fuga.
A dinâmica em si e não obstante a distância apurada, não afasta a conclusão a que o tribunal a quo chegou. O número de tiros disparados, a reação imediata do ofendido, o confronto com o individuo que antecedeu os disparos e a reação do ofendido para escapar aos tiros e a reação do próprio individuo que se deparou ainda com uma arma avariada, permite concluir que foram efetuados disparos indiscriminados em relação ao corpo do ofendido (não foram disparos ponderados e dirigidos a um especial ponto do corpo do ofendido, nomeadamente a perna) e desses disparos um deles atingiu a parte superior de uma perna (zona anterior da coxa da perna esquerda), não sendo minimamente crível que o individuo tivesse apenas disparado em relação à perna do ofendido, tendo presente que uma munição por deflagrar e dois invólucros de munição estavam no chão junto à mesa, a cerca de um metro destes estava outra munição por deflagrar, no chão em direção aos sofás encontrava-se um invólucro de uma munição e no chão, junto aos sofás, mais dois fragmentos de projétil.
De todo o modo, ainda que que se entendesse que se pretendia atingir somente a perna do ofendido, o relatório de clinica forense é claro ao afirmar que não fosse a rapidez dos cuidados instituídos que permitiu manter a estabilidade hemodinâmica do examinando, este correria perigo de vida. Não é de mais lembrar que na perna correm artérias muito importantes e que uma lesão naquele local, sobretudo na zona da coxa pode provocar sérias complicações para a vida desde logo tromboses. E quem dispara três tiros não pode ignorar que pode colocar a vida de uma pessoa em perigo e só não tendo deflagrado mais munições porque a arma avariou.
De resto conjeturar que por estar a curta distância o desfecho teria sido outro mais gravoso, não afasta o raciocínio anterior, nomeadamente toda a atrapalhação e dinâmica ocorrida, que evitou piores resultados.
Repare-se que o próprio ofendido CC refere que quando “atirou a mesa, o rapaz, entrou em si, assustou-se ou assim, viu que estava a agir e disparou, deu para aí 3 tiros”.
Portanto, nem as declarações prestadas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento pelo Ofendido CC, nem as declarações prestadas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento pela testemunha DD nem o Auto de Reconhecimento presencial – fls.348 e 349 dos autos permitem concluir que os disparos foram efetuados somente na direção da perna do ofendido.
Devem pois manter-se os pontos 6 e 7, com ressalva quanto à identificação do individuo que efetuou os disparos.
Assim o ponto o ponto 7 passa a redação: “7- Após o que o individuo cuja identificação não se apurou, continuou a apontar a referida arma indiscriminadamente na direção do corpo deste, mormente de zonas onde se alojam órgãos vitais, e tentou efetuar outros dois disparos, só não o conseguindo fazer e atingir o ofendido porque, nesse momento, a arma de fogo que empunhava encravou.”
Por força do acima expendido no ponto 8:“8- Como consequência direta e necessária dos disparos efetuados pelo arguido BB, o ofendido sofreu:-Rotura da artéria femoral superficial esquerda, que causou hemorragia ativa, período de hipotensão e alteração do estado de consciência e demandou a realização de cirurgia urgente, realizada nesse mesmo dia, para resolver a hemorragia, o que permitiu manter a estabilidade hemodinâmica e obstar ao perigo existente para a sua vida.”, deve passar a ter a seguinte redação:
“8- Como consequência direta e necessária dos disparos efetuados pelo indivíduo não identificado, o ofendido sofreu:
-Rotura da artéria femoral superficial esquerda, que causou hemorragia ativa, período de hipotensão e alteração do estado de consciência e demandou a realização de cirurgia urgente, realizada nesse mesmo dia, para resolver a hemorragia, o que permitiu manter a estabilidade hemodinâmica e obstar ao perigo existente para a sua vida.”
E ainda relativamente ao seu ponto 11:“11-Os arguidos BB e AA agiram de comum acordo, em conjugação de esforços, tendo o arguido BB utilizado a referida arma de fogo, cuias características e perigosidade ambos os arguidos conheciam e sabiam.”, deverá passar a ter a redação:
“11-O arguido AA e um indivíduo não identificado agiram, agiram de comum acordo, em conjugação de esforços, tendo aquele individuo utilizado a referida arma de fogo, cuias características e perigosidade ambos conheciam e sabiam.”
Relativamente ao ponto 12 da matéria de facto dada como provada deve manter-se substituindo apenas o plural dos arguidos.
Ou seja, o Tribunal “A Quo” deu como provado que:
“12-Os arguidos agiram com o propósito de causar a morte do ofendido, o que só não conseguiram por razões alheias às suas vontades, designadamente, porque o ofendido conseguiu desviar a parte do seu corpo onde se alojam órgãos vitais da trajetória dos projéteis e porque a arma encravou.”
Os elementos probatórios, Ofendido CC, testemunha DD, Auto de Reconhecimento presencial, invocados pelo recorrente AA, não impõe versão distinta da encontrada pelo tribunal, conforme acima exposto.
AA e o individuo não identificado deslocaram-se de propósito à garagem para tirarem satisfações ao ofendido. Quando ali chegaram abordaram de imediato o ofendido que reagiu. Quando ali chegarem já o individuo empunhava o revólver carregado de munições. Ambos sabiam ao que iam e com que recursos iam munidos e prontos a usá-los como se assentou.
E naturalmente sabiam que aquele tipo de conduta era proibido e punido por lei com é evidente, pelo que deve manter-se o ponto 12 e 13, substituindo-se apenas os arguidos pelo arguido AA e o individuo não identificado:
“12-O arguido AA e o individuo não identificado que o acompanhava agiram com o propósito de causar a morte do ofendido, o que só não conseguiram por razões alheias às suas vontades, designadamente, porque o ofendido conseguiu desviar a parte do seu corpo onde se alojam órgãos vitais da trajetória dos projéteis e porque a arma encravou.”
E
“13- O arguido AA e o individuo não identificado que o acompanhava, sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”
E nessa medida conhecendo-se aqui também a impugnação relacionada com o arguido AA quanto à sua participação nos factos e dinâmica do evento, sendo válidas para este arguido tudo o quanto se expôs a seu propósito e do outro arguido relativamente aos factos suprarreferidos impugnados e na parte que lhe dizem diretamente respeito.
Ainda impugna o arguido AA que deu o Tribunal “A Quo” como provado no seu ponto 4 que: “ 4- Aí chegados, sem nada dizer ou falar, entraram de rompante no interior da referida garagem, cuja porta de entrada estava parcialmente aberta, de imediato o arguido AA dirige-se ao ofendido e tenta agredi-lo na cabeça com uma garrafa de vinho que aí se encontrava, o que não conseguiu porque o ofendido se desviou.”, considerando que tal facto encontra-se incorretamente julgado por existirem elementos probatórios nos autos que impõem decisão diversa da recorrida.
Podemos ler na motivação do Tribunal “ A Quo” que: “ O arguido AA tentou bater com uma garrafa de vidro na cabeça do ofendido, o que não conseguiu, enquanto o outro arguido estava com arma apontada à cabeça do ofendido e que vendo que o arguido AA não atinge o seu objetivo e em consequência começa a efetuar disparos”
Ao contrário do que afirma este recorrente havia um plano previamente acordado entre o aqui Recorrente e um outro individuo.
Foi acordado entre ambos que se iriam deslocar à garagem munidos com uma arma de fogo para tirar satisfações e se foram já munidos com uma arma que depois foi disparada, queriam e sabiam que podia ser utilizada e que sendo disparada em direção a uma pessoa lhe podia de tirar a vida.
Não foram ali para uma visita social, como atestaram a vítima e a testemunha e todo o seu comportamento revelado pela testemunha e ofendido era tudo menos amistoso. Torna-se, pois evidente que nem um nem outro ali se deslocaram de forma isolada e sem saber o que iam fazer e foram prontos para o que pudesse decorrer do confronto que foram buscar.
O facto de o Recorrente chegar à garagem e pegar na garrafa que se encontrava ali à mão em cima da mesa para agredir o ofendido não repugna ou viola qualquer regra da experiência. Aliás, assim o referiu o ofendido. O arguido foi para discutir, após troca de palavras com o ofendido tentou agredi-lo usando a garrafa. Isto decorre do depoimento do ofendido que apresentou um discurso muito mais linear e claro que a outra testemunha ouvida.
O recurso à arma que não estava ali para fazer de enfeite, mostrou-se necessário em face da reação do ofendido que atirou com a mesa em direção ao individuo que acompanhou o arguido AA, que ficando assustado, reagiu e disparou.
Portanto, fazia parte do plano tirar satisfações, levar a arma e agredir e se fosse preciso, como foi, usar da arma de fogo que levaram consigo.
O resto são conjeturas do recorrente, que exercendo o seu direito ao silêncio escusou-se a explicar o evento. Mas como explicaria a presença da arma ali devidamente municiada e apontada ao ofendido e sobre este disparada?
A versão encontrada pelo tribunal tem suporte na prova produzida. As demais versões ora apresentadas pelo arguido, poderiam até ser possíveis, mas não se impõem à encontrada pelo tribunal a quo que a apurou no exercício da sua livre apreciação da prova e se mostra consonante com as regras da experiência.
Não existe qualquer estranheza na solução apurada.
Se não existisse naquele local a garrafa, outro objeto que ali se encontrasse e suscetível de ser agarrado podia servir para os intentos agressivos ou então nenhum objeto seria necessário para tal.
O recorrente sustenta-se muito no depoimento da testemunha DD que dá logo conta que mal chegaram imediatamente se pegaram o que imediatamente dá conta do objetivo do arguido.
Depois o seu discurso revela-se pouco linear, admitindo não ter visto o revólver, mas dizendo mais à frente que o ofendido se tentou esquivar da arma.
E embora não tenha feito referências à garrafa de vidro, o ofendido deu conta disso e o tribunal aceitou essa versão.
Como pode o arguido recorrente afirmar que não foi o aqui Recorrente que espoletou a confusão, nem que tão pouco havia um plano arquitetado previamente, pois se ambos chegam em simultâneo com arma em punho e desatam logo a agredir o ofendido?
Embora a testemunha questionada acerca da existência da garrafa de vidro, tenha referido que foi o ofendido que a usou para a levantar em direção ao aqui Recorrente, e que este último a parou com um pontapé, o certo é que o ofendido apresentou outra versão, a descrita pelo tribunal na sua motivação foi esta a que foi aceite pelo tribunal a quo no exercício da livre apreciação da prova, não podendo, nesta medida, a versão da testemunha ser imposta à do ofendido.
E por outro lado, e ao contrário do que refere o recorrente os disparos não ocorreram porque AA não conseguiu, atingir o ofendido com a garrafa de vidro, o individuo que o acompanhava disparou contra o ofendido por forma a tirar-lhe a vida.
Os disparos aconteceram porque o ofendido arremessou a mesa contra o individuo.
A presença da arma naquele local, como já referido, foi consentida por ambos assim como o seu uso que pode ser letal.
Também não é linear a afirmação de que ”Alguém que tenha intenção de tirar a vida a alguém, e se norteie por um plano previamente combinado, teria necessidade de usar uma garrafa de vidro sabendo que o seu “comparsa” estava munido de uma arma de fogo?”
Não raras vezes o disparo de armas em direção a uma pessoa é antecedido por discussões e agressões físicas. O facto de se trazer a arma é prova de que se for preciso pode ser usada e sendo usada pode por em causa a vida, tudo dependendo do curso dos eventos.
Quanto à distância e pontaria já nos pronunciamos a respeito bem como ao conhecimento de que o individuo de que se fazia acompanhar trazia consigo uma arma.
Quanto ao acertar com a garrafa na cabeça, depende da destreza do agente e do visado. Ora, este afirmou que se desviou a tempo, o que é perfeitamente possível, mesmo estando sentado no sofá. Trata-se de um individuo jovem e que enfrentou o arguido e o individuo.
E é exatamente por ter “as costas quentes” com a presença do individuo e da arma, que o arguido ali surgiu de rompante para tirar satisfações e partir para a violência.
Acresce que nenhuma testemunha ou ofendido referiu ter ouvido ou visto da parte do ora recorrente algum tipo de reação de surpresa pelo uso da arma, o que reforçou a convicção do tribunal.
Não obstante o ofendido ter chegado a desculpabilizar a conduta dos arguidos ao dizer que a intenção deles não era matar o ofendido mas sim assusta-lo e ou agredi-lo, o certo é que tendo presente as considerações supraexpressas e a dinâmica dos factos apurada e tendo presente que estamos perante um crime de natureza pública, sendo dever do Estado perseguir e punir criminalmente condutas que violem aqueles valores mínimos essenciais para os quais a comunidade é intransigente e exige a sua efetiva proteção, o facto de a vitima desculpabilizar ou até relativizar eventos graves e repare-se que estamos perante um deles, dois indivíduos acercaram-se de um outro para tirar satisfações munidos de uma arma que efetivamente utilizaram por diversas vazes atingindo-o no seu corpo, só não o matando face à destreza do mesmo que procurou escapar aos tiros e intervenção médica pronta, tal atitude não tem o condão, apreciada no uso da imediação e oralidade e suportado pela livre apreciação da prova devidamente motivada e não desconforme com as regras da experiência, de afastar a intenção demonstrada em factos de tirar satisfações e de usar arma de fogo empunhada e disparada diversas vezes. Não pode o arguido dizer que não tinha intenção de usar tal arma. O modo como ali apareceram e intervieram com o ofendido, demostra claramente que combinaram ali se deslocar, vieram os dois em simultâneo, saíram os dois em simultâneo e confrontaram e debateram-se os dois com a vítima. A arma já vinha empunhada não sendo minimamente crível que não soubessem os dois da sua presença e que não admitissem, também os dois (arguido e outro individuo) usar a arma se tal fosse necessário (estava empunhada e municiada e foi disparada).
Como referiu o ofendido CC: “Entraram na garagem, um de pistola a apontar para mim, outro queria-me abrir a cabeça com a garrafa, só que não estava a conseguir.”
E se a ideia era só agredir fisicamente, por quê aparecerem também com uma arma pronta a disparar?
E se é verdade que relativamente ao ofendido não nos pareceu, perante a audição, que estivesse atemorizado ou sequer com receio de falar, o mesmo já não se pode afirmar relativamente à testemunha DD, que não quis prestar declarações na presença dos arguidos e apresentou um discurso pouco colaborativo, pouco escorreito e esquivo, podendo daí extrair-se a conclusão a que o tribunal a quo chegou.
Posto isto deve manter-se o ponto 4 dos factos provados, pois os elementos probatórios indicados pelo recorrente não impõem outra versão, ainda que pudesse admitir versão alternativa, mas não foi aquela a que o tribunal a quo aderiu em respeito pelo princípio da livre apreciação da prova.
Posto isto e relativamente ao arguido BB, tendo presente a conclusão a que se chegou, o mesmo terá de ser absolvido por falta de certeza quanto à sua participação nos factos. E por consequência ficam prejudicadas todas as demais questões de natureza jurídica que sobre o mesmo se suscitaram
Relativamente ao arguido AA aproveitam-se todas as considerações expendidas a propósito da sua participação, com as alterações supraefetuadas, mantendo-se quanto a ele a matéria fáctica dada por provada em 2, 4, 11, 12, 13.
A concreta prova indicada pelos recorrentes à exceção da questão da certeza da participação do arguido BB não alcança o mérito de impor uma decisão diversa, sendo de referir com clareza que assim o teria de obter, não bastando a mera possibilidade de permitir uma decisão diversa.
Relativamente à substância dos eventos ocorridos naquele dia estamos perante uma nova interpretação e uma nova análise crítica da prova produzida de iniciativa dos recorrentes e que não permite afastar a que o Tribunal efetuou, revelando-se esta devidamente fundamentada e suficientemente explícita e compreensível, ajustada às regras da experiência comum, não nos merecendo qualquer censura, razão pela qual o recurso não pode ser provido a não ser quanto à participação de BB.
E, o citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.
Por outro lado, importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detetar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório - Acórdão deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção.
Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior.
Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía.
Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores democráticos, no sentido de que as decisões judiciais quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, sejam fundamentadas.
Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230)
Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova - ( Ac. do STJ de 17-05-2007 Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção).
Por outro lado, o princípio de que o exercício do direito ao silêncio não pode beneficiar o arguido está consolidado na nossa jurisprudência. O arguido não pode esperar que o seu silêncio reforce a presunção de inocência, anulando o valor das outras provas demonstrativas da culpabilidade. Pode manter-se em silêncio sem que tal atitude o desfavoreça, mas não pode pretender que daí surja um agravamento do ónus da prova imposto ao Ministério Público ou um especial direito à absolvição com base no princípio in dubio pro reo.

Enquadramento jurídico dos factos.
Tendo presente a matéria fáctica dada e mantida por assente com as alterações determinadas a propósito da participação do recorrente BB, esta instância não se vai distanciar do enquadramento jurídico realizado pela primeira instância.
Os factos provados falam por si.
Existiu efetivamente da parte do arguido AA conluiado com terceiro individuo, cuja identidade não se conseguiu descortinar, a intenção de tirar a vida do ofendido.
Não tendo sido ele a efetuar os disparos, não há dúvida que ali se deslocou com o tal individuo munido de arma de fogo pronta a ser utilizada. E foi utilizada de forma intensa e profícua na direção do ofendido tendo atingido numa perna e para além disto muniu-se de uma garrafa que ali se encontrava tentando acertar com ela na cabeça do ofendido.
O recorrente AA em situação de coautoria representou e quis os factos do tipo objetivo do homicídio tentado. Agiu com conhecimento ou saber e quis e representou o desvalor do facto.
O dolo consiste no conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade. Para afirmar a sua existência não é necessária uma consciência reflexiva, bastando uma consciência marginal e liminar isto é, a consciência ou saber de situação (cfr. José António Veloso, Erro em Direito Penal, 1993, AAFDL, pág. 7 e ss.).
Em qualquer caso, o dolo é sempre um facto da vida interior do agente, um facto subjetivo, não diretamente apreensível por terceiro. Por assim ser, a sua demonstração probatória, sobretudo, quando não existe confissão, não pode ser feita diretamente, designadamente, através de prova testemunhal. Nestes casos, a prova do dolo tem que ser feita por inferência, terá que resultar da conjugação da prova de factos objetivos – particularmente, dos que integram o tipo objetivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum [onde a premissa maior é composta pela ou pelas regras da experiência comum convocadas e a premissa menor é composta pelo facto ou pelos factos objetivos provados].
A Relação ouviu o registo gravado da prova indicada conciliando-se com a demais em que se sustentou o tribunal a quo podendo, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência. – cfr. acs. S.T.J., de 25.09.97, no processo n.º479/97 e de 23.02.83, no B.M.J.342-620.
A propósito da coautoria refere o Ac STJ de 14-12-2017 in wwwdgsi.pt “A co-autoria prevista no art. 26.º do CP, como tal referida na tipologia das formas de autoria (3.ª alternativa) configura uma forma de participação em que o domínio do facto é exercido com outro ou outros, tratando-se de um domínio, agora “colectivo”, ou de um condomínio de facto. A actuação de cada autor é essencial na execução do plano comum, ela sendo a tarefa com vista à realização desse plano. O acordo ou a decisão conjunta representa a componente subjectiva da co-autoria e é esse elemento que permite justificar que o agente que levou a cabo apenas uma parte da execução típica responda, afinal, pela totalidade do crime.
II - A co-autoria apresenta como elementos integrantes: um acordo, expresso ou tácito para a realização conjunta de uma acção criminosa; a) intervenção directa na fase executiva do crime; b) repartição de tarefas ou papéis entre cada comparticipante; c) domínio funcional do facto, traduzido na possibilidade de exercer o domínio positivo do facto típico e de impedir ou abortar esse resultado.
III- (…)
No caso, estamos perante um acordo e plano prévio engendrado pelo arguido e terceiro individuo e a que aderiu o arguido recorrente, que admitia a possibilidade de matar a vitima, acordo que abrangia a utilização de uma arma e respetivas munições, na medida em que ambos se deslocaram à garagem para tirar desforço junto do ofendido munidos do revólver com prévia distribuição de tarefas, na medida em que o recorrente AA se dirige ao ofendido, procurando atingi-lo na cabeça com um garrafa, o individuo com quem se fazia acompanhar aguardava à vista dos presentes com a arma apontada ao ofendido com vista a dispará-la em direção a qualquer parte do corpo do ofendido se fosse necessário, como aconteceu perante a reação do ofendido, com o propósito homicida, a que aderiu.
A participação do recorrente é de coautoria.
Apenas se dirá ainda a propósito do homicídio que o mesmo não deverá ser qualificado.
O tribunal a quo qualificou a conduta do arguido pela especial censurabilidade. Contudo, tendo em consideração que os disparos ocorreram na sequência do ofendido ter atirado com a mesa de ping-pong contra o individuo não identificado que empunhava o revólver e não antes e que já havia anteriormente desentendimentos entre AA e ofendido, as concretas circunstâncias não nos parecem induzir para a existência de um juízo de especial perversidade e censurabilidade do art. 132º, n º 1, já que e também não se verificam nenhumas das als. do nº 2 do 132º do C.P. , conforme, aliás posição do tribunal a quo.
Cometeu, pois o arguido recorrente AA um homicídio simples na forma tentada p. e p. pelo art. 131º, n º 1 do C.P., não se tratando como defende o recorrente de um crime de ofensa à integridade física grave do art. 144º, al. d) do CP.

Da pena concreta.
Da aplicação do Regime Especial para Jovens Delinquentes (DL 401/82 de 23 de setembro)
Na determinação da medida concreta da pena referiu o Tribunal “A Quo” que:
“O arguido AA à data da prática dos factos tinha 20 anos de idade, fazendo 21 anos 14 dias depois da data da prática dos factos. Conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 401/82 - cuja entrada em vigor coincidiu com a do Código Penal - designadamente quando se afirma: "(...)*a capacidade de ressocialização do homem é pressuposto necessário, sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade" (ponto2.); E mais à frente: "O direito penal dos jovens imputáveis deve, tanto quanto possível, aproximar-se dos princípios e regras do direito reeducador de menores" (ponto 3.); "O princípio geral imanente em todo o texto legal é o da maior flexibilidade na aplicação das medidas de correcção (...)" (ponto 4.); "A inconveniência dos efeitos estigmatizantes das penas aconselha a que se pense na adopção preferencial de medidas correctivas para os delinquentes a que este diploma se destina" (ponto 5.).
Esta indicação legislativa era, já então, apoiada pelas recomendações do Conselho da Europa e foi, posteriormente, reforçada por novas recomendações deste órgão e por uma exortação da Assembleia-geral das Nações Unidas.
Assim, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing), adoptadas pela Assembleia-geral das Nações Unidas na sua Resolução n.° 40/33, de 29 de Novembro de 1985, que no ponto 7.1. (Princípios relativos ao julgamento e à decisão) estabelece: "7.1. A decisão de qualquer autoridade competente deve basear-se nos seguintes princípios:
a) A decisão deve ser sempre proporcional não só às circunstâncias e gravidade da infração, mas também às circunstâncias e necessidades do jovem delinquente, assim como às necessidades da sociedade;
b) As restrições à liberdade pessoal do menor são impostas somente depois de um estudo cuidadoso e limitadas ao mínimo possível;
c) A privação da liberdade individual só é imposta se o menor for considerado culpado de um facto grave que implique violência contra outra pessoa ou de reincidência noutros crimes graves e se não existir outra solução adequada; (...);
A Recomendação (87) 20, do Comité de Ministros do Conselho da Europa, sobre "Reações Sociais à Delinquência Juvenil", aprovada em 17 de Setembro de 1987, estabelece: (...) a natureza prioritária das medidas de diversão, de desiudicialização e mediação, de modo a evitar que os menores entrem no sistema de justiça criminal. Outras medidas da Recomendação são garantir uma justiça de menores mais rápida, para que possa desempenhar uma acção educativa eficaz; evitar que os menores sejam remetidos para a jurisdição de adultos, devendo ser julgados por tribunais de competência especializada; (...) zelar para que a privação da liberdade seja limitada ao mínimo possível" - excerto retirado de Os Caminhos Dificeis da Nova Justiça Tutelar Educativa - Uma Avaliação de Dois Anos de Aplicação da Lei Tutelar Educativa, do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa - Centro de Estudos Sociais, fls. 72-73.
O legislador não consagrou o regime das disposições especiais para jovens, por consagrar, mas acolheu o ensinamento de outros ramos do saber que explicam que na adolescência e no início da idade adulta, os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam. Neste ciclo de vida, não raramente, os jovens enveredam por condutas ilícitas, mas em regra a criminalidade é um fenómeno efémero e transitório (Como referem Norman A. Sprinthall; W. Andews Cllins, Psicologia do Adolescente, uma abordagem desenvolvimentista, 1994, pág. 501, (...) cerca de 80% dos adolescentes, uma vez por outra, participam em actos levemente anti-sociais (..) aproximadamente 15% dos adolescentes tomam parte repetidamente em graves actos anti-sociais, mas só um terço destes entra na criminalidade séria, semelhante a que se pode encontrar em certos adultos. J.Importa por isso, e estas são as palavras do legislador, dado o carácter transitório da delinquência juvenil, evitar a estigmatização, o que só se consegue com o afastamento, na medida do possível, da aplicação da pena de prisão.
O regime especial para jovens tem, por outro lado, a vantagem de permitir uma transição gradualista e menos abrupta e dramática entre a inimputabilidade e a imputabilidade, entre o direito dos menores e o dos adultos, reconhecido como é que o estabelecimento de limiares peremptórios de imputabilidade constitui algo de controverso, chegando mesmo alguns autores a falar em arbitrariedade, o que julgamos excessivo.
A atenuação especial da pena a aplicar aos arguidos - só se justifica se o tribunal tiver sérias razões para crer que da atenuação resultariam vantagens para a integração social. Não basta, pois, considerar a idade dos arguidos. Deve o tribunal convencer-se, em razão de elementos objectivos e fundamentados, que a atenuação especial da pena irá facilitar o processo de reinserção social que a própria pena visa.”
Concluiu o Tribunal “A Quo” que:
“No caso em apreço o arguido não consegue fazer um juízo crítico da sua conduta a qual tem uma carga desvalorativa de nível elevado, o arguido já tem antecedentes criminais e todas as demais circunstâncias dadas como provadas levam o tribunal a crer que a atenuação especial não conduz a reais vantagens para a reinserção social do arguido pelo que o tribunal decide não aplicar o regime especial para Jovens ”
Tal decreto institui o regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos.
Pretendendo o legislador com a criação do diploma, assegurar que um jovem com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos seja merecedor de um tratamento penal especializado.
Tal raciocínio surgiu e foi sustentado devido às variadas pesquisas no domínio das ciências humanas e da política criminal, que apuraram através de uma análise vasta e profunda, que quando os jovens ainda se encontram no limiar da sua maturidade, devem ter um acompanhamento diferente devido à capacidade de ressocialização.
Por esse motivo, tal como é possível constatar da análise do preâmbulo do diploma, o legislador pretendeu que o direito penal dos jovens imputáveis fosse, tanto quanto possível, aproximado dos princípios e regras do direito reeducador de menores.
Querendo o Legislador “instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção.”
Constata-se que o regime especial do DL. Nº. 401/82 de 23 de setembro, mais do que conferir uma benesse ao jovem delinquente, por se entender merecedor de um tratamento penal.
Pretende instituir ao jovem uma componente mais reeducadora do que sancionatória.
Sendo necessário ponderar na perspetiva do jovem/arguido, Mormente, se é possível efetuar um juízo de prognose favorável em relação ao jovem/arguido tendo em conta as circunstâncias pessoais do mesmo.
Tendo presente o Relatório Social:
Pode ler-se:
“A infância de AA decorreu junto de uma "família de acolhimento (sic.; agregado de uma tia-avó), a quem foi entregue no primeiro ano de vida, à semelhança do que vinha acontecendo com os restantes sete irmãos. O arguido residiu com essa família na Maia, cidade onde frequentou o 1° e parte do 2° ciclo do ensino básico. No final da infância a mãe solicitou reunificação familiar, que terá sido concedida pelo tribunal competente, passando a residir com essa figura em .... O arguido não se adaptou às novas condições de vida, em parte devido à conflitualidade recorrente entre si e a mãe, acabando por empreender fugas sucessivas para a família de acolhimento. Consequentemente, foi aplicada medida de promoção e proteção de acolhimento residencial e o arguido integrou a "..." (Matosinhos). No início da adolescência foi-se instalando um quadro de disrupção comportamental extensível a todos os contextos de vida, com impacto negativo significativo no seu ajustamento pessoal e social. O arguido concluiu apenas o 6° ano de escolaridade. Tendo iniciado consumos regulares de canábis, foi transferido aos 15 anos de idade para uma comunidade terapêutica em ..., da qual fugiu duas vezes, refugiando-se em casa de irmãs mais velhas.
AA referiu ter começado a trabalhar informalmente aos 16 anos em bares no centro histórico do Porto, para custear as suas despesas pessoais. Na mesma idade, mudou-se para o Bairro 2 ... (Porto) com a namorada, para uma casa que amigos da irmã teriam desocupada, e começou a trabalhar informalmente na construção civil com um tio da figura feminina. A companheira ficou grávida. O filho morreu no parto, acontecimento descrito como penoso e perturbador da relação. O casal ainda se mudou para casa de familiares dela em ..., até que o arguido tomou a iniciativa de separação e integrou o contexto socio-habitacional de uma irmã. AA iniciou relação de namoro com a atual companheira em 2019, iniciando coabitação em data e circunstâncias não concretamente apuradas.
O arguido beneficiou de intervenção de promoção e proteção e tutelar educativa, tendo cumprido medidas de tarefas a favor da comunidade e de imposição de regras de conduta.
Já após o nascimento do filho, o arguido retomou a relação com a atual companheira (GG, 31 anos). Deste modo, o agregado familiar é constituído pelo casal, pelo filho (HH, 8 meses) e pela filha da companheira (II, 9 anos), com residência estabelecida na morada dos autos de configuração urbana conotada com problemáticas sociais e criminais. Os proventos familiares são alegadamente obtidos através dos trabalhos informais do arguido na área da construção civil (valores variáveis, mas tipicamente superiores a mil euros), do subsídio social de desemprego da companheira (250 euros), dos abonos de família (200 euros) e do fundo de garantia de alimentos (88 euros). As despesas fixas mensais relacionam-se com a renda da habitação (225 euros), eletricidade (40 euros), água e saneamento (20 euros), televisão e comunicações (26 euros), alimentação e aquisição de outros bens e serviços. A situação económica foi autoavaliada como suficiente para responder a todas as necessidades básicas.
O arguido mantém consumos regulares de canábis desde a adolescência, que considera não terem interferência negativa na sua participação na vida diária. O seu quotidiano está alegadamente associado à assunção das responsabilidades laborais nos dias em que trabalha, bem como à participação nas rotinas familiares, dedicando algum tempo ao convívio com amigos que vivem na vizinhança.
O seu projeto de vida passa por concluir as aulas e exames para a carta de condução, trabalhar, mudar-se para uma casa maior e viver tranquilamente com a família.
AA teve outros confrontos com o sistema de administração da justiça penal. O arguido AA por decisão proferida no processo sumário n° 427/22.7PWPRT transitado em julgado a 2021/11/11 foi condenado pela prática de um crime de condução ilegal numa pena de cinco meses prisão substituída por trabalho a favor da comunidade.
O arguido AA por decisão proferida no processo 23/20.3SFPRT transitado em julgado a 2022/09/30 foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes numa pena de cinco meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano.
O arguido AA por decisão proferida no processo sumário n° 247/21.6GAMLD transitado em julgado a 2022/05/18 foi condenado pela prática de um crime de condução ilegal numa pena de dois meses prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano”
Ora, o Recorrente demonstra, através do relatório social que é um jovem que teve uma infância bastante conturbada e muito distinta daquilo que e o “crescimento normal” de uma criança.
Ao longo da sua infância o Recorrente revelou dificuldades na imposição de regras e normas.
O aqui Recorrente revelou-se ser uma criança sem prospeção de vida e sem rumo,
O que veio mais tarde a ser “remediado” pelo acolhimento do mesmo na residencial “...” em Matosinhos.
O aqui Recorrente revelou ao longo da sua adolescência comportamentos negativos, que dificultaram e muito a sua integração na sociedade, quer a nível pessoal quer a nível social.
Tendo continuado a consumir produto estupefaciente.
É verdade que o arguido teve uma vida com adversidades, contudo não menos verdade, o arguido por opção própria e por diversas vezes perdeu as oportunidades que lhe foram sendo criadas pelo sistema de apoio que lhe foi proposto.
E não obstante os desejos de dar um novo rumo à sua vida, confrontou-se por diversas vezes com o sistema judicial criminal e já depois da prática destes factos, o que não abona muito a favor de um juízo de prognose futuro.
Para realizar o juízo de prognose sobre o desempenho futuro da personalidade do jovem, impõe-se ponderar, numa avaliação global dos factos apurados no caso concreto, a natureza e modo de execução do crime, a personalidade do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao facto, bem como as suas condições de vida, tudo de forma a averiguar se a moldura penal do crime em questão é ou não excessiva tendo em vista os fins de socialização do jovem condenado.
Tendo presente à sua idade à data dos factos, 20 anos, as tentativas de reorganização familiar e que as condenações criminais ocorreram após a prática destes factos, decide-se aplicar o regime especial para jovens e em função disso operar a atenuação especial da pena abstrata encontrada para o crime de homicídio simples na forma tentada, cfr. dispõe o Artigo 4.º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro.
(Da atenuação especial relativa a jovens)
“Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.”


Tendo presente que a pena abstrata tentada é de 1 ano, 7 meses e 6 dias de prisão a 10 anos e 8 meses de prisão, com a atenuação do regime especial para jovens passa a ser de 30 dias a 07 anos e 4 meses.
Na determinação concreta da pena devem ponderar-se todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente as referidas no n.º 2 do art. 71º do C.P.
Assim, no caso sub judice, ponderar-se-ão:
a) O grau de ilicitude do facto é mediano, o modo de execução deste (a forma como entraram na garagem, a utilização de uma arma revolver, a conduta anterior do arguido AA com a utilização de uma garrafa, o número de disparos), a gravidade das suas consequências (as lesões que o ofendido teve);
b) A intensidade do dolo;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, completamente incompreensíveis;
d) As condições pessoais do agente, o qual tinha à data da prática dos factos 20 anos ;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior sendo que o arguido AA já tem antecedentes criminais quer por factos praticados antes quer depois destes.
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art.º71º, n.ºs 1 e 2, do CP).
No caso em apreço, há que considerar as fortíssimas exigências de prevenção geral do crime de homicídio, não só porque está em causa o bem supremo que é a vida, mas porque este crime tem aumentado no nosso País no decurso dos últimos anos, sendo que estes factos foram praticados em local reservado.
Ponderadas as agravantes e as atenuantes, as exigências de prevenção geral e especial e face à moldura penal aplicável tem-se por adequado fixar pela prática do crime de homicídio simples na forma tentada em três anos de prisão relativamente ao arguido AA.

Impõe-se agora ponderar a suspensão desta pena.

Sobre este aspeto discorreu a decisão a quo:
“Importa agora indagar da admissibilidade de uma pena substitutiva, tendo presentes os critérios enunciados no artigo 50.º, nº 1 do Código Penal, seja, indagar da existência de um equilíbrio entre as exigências de prevenção geral e as de prevenção especial, equilibrando o mínimo socialmente suportável com o máximo que a ressocialização do agente aconselha.5
Qualquer consideração da culpa do agente não tem aqui lugar, pois que o momento próprio para a sua apreciação foi o precedente. De facto e como decidiu recentemente o Supremo Tribunal de Justiça 6 “ (...).Desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”
É certo que as exigências de exteriorização física da reprovação do crime cometido impõem que ao menos por agora se lance mão da pena de prisão. Mas entendemos que a reprovação naquela pena expressa só é plenamente satisfeita no cumprimento efectivo da mesma.
Pois pena de prisão suspensa é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas.
Porém, outros dos seus vectores é a protecção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes.
Será pois nesta dupla perspectiva que deverá incidir um juízo de prognose favorável à suspensão da correspondente pena de prisão, sendo certo que para o efeito o seu ponto de partida será sempre o momento desta decisão e não da prática do crime – neste sentido veja-se o Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2001/Mai./24, na Colectânea de Jurisprudência (S) II/201.
5 confrontar Anabela Miranda Rodrigues, “Critério de Escolha das Penas de Substituição do Direito Penal Português”, pág. 22 e seguintes.
6 Acórdão de 21.03.2001 in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IX, tomo II, pag. 49.
A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, como sucede com o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 09-01-2002 (Proc. n.º 3026/01 - 3.ª Secção), divulgado em http://www.stj.pt, que “A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado”, em que na sua base está sempre um juízo de prognose social favorável ao agente, baseada num risco de prudência, em que se deverá “reflectir sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo envolvente da infracção”.
Como se referiu no Ac. da R. C. de 2000/Fev./09 [Recurso n.º 3139/00, relatado pelo Des. Oliveira Mendes.], divulgado em http://www.trc.pt, “Perante arguido já condenado por duas vezes, em menos de um ano, numa pena de multa e noutra de prisão não executada, pelo cometimento do mesmo crime, impõe-se a aplicação da pena de prisão efectiva pela prática de crime igual, já que o mesmo não só revela desprezo pela ordem jurídica, pondo em perigo as expectativas dos demais cidadãos na validade das normas jurídico-penais (prevenção geral), como evidencia que relativamente a si as respostas penais não privativas da liberdade ou de prisão sem execução se mostram desprovidas de qualquer eficácia (prevenção especial).Também aí se refere que “O facto de se tratar de uma pena curta de prisão, não obsta à sua execução em clausura, atenta a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes e de salvaguardar a vida em sociedade, sendo que de outra forma ficariam por realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição”.
Da factualidade apurada não resulta que os arguidos tenham assumido um juízo critico sobre os factos, em julgamento não pediram perdão à vítima, não tiveram qualquer conduta que demonstrasse o seu arrependimento.
A postura descomprometida dos arguidos, por um valor supremo que é a vida, condiciona o juízo de prognose de que doravante os arguidos se irão pautar doravante pelo estrito cumprimento das normas que evite a repetição de tais factos,
Pelo exposto, entende o Tribunal que não deve suspender a pena aos arguidos pelo que a pena de prisão deve ser efectiva.”
De facto embora preenchido o primeiro requisito formal relacionado com o quantum da pena, não se mostra preenchido o requisito substancial, e podendo a partida ser realizado um juízo de prognose de comportamento futuro conforme as regras de direito, o certo é que as exigências de prevenção geral são enormes, para já não falar nas de prevenção especial que embora mais incipientes já denotam uma certa propensão para condutas desviantes com relevância penal. Mas dizíamos que a comunidade em geral e a comunidade em que se insere o arguido não veria as suas expetativas satisfeitas na normalização da norma jurídica violada com a manutenção do arguido na situação de liberdade, ainda que eventualmente sujeito a regime de prova. Num ambiente de bairro com problemáticas sociais, a mensagem que eventualmente poderia passar seria a de impunidade para uma situação grave que foi um atentado à vida humana.
Por estas razões não se suspende a pena de prisão que o arguido deverá cumprir.



3. Decisão

Face ao exposto, julga-se provido o recurso do arguido BB, absolvendo-o do crime de que vinha acusado em face da alteração fáctica assente suprarreferida.

E julga-se parcialmente provido o recurso do arguido AA e nessa medida mantendo a sua condenação pela prática em coautoria de um crime de homicídio mas agora na forma simples e na forma tentada e com aplicação do regime especial para jovens p. e p. pelos arts. 131º, 14º, 22º, n º 1 e 2 al. a) e b), 23º, n ºs 1 e 2 e 26º e arts. 1º e 4º do D/L 401/82 de 23 de setembro, na pena de três anos de prisão efetiva.

No mais, na parte não prejudicada, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Sem custas por não serem devidas




Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 06 de março de 2024
Paulo Costa
Pedro Afonso Lucas
Donas Botto