Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15025/18.1T9PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANWEG
Descritores: CRIME DE OFENSA A ORGANISMO
SERVIÇO OU PESSOA COLETIVA
Nº do Documento: RP2020050615025/18.1T9PRT-A.P1
Data do Acordão: 05/06/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Um texto publicado numa rede social da rede digital global, em que são propalados juízos subjetivos, depreciativos e infundamentados, opiniões e expressões idiomáticas a respeito de um município, suscetíveis de ofenderem o prestígio desta pessoa coletiva, não preenche o elemento objetivo “facto inverídico” do tipo legal de crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº. 1 do Código Penal .
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 15025/18.1T9PRT.P1
Data do acórdão: 6 de Maio de 2020

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Instrução Criminal do Porto

Sumário:
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Acordam, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos em que figura como recorrente a arguida B…;
I - RELATÓRIO
1. No dia 11 de Outubro de 2019, na sequência de instrução requerida pela assistente, foi proferida a decisão instrutória que terminou com a pronúncia da arguida pela prática dos factos constantes da acusação particular contra a mesma deduzida nos autos pelo assistente Município …, integrantes da prática, por aquela, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº. 1 do Código Penal.
2. Para tanto, foram considerados suficientemente indiciados os seguintes factos:
Em 28 de Agosto de 2018, a Arguida publicou o conteúdo que abaixo se transcreve, recorrendo à sua página pessoal, de acesso público, do Facebook: ‘Alguém me explica como foi possível em 3 semanas - entre 2 de Junho, data do parecer desfavorável de C..., e 23 de Junho, data do (suposto) segundo parecer do mesmo técnico, agora favorável - foi possível resolver as desconformidades legais e regulamentares (PDM)??!!!
E já agora, porque não serviu o parecer do técnico D..., gestor do projecto assim designado nos Serviços da Câmara, que emitiu no MESMO dia 2 de Junho, um parecer favorável, contrariando o do colega C...?
Para quem estiver confuso: No dia 2 de Junho de 2017 há DOIS pareceres de DOIS técnicos diferentes, um desfavorável (C...) e outro favorável (D...).
Agora, surge do nada um parecer favorável de C... em 23 de Junho; como foi possível em 3 semanas fazer correções a desconformidades legais e regulamentares que permitiram a inversão de decisão?” [vd. documentos agregados a fis 39 a 45 dos autos de Inquérito que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para todos os legais efeitos]
No domínio da referida publicação, a Arguida publicou 4 (quatro) páginas respeitantes a uma informação técnica prestada pela Divisão Municipal de Apreciação Arquitetánica e Urbanística da Direção Municipal de Urbanismo do Município ..., em 206.2017, com a referência interna n.° l/180504/17/CMP — concretamente, páginas de um documento composto por 5 (cinco) páginas —, em sede do processo de licenciamento n.° ....../17/CMP das obras de edificação de um terreno situado na Rua ..., nesta cidade do Porto e em que figura como Requerente/Promotor urbanístico a sociedade “E..., S.A.”. [vd. documentos agregados a fls 39 a 44, relativos à informação publicada e documentos a fis 47 a 52 que reproduzem a informação integral em causa, todos dos autos de Inquérito que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para os devidos e legais efeitos]-
Da visualização do documento publicado pela aqui Arguida — incompleto quando em confronto com o respectivo original, como se sublinhou —, observa-se ainda que expressões e frases nele insertas se encontram sublinhadas e realçadas com o único e exclusivo propósito de destacar o respetivo conteúdo descontextualizado do seu escopo e sentido e, exasperadamente, promover uma tese premeditadamente viciada, convencendo o seu interlocutor da veracidade das declarações que presta [cfr. documentos fis 39 a 44 dos autos de Inquérito que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para os devidos e legais efeitos];
Ainda por reporte à aludida publicação, a Arguida, em diálogo aberto com outros utilizadores daquela plataforma social, redigiu comentários ofensivos da honra e prestigio institucional do Ofendido e dos funcionários desta Edilidade, com alusão expressa ao uso de expressões caluniosas como “Money makes the world go round and round...” (na gíria nacional, “o dinheiro faz girar o mundo”), e “Não me parece que tenha sido incompetência. De forma alguma” quando em resposta a um comentário de um outro utilizador daquela rede social que referia “Será que alguns técnicos da Câmara Municipal ... saberão o que andam a fazer? Ou a incompetência será de outro género à vontade do freguês?” [vd. fls 45 dos autos de Inquérito que aqui inteiramente reproduzidos para os devidos e legais efeitos]
A Arguida afirma, de forma expressa e publicamente, a sua convicção de que terá existido intenção ilícita nos actos praticados pelos serviços do município, motivada por interesses financeiros.
Tais observações alimentaram uma cadeia de comentários espúrios e insinuam, inclusivamente, a prática, pelos funcionários do Ofendido, de actos passíveis de configurarem ilícitos criminais. [vd. fis 45 dos autos de Inquérito que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para os devidos e legais efeitos]
A divulgação, pela Arguida, do extrato da informação com a referência interna n.° ./....../17/CMP e os comentários que a mesma associou ao referido documento, por via da sua página pessoal do Facebook, de acesso público, quer pela forma como foram enunciados quer por não corresponderem áquilo que decorre da tramitação do procedimento administrativo a que faz alusão, demonstram o manifesto cariz difamatório dessas afirmações,
Que foram, assim, levadas a efeito com o único e exclusivo propósito de criar prejuízo grave na esfera da entidade Ofendida.
De facto, a Arguida, desde logo por ter sido eleita Vereadora na Câmara Municipal ..., cargo que actualmente exerce, tinha à sua disposição mecanismos para aceder a toda a informação que considerasse pertinente para esclarecer as dúvidas que pudesse ter sobre o processo de Licenciamento n.° ....../17/CMP, nomeadamente através do direito à informação previsto no artigo 4.° do Estatuto do Direito de Oposição, previsto na Lei n.° 24/98, de 26 de Maio.
Caso a Arguida tivesse procurado obter informação sobre o processo de licenciamento n.° ....../17/CMP, o que claramente não quis, facilmente tinha percebido que a informação com a referência interna n.° ./....../17/CMP, subscrita a 2.06.2017 pelo Senhor Arquiteto C... dizia respeito á análise do projeto de arquitetura, ao passo que a informação subscrita pelo Senhor Arquiteto D... com a referência interna n.° ./....../17/CMP corresponde à informação global prestada por quem foi atribuída a qualidade de gestor do procedimento, decorrente da análise do pedido de licenciamento. [vd. documentos a fis 47 a 52 e 54 a 59 dos autos de Inquérito que aqui se dão por inteiramente reproduzidos]
Caso a Arguida tivesse procurado obter informação sobre o processo de licenciamento n.° ....../17/CMP, facilmente teria percebido que a informação subscrita a 2.06.2017 pelo Senhor Arquiteto C... foi objeto de análise pela Senhora Chefe da Divisão Municipal de Apreciação Arquitetónica e Urbanística, a Senhora Arquiteta F..., através da Informação n.° ./....../17/CMP, também de 2.06.2018. [vd. sobredita fl52 dos autos de Inquérito que se dá por inteiramente reproduzida)
Uma acurada análise ao processo de licenciamento n.° ....../17/CMP, teria permitido à Arguida facilmente concluir que a informação com a referência interna n.° ./....../17/CMP, subscrita a 23.06.2017, pelo Senhor Arquiteto C..., decorreu da apresentação de novos elementos pelos requerentes do processo. [vd. I7s 61 a 66 dos autos de Inquérito que se dão por inteiramente reproduzidas]
A factualidade acima transposta foi inteiramente atestada pelas testemunhas ouvidas em sede de Inquérito, conforme se atesta a fis 63 e 84, fis 86 e 87, fls 96 e 97, fis 98 a 100, fis 101 a 103 e, bem assim, fis 104 e 105 dos autos de Inquérito.
Pelo exposto,
A conduta da Arguida, ao lançar suspeitas sobre a atuação dos técnicos que analisaram o processo de licenciamento n.° ....../17/CMP, sem cuidar de obter, previamente, toda a informação necessária para analisar a atuação do Município ... — como sempre lhe competia, conforme depoimentos prestados pelas testemunhas a fis 63 e 84, fis 86 e 87, fis 96 e 97, fls 98 a 100 e lis 101 a 103 e documentos agregados a fls 88 a 95, relativos ao histórico da tramitação subjacente ao processo de licenciamento, condicionando essa mesma informação e omitindo intencionalmente a divulgação de informações que tornariam clara a atuação dos Serviços do Município no âmbito do citado processo de licenciamento, reflete um manifesto propósito difamatório.
Ademais, a subversão intencional da verdade dos factos e a formulação de juízos que aviltam a credibilidade e o prestígio institucional do Ofendido e dos seus funcionários através da rede social de maior popularidade em Portugal, o Facebook, visando transpô-los para o mundo onllne, intensifica o desígnio ilícito e com ostensiva relevância penal por que se pautou a atuação da Arguida.
Tanto mais que, da conduta assumida pela Arguida, não se antevê qualquer prossecução de interesses legítimos que justifiquem o teor das afirmações a que preside nem tampouco que em causa esteja o exercício da liberdade de expressão.
De facto, não se afigura despiciendo ressaltar que a Arguida poderia ter delimitado a discussão da presente temática ao âmbito político, tendo, ao invés, deliberadamente, optado por colocar a tónica na atuação dos funcionários desta edilidade, pondo em causa — infundadamente como demonstrado — a sua credibilidade e prestigio.
A Arguida não se limitou, com as referidas declarações e divulgação de documentos, a actuar no livre exercício do seu direito de liberdade de expressão. Foi além do legitimo exercício desse direito.
Ao proferir expressões como “Money makes the wor!d go round and round e “Não me parece que tenha sido incompetência. De forma alguma.”, a Arguida ultrapassou esse limite, produzindo afirmações que só podem ter sido proferidas com o claro e deliberado propósito de atingir o prestigio institucional da entidade Ofendida.
Ultrapassou esse limite na medida em que as afirmações que proferiu bem como os documentos que publicitou, em paralelo com a informação que deliberadamente omitiu, demonstram que em causa não está uma manifestação de opinião sobre determinados factos e condutas mas antes a assunção de uma conduta difamatória com a deturpação da realidade dos factos (que, injustificadamente, não viii ou não quis ver e desconsiderou por ser desajustado com a sua tese...),
A que acresce a conduta, não menos grave, de suscitar a dúvida quanto à atuação licita do aqui Ofendido e dos seus funcionários na gestão daquele procedimento urbanístico retius, de afirmá-lo perentoriamente, perante o seu público-alvo.
Da factualidade acima transposta, ressalta â evidência que a Arguida se socorre de juízos de valor desonrosos e imputa, artificiosamente, condutas potencialmente ilícitas, que bem sabe não correspondem à verdade.
A conduta da Arguida, extravasa, amplamente, o direito à liberdade de expressão, em sede de debate e critica ã acção política e governativa da Autarquia — curiais num Estado de Direito —, antes visando instar ao escrutínio público sustentado em falsas informações e desvirtuação da realidade dos factos, com a promoção de juízos valorativos que implicam um sério prejuízo à imagem institucional do Ofendido.
O que é de todo inadmissível e merece indubitavelmente a tutela penal.
Ao agir da forma supra descrita, a Arguida fé-lo voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.”

3. Inconformada com o despacho de pronúncia, a arguida interpôs recurso do mesmo, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos:
A) Em face do art. 187°, n° 1, do CP, são elementos do tipo objetivo do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva:
- a afirmação ou propalação de factos inverídicos;
- não ter o agente fundamento para, em boa fé, reputar verídicos esses factos;
- a idoneidade de tais factos para ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que se mostrem devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação.
B) No domínio do direito penal, a honra objectiva ou exterior das entidades colectivas é exclusivamente tutelada pelo art.° 187.°, n° 1, do CP, que tipifica o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, não podendo essas entidades ser sujeitos passivos dos crimes de difamação ou injúria.
C) Em sintonia com a CRP, bem como com os mais relevantes diplomas de direito internacional que vinculam o Estado português, o art.° 187°, n° 1, do CP não tipifica a formulação de juízos de valor.
D) Acontece que a “formulação de juízos” a que se refere a Assistente no seu RAI não configuram factos — no sentido de realidades objectivas — mas, quando muito, os tais juízos de valor não incriminados pela citada norma.
SEM CONCEDER E POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO.
E) Na ofensa a pessoa colectiva do art.° 187.° do CP, a inveracidade dos factos afirmados ou propalados torna-se o critério básico da tipicidade, a par com a susceptibilidade para ofender o bem jurídico tutelado.
F) A questão desloca-se da defesa do arguido (que invoque a veracidade dos factos ou a sua convicção desta) para os fundamentos da tipicidade e da acusação (que tem de assentar na inveracidade dos factos).
G) Ora, não resulta do requerimento de abertura de instrução, nem dos autos, quaisquer indícios que os factos sejam inverídicos, tendo o despacho de pronúncia omitido por completo a questão.
Eis, pois, Senhores Juizes Desembargadores, expostas as razões pelas quais se pede a Vossas Excelências que julguem procedente o recurso ordinário e, em consequência, absolvam a arguida do crime por que vem pronunciado.

4. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo.
5. O Ministério Público apresentou resposta, da qual se retiram as seguintes passagens mais relevantes:
“(…)
Ainda se refere o decidido no Ac. RP de 30/10/2013 “integra o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, do artº 187º, do Código Penal, apenas a afirmação ou propalação de factos inverídicos e ofensivos e não a formulação de juízos ofensivos.
Este é um crime de perigo: basta que os factos em questão sejam capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança do visado, mesmo que essa credibilidade, esse prestígio, ou essa confiança não tenham sido efetivamente atingidos.
Constitui «meio de comunicação de comunicação social» para o efeito do nº2, do artº 183º, do Código Penal uma página do Facebook, acessível a qualquer pessoa e não apenas ao grupo de amigos.”
No caso em apreço, no dia 28 de Agosto de 2018 a arguida publicou na sus página pessoal do Facebook, de acesso público, o constante de fls. 4v e 5 (articulados 3 a 6 da queixa), que aqui se dão como reproduzidos.
Factos que a arguida, vereadora da CMP sabia que não eram verídicos os documentos que publicou, porquanto dado o seu cargo tinha podia ter verificado que o que publicava não correspondia à verdade, omitindo na sai publicação intencionalmente as informações que a contradiziam.
No nosso modesto entendimento, o M.º Juiz de Instrução fez uma correcta apreciação da mobilização probatória e caracterizou, correctamente, a realização típica demandada.
Em suma, concatenou, inequivocamente, os factos coligidos com o conceito de indícios
Em nosso entender, acanhado, o M.º juiz usou da faculdade que lhe é concedida pelo estatuído no art. 127.º do C. Penal: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova à apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.», livre apreciação esta balizada, apenas, e descontadas as expressas excepções legais, pelos critérios de experiência comum e da lógica do homem médio considerado pela ordem jurídica
(…)
In casu, os elementos carreados aos autos foram apreciados em conformidade com as regras de experiência e de critérios lógicos, formando um substracto racional no In casu, os elementos carreados aos autos foram apreciados em conformidade com as regras de experiência e de critérios lógicos, formando um substracto racional no sentido da valoração operada - como se apreende no Ac. do STJ de 91.12.18, BMJ, n.º 412/383 -, e que conduziu à prolação do despacho de pronúncia.
Encontra-se perfecibilizada, indiciariamente, a consumação do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artº 187º, nº1, do CP, de que a arguida veio a ser pronunciada.
O despacho, ora em crise, não constituiu afirmação do arbítrio, traduzindo-se numa apreciação da prova vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório.
Pelo que bem andou, o M.º Juiz de instrução, ao proferir a pronúncia da arguida.
Termos em que, sem formular conclusões, por não serem obrigatórias (artº 413º, nº4, à contrário do CPP), entendemos que deve ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, confirmado o despacho recorrido.

6. O assistente Município … também apresentou resposta à motivação de recurso da arguida, defendendo a manutenção da pronúncia da arguida, reiterando os termos do seu requerimento de abertura de instrução e defendendo que os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime imputado à arguida se mostram preenchidos nos factos indiciados, destacando-se das suas conclusões o seguinte:
“(…)
De entre o rol de publicações, destaca-se a ocorrida no dia 28 de Agosto de 2018, em que a Recorrente, trazendo a público informação que sabia não ser verdadeira, publicou, na sua rede social, informação e documentos inverídicos.
Sendo que no decorrer da conversação aberta com os utilizadores da rede escreveu ainda "Money makes the world go round and round" e "Não me parece que tenha sido incompetência. De forma alguma" (conforme documento n. o 1 junto com a queixa-crime, nos presentes autos).
O que fez com o evidente objectivo de denegrir a credibilidade e da confiança que a comunidade, em geral, deposita no aqui Recorrido.
(…)
A Recorrente, como bem refere o Tribunal a quo, lança a suspeita sobre a conduta do Assistente, ora Recorrido, e fá-lo com base na enunciação de factos completamente desprovidos de veracidade.
Conforme vertido em sede de requerimento de abertura de instrução, no dia 28 de Agosto de 2018, a Arguida, aqui Recorrente, publica um conjunto de indagações, relativamente ao processo de licenciamento n.º ……/17/CMP que correu os seus trâmites no seu respectivo departamento de licenciamentos do Assistente.
No decorrer da sua publicação foi-se referindo ao processo de licenciamento n.° ……/17/CMP, bem como as às diversas acções nele acontecidas, - as quais constam de fls. 89 e segs. dos presentes autos - propalando que o Assistente tinha emitido, no mesmo dia dois pareceres diametralmente opostos e que posteriormente só o "que interessava" tinha sido aproveitado! (Dedução que é corroborada pelo seu comentário "Money makes the world go round and round "). O que não corresponde à verdade, como facilmente um leigo apreende da análise do procedimento tido.
Pese embora tenham ambos existido (não se tratando de facto falso a afirmação: da existência de dois pareceres), é inverídico que ambos fossem iguais na sua génese e, portanto, pudessem ser objecto de equiparação ou de "escolha", como quer fazer parecer.
Uma análise minuciosa (à qual a Recorrente poderia aceder e facilmente desmitificar os seus pensamentos) demonstrar-lhe-ia que os Pareceres emitidos nesse dia 02 de Junho por Arquitectos diferentes, se tratam de pareceres diferenciados, pois diferenciadas são as atribuições daqueles que os subscrevem.
(…)
Uma breve análise ao processo de licenciamento - que a Recorrente completamente descurou -teria permitido facilmente concluir que a informação com a referência interna n." ./……/17/CMP, subscrita em 23.06.2017 pelo Senhor Arquitecto C…, decorreu da apresentação de novos elementos pelos requerentes do processo.
(…)
Mas a Recorrente não se ficou pela propalação de factos inverídicos: junta à sua publicação o parecer do Arq. C… e deturpa-o, omite-lhe na informação e destaca-lhe outra.
(…)
Mais se refira que a sua intenção de lesar a credibilidade, bom nome e confiança no serviço é notória quando, a par da publicação e no decorrer da mesma, comenta "Money makes the world go round and round" e "Não me parece que tenha sido incompetência. De forma alguma.".
(…)
Para delimitação objectiva, sempre serão de aplicar os critérios exigidos pelo tipo legal de crime de difamação quanto à densificação do conceito de "boa-fé"!": isto é, a boa-fé sempre estará dependente do respeito das regras de cuidado inerentes. Analisando o tipo legal de crime previsto no artigo 180º do Código Penal e pese embora a alínea b) do n." 2 consagre uma causa de justificação, quando o agente tiver fundamento sério, para em boa-fé, a reputar: verdadeira; o nº 4 dessa incriminação legal vem impor a repressão do agente se este não tiver cumprido o dever de informação que as circunstâncias do caso: lhe impunham, acerca da verdade da imputação.
A Recorrente não cumpriu o dever de informação que se lhe impunha, pois, ignorou por completo o expediente concedido pelo Estatuto do Direito de Oposição (previsto na Lei n.º 24/98, de 26 de Maio) que, no seu artigo 4.°, confere aos titulares do direito de oposição o direito de serem informados regular e directamente pelos correspondentes órgãos executivos sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público.
A Recorrente limitou-se a, descansadamente, fazer uso da sua rede social - de acesso público! - para ali verter factos completamente inverídicos contra a Recorrido e pior, reiteradamente, os afirmou verdadeiros.
(…)
Não obstante, é clarividente que a Recorrente representou e quis, com a divulgação daqueles factos, ofender a credibilidade da Recorrido, o que resulta clarividente dos comentários subsequentes que teceu, actuando assim com dolo directo (nos termos do artigo 14º do CP).
Pelo que inequívoco é que, atenta a factual idade, deve ser aplicada a moldura penal prevista no n.° 2 do artigo 183.°, por expressa remissão da alínea a) do nº2 do artigo 187.°, ambos do Código Penal, em virtude de não poder passar impune uma publicação, com tal conteúdo, numa plataforma de tão elevado nível de adesão por parte do público nacional, como é a rede social Facebook.
(…)
O Assistente imputa à Arguida a emanação de 'juízos desonrosos ", o que é denominador comum a todas as publicações da Arguida, mas, mais relevante ainda, imputa-lhe - e isso é notório no artigo 31º do seu articulado -, quanto à publicação de 28 de Agosto, a deturpação da realidade dos factos.
(…)”

7. O Ministério Público junto deste Tribunal[1] emitiu parecer quanto ao mérito do recurso, pugnando pela sua prpocedência nos seguintes termos:
“(…)
É certo que não podemos considerar as redes sociais uma espécie de “terra de ninguém”, onde tudo é permitido, mas, no caso concreto, salvo melhor opinião, não vemos que os escritos da arguida, no Facebook, possam configurar a prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto no art. 187.º, do Código Penal.
Com efeito, em nossa opinião, as expressões em causa, não muito felizes - diga-se - inscrevem-se, apesar de tudo, no âmbito da liberdade de expressão no campo político, que, na linha da jurisprudência dominante do TEDH, é um valor cada vez mais precioso e carente de tutela no contexto da sociedade de informação e mediática, pelo que a sua salvaguarda será sempre mais vantajosa do que a imposição de limitações, devido aos seus imprevisíveis inconvenientes (Veja-se, a este propósito, o interessante artigo de Jorge dos Reis Bravo, Liberdade de expressão na Era digital: o resgate de um direito humano?, in RMP, Ano 40, n.º 160, pg. 9 e ss.)
Nesta conformidade, tem de haver alguma tolerância no exercício do direito de crítica, no contexto da luta política, que é, por natureza, e por norma, mais contundente e vivido de forma mais apaixonada.
Por outro lado, parece-nos evidente que a absolvição da arguida seria, em caso de julgamento, mais provável do que a sua condenação, pelo que, tudo considerado, somos de entendimento que a mesma não deverá ser pronunciada pela prática do referenciado crime.
Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, emitimos parecer no sentido da procedência do presente recurso.”

8. Apenas o assistente respondeu ao teor do parecer, reiterando no essencial o teor da sua resposta à motivação de recurso.
9. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].
*
Questão a decidir
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [2] e a jurisprudência [3] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir a questão substancial a seguir concretizada – sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso -, que sintetiza as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o objeto do recurso:
- Da existência de indícios da prática, pela arguida, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº. 1 do Código Penal, nos termos descritos na pronúncia;
II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES
Perante a questão suscitada no recurso da decisão instrutória, torna-se essencial - para a devida apreciação do seu mérito – recordar, primeiramente, o teor da fundamentação do despacho de pronúncia.
“Foi requerida a abertura da instrução pelo assistente Município … (fl.s 117/126), relativamente ao despacho de arquivamento do inquérito pelo M. Público (fl.s 106/112), pela alegada prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva.
Fundamento do seu requerimento de abertura de instrução é a alegação em como resultam do inquérito indícios suficientes em como a arguida B… praticou o crime que o assistente lhe imputa, de ofensa a pessoa colectiva.
Conclui, assim, pela pronunciada referida arguida.
Requereu a inquirição de testemunhas.
*
Aberta a instrução, procedeu-se apenas ao debate instrutório, uma vez que foi indeferida a requerida inquirição das testemunhas arroladas pelo assistente.
Foi depois realizado o debate instrutório, em que o M. Público manifestou o entendimento em como os factos apurados em inquérito e em instrução não permitem concluir no sentido de a arguida haver praticado o crime que o assistente lhe imputa; o assistente manteve o que havia oportunamente vertido na sua peça processual; a arguida concluiu pela manutenção do arquivamento dos autos.
*
O art. 286.º, n.º 1 do C. Pr. Penal proclama que “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.”.
Ou seja, a actividade do juiz de instrução criminal, nesta fase processual, circunscreve-se - apenas e só - a verificar (a comprovar) se o despacho de arquivamento do inquérito que entendeu não se verificarem os pressupostos do crime de ofensa a pessoa colectiva é congruente com a prova indiciária recolhida naquela fase processual.
Não pretende assim a lei que a instrução constitua um efectivo suplemento de investigação relativamente ao inquérito, não visando esta fase processual facultativa o alargamento do âmbito da investigação realizada em sede de inquérito.
*
Percorrendo o inquérito e a instrução, verifica-se que a arguida, em publicações da sua autoria na rede social Facebook, em 02.AGO.18 (fls 68), em 13.AGO.18 (fls 72), em 28.AGO.18 (fls 39), e em data não apurada de 2018 (fl.s 45), fez afirmações que o assistente entende serem lesivas da sua honra e consideração, na medida em que a arguida manifesta a sua convicção de que terá existido intervenção ilícita em actos praticados pelos serviços do município num procedimento de licenciamento urbano, motivada por interesses financeiros.
O crime que é imputado pelo assistente à arguida acha-se previsto no art.º 187.º, n.º 1 do C. Penal; segundo esta disposição incriminatória, quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a pessoa colectiva, instituição, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
Vem, na ordem sistemática, entre os crimes contra a honra.
“A redacção actual do art.º 187º, nº 1, não se limita, assim, a referir a pessoa colectiva; por outro lado, fala-se agora em credibilidade, prestígio e confiança.
A introdução deste artigo, levada a efeito pelo DL 48/95, de 15.MAR, teve a precedê-la os esclarecimentos do Prof. Figueiredo Dias, que sublinhava não ter ele por base a ideia errada de que os artigos anteriores não cobrem as pessoas colectivas, não possíveis de titular o bem jurídico protegido pela difamação ou injúria.
O objectivo deste artigo é diferente: "…é criminalizar acções (os rumores), não atentatórias da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem, em rigor, no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria".
Também o Prof. Figueiredo Dias teve ocasião de salientar que neste artigo se protege algo mais (ou algo de diferente) do que a honra, cobre-se também a informação falsa, por exemplo, de interesse patrimonial: determinado bem, produzido pela fábrica A, tem defeito e não funciona passado um ano.“ (Código Penal, Parte Geral e Especial, com notas e comentários, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Almedina, 2015, pg. 815, em comentário ao art.º 187.º do C. Penal).
Ou seja, mais que a honra, o bem jurídico tutelado pela norma incriminatória em apreço é a imagem da pessoa colectiva visada, a valoração que terceiros fazem da pessoa jurídica em questão, o seu bom nome e reputação no mercado, no caso de corporações que especialmente prestem serviços.
Ponto é, para a perfeição do crime em causa, que o agente do mesmo afirme ou propale factos inverídicos e que, de todo o modo, estes tenham a potencialidade de atingir negativamente a imagem da pessoa colectiva ofendida; finalmente, necessário se torna que o agente dessa conduta não tenha fundamento para, de boa-fé, entender tais factos como verdadeiros.
Este último segmento do tipo legal é de crucial relevância, pois que, mesmo que ocorra atentado à credibilidade, prestígio e confiança da corporação visada e os factos afirmados não tenham correspondência com a verdade, se o agente, sem malícia, estiver convencido da veracidade desses factos, não se acha cometido este crime.
Revertendo para o caso em apreciação, verifica-se que a arguida, através das publicações supra referidas, lança a suspeita, dá a entender, que as alterações ao processo de licenciamento n.º ……/17/CMP - que corria então termos nos serviços do assistente - terão sido motivadas por razões diversas da prossecução estrita do interesse público, especialmente quando, nessa mesma rede social e em comentário a um post de outrem, escreveu “Não me parece que tenha sido incompetência. De forma alguma.” e “Money makes the world go round and round...” (fl.s 45).
O M. Público, no despacho de arquivamento em apreço, sustenta que “…as afirmações supra referidas, não encerram em si mesmas uma ofensa da honra e consideração que permita a sua censura penal, pois não têm a virtualidade de ferirem o carácter, dignidade ou rectidão do denunciante. Estamos, em crer, aliás, que aqueles comentários, atenta a qualidade de Vereadora da denunciada, caem no âmbito do discurso politico público ainda aceitável.
No caso vertente e conforme já referimos, entendemos que o conteúdo dos dizeres da denunciada são ainda enquadráveis com a liberdade de expressão, pois não ultrapassa os limites do razoável, não sendo portanto desproporcionado, nem tão pouco penalmente censurável.”.
Não se comunga de tal entendimento.
Com efeito, o direito de livre expressão, que se encontra garantido constitucionalmente (art. 37.º, n.º 1 da CRP) - constituindo exigência do Estado democrático que não poderia funcionar sem estar acompanhado de uma opinião pública livre e bem informada - assume particular importância na opinião pública, já que é o confronto livre e aberto de ideias é um meio indispensável à clarificação racional e consensual de interesses.
Citando o acordão do STJ, de 16.MAR.17, (pr. 2178/10.6TVLSB.L1.S1) “…A liberdade de pensamento, do uso da palavra, da emissão de opinião, de agir segundo a consciência, de expressão, informação e comunicação, isto é, o direito de expressão, constitui um direito fundamental que a todo o cidadão assiste, constitucionalmente garantido (art.º 37.º da C.R.Portuguesa).”.
Poder-se-ia, assim, desenhar um conflito entre o direito ao bom nome e reputação do assistente e ao direito de livre expressão da arguida.
Fazendo funcionar a lei - art.º 335.º do C. Civil, que dispõe que, havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (n.º 1), sendo que em caso de direitos de espécie diferente prevalece o que se deva considerar superior (n.º 2) - teremos de dizer, logo numa primeira abordagem desta questão, que o direito à honra e consideração é um inabalável privilégio que, inexoravelmente, tem sempre e em qualquer circunstância de ser respeitado e que, em princípio, a liberdade de expressão terá de soçobrar perante aquele, valendo quanto a este modo de pensar a argumentação que sobressai do regime constitucional a este propósito estatuído na nossa Lei Fundamental e que reconhece expressamente (art.º 37.º) a existência de limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento - não há conflito entre a liberdade de expressão e o direito ao bom nome em caso de difamação, dado que não está coberto pelo âmbito normativo-constitucional da liberdade de expressão o ”direito à difamação, calúnia ou injúria”.
De facto, o art. 26.º da Constituição da República Portuguesa consagra que "A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação".
Os direitos de personalidade, nos quais se incluem o direito à honra, bom nome e reputação, emanam portanto da própria pessoa cuja protecção visam garantir.
Considerando este concreto circunstancialismo, não pode deixar de considerar-se que as expressões utilizadas pela arguida tiveram o propósito de atingir a honra e consideração do assistente, ou seja, presidiu à sua conduta a intenção de diminuir a credibilidade e imagem do assistente e, não apenas manifestar indignação e revolta relativamente às vicissitudes do processo de licenciamento em questão.
Ou seja, pese embora aquelas declarações escritas tenham sido efectuadas no exercício da liberdade de expressão e de opinião da arguida, as suas palavras foram mais além da legítima censura a condutas, tidas por si como incorrectas por parte do assistente.
Ou seja, a conduta da arguida atingiu gravidade suficiente que se possa concluir ter ficado inexoravelmente desprovido de conteúdo o núcleo essencial do direito ao bom nome e reputação que o art.º 187.º do C. Penal confere a toda e qualquer pessoa colectiva, incluindo o assistente.
No caso em análise, afigura-se que a arguida excedeu manifestamente os limites da crítica aceitável acerca da conduta dos técnicos ao serviço do assistente, assim o atingindo no âmago credibilidade, prestígio ou confiança devidas a qualquer pessoa colectiva.
A própria circunstância de a arguida exercer as funções de vereadora na Câmara Municipal … - e de, por isso, ter um acrescido dever de se inteirar com rigor do conteúdo do procedimento de licenciamento em questão e de, só depois, emitir uma opinião esclarecida sobre o mesmo - vem justamente acentuar a ilicitude da sua conduta e de sublinhar a dolo dela em afirmar que a motivação de certos actos e decisões tomadas no decurso desse procedimento foram motivadas por razões alheias à prossecução do interesse público e em detrimento dele…

Isto é, não pode afirmar-se que a arguida, com as publicações que fez no Facebook, estivesse de boa-fé para reputar como conformes à verdade as afirmações que aí verteu.
No despacho de arquivamento em censura, o M. Público igualmente veicula o entendimento segundo o qual “…o legislador, na remissão que faz no art. 187 C. Penal, não abrange aquele preceito legal. Como se referiu supra, a remissão é feita apenas para os arts. 183 e 186 do C. Penal, excluindo-se o preceituado no art. 182 do C.Penal.
Quer isto dizer que a punição da propalação, por escrito, de factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos, entre outras, a pessoas colectivas, não é possível, sob pena de violação do princípio da legalidade…”.
Igualmente se não partilha desta visão.
Na verdade, da remissão constante do n.º 2 do art.º 187.º do C. Penal não se afigura lícito concluir que não é aplicável a tal crime o disposto no art.º 182.º do mesmo catálogo legal: note-se que a remissão que o referido n.º 2 faz para o art.º 183.º é para a totalidade deste preceito, nele se incluindo, pois, a comissão do crime de ofensa a pessoa colectiva “…através de meio da comunicação social…”.
Ora, a comunicação social abrange também a forma escrita da mesma (jornais, revistas, etc.), pelo que, logo por aqui se verifica a inexactidão daquela afirmação vertida no despacho de arquivamento.
Mas mesmo que assim não fosse, não pode deixar de se entender ser manifesto que a ofensa a pessoa colectiva também abrange o modo escrito da ofensa; na teleologia do art.º 187.º certamente que cabe tal forma de ofensa; aliás, pode afirmar-se, sem ultraje à verdade, que a esmagadora maioria das ofensas a pessoas colectivas, organismos ou serviços ocorrerá por via escrita, nomeadamente na comunicação social e – cada vez mais – nas redes sociais, pelo que não quis certamente o legislador, com a falta de referência expressa no art.º 187.º do C. Penal, afastar o esclarecimento que se acha no art.º 182.º do mesmo código.
Assim sendo, e nos termos do art.º 308.º, n.º 1 do C. Pr. Penal, “Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
Por seu turno, e agora de acordo com o art.º 283º do C. Pr. Penal, “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.”.
(…)
Ante o quadro factual e jurídico que vem de referir-se, qual é a resposta a dar à questão a que já acima se referiu: em julgamento, se a prova aí produzida for a que foi recolhida em inquérito e em instrução, é mais provável a condenação da arguida ou a sua absolvição pelo imputado crime de ofensa a pessoa colectiva?
Considerando que se indicia de modo claro e inequívoco que a arguida, com as palavras que escreveu na rede social Facebook, atingiu o assistente na respectiva honra, consideração, credibilidade e prestígio e que o tenha feito não desconhecendo a inverdade dessas suas afirmações, não pode deixar de se responder positivamente àquela pergunta.
A prova recolhida em inquérito é capaz de passar e de ultrapassar a presunção de inocência da arguida e o princípio in dubio pro reo; ponderados na sua globalidade os indícios recolhidos, não subsiste dúvida razoável sobre se a arguida efectivamente cometeu o crime de ofensa a pessoa colectiva que o assistente lhe imputa.
*
Assim, pelo exposto, uma vez que esta fase da instrução é ainda meramente indiciária, de comprovação judicial de indícios, e por efectivamente esses indícios se afigurarem suficientes, nos termos do art.º 308.º, n.º 1, 1.ª parte, do C. Pr. Penal PRONUNCIA- SE a arguida B… pelos factos e imputação jurídicas constantes dos pontos 5. a 33. do requerimento de abertura de instrução de fl.s 117/126, apresentado pelo assistente Município ….
*
Prova: aquela referida pelo assistente a fl.s 125. (…)”
III – FUNDAMENTAÇÃO
A - Do objeto do recurso
A decisão recorrida constitui um despacho de pronúncia.
A arguida recorrente pretende, por via do recurso, que tal decisão seja revogada e, em consequência, não seja pronunciada pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº. 1 do Código Penal.

B - Da decisão instrutória
§ 1 - Conforme constitui entendimento pacífico nos autos, o despacho de não pronúncia é proferido após o debate instrutório sempre que não existam indícios suficientes que justifiquem a submissão de arguido a julgamento - artigo 308.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Penal -.
Por seu turno, o artigo 308° do Código de Processo Penal estatui que há lugar a despacho de pronúncia, se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Só a apreciação crítica das provas indiciárias recolhidas no inquérito e na instrução permite fundamentar uma convicção de probabilidade de uma futura condenação ou não, não bastando um mero juízo de carácter subjetivo, antes se exigindo um juízo objetivo fundamentado em relação àquelas provas documentadas nos autos.
É precisamente na avaliação de tais indícios e na sua valoração jurídica à luz da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, da Constituição da República Portuguesa e do Código Penal, que a recorrente sustenta uma posição divergente daquela que foi decidida pelo tribunal “a quo”, considerando esta inexistirem factos indiciados suscetíveis de integrarem os elementos objetivos do tipo legal de crime pelo qual foi pronunciada na decisão recorrida.
Por conseguinte, impõe-se concretizar o que a lei considera constituírem indícios suficientes.
§ 2 - Dos indícios suficientes
A sua noção legal encontra-se na redação do número 2 do artigo 283° do Código de Processo Penal, considerando o legislador suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de à arguida vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.
Compreende-se que essa seja uma das soluções possíveis, uma vez que a fase processual de instrução – que termina com a prolação da decisão instrutória - visa a comprovação judicial de acusar ou não acusar, isto é, pretende-se que se afira da existência ou não de indícios dos quais resulte a possibilidade razoável de em julgamento vir a ser aplicada à arguida uma pena pelos factos e ilícitos que lhe são imputados, in casu, na acusação particular.
Não se verificando tais indícios, há lugar à prolação de um despacho de não pronúncia.
Essa verificação e subsequente formação da convicção não devem ser proferidas de forma apressada ou precipitada.
Para ser proferido despacho de pronúncia, os factos indiciários deverão ser suficientes e bastantes de modo que, logicamente relacionados e conjugados, consubstanciem um todo persuasivo da culpabilidade da arguida, impondo um juízo de probabilidade no que respeita aos factos que lhe são imputados.
Tal exigência de análise é reforçada pela importância social e pessoal de alguém ser sujeito a julgamento de natureza penal, gerando sequelas proporcionais ao grau de inocência das pessoas injustamente pronunciadas. Num estado de direito democrático, tratando-se de uma vereadora de uma câmara municipal contra quem o respetivo município dirigiu, enquanto vítima, uma queixa por crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº. 1 do Código Penal, importa ter também presente que a sua sujeição a julgamento em processo penal só pode ter lugar caso se verifiquem, efetivamente, indícios da prática criminosa imputada, uma vez que uma avaliação menos exigente e, consequentemente, uma pronúncia leviana, poder fazer perigar a liberdade de expressão que caracteriza o sistema político consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa[4].
Também a prova indiciária é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, com a amplitude prevista no artigo 127º do Código de Processo Penal, tendo enquanto pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e de lógica do homem médio.
Exercendo a sua liberdade de convicção, o juiz de instrução criminal apenas tem de indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre a prova indiciária.
Na decisão recorrida, o tribunal identificou de forma suficiente o objeto da prova e concretizou na sua fundamentação a prova documental em que baseou a sua convicção, respeitando o disposto no artigo 283º, 2 e 3, do Código de Processo Penal, ex vi dos artigos 307º, 1 e 308º, 2, do mesmo texto legal.
§ 3 - Da suficiência ou insuficiência indiciária concreta:
Em primeiro lugar importa referir que não compete ao Tribunal da Relação substituir-se ao tribunal de primeira instância na prolação de despacho de pronúncia ou não pronúncia, mas apenas e tão-só apreciar o mérito do recurso, decidindo com base na prova indiciária recolhida, se a mesma é suficiente para a prolação de um despacho de pronúncia – conforme decidido - ou se, pelo contrário, a mesma justifica a não pronúncia da arguida, conforme pretendido pela recorrente e propugnado pelo Ministério Público junto deste Tribunal.
Importa delimitar os termos das teses em confronto na avaliação da prova indiciária recolhida nos autos.
a) A solução do tribunal recorrido:
O texto publicado da autoria da arguida lança a suspeita, dá a entender, que as alterações ao processo de licenciamento n.º ……/17/CMP - que corria então termos nos serviços do assistente - terão sido motivadas por razões diversas da prossecução estrita do interesse público, especialmente quando, nessa mesma rede social e em comentário a um post de outrem, escreveu “Não me parece que tenha sido incompetência. De forma alguma.” e “Money makes the world go round and round...” (fls. 45).
Tais expressões utilizadas pela arguida tiveram o propósito de atingir a honra e consideração do assistente, ou seja, presidiu à sua conduta a intenção de diminuir a credibilidade e imagem do assistente e, não apenas manifestar indignação e revolta relativamente às vicissitudes do processo de licenciamento em questão.
Essa conduta da arguida atingiu gravidade suficiente de modo a ficar deprovido de conteúdo o núcleo essencial do direito ao bom nome e reputação que o art.º 187.º do C. Penal confere a toda e qualquer pessoa coletiva, incluindo o assistente.
O despacho de pronúncia concluiu que a arguida, ao utilizar tais expressões, excedeu manifestamente os limites da crítica aceitável acerca da conduta dos técnicos ao serviço do assistente, assim o atingindo no âmago credibilidade, prestígio ou confiança devidas a qualquer pessoa coletiva.
b) A tese da recorrente:
O tipo legal de crime pelo qual a arguida vem pronunciada encontra-se previsto no artigo 187°, n° 1, do Código Penal, o qual prevê, como elementos do tipo objetivo do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva:
- a afirmação ou propalação de factos inverídicos;
- não ter o agente fundamento para, em boa fé, reputar verídicos esses factos;
- a idoneidade de tais factos para ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que se mostrem devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação.
As expressões publicadas pela arguida na sua página da rede social “Facebook” não consubstanciam a concretização de factos – v.g. realidades objetivas -, mas apenas juízos de valor.
Não tendo propalado facto inverídico, a conduta da arguida não integra o aludido tipo legal de crime, por não se mostrar preenchido o primeiro elemento objetivo do tipo, acima descrito.
c) A tese do assistente:
O sujeito processual recorrido defendeu a manutenção da pronúncia, essencialmente, com base na fundamentação constante da decisão instrutória, impugnando as considerações jurídicas da recorrente.
Sustenta que na publicação concretizada pela arguida em 28 de Agosto de 2018, a mesma propalou informação que sabia não ser verdadeira[5] e, em comentário a tal postagem escreveu ainda "Money makes the world go round and round" e "Não me parece que tenha sido incompetência. De forma alguma", com o intuito claro de denegrir a credibilidade e da confiança que a comunidade, em geral, deposita no assistente.
A informação consistia na existência de três pareceres sucessivos no processo de licenciamento n.º ……/17/CMP: dois do mesmo arquiteto, em sentido divergente (um primeiro, desfavorável, seguido de outro, favorável) e de um outro técnico, favorável.
Segundo o assistente, não obstante tais pareceres terem existido, os mesmos não são equiparáveis, pois são diferenciados, contrariamente ao defendido pela arguida na aludida postagem, pois embora tenham ambos existido (não se tratando de facto falso a afirmação da existência dos pareceres), é inverídico que ambos fossem iguais na sua génese e, portanto, pudessem ser objeto de equiparação ou de "escolha", como a arguida quis fazer parecer. Uma análise minuciosa à qual a arguida poderia facilmente aceder ao abrigo do seu estatuto de oposição, revelar-lhe-ia que os pareceres emitidos em 2 de Junho por arquitetos diferentes são pareceres diferenciados, em função das atribuições dos respetivos subscritores.
De acordo com este sujeito processual, a intencionalidade da arguida ficou bem vincada ao publicar as frases acima reproduzidas, em comentário, que prejudicaram a credibilidade, o prestígio e a confiança do município assistente.
Conclui, assim, estarem reunidos os indícios da prática criminosa imputada à arguida no despacho de pronúncia recorrido.
*
Apreciando e decidindo.
Cumpre caracterizar o tipo-base do ilícito criminal identificado no despacho de pronúncia – o crime de ofensa a pessoa coletiva, organismo ou serviço, p. e p. pelo disposto no artigo 187º, do Código Penal:
“Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com (…)”.
Contrariamente às pessoas singulares, os agentes passivos deste tipo de crime - organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação – não têm honra, por se tratar de uma característica própria de pessoas singulares. No entanto, têm um outro bem jurídico, de natureza heterogénea, que é expressamente protegido pela incriminação da conduta tipificada na norma acima reproduzida: a credibilidade, o prestígio e a confiança. Procurando sintetizar numa única expressão, o seu bom nome.
Conforme resulta do tipo legal de crime acima enunciado, para que constitua crime, a conduta do agente tem de consistir na afirmação ou propalação de factos inverídicos que se mostrem capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança de organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação.
Conforme bem anotou a recorrente na sua motivação de recurso, é precisamente esta a fragilidade da decisão instrutória, pois aquilo que é identificado no despacho de pronúncia como tendo sido publicado, de modo a ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança do município … é que a arguida, através das publicações supra referidas, lança a suspeita, dá a entender, que as alterações ao processo de licenciamento n.º ……/17/CMP - que corria então termos nos serviços do assistente - terão sido motivadas por razões diversas da prossecução estrita do interesse público, especialmente quando, nessa mesma rede social e em comentário de outra pessoa a uma postagem, escreveu “Não me parece que tenha sido incompetência. De forma alguma.” e “Money makes the world go round and round...”.
Ora, tais expressões concretas, que foram publicadas em comentário a publicação na rede social Facebook, constituem, expressa e respetivamente, um juízo pessoal (“Não me parece…”), a respeito de pareceres dados num processo camarário e o enunciado de uma expressão idiomática em língua inglesa.
Inquestionavelmente, a emissão pública de tal juízo pessoal e expressão idiomática em comentário a uma postagem na rede social, onde a arguida referenciou de uma forma muito simplista diversos pareceres de um processo administrativo que estava pendente na Câmara Municipal de que é vereadora, é suscetível de ofender o bom nome do município ….
Mas a classificação dos pareceres como sendo contraditórios e a formulação de tais expressões não deixam de ser meras opiniões e juízos de valor emitidos pela arguida.
Não se trata da propalação de factos inverídicos, mas apenas e tão-só de uma opinião – juízo de valor - indiciariamente desprovida de fundamento real. Os juízos de valor traduzem convicções subjetivas, que só responsabilizam quem os profere, enquanto os factos constituem realidades objetivas.[6]
Se de tais publicações resultou prejuízo para o bom nome do município assistente, tal não gera qualquer responsabilidade penal[7] para a arguida, por força do princípio da legalidade e da tipicidade penal (artigo 1º, nº 1, do Código Penal), pois a mesma não propalou facto inverídico, mas apenas e tão-somente, juízos de valor subjectivos[8] a respeito de pareceres que existiram – tal como o próprio assistente admitiu, embora explicitando o seu devido contexto que, indiciariamente, afasta a existência de qualquer irregularidade do processo camarário a que dizem respeito tais pareceres -.
Não tendo a arguida propalado factos inverídicos, mas apenas e tão-somente juízos de valor depreciativos e indiciariamente infundamentados, não se mostra preenchido o tipo legal de crime pelo qual a arguida foi, erradamente, pronunciada.
O prejuízo porventura sofrido pelo assistente apenas poderá encontrar reparação noutros planos que não seja o penal, em decorrência do princípio da legalidade e da tipicidade penal.
Por conseguinte, impõe-se julgar provido o recurso, revogando-se o despacho de pronúncia.
*
Das custas
Sendo o recurso julgado provido, com a oposição do assistente, este deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça individual, de acordo com o grau de complexidade médio do recurso, em 4 (quatro) unidades de conta.
*
IV – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, por unanimidade e em conferência, julgar provido o recurso da arguida B… e, em consequência:
a) revogam o despacho de pronúncia; e
b) decidem não pronunciar a arguida pela prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187º, nº. 1 do Código Penal.
Custas a cargo do assistente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 6 de Maio de 2020.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
___________________________
[1] Parecer subscrito pelo Procurador-Geral Adjunto Dr. Pedro Branquinho Dias.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[3] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[4] “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”
[5] Tais dados eram referentes ao processo de licenciamento n." 147475117/CMP que correu os seus trâmites no seu respetivo departamento de licenciamentos do assistente. A seu respeito propalou que o assistente tinha emitido, no mesmo dia, dois pareceres diametralmente opostos e que posteriormente só o "que interessava" tinha sido aproveitado.
[6] Sobre a distinção entre factos e juízos de valor, veja-se na doutrina Filipe Miguel Cruz de Albuquerque Matos, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito e ao Bom Nome, Coimbra, Almedina, 2011, págs. 267 e seguintes e na jurisprudência o acórdão do Tribunal Constitucional nº 201/2004, de 24 de Março de 2004.
A doutrina atrás citada sustenta ainda que, sendo duvidoso se um conteúdo expressivo se traduz num juízo valorativo ou num facto, deverá considerar-se que se trata de um juízo de valor (ibidem, pág. 285).
[7] Poderá discutir-se a relevância de tal publicação noutros planos que não constituem objeto deste processo, tal como o ético, o político ou mesmo, no mundo do direito, no domínio do direito civil.
[8] No sentido de que o tipo legal de crime não abarca juízos de valor, leia-se o artigo publicado em Março de 2016 na Revista Julgar, da autoria de Roberto Militão, “Sobre a tutela penal da honra das entidades coletivas”, que pode ser descarregado neste endereço da rede digital global: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/03/20160328-ARTIGO-JULGAR-A-protec%CC%A7a%CC%83o-penal-da-honra-das-entidades-coletivas-Renato-Milit%C3%A3o-v2.pdf.