Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1909/21.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA OLÍVIA LOUREIRO
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
FACTOS PROVODOS E NÃO PROVADOS
FACTOS INSTRUMENTAIS
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP202402191909/21.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em sede de sentença, o elenco dos factos provados e não provados deve conter os que sejam essenciais às pretensões das partes, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todos os factos alegados, antes devendo selecionar apenas os que relevem para a solução do litígio.
II - Quanto aos factos meramente instrumentais, quer tenham sido alegados, resultem da instrução ou tenham sido oficiosamente averiguados, não têm por regra que ter assento na seleção dos factos provados e não provados, impondo apenas o legislador que, na motivação da análise da prova sejam indicadas as ilações que deles foram retiradas– cfr. artigo 607º, número 4 do Código de Processo Civil.
III - Não há que proceder à ampliação da matéria de facto quando a mesma se dirija apenas aditar factos de natureza instrumental que foram tidos em conta na motivação da decisão.
IV - Não deve ser anulada a decisão da primeira instância com vista à ampliação da matéria de facto caso a Relação tenha ao seu dispor os elementos necessários a proceder ela mesma a tal ampliação, o que sucede, nomeadamente, quando os factos essenciais a aditar estão provados por confissão.
V - A exceção do não cumprimento do contrato apenas pode ser aceite como fundamento para o não cumprimento de uma (contra)prestação desse contrato, quando por via desse não cumprimento se assegure o equilíbrio entre as obrigações no âmbito dos contratos sinalagmáticos
VI - A proporcionalidade na exceção de não cumprimento deve ser encontrada com recurso às regras que obrigam os contraentes a agir de boa-fé no cumprimento dos contratos, como resulta do artigo 762º do Código Civil. Trata-se da consagração do princípio neminem laedere em matéria de execução do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 1909/21.3T8PRT.P1 Juízo Central Cível de Aveiro, Juiz 3

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeira adjunta: Eugénia Cunha

Segunda adjunta: Maria Fernanda Fernandes de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:
1. A..., Lda, com sede em Portugal, intentou, em 02-02-2021, processo especial de injunção de pagamento europeia contra B... SI, com sede em Espanha, com vista à cobrança de 24 628, 26 € alegando que vendeu a esta diversas qualidades de chapa e emitiu faturas dos respetivos preços, no valor total de 20.113,19 € que não foi pago, pelo que lhe acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa de juro comercial de 8% até integral pagamento.
2. Citada a Ré, em 04-05-2021 a mesma apresentou oposição e deduziu reconvenção, alegando que as encomendas dos materiais faturados pela Autora foram por si dirigidas a outra sociedade e que visavam o fornecimento de dois tipos de chapa (canelada e ondulada com 0,5mm de espessura). Segundo articulou, depois de aplicadas tais chapas em obra recebeu reclamações dos seus clientes tendo, então, procedido à medição da espessura da chapa fornecida que era, afinal, 0,4 mm. Afirmou que apresentou reclamação à Autora solicitando a substituição da chapa, o que esta recusou, pelo que teve de suportar o custo - de 2826,25 € - de troca da mesma numa determinada obra. Aduziu, ainda, que a sua imagem comercial ficou afetada pedindo indemnização de 8500,00 € por tal dano. Finalmente, alegou que a Autora ficou enriquecida com a venda de várias quantidades de chapa de 0,4 mm ao preço da de 0,5 mm, tendo, com a venda do material identificado na petição inicial lucrado indevidamente em 5 334, 46 € e com outros fornecimentos do mesmo material, recebido o valor de 18 773, 25 € a que não tinha direito. Pediu, em consequência a improcedência da ação e a condenação Autora a pagar-lhe o montante total de 35.344,26 €, acrescido de juros vincendos calculados à taxa de juro para as operações civis, desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
3. Em face da apresentação da contestação, a 24-05-2021, foi proferido despacho a julgar o Juízo Central Cível do Porto incompetente e a ordenar a remessa dos autos ao juízo de competência genérica de Vagos.
4. A Autora replicou, a 09-06-2021, excecionando a incompetência do referido juízo local, alegando que a sociedade a quem a Ré dirigiu as encomendas é uma sociedade familiar que tem o mesmo objeto de atividade e labora no mesmo local da Autora, bem sabendo aquela que, apesar de dirigir comunicações à referida sociedade, seria a Autora a fornecer o material, como sempre sucedeu nas relações comerciais entre ambas. Afirmou que a espessura da chapa que consta das notas de encomenda, orçamentos e faturas documentos se refere ao produto acabado e não à chapa base. Defendeu, ainda, que a espessura das referidas chapas está regulada por norma que admite uma tolerância de 0,06 mm para chapas entre os 0,4 e 0s 0,6mm de espessura. Pugnou pela inadmissibilidade da reconvenção e excecionou a caducidade do direito por via ela exercido.
5. A 16-09-2021 foi proferido despacho a julgar o tribunal incompetente em razão do valor e a ordenar a remessa dos autos ao Juízo Central Cível de Aveiro.
6. A tal convidada, a Ré/Reconvinte respondeu à exceção de caducidade do pedido reconvencional, defendendo a sua improcedência.
7. A 03-12-2021 foi dispensada a realização de audiência prévia e foi proferido despacho em que se admitiu reconvenção apenas na parte em que a mesma se dirigia à condenação da Reconvinda no pagamento das quantias de 2826,25 €, 8.500,00 € e 5.334,46 €, mas já não no que se refere ao remanescente valor de 18.773,55 € por ser relativo a compras e vendas distintas das referidas na petição inicial. Foi julgada procedente a exceção de caducidade e foi, em consequência, julgada improcedente a reconvenção na parte em que fora admitida liminarmente. Foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova, admitidos os requerimentos instrutórios e designada data para audiência de julgamento.
8. Por acórdão deste Tribunal, de 08-06-2022, proferido em apenso (A) de apelação que subiu em separado, foi confirmada a decisão de não admissão parcial da reconvenção e de absolvição do pedido reconvencional por procedência da exceção de caducidade.
9. Após realização de prova pericial admitida, foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com produção da prova admitida e debates orais.
10. A 11-07-2023 foi proferida sentença pela qual se decidiu: “(…) declara-se a acção parcialmente procedente por provada e em consequência condena-se a Ré B... SI a pagar à Autora A... Lda a quantia de € €17.286,94 € (dezassete mil duzentos e oitenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos). A esta quantia, acrescem os juros à taxa comercial desde a data de vencimento das facturas até integral pagamento, sendo que, no que se refere à Factura ... o capital a considerar é de 5926,73 €.

II - O recurso:

É desta sentença que recorre a Ré pretendendo a revogação da sentença de molde a que:

- Para além do já determinado em sede de sentença recorrida, aos montantes a liquidar pela Ré à Autora seja descontado, ainda, o valor de € 4.103,43, ou, na pior das hipóteses, o de 1.712,89;

- se considere que, face ao incumprimento contratual da Autora, a Ré podia atrasar o cumprimento da sua obrigação pelo que não deve ser condenada a pagar juros ou custas processuais.

Em sustentação dessa pretensão recursória, pede a alteração parcial do julgamento da matéria de facto, que diz, também, ser insuficiente.

Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:
I) “O Tribunal A Quo, na sentença ora em apreciação, entendeu que, relativamente ao montante peticionado pela Autora nos presentes autos, “a Autora vendeu bens à Ré no valor total de 20.113,19 € (soma das faturas descritas no ponto 4 dos factos provados sendo que “parte dessa chapa não correspondia às características acordadas, apresentando uma espessura menor, pelo que a Ré teve de proceder à sua substituição, substituição essa que importou em 2.826,25 €”, pelo que “incumprindo a Autora, nessa parte, o acordado, tem a Ré direito a invocar a excepção de não cumprimento e, como tal recusar o pagamento de 2.826,25 €, montante que, assim deve ser deduzido ao montante total”;

Da insuficiência da matéria de facto
II) Perlustrada a matéria de facto assente na sentença recorrida, verifica-se que a factualidade dada como provada é manifestamente insuficiente para sustentar a sua fundamentação face à prova produzida, tendo em conta as questões que foram colocadas à apreciação do Tribunal A Quo por referência às peças processuais submetidas por ambas as partes;
III) Em primeiro lugar e tendo em conta a factualidade dada como provada no ponto 12, deveria ter sido dado como provado que “Na medição da espessura da chapa, e tal como determinado no ponto 3.9 da norma 10169, não se pode incluir o revestimento orgânico (lacagem)”;
IV) Se o Tribunal recorrido (e muito bem) elevou à categoria dos factos provados (facto 12) a margem de erro prevista ao nível da norma 10143 no que respeita à espessura das chapas (0,6mm), não poderia de forma alguma deixar de elevar também à categoria dos factos provados se, para medição da espessura das chapas e avaliação da referida margem de erro, se deveria ou não incluir o revestimento orgânico (neste caso, a lacagem das chapas) pois tal matéria é fundamental para perceber se os fornecimentos feitos pela Autora estavam ou não em conformidade com as normas vigentes e se, portanto, houve ou não incumprimento contratual da Autora nos referidos fornecimentos;
V) Do relatório pericial proferido nos presentes autos e do relatório técnico junto pela Ré em 10.03.2023, resulta evidente e indesmentível que na medição da espessura da chapa, e tal como determinado no ponto 3.9 da norma 10169, não se pode incluir o revestimento orgânico (lacagem); tal resulta ainda evidente dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito em sede de audiência de discussão e julgamento (nomeadamente nos minutos 51:45 a 54:30 do seu depoimento) e bem assim resulta também das declarações de parte do legal representante da Autora, AA (minutos 15:00 a 16:30 das suas declarações de parte), que, confrontado com o ponto 3.9 da norma 10169, referiu expressamente que dali resultava que a lacagem não deveria ser incluída na medição da espessura da chapa;
VI) Em segundo lugar deveria ter sido dado como provado que “O material fornecido à Ré não corresponde ao que foi pela mesma solicitado e ao que foi faturado pela Autora”;
VII) Tendo sido dado como provado em 3 todo o material que foi acordado entre Autora e Ré que seria por aquela fornecido a esta, sendo que todo esse material, rigorosamente todo, corresponde a chapa (canelada ou ondulada) de 0,5 milímetros (mm) de espessura; tendo sido dado como provado em 4 que todo esse material foi objeto das faturas em causa nos presentes autos; tendo sido dado como provado em 9 que o referido material foi aplicado em obras por parte da Ré; tendo sido dado como provado em 12 que, para chapas de 0,5mm de espessura, a margem de tolerância das mesmas (conferida pela norma 10143) é de 0,06 mm (ou seja, as referidas chapas terão de ter entre 0,44mm – mínimo – e 0,56 mm – máximo); e tendo sido dado como provado em 14 que, no que diz respeito às chapas aplicadas em obra pela Ré, a mesma tinha uma espessura inferior a 0,44 mm; então, forçosamente teremos de concluir o material fornecido à Ré não corresponde ao que foi pela mesma solicitado e ao que foi faturado pela Autora, tal como alegado pela Ré em sede de contestação;
VIII) O que se apurou nos presentes autos é que, tendo em conta o disposto no ponto 3.9 da norma 10169, o revestimento orgânico (neste caso a lacagem) não pode ser contabilizado para efeitos de medição da espessura das chapas (ao contrário do que a Autora defendia) e que, medindo as chapas fornecidas pela Autora sem o referido revestimento orgânico (lacagem), as mesmas apresentavam uma espessura inferior ao limite mínimo previsto pela norma 10143, ou seja os referidos 0,44mm; a este respeito atente-se que é o próprio representante legal da Autora, AA, quem, no depoimento de parte pelo mesmo prestado: (minutos 8:00 a 9:00) vem admitir que todos os fornecimentos acordados entre Autora e Ré correspondiam a chapa de 0,5mm de espessura; (minutos 11:45 a 12:30 e 21:45 a 23:30) referiu que na sequência das reclamações da Ré foi medir, com um micrómetro, chapa que ainda tinha nas suas instalações e idêntica a todos os fornecimentos feitos à Ré, concluindo que a mesma, com lacagem apresentava cerca de 0,45mm de espessura e portanto dentro da margem de tolerância prevista legalmente, referindo inclusivamente ter enviado fotos à Ré dessa medição (as quais foram juntas aos autos na primeira sessão de julgamento realizada no dia 31.03.2023) e das quais resulta que, com lacagem, a chapa tinha uma espessura inferior a 0,5mm; (minutos 12:45 a 13:45) deixou claro que todos os fornecimentos feitos à Ré desde que iniciaram relações comerciais em 2014, não obstante provirem de fornecedores diferentes, têm exatamente as mesmas características não havendo diferenças entre si;
IX) Em terceiro lugar, deveria ter sido dado como provado que “A diferença de preço entre a chapa contratada pelas partes (espessura de 0,5mm) e a efetivamente fornecida pela Autora (espessura de 0,4mm) ascende a cerca de € 1,00 por metro quadrado”;
X) A este respeito, importa simplesmente ter em atenção o depoimento de parte prestado pela legal representante da Autora, AA, que nos minutos 23:50 a 25:00 do seu depoimento de parte, admitiu expressa e taxativamente que a diferença de preços entre a chapa de 0,5mm e a de 0,4mm à data dos fornecimentos ascendia a cerca de € 1,00/m2 (sendo a de 0,5mm de espessura, obviamente, mais cara), independentemente da chapa ser canelada ou ondulada;
XI) A supra referida factualidade tem sustentação inequívoca na prova documental e testemunhal produzida e é absolutamente relevante para a decisão final a proferir, pelo que deveria ter sido considerada como provada pelo Tribunal recorrido;
Da impugnação dos factos dados como provados e como não provados
XII) Verifica-se que o facto dado como provado nº. 13 e a alínea b) dos factos dados como não provados não correspondem à prova produzida nos presentes autos e, nessa medida, devem ser alterados;
XIII) Nos termos da motivação constante da douta sentença recorrida, o Tribunal A Quo fundou a sua convicção, quanto à referida factualidade, no teor dos emails juntos pela Ré como documento nº. 3 da sua contestação;
XIV) Analisando as fotografias juntas aos presentes autos e tiradas pela própria Autora a chapas idênticas às que tinha fornecido à Ré verifica-se, desde logo e em primeiro lugar, que a medição efetuada pela Autora apresenta uma espessura inferior a 0,45mm e, por outro lado e em segundo lugar, verifica-se que tal medição de espessura incluiu a lacagem da chapa, o que contraria a imposição da norma 10169 que determina que, para tal aferição de espessura, deve ser excluído o revestimento orgânico (lacagem);
XV) Quanto à espessura da lacagem, quer do Relatório Técnico junto pela Ré em 10.03.2023, quer do depoimento de parte do legal representante da Autora (minutos 21:45 a 23:30), quer dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito em sede de audiência de discussão e julgamento (minutos 54:45 a 55:45 do seu depoimento), resulta claramente que a espessura da lacagem oscilará entre 0,025mm e 0,028mm, pelo que, confrontando tal informação com as fotografias juntas aos autos e correspondentes à medição feita pela própria Autora, sem a medição da espessura da lacagem, a espessura da referida chapa oscilaria entre os 0,41mm e os 0,42mm;
XVI) Não se pode concordar com o Tribunal recorrido quando o mesmo refere, na douta sentença ora em análise, que “se quanto à chapa que constitui o objecto da reclamação, é possível concluir que a chapa tinha uma espessura menor de 0,44 mm, já não se poderá extrapolar tal conclusão para toda a chapa fornecida pela Autora”; pode-se e deve-se retirar tal conclusão desde logo do comportamento assumido pela Autora que, repete-se, em momento algum, perante a reclamação da Ré quanto à espessura das chapas, solicitou que a mesma lhe fizesse chegar uma amostra das mesmas, uma vez que bem sabia a Autora que as características das chapas lacadas pela mesma fornecidas eram substancialmente idênticas entre si, pelo que lhe bastou (a ela Autora) analisar chapas que mantinha consigo e que a mesma transacionava como tendo 0,5mm de espessura;
XVII) Assim, no que respeita à factualidade ora em causa deveria ter sido provado, pelo menos, que “A chapa fornecida, facturada como sendo de 0,5mm, não tem espessura superior a 0,42 mm, se não se considerar o revestimento aplicado”, o que a acontecer substituiria o facto provado 13 dos presentes autos; consequentemente, o facto não provado da alínea b) deveria ser eliminado;

Do Direito;
XVIII) A aqui Recorrente não se pode conformar com a sentença proferida porque entende que a mesma, não obstante acertada na maior parte da matéria em análise, com as deficiências em sede de análise da prova produzida acima referidas, não conseguiu retirar todas as consequências que deveria retirar e condenou a Ré no pagamento de quantia superior àquele que seria legalmente devido;
XIX) Apurou-se em sede de prova produzida (e desde logo por recurso à confissão do próprio representante legal da Autora em sede de depoimento de parte – minutos 23:50 a 25:00 do seu depoimento) que a diferença de valor, à data dos factos, entre a chapa (canelada ou ondulada) lacada de 0,4mm de espessura e a chapa (canelada ou ondulada) lacada de 0,5mm de espessura ascendia a cerca de € 1,00/m2, pelo que estando a Autora a fornecer à Ré chapa (canelada ou ondulada) lacada de 0,4mm de espessura, mas estando a faturar e a cobrar à mesma chapa (canelada ou ondulada) lacada de 0,5mm de espessura, estará a obter para si um ganho indevido, com o consequente prejuízo na esfera patrimonial da Ré, de € 1,00 por cada m2 de chapa fornecida/faturada;
XX) Analisando as faturas reclamadas pela Autora nos presentes autos, verificamos que a Autora faturou à Ré 4.103,434m2 de chapa (canelada ou ondulada) de 0,5mm de espessura, o que equivale por dizer que a Ré pagou a mais à Autora, tendo em conta os fornecimentos desenvolvidos e nos termos acima explanados, a quantia de € 4.103,43, o que, de forma alguma, pode deixar de ser considerado igualmente um prejuízo efetivo da Ré e decorrente do incumprimento contratual da Autora e, nessa medida, deverá tal valor ser deduzido ao montante final a pagar à Autora;
XXI) Acrescente-se, ainda, que, mesmo que se entendesse que apenas no que diz respeito à obra em que a Ré teve necessidade de trocar as chapas fornecidas pela Autora é que se comprovou tal prejuízo, o que de forma alguma se aceita ou concede, ainda assim, pelo menos no que diz respeito a essas chapas, deveria igualmente ter sido determinada a redução no pagamento a efetuar à Autora de € 1,00 por cada m2 da referida chapa; nos termos referidos na douta sentença em recurso, a referida obra foi desenvolvida pela Ré mediante o fornecimento feito pela Autora correspondente à fatura junta como documento nº. 1 pela Autora e datada de 28.01.2018; na referida fatura a Autora faturou 1712,89m2 de chapa à Ré, pelo que, nos termos acima desenvolvidos, na pior das hipóteses deveria tal prejuízo ser computado em pelo menos € 1.712,89 e, assim, ser determinada a redução de tal quantia no pagamento a efetuar pela Ré à Autora;
XXII) A Autora incumpriu, perante a Ré, com os fornecimentos acordados, tendo incumprido com a obrigação de fornecer os produtos efetivamente acordados, o que, nos termos do disposto no art. 428º do CC, em face do incumprimento comprovado da Autora, conferiria à Ré a faculdade de legitimamente atrasar o cumprimento da sua obrigação até que recebesse a contraprestação a que tem direito, ou seja a redução do montante dos seus prejuízos, algo que apenas na presente ação ficou assegurado;
XXIII) Não se poderá considerar a Ré em incumprimento da sua prestação e, nessa medida, não poderá a mesma ser condenada a proceder ao pagamento de juros de mora, nem tão pouco das custas do presente processo;
XXIV) O Tribunal recorrido, com a douta sentença pelo mesmo proferida, andou manifestamente mal e, com tal decisão, violou, pelo menos, o disposto no artigo 428º do Código Civil, do qual fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto em apreço.”


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A Autora contra-alegou sustentando a confirmação da decisão por via da afirmação da suficiência da matéria de facto e do acerto da decisão que sobre ela incidiu (com exceção feita à alínea 13 dos factos provados), indicou meios de prova tendentes a confirmar a convicção do Tribunal a quo sobre os factos que a Recorrente quer ver alterados e pugnou pela improcedência da invocada exceção de não cumprimento em que a mesma sustenta a sua pretensão de não ser condenada no pagamento de juros e das custas processuais.

III – Questões a resolver:
Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:
1 – Aferir se há que proceder à ampliação da matéria de facto em, em caso afirmativo, se a mesma importa a anulação da sentença e a repetição do julgamento nos termos do disposto nos artigos 662º, número 2 c) e número 3 c) do Código de Processo Civil;
2 – Em caso negativo, aferir se deve ser alterada a decisão da matéria de facto alterando-se a redação da alínea 13 dos factos provados e eliminando-se a alínea b) dos não provados;
3 – Apurar se há que alterar a decisão nos termos peticionados pela Recorrente, descontando ao valor que foi condenado a pagar a quantia de 4 103,43 € ou, pelo menos, a de 1 712, 89 € e absolvendo a mesma do pagamento de juros e das custas processuais.

IV – Fundamentação:

Foram os seguintes os factos selecionados pelo tribunal recorrido como relevantes para a decisão da causa (destacar-se-ão desde já aqueles que o Recorrente pretende que sejam alterados):

1 - A Autora é uma sociedade por quotas que se dedica à importação, exportação e comercialização de produtos metálicos e seus derivados.

2 – A Ré, no exercício da sua actividade comercial dedica-se ao fabrico e montagem de estufas e estruturas agrícolas.

3 – No exercício das respectivas actividades comerciais, a autora vendeu à ré, a pedido desta, diversos bens, tais como:

- Chapa canelada 7-25, lacada 0.5mm branco

. 56 – 4200 x1050 mm; .13-6350 x1050mm;

.6-6050 x1050mm;

.6-5650 x1050mm;

.6-5050 x1050mm;

.4-2500 x1050mm;

.2-2200 x1050mm;

.2-1800 x1050mm;

.2-1200 x1050mm;

.6-700 x1050mm;

- Chapa ondulada lacada 0,5 mm branco 21 – 11060 x 1120 mm

- Chapa canelada 7-25 lacada 0.5mm branco

.40-3700 x1050mm;

.9-5830 x1050mm;

.4-5550 x1050mm;

.4-5150 x1050mm;

.4-4550 x1050mm;

- Chapa ondulada lacada 0,5 mm branco 22 – 11060 x 1120 mm

- Chapa canelada 7-25 lacada 0.5mm branco

.40-4200 x1050 mm;

.18-6530 x1050 mm;

.8-6050 x1050 mm;

.8-5650 x1050 mm;

.8-5050 x1050 mm;

- Chapa ondulada lacada 0,5mm

.82-11300 x1120 mm

.71-2900 x1120 mm

- Chapa ondulada lacada

.40-10600 x1120 mm;

.20-7900 x1120 mm

- Chapa ondulada lacada 0,5 mm 5-5600 x1120 mm

- Chapa ondulada lacada0,45mm RAL6005 32-6900 x1120 mm

- Chapa canelada 7-25 lacada 0,5 mm RAL 6005

.6-3750 x1050mm;

.4-3450 x1050mm;

.4-3100 x1050mm;

.4-2600 x1050mm;

.4-2000 x1050mm;

.4-1200 x1050mm;

- Chapa ondulada lacada 0,5 mm RAL 9010 24-5800 x1120 mm.

 4 – Tudo nas quantidades, unidades e preço unitário que consta das seguintes facturas:

a) Factura ..., emitida em 26/01/2018, com vencimento em 27/03/2018, no valor de 8752,98 €;

 b) Factura ..., emitida em 16/02/2018, com vencimento em 17/04/2018, no valor de 9.176,83 €;

c) Factura ..., emitida em 02/03/2018, com vencimento em 01/05/2018, no valor de 1435,04 €;

d) Factura ..., emitida em 07/03/2018, com vencimento em 06/05/2018, no valor de 748,34 €;

5 – Tais quantias não se se encontram pagas.

6 - A C..., Lda., contribuinte nº ... e a A..., Lda., contribuinte nº ..., são duas sociedades familiares que têm o mesmo objecto de actividade e que laboram no mesmo local;

7 - A R. sabe desse facto desde que se iniciaram os contactos entre ambas as empresas, pelo que, apesar de dirigir comunicações à C..., sabe, desde o início, que contrata com a A... e é esta quem lhe fornece os produtos.

8 - A Ré sempre recebeu as facturas da A... sem de nada reclamar e sempre as pagou (à excepção das dos autos) por transferência bancária para o IBAN desta mesma empresa, que de seguida emitiu os respectivos recibos.

9 - Feitos os fornecimentos referidos no ponto 3 dos factos provados e aplicadas tais chapas em obra, a Ré recebeu reclamação de, pelo menos, um cliente quanto à chapa colocada nas obras, reclamação que transmitiu à autora por mail de 23 de Fevereiro de 2018.

10 - Queixando-se o cliente da Ré de que a chapa em causa parecia ter pouca resistência e fiabilidade, visto que começava a apresentar vincos e dobras na mesma.

11 - A Ré foi obrigada a proceder à substituição das chapas faturadas pela Autora, no que despendeu a quantia de 2.826,25 €.

12 - A medição da espessura da chapa é feita por referência a uma norma que admite uma tolerância de 0,06 mm para chapas entre os 0,40 e os 0,60 mm de espessura.

13 – A chapa fornecida, facturada como sendo de 0,5mm, não tem espessura superior a 0,45 mm, se não se considerar o revestimento aplicado.

14 – Concretamente, no que se refere à chapa aplicada na obra a que se referem os pontos 9 a 11 dos factos provados a chapa fornecida tinha uma espessura inferior a 0,44 mm.

Não se provou que:

a) A Ré começasse a receber diversas reclamações de clientes quanto à chapa colocada nas obras,

b) Toda a espessura da chapa faturada e fornecida pela Autora tivesse 0,4mm de espessura.

c) Quando se fazem as encomendas e se dão preços, as espessuras da chapa sejam por referência ao produto acabado, ou seja, à soma da espessura da chapa com o primário, zincagem/galvanização e lacagem e não à chapa “nua”.

d) Por isso, necessariamente a chapa tivesse que ter uma espessura inferior a 0,50 mm.

e) Os preços apresentados e cobrados à R. tivessem precisamente em consideração o que acima se relata.”.


*

1 – Da alegada insuficiência da matéria de facto:

A Recorrente defende que ao elenco dos factos provados devem ser aditados os seguintes:
a) Na medição da espessura da chapa, e tal como determinado no ponto 3.9 da norma 10169, não se pode incluir o revestimento orgânico (lacagem);
b) O material fornecido à Ré não corresponde ao que foi pela mesma solicitado e ao que foi faturado pela Autora;
c) A diferença de preço entre a chapa contratada pelas partes (espessura de 0,5mm) e a efetivamente fornecida pela Autora (espessura de 0,4mm) ascende a cerca de € 1,00 por metro quadrado.

Apreciaremos cada um desses factos, que a Apelante quer ver aditados, tendo em conta os argumentos que aduz a propósito de cada um deles.

Antes, porém, cumpre ter presente quando e em que medida pode ser ampliada a matéria de facto selecionada na sentença.

O artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” prevê, além do poder/dever de alteração da decisão sobre a matéria de facto na decorrência dos factos assentes, da prova produzida ou de documento superveniente – número 1 do citado preceito -, a possibilidade de a Relação vir, ainda que oficiosamente, a anular a decisão da primeira instância quando dos autos não constem todos os elementos que, nos termos do número 1 do mesmo preceito permitam a alteração da decisão quando considere deficiente, obscura ou contraditória a mesma ou quando considere indispensável a sua ampliação – cfr. artigo 662º, número 2 c).

Da conjugação do número 1 e da alínea c) do número 2 do artigo 662º decorre que, sempre que seja necessária a ampliação da matéria de facto deverá a mesma ser feita pelo Tribunal de recurso salvo se dos autos não constarem os elementos necessários, os previstos no número 1, caso em que deve ser anulada a decisão de primeira instância com vista à pretendida ampliação [1].

A matéria de facto que deve constar da sentença é aquela que, tendo sido alegada pelas partes, nos termos do previsto nos artigos 5º, número 1 e 552º, número 1 d) do Código de Processo Civil, seja relevante para a solução jurídica das pretensões das partes que tenha de conhecer.

Quer o artigo 5º, número 1, quer a alínea d) do número 1 do artigo 552º referem a obrigação das partes de alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir ou o suporte para as exceções que invocam.

O número 2 do referido artigo 5º, todavia, obriga a que se considerem ainda outros factos, não articulados pelas partes sendo eles:

“a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Afirma Teixeira de Sousa[2] que “os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção; - os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte”. Quanto aos primeiros afirma o referido Autor que “(…) são necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da ação ou da exceção: se os factos alegados pela parte não forem suficientes para perceber qual a situação que ela faz valer em juízo (…), existe um vício que afeta a viabilidade da ação ou da exceção. É por isso que, quando respeitante ao autor, a falta de alegação dos factos essenciais se traduz na ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir (…) e que a ausência de um facto complementar não implica qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a improcedência da ação”. Já “Os factos complementares (ou concretizadores) são os factos que, não integrando a causa de pedir (porque não são necessários para individualizar o direito ou o interesse alegado pela parte), pertencem ao Tatbestand da regra que atribui esse direito ou interesse ou são circunstanciais em relação ao facto constitutivo desse direito ou interesse.” Finalmente, quanto aos factos instrumentais o mesmo Autor entende que se destinam“(…) a ser utilizados numa função probatória dos factos essenciais ou complementares(…)”e “(…) são utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principais, isto é, esses factos são aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais.”

A produção de prova em processo civil tem por objeto os temas da prova enunciados - cfr. artigo 410º do Código Civil.

O legislador não explicita em nenhum preceito o que sejam os temas da prova a selecionar nos termos do artigo 596º, número 1 do Código de Processo Civil.

O que resulta claro do uso desse conceito, em contraponto com a anterior obrigação de seleção de factos assentes e a instruir, é que já não se exige em sede de saneamento a quesitação de cada facto controvertido, satisfazendo-se o legislador com a enunciação das questões de facto  essenciais à decisão sobre que deve ser produzida prova [3].

É, pois, de admitir que a seleção dos temas da prova, tenha um caráter genérico e até que possa agrupar vários factos essenciais à decisão numa formulação ampla, por temas/assuntos relevantes, desde que tal seleção respeite os limites que decorrem da causa de pedir e das exceções invocadas, tendo em conta as soluções plausíveis de direito.

No momento da sentença, todavia, o legislador obriga a que se discriminem os factos que se julgam provados e não provados, como resulta do disposto nos números 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil [4].

E, na motivação da sua convicção, deve o julgador indicar “as ilações tiradas dos factos instrumentais”, como resulta do número 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.

Assim, a seleção dos factos provados e não provados a constar da sentença deve conter os que sejam essenciais às pretensões das partes, sendo os factos instrumentais (que tenham sido alegados, resultem da instrução ou tenham sido oficiosamente averiguados) úteis para a prova dos primeiros e não em si mesmos (salvo se deles resultar a aplicabilidade de presunção legal).

Exemplificando: a velocidade acima do limite legal a que seguia um veículo interveniente em acidente de viação será essencial caso a pretensão de uma das partes decorra da imputação de tal atuação ilícita e culposa ao seu condutor; já a extensão dos rastos de travagem que o mesmo deixou no pavimento será facto instrumental que, ainda que não alegado pode ser averiguado, e de que resultará indício tendente a confirmar ou infirmar o referido facto essencial.

O que são os factos essenciais a cada pedido/exceção é questão que sempre tem de ser resolvida no confronto das pretensões das partes e o direito substantivo que pode suportar as mesmas.

Em resumo: os factos essenciais devem ser alegados pelas partes, apenas sendo lícito ao juiz considerar outros, não alegados, se forem complementares instrumentais, notórios ou que sejam do seu conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Estes últimos não têm de ser selecionados no elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença (salvo se deles resultar a aplicabilidade de uma presunção legal), apenas cabendo referi-los na motivação da mesma, como previsto no número 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.

Resta acrescentar que também não deve enumerar-se como facto o teor de um meio de prova (embora com alguma frequência tal ocorra). Assim, não tem o juiz que fazer constar dos factos provados o teor de autos de inspeção, relatórios periciais ou mesmo de depoimentos, devendo, tão-só, deles retirar a sua convicção sobre os factos que os mesmos se destinam a provar. Exemplificando: salvo se o teor de um documento for, em si mesmo, um facto relevante (vg. o envio de uma missiva que consubstancie interpelação suscetível de interromper um prazo de caducidade ou prescrição), não tem de se fazer constar da sentença o seu teor como facto provado ou não provado, devendo ser o mesmo apenas referido na motivação da convicção que gerou sobre o facto a provar.

Tendo presente estas considerações que visam o enquadramento da questão a resolver, debrucemo-nos sobre cada um dos factos que a Recorrente quer ver refletido no elenco dos factos provados com vista à sua ampliação:
a) Na medição da espessura da chapa, e tal como determinado no ponto 3.9 da norma 10169, não se pode incluir o revestimento orgânico (lacagem);

Aduz a Apelante que, tendo o Tribunal dado por provado que “A medição da espessura da chapa é feita por referência a uma norma que admite uma tolerância de 0,06 mm para chapas entre os 0,40 e os 0,60 mm de espessura” devia também ter dado por provado o acima transcrito critério de medição.

Sustenta, com inteira razão, que era essencial apurar, face ao objeto do litígio, se as chapas fornecidas pela Autora tinham a espessura acordada ou outra, no caso menor.

Daí faz decorrer que tendo resultado da prova produzida que a medição das referidas chapas deve ser feita desconsiderando o seu revestimento/lacagem então também aquele critério de medição deve constar dos factos provados. Já nesta segunda afirmação não tem a Apelante qualquer razão.

É objeto do litígio o incumprimento da obrigação da Ré de pagar o preço de chapas por si encomendadas e adquiridas à Autora. A reconvenção não foi admitida em parte e, noutra, foi julgada improcedente. Foi, contudo, considerada na sentença a exceção de não cumprimento invocada pela Ré, com base na qual se acha a mesma com direito a eximir-se ao pagamento das faturas juntas com o requerimento de injunção e que o suportam. A procedência de tal exceção dependia da prova da afirmação, constante da contestação, de que as chapas que a Ré recebeu da Autora tinham 0,4mmm e não 0, 5mm de espessura.

Este facto, como tal alegado era, pois, essencial à pretensão da Ré e quanto a ele ficou provado o que resulta da alínea 14: “(…) no que se refere à chapa aplicada na obra a que se referem os pontos 9 a 11 dos factos provados a chapa fornecida tinha uma espessura inferior a 0,44 mm.”. E julgou-se não provado que: “Toda a espessura da chapa faturada e fornecida pela Autora tivesse 0,4mm de espessura.”.

Ou seja, o que releva - o que é essencial à pretensão da Ré de ver proceder a alegada exceção de não cumprimento-, é apurar se, de facto, o preço cobrado pela Autora se reporta a chapa com espessura diferente da entregue e, por isso, a Ré podia recusar-se ao seu pagamento.

Os critérios de medição da referida chapa não relevam senão como factos instrumentais à prova tal diferença de espessura, facto esse, sim essencial e a provar e sobre qual o Tribunal recorrido se pronunciou expressamente nas alíneas 14) dos factos provados e b) dos não provados. Dizendo de outra forma, o Tribunal tinha que ter em conta o critério de medição que a Ré quer ver aditado ao formar a sua convicção – o que fez e resulta da motivação da matéria de facto [5]-, pois se trata de facto instrumental que resultou da discussão da causa. Já não tinha que erigir tal critério de medição – que não foi alegado nos articulados -, como facto a julgar como provado ou não provado, pois o mesmo não interessa para a decisão da causa senão pela via, instrumental, de poder relevar para aferir se há, afinal, diferença nas espessuras das chapas adquiridas pela Ré à Autora e, em caso afirmativo, qual a medida dessa diferença.

A Apelante sustenta que, tendo sido levado ao elenco dos factos provados que “A medição da espessura da chapa é feita por referência a uma norma que admite uma tolerância de 0,06 mm para chapas entre os 0,40 e os 0,60 mm de espessura.”, também o critério de medição da mesma que entende aplicável e de que resulta a exclusão da espessura da lacagem devia ter tido assento no mesmo elenco. Ora, o referido facto provado (alínea 12) não é, como o que a Apelante quer ver aditado, um mero facto instrumental resultante da discussão da causa. Pelo que a comparação entre ele e o que quer ver aditado não tem qualquer razão de ser.

Em resposta à reconvenção a Autora expressamente impugnou quer a diferença de espessura da chapa invocada pela Ré como fundamento da defesa, quer a relevância da mesma, tendo alegado expressamente, nos artigos 33 e 34 do articulado de réplica que:

“33º A espessura da chapa é feita por referência a uma norma que, além de considerar para isso a chapa base e os seus revestimentos, admite uma tolerância de 0,06 mm para chapas entre os 0,40 e os 0,60 mm de espessura (cfr. norma EN 10143, parágrafo 3.1 e quadro de tolerâncias da fls. 7 da mesma que se juntam como docs. nº2 e 3 e que se dão por inteiramente reproduzidos)

34º Ou seja, mesmo que a regra nas relações comerciais não fosse a espessura total do produto, mas apenas a da chapa base, ainda assim, para uma chapa de 0,50 mm, a tolerância vai dos 0,44 mm aos 0,56 mm.”.

Assim, à exceção de não cumprimento invocada na contestação (e também à pretensão reconvencional ali expressa e feita decorrer, em parte, da referida diferente espessura da chapa fornecida) a Autora respondeu invocando facto essencial à defesa: que a compra e venda objeto dos autos respeita a material com caraterísticas técnicas reguladas por norma de que decorre que é tolerada a diferença de 0, 06 mm em chapas que vão dos 0,4 aos 0,5 mm. Tal facto, de que decorre a conclusão pretendida pela Autora/Reconvinda de que a eventual diferença de espessura não é de relevar se for igual ou inferior a 0,06 mm é, pois facto essencial à decisão e, por tal tinha que ser levado à sentença.

Já o facto que ora se quer ver aditado respeita ao critério a aplicar à medição da chapa e é meramente instrumental à prova da espessura da que foi fornecida e, como tal foi bem considerado na sentença apenas no âmbito da motivação da matéria de facto. Pelo que não tem de ser aditado. Coisa diferente é discordância da Apelante em relação à conclusão a que se chegou sobre a efetiva espessura das chapas que recebeu da Autora, que também é objeto do recurso e adiante será apreciada.


*

Pretende, ainda, a Recorrente o aditamento do seguinte facto:
b) O material fornecido à Ré não corresponde ao que foi pela mesma solicitado e ao que foi faturado pela Autora;

É para nós manifesta a natureza conclusiva desta afirmação, dispensando mesmo demorada fundamentação a sua desconsideração nos termos pretendidos pela Apelante.

De facto, estando em causa nos autos, para a pretensão da Ré, a alegada diferença entre o que encomendou e lhe foi faturado e o que recebeu, tal alegação encerra apenas a conclusão que a mesma quer que seja retirada dos factos - que alegou e foram impugnados -, em que se concretiza a referida diferença. Assim, não tinha o Tribunal a quo que dar por provada (ou não provada) a referida conclusão, que é mera ilação a retirar (ou não), dos factos elencados.


*

Finalmente, no que à pretensão de aditamento de factos respeita, pretende, ainda, a Apelante, que se faça constar do elenco de factos provados o seguinte:
c) A diferença de preço entre a chapa contratada pelas partes (espessura de 0,5mm) e a efetivamente fornecida pela Autora (espessura de 0,4mm) ascende a cerca de € 1,00 por metro quadrado.

Ora, quanto a esta alegação assiste razão à Recorrente na sustentação de que se trata de facto essencial à sua pretensão de excecionar o não cumprimento da sua obrigação em face do incumprimento/mau cumprimento da contraparte.

É que, tal como foi considerado na sentença  - embora com recurso ao critério do custo suportado pela Ré com a substituição da chapa julgada afetada pela diferença de espessura alegada, critério de que nenhuma das partes discordou -, caso se apure que o preço cobrado na ação não é devido, por a compradora ter o direito de excecionar o não cumprimento da obrigação sinalagmática, é relevante apurar qual a diferença entre o custo da chapa faturada e o da efetivamente fornecida, pelas razões que infra melhor se detalharão.

Ora, a Ré alegou tal facto, essencial à sua pretensão, no artigo 39º da contestação/reconvenção, articulando que a diferença de preço entre uma chapa de 0,5 mm de espessura e outra com apenas 0,4 mm era de 1, 30 € por metro de chapa.

Do que decorre que tal facto pode relevar, caso proceda a  pretensão da Recorrente de se ver desobrigada de pagar a parte do preço que, em face da diferença entre a espessura das chapas faturadas e entregues, se poderá considerar não devido.

Indica a Apelante o depoimento de parte do legal representante da Recorrida como meio de prova bastante ao aditamento do referido fato.

Remetendo para o que acima se explanou sobre o poder/dever de ampliação da matéria de facto da Relação quando os autos disponham dos meios referidos no artigo 662º, número 1 do Código de Processo Civil, é manifesta a procedência da pretensão em apreço já que, como consta da assentada lavrada na ata da sessão da audiência de julgamento de 31-03-2023, foi julgado confessado que a diferença de preço entre a chapa de 0.5mm e a chapa de 0.4mm é de cerca de 1,00 € (um euro) por metro quadrado”.

Será, assim, aditado o seguinte facto ao elenco dos factos provados a considerar:

15 - A diferença de preço entre a chapa de 0.5mm e a chapa de 0.4mm é de pelo menos 1,00 € (um euro) por metro quadrado.


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2 – Da modificação da matéria de facto constante das alíneas 13 dos factos provados e b) dos não provados:

Entende a Apelante que a redação da alínea 13) dos factos provados: “A chapa fornecida, facturada como sendo de 0,5mm, não tem espessura superior a 0,45 mm, se não se considerar o revestimento aplicado”, deve passar a ser a seguinte: “A chapa fornecida, facturada como sendo de 0,5mm, não tem espessura superior a 0,42 mm, se não se considerar o revestimento aplicado”.

Na decorrência do que deve eliminar-se a não prova de que “Toda a espessura da chapa faturada e fornecida pela Autora tivesse 0,4mm de espessura.”.

A pretensão em apreço entronca e sustenta-se na já acima referida posição da Recorrente de que não releva, para a medição da espessura da chapa, a parte decorrente da lacagem, o que a mesma pretendia mesmo que fosse erigido a facto provado. Como se disse e repete, o critério relativo à contabilização (ou não) da espessura da lacagem é facto instrumental à prova do facto, esse sim essencial, relativo à real espessura da chapa fornecida.

Donde, nem o teor da alínea 13 teria que constar da sentença.

Todavia, o que a Apelante pretende agora, mais do que mudar a redação dessa alínea, é a alteração da matéria de facto de molde a que dela resulte que, afinal, toda a chapa fornecida pela Autora não tinha espessura superior a 0, 42 mm o que faz sustentando-se não só nas normas técnicas aplicáveis ao material em questão, como na prova documental, pericial e por depoimento de parte que menciona, indicando quanto aos esclarecimentos do perito e ao depoimento de parte do legal representante da Autora, as passagens da gravação que quer ver reapreciadas.

Estão, assim, cumpridos os ónus a que o artigo 640º do Código de Processo Civil sujeita os recorrentes que pretendam impugnar a matéria de facto.

No seguimento da pretensão da Apelante foram reapreciados os meios de prova por ela indicados de que resultou:

Dos emails juntos pela Ré como documento número 3 da contestação ressaltou o Tribunal a quo que no “(…enviado pela Autora (mais concretamente C...), é admitido que a chapa fornecida é de 0,45 mm”.

Afirma a apelante que o email em causa é o enviado pela Autora à Ré a 23.02.2018 e que em anexo ao mesmo foram juntas fotografias tiradas pela Autora com essa medição.

Tais fotografias são as que se encontram juntas a 31.03.2023, e, segundo a Recorrente, das mesmas resulta a medição efetuada pela Autora de chapas idênticas às que sempre foram fornecidas à Ré dela decorrendo espessura inferior a 0,45mm incluída a lacagem da chapa o que contraria a imposição da norma 10169.

O referido email de 23-02-2018 refere, de facto, um anexo que, todavia, está nele descrito como “certificado de conformidade da chapa fornecida”.

O requerimento, constante da ata da audiência de julgamento de 31-03-2023, pelo qual foram juntas as imagens com a referência 1267742860 não identifica quais o(s) facto(s) a provar por via das mesmas nem consta de tal ata qualquer indicação de que as imagens então juntas consubstanciam o anexo do mencionado email.

Face ao previsto no artigo 155º do Código de Processo Civil, contudo, não pode presumir-se que o que foi feito constar na ata da audiência de julgamento corresponda à totalidade do que foi requerido, uma vez que a lei apenas impõe a gravação dos requerimentos, respostas e despachos e que a ata assinale o início e o termo de cada um, cabendo ao juiz determinar,  oficiosamente ou a pedido, que sejam transcritos os requerimentos e as respostas.

Como tal, foi ouvida a gravação da sessão da audiência de julgamento de 31-03-2023, nos minutos 10:21:32  a 11:12:03, de que resulta de que durante o depoimento de parte do legal representante da Autora o Ilustre Mandatário da Ré alegou ter havido falha do seu escritório na digitalização dos documentos juntos com a contestação, pretendendo, então, a junção de duas fotos por serem o anexo ao email em causa, o que lhe foi deferido. Retomado o depoimento de parte depois da referida junção, o depoente admitiu que as referidas fotos eram o anexo ao email que constitui o documento número 3.

Tendo, assim, por certo que as referidas fotos foram feitas pela Autora e por si enviadas à Ré não resulta, contudo, da primeira dessas imagens que a medição ali fotograficamente documentada seja de inferior a 0, 45 mm. Já a segunda dessas duas fotografias, devidamente ampliada, revela que a referida medição é de cerca de 0, 005 mm abaixo da marca dos 0, 45 mm. Ou seja, a imagem revelará uma medição de chapa com a espessura de 0,445 mm

Todavia, como resulta do facto provado número 12, a medição das chapas em causa nos autos é regulada por norma que “admite uma tolerância de 0,06 mm para chapas entre os 0,40 e os 0,60 mm de espessura.”.

Donde, da referida prova documental não resulta, sem mais a pretendida conclusão de que a chapa entregue pela Autora não tinha espessura superior a 0, 42 mm.

Sustenta ainda a Recorrente que importa também ter em consideração na medição da chapa a espessura da lacagem, que deve, para esse efeito, ser desprezada. Para o que remete para a aplicabilidade outra Norma de natureza técnica (a número10169).

Para sustentar a sua pretensão pede que se reaprecie o teor Relatório Técnico por si junto aos autos em 10.03.2023, do qual diz resultar a medição efetuada à chapa “nua”, ao revestimento metálico (zinco) e ao revestimento orgânico (lacagem) que é entre 0,025 e 0,028mm.

Sustenta, ainda, que o depoimento de parte do legal representante da Autora confirma que a espessura da lacagem oscilará entre os 0,025mm e os 0,030mm.

E, finalmente, alega que nos esclarecimentos que prestou em audiência de julgamento o perito nomeado nos autos afirmou que a espessura da lacagem oscilará entre 0,025 e 0,028mm, sendo que, confrontado com as fotografias juntas aos autos e correspondentes à medição feita pela própria Autora, terá afirmado categoricamente (minutos 56:30 a 58:30 do seu depoimento) que a chapa em causa teria abaixo de 0,45mm de espessura, mesmo medida com a lacagem e que, nessa medida, sem a medição da espessura da lacagem, a espessura da referida chapa oscilaria entre os 0,41mm e os 0,42mm.

Vejamos se assim é.

Quanto ao relatório junto pela Ré trata-se de documento particular emanado de entidade denominada “D...” e dele resulta um parecer técnico redigido em castelhano (mas cuja tradução não foi ordenada nos termos do previsto no artigo 134º do Código de Processo Civil), cujo teor foi impugnado pela Recorrida e que foi solicitado pela Recorrente a 23-02-2023, ou seja, já depois de decorridos 11 meses sobre a data em que foi notificado do relatório pericial de 24-03-2022.

Concorda-se com o raciocínio expendido na motivação da sentença, quando ali se lê:

“De facto, com carácter genérico, isto é, pretendendo demonstrar que toda a chapa fornecida pela Autora tinha uma espessura inferior à permitida, existe apenas relatório junto a fls. 119 e segs, elaborado em Março de 2023, isto é, já no decurso da presente ação, e decorridos 5 anos sobre os fornecimentos. Tal desfasamento temporal, aliado à total falta de controlo sobre a proveniência das chapas analisadas, não permite tirar qualquer conclusão quanto às características da generalidade das chapas fornecidas pela Autora.”.

De facto, foi bem salientado pelo Tribunal Recorrido que não se sabe a origem das amostras entregues pela Ré à entidade autora do referido documento e, como tal, não pode o mesmo relevar para o pretendido efeito de prova de que todas as chapas fornecidas pela Autora tinham espessura não superior a 0, 42mm.

Entende a Apelante que a prova produzida leva a concluir que a medição da espessura da chapa deve ser feita com desprezo pela medida da sua lacagem, remetendo para norma técnica (número10169).

Resulta do segundo relatório de peritagem junto aos autos que não foi essa a norma julgada aplicável à medição da chapa examinada constando do primeiro, em que se lançou mão da mesma o seguinte: “A lacagem ou pintura não faz parte da espessura do substrato da chapa analisada.”

O segundo relatório, todavia, alterou o critério da norma aplicável em função do pedido de esclarecimentos e da informação que do mesmo resultava, de que o revestimento da chapa fornecida à Ré fora feito por imersão a quente.

Todavia, como resulta da motivação da sentença, “Em ambas as normas (10346 e 10169) se considera que as medições devem considerar a espessura do aço mais o revestimento metálico (chapa zincada) e excluindo o revestimento orgânico (lacagem ou pintura) (…)”.

Donde, embora tal critério de medição não possa, como pretendia a Apelante, ser erigido à categoria de facto a aditar, deve ser tido em conta enquanto facto instrumental à prova da espessura da chapa fornecida.

Sustenta a Recorrente que do depoimento de parte do legal representante da Autora e dos esclarecimentos do perito em audiência de julgamento decorreu, respetivamente, a admissão de que a espessura da lacagem oscilará entre os 0,025mm e os 0,030mm e que a chapa em causa teria abaixo de 0,45mm de espessura mesmo medida com a lacagem e que, nessa mensuração, em a espessura da lacagem a da referida chapa oscilaria entre os 0,41mm e os 0,42mm.

Ouvido o trecho do depoimento de parte indicado (minutos 21, 45 a 23, 30 da sessão de 31-03-2023), resulta que o legal representante da Autora admitiu que a espessura da lacagem será de cerca de 0,025 na parte superior e de 0,05 na parte inferior.

Quanto aos esclarecimentos do Sr. Perito ouvido o trecho indicado, é certo que aquele confirmou que o revestimento por lacagem deve ser retirado da medição, ou seja, deve ser desconsiderada a espessura da lacagem, e que a mesma se situa entre as 0,025mm e 0,028 mm.

Assim, na chapa cuja medida final fosse de 0,0445mm, como a medida na fotografia enviada pela Autora à Ré e que está junta a 31-03-2023, retirada a espessura mínima da lacagem (de 0,025 mm), a referida chapa teria 0,43 mm.

O que, todavia, não é o mesmo que afirmar que toda a chapa fornecida pela Autora e faturada como tendo 0,5 mm tinha, de facto, 0,42mm.

A Recorrente sublinha a este respeito, e quer que seja relevado, o depoimento de parte do legal representante da Autora, que alega ter confirmado que toda a chapa fornecida à Ré possuía características idênticas e que, por isso mesmo, quando recebeu a reclamação da Ré relativamente à espessura da chapa foi medir algumas chapas que tinha nas suas instalações com essas características que as mesmas estavam em conformidade com as normas europeias que regulam a matéria da espessura das chapas.

Daqui faz a Apelante decorrer a censura à decisão recorrida quando nela se afirma que “se quanto à chapa que constitui o objecto da reclamação, é possível concluir que a chapa tinha uma espessura menor de 0,44 mm, já não se poderá extrapolar tal conclusão para toda a chapa fornecida pela Autora”.

Ora, ouvido o depoimento de parte do legal representante da Autora o mesmo não confirma, como pretende a Ré, que toda a chapa fornecida tinha a mesma espessura, tendo, antes explicado a forma como a mesma é produzida e a variabilidade da referida espessura em diferentes troços, explicando ainda que tal variabilidade também decorre de a mesma ser proveniente de diferentes produtores. Admitiu que as características da referida chapa fornecida à Ré eram idênticas, mas não se referia, quando o afirmou, especificamente à sua espessura.

Afirmou o legal representante da Autora que quando recebeu a reclamação da Ré foi medir material idêntico que tinha em stock e que segundo ele tinha a espessura de 0,45 mm, admitiu ter enviado as fotos dessa medição já acima mencionadas e explicou que quando era pedida chapa da espessura 0,5mm se entendia que a encomenda se referia à espessura total da mesma. Bem como explicou que a Autora não fabrica a chapa, apenas a transformam e corta, bem como que a adquire a diferentes produtores. Explicou que a tolerância da medição de espessura varia em função da largura do rolo da chapa o que resulta, exatamente, de no mesmo rolo poder haver uma variabilidade de espessura da chapa.

O perito foi, por sua vez claro na afirmação de que não procedeu ele mesmo à medição de qualquer chapa e, na resposta ao quesito 17, no segundo relatório, afirmou que “A definição das tolerâncias existe para contemplar as situações em que existem variações no fabrico”.

Do que decorre que, com exceção à chapa mencionada na alínea 14 dos factos provados, se desconhece qual era a espessura da que foi comprada pela Ré à Autora.

Pelo que não tem a Recorrente razão na sua pretensão de que, por recurso a presunções judiciais se conclua que toda a chapa fornecida tinha espessura não superior a 0,44 mm apenas porque se concluiu que parte dela era de espessura inferior a 0,44 mm ou porque se deve retirar da medição dessa espessura a lacagem pois nenhum meio de prova permite concluir nesse sentido.

Pelo que, em conclusão, não pode afirmar-se como pretende a Recorrente que toda a chapa fornecida e faturada como sendo de 0,5mm não tinha espessura superior a 0,42 mm (não se considerando o revestimento aplicado) e nem há que alterar o facto não provado sob a alínea b)

Improcede, assim, a pretendida alteração da matéria de facto.


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3 – Da exceção de não cumprimento e do seu reflexo na condenação:

Dá-se aqui por reproduzido o elenco dos factos provados e não provados acima transcritos a que se aditou, sob a alínea 15), o seguinte:

A diferença de preço entre a chapa de 0.5mm e a chapa de 0.4mm é de pelo menos 1,00 € (um euro) por metro quadrado.


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Face ao novo elenco de factos provados não resulta que toda a chapa entregue pela Autora à Ré tivesse 0,4 mm de espessura, tendo ficado apenas provado que a chapa referida nos pontos 9 a 11 tinha espessura inferior a 0,44 mm, sem que se saiba qual a sua real espessura.

Quanto a este fornecimento em concreto o Tribunal a quo entendeu aplicável a exceção de não cumprimento prevista no artigo 428º do Código Civil e concluiu que à Ré cabia o direito de recusar o pagamento de 2 826, 25 €, valor que se provou que a mesma despendeu com a substituição da chapa em causa.

Não explica a sentença o critério seguido para a consideração deste valor.

A Ré, e bem, entende que o valor a atender para a quantia a que poderia estar desobrigada de pagar seria o resultante da diferença de preço entre a chapa fornecida e a faturada que redundaria num total de € 1.712,89 €, em face da quantidade de chapa vendida pela Autora que se provou que tinha espessura inferior à devida e referida na encomenda da Ré.

Senão vejamos:

Estabelece o artigo 428º nº 1 que “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, casa um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.

A exceptio non adimpleti contractus ocorre, pois, apenas nos contratos bilaterais, como é o dos autos.

Para que a exceção de não cumprimento de contrato se aplique, não basta que o contrato crie obrigações para ambas as partes, sendo também preciso que as obrigações não cumpridas sejam correspetivas e, portanto, sinalagmáticas.

Está em causa a obrigação de pagamento de preço num contrato de compra e venda, com os efeitos previsos no artigo 879º do Código Civil, e entende a Recorrente que, tendo recebido produto com espessura diferente do que encomendou e cujo preço é inferior, à razão de 1 € por metro quadrado, tinha o direito a não pagar à vendedora essa parte do preço não devido.

Sucede que o Tribunal recorrido seguiu um critério pelo qual “descontou” ao valor faturado pela Autora o montante que a Ré despendeu com a substituição da chapa fornecida e não qualquer critério relativo ao valor da chapa efetivamente entregue. Daí decorreu a condenação da Ré no pagamento do valor faturado deduzido de 2.826,25 € que na sentença se considerou dever ser descontado ao valor da fatura mais antiga das apresentadas pela Autora, por se ter concluído que era nela que estava identificada a referida a chapa com medida inferior a 0,44mm

A Autora não recorreu e a Ré também não pretende a alteração da sentença nessa parte, pretendendo apenas que, “para além do já determinado em sede de sentença recorrida” se desconte, ainda, ao valor a pagar à Autora o de 4.103,43 € ou, pelo menos de 1.712,89 € decorrentes da diferença do preço da chapa com 0,4 mm de espessura em relação à de 0,5 mm.

Face à improcedência da alteração da alínea b) dos factos não provados improcede a primeira dessas pretensões já que apenas ficou provada a diferença de espessura relevante quanto a uma parte da chapa fornecida e faturada na primeira das faturas objeto dos autos (a de 26-01-2018).

Acresce que, não sendo objeto de recurso a parte da decisão que determinou como critério quantitativo para a exceção de não cumprimento o custo suportado pela Ré com a substituição de chapa com diferença relevante de espessura, não poderia nunca, em sede de recurso fazer-se acrescer a tal dedução a da diferença do preço entre as chapas pedida e a fornecida.

De facto, a ser entendido como pretende a Recorrente que o critério a adotar para quantificar a parte do preço não devido pela compradora é o que ora resulta do facto provado na alínea 15, de redução do mesmo à razão de 1 € por m2, a mesma teria direito a ver descontada da sua condenação apenas a quantia de 1 712, 89 €.

Ora a mesma já viu ser deduzido à sua obrigação de pagamento, com trânsito em julgado, quantia superior. De facto, não obstante a improcedência da reconvenção, o Tribunal a quo entendeu que a Ré estaria desobrigada de pagar à Autora a quantia que despendeu com a substituição da chapa com espessura relevantemente inferior à acordada e faturada.

Quantia essa que foi fixada em 2 826, 25 €, ou seja, em montante superior ao que decorreria do critério, mais adequado, sugerido pela Recorrente. É manifesta a falta de fundamento para a cumulação dessa dedução ao pagamento devido à Recorrida.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[6]a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assente o esquema do contrato bilateral”.
Ainda segundo Pires de Lima e Antunes Varela, o mecanismo previsto no artigo 428º do Código Civil “(…) vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227.º e 762.º, n.º 2”[7]
A consagração desse princípio da boa-fé na execução dos contratos obriga a que a aplicação do instituto em causa em situações de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso seja proporcional.
Assim tem sido quase unanimemente entendido na jurisprudência. Como se pode ler em sumário de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2008[8]  “No caso de cumprimento parcial ou defeituoso a exceptio deve ser correspondente à inexecução parcial ou à execução defeituosa, podendo o devedor recusar a sua prestação na parte proporcional ao incumprimento do outro contraente. É que só assim se garante o equilíbrio sinalagmático.”.
Para que a exceção de não cumprimento possa atuar será, então necessário, concluir que as prestações sejam correspetivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra.
Assim, em conclusão, a exceção do não cumprimento do contrato apenas pode ser aceite como fundamento para o não cumprimento de uma (contra)prestação desse contrato, quando por via desse não cumprimento se assegure o equilíbrio entre as obrigações no âmbito dos contratos sinalagmáticos.
Em caso venda de coisa defeituosa[9], apenas se pode admitir que o credor da prestação de entrega da coisa com as qualidades necessárias oponha à contraparte o não cumprimento de toda a contraprestação se puder poder concluir-se que aquele defeito prejudica relevantemente o seu direito enquanto credor.
No caso em apreço não há qualquer reciprocidade ou proporcionalidade entre o incumprimento dos deveres da Autora (vendedora) em parte dos fornecimentos objeto dos autos (no total de quatro) e o não pagamento pela Ré da totalidade dos bens que recebeu e fez seus, pois o defeito que ficou provado reconduz-se a uma diferença de espessura relevante em apenas parte da chapa fornecida na compra e venda a que se refere a fatura de 26-01-2018.
Nem tal reciprocidade se encontra entre tal cumprimento defeituoso e o dano sofrido pela Ré com a substituição dos bens adquiridos, dano pelo qual quis ser indemnizada, mas viu declarar caducado o seu direito. Pelo que o cômputo desse dano como critério a atender à luz do artigo 428º do Código Civil apenas se mantém por não ter sido alvo de recurso, não havendo que somar a tal quantia a ora pretendida pela Apelante, que é inferior à achada na sentença recorrida.
Pelo que não procede a pretensão em apreço.

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Quanto à pretensão da Recorrente de ser absolvida do pagamento de juros e das custas processuais:
Argumenta a Apelante que do artigo 428º resulta um efeito “dilatório de um dos contraentes realizar a sua prestação em momento posterior”. Daqui retira a conclusão de que tinha o direito de se recusar a pagar o preço sem que recebesse a contraprestação a que tinha direito.
Desde logo há que salientar, de novo, que apenas se provou que parte da chapa discriminada na fatura de 26-01-2018, com vencimento em 27-03-2018, tinha uma espessura inferior a 0, 44mm.
As demais faturas cujo valor é cobrado por via destes autos referem-se a compras e vendas de bens que não se provou terem qualquer desconformidade com o acordado ou que não tivessem a qualidade devida, pelo que quanto a elas não havia qualquer arrimo para que a Ré recusasse o seu pagamento. As duas últimas faturas juntas ao requerimento inicial reportam-se mesmo a compras e vendas celebradas já depois da Recorrente ter reclamado junto da Autora nos termos provados na alínea 9.
Quanto ao fornecimento em que, de facto, se provou que parte da chapa era de espessura inferior a 0, 44 mm, a Ré teria direito, como acima já referido e melhor explicitado, ao não pagamento integral do seu preço, podendo, à luz do artigo 428º do Código Civil recusar o pagamento de parte do mesmo de acordo com os critérios de reciprocidade e proporcionalidade já acima referidos.
A proporcionalidade da reação do contraente consistente na exceção de não cumprimento deve ser encontrada com recurso às regras que obrigam os contraentes a agir de boa-fé no cumprimento dos contratos, como resulta do artigo 762º do Código Civil. Trata-se da consagração do princípio neminem laedere em matéria de execução do contrato.
Ora, no caso, embora não possa afirmar-se que o defeito provado seja insignificante ou de reduzida importância no equilíbrio das prestações contratuais, tão pouco pode afirmar-se que pudessem vir a justificar a omissão do pagamento da totalidade do preço de todas as aquisições feitas à Autora.
Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2008 já cima mencionado[10], “uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito”.
No caso dos autos, como se viu, apenas se provou que parte da chapa entregue à Ré e à mesma faturada tinha espessura inferior à pretendida, o que desvaloriza a mesma em 1 € por metro quadrado, pelo que a Ré teria direito a recusar o pagamento dessa diferença de valor que se viu ser de 1 712, 89 €.
Seria, assim, absolutamente desproporcional e infundada a recusa de pagamento da totalidade do preço das quatro vendas a que se referem as faturas juntas com o requerimento de injunção.
O desconto do valor que se julgou ter direito a não pagar já foi feito incidir sobre quantia que fora peticionada pelo que só sobre a parte do preço que não podia recusado pagar incidiu a condenação da Ré em pagamento de juros, como forma de compensação da mora nos termos previstos nos artigos 804º a 806º do Código Civil que se encontram explicitados na sentença.
Por tal, improcede a pretensão da Recorrente de ser absolvida do pagamento de qualquer quantia a título de juros pois, quanto à parte do preço que foi condenada a pagar, não tinha, como defende, a mesma qualquer direito a recusar ou a atrasar o seu pagamento.
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O mesmo raciocínio vale quanto às custas do processado sendo manifesto que, de acordo com previsto no artigo 527º do Código Civil a Ré deve pagar as mesmas na proporção do seu decaimento não podendo, de todo, entender-se que não deu causa à lide já que, como se concluiu, não lhe assistia o direito de recusar o pagamento da totalidade do preço dos bens que adquiriu.
Na parte em que se reconheceu que a Ré estava dispensada de pagamento do preço peticionado foi já a mesma absolvida, já que da sua condenação se deduziu um valor (à luz da aplicação da exceção de não cumprimento), e essa dedução reflete-se no seu decaimento, quanto a custas, pelo que só ficou condenada a pagar as mesmas na parte em que ficou vencida, como prevê o artigo 527º do Código Civil.
Não há, assim, qualquer fundamento legal para a Ré se eximir ao pagamento das custas do processo na parte em que decaiu.
Pelo que improcede totalmente o recurso.

V – Decisão:

Nestes termos julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil.


Porto, 19/2/2024
Ana Olívia Loureiro
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] Segundo Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil. Volume I, em comentário ao então artigo 712º “(…) o exercício do poder de rescisão ou cassatório conferido por este preceito deverá, pois, entender-se como subsidiário relativamente aos poderes de reapreciação ou reexame dos pontos da matéria de facto questionados no recurso – só tendo lugar quando se revele absolutamente inviável o eficaz e satisfatório exercício destes pela Relação.”.
[2] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Páginas 70 a 72.
[3] Segundo Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 699), “(…) não se trata mais da quesitação atomística e sincopada de pontos de facto que caracterizou o nosso processo civil durante muitas décadas. Numa clara mudança de paradigma, procura-se agora que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiai e sem quaisquer constrangimentos, assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa.”.
[4] A este respeito os mesmos Autores, op. cit, afirmam: “(…) quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, importará que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual.”.
[5] Ali se pode ler, a este propósito que: “Acresce que a forma como a Autora considera, nesses mails, que se deve medir a espessura da chapa, nela incluindo a pintura ou a lacagem, e que, irremediavelmente aumenta essa espessura, está errada, como resulta do relatório pericial e se desenvolverá infra. Finalmente, não se pode deixar de achar estranho que, face a uma encomenda de chapa de 0,50mm, a Autora entenda que é normal fornecer uma chapa de 0,45 mm, isto é já no limiar da tolerância, como resulta do mail enviado a 23 de Fevereiro e constante de fls. 28 dos autos. No entanto, se quanto à chapa que constitui o objecto da reclamação, é possível concluir que a chapa tinha uma espessura menor de 0,44 mm, já não se poderá extrapolar tal conclusão para toda a chapa fornecida pela Autora”. E, ainda a este propósito, consta da sentença que: “O relatório pericial elaborado versa sobre a forma de medição da espessura das chapas metálicas e sobre as margens de tolerância a aplicar. O perito esclareceu que para estabelecer as margens de tolerância nas espessuras das chapas existem diversas normas. A norma BS EN10169 que remete para a norma EN 10131 e é usada quando o revestimento do metal é feito a frio. A norma EN 10143 para a qual remete a norma EN 10346 é usada quando o revestimento do metal é feito por imersão a quente. No primeiro relatório apresentado, não havendo informação sobre a forma como fora feito o revestimento, considerou-se que este fora feito a frio e como tal aplicaram-se as margens de erro da norma EN10131. No entanto, perante o pedido de esclarecimentos entretanto feito, foi considerado nos esclarecimentos que, no caso, o revestimento fora feito por imersão a quente, pelo que se aplicou a norma EN 10143, com a modificação das margens de erro. Em ambas as normas (10346 e 10169) se considera que as medições devem considerar a espessura do aço mais o revestimento metálico (chapa zincada) e excluindo o revestimento orgânico (lacagem ou pintura), conforme se retira quer do relatório pericial junto aos autos quer do relatório, apresentado pela Ré e constantes de fls. 119 e ss, concretamente a sua última página. Note-se, ainda, que as partes concordam que a norma aplicável é a EN 10143, conforme se retira dos arts. 33º e 62º da réplica da autora e da última página do relatório apresentado pela ré e constantes de fls. 119 e ss dos autos.”.
[6] Código Civil Anotado Tomo I, Coimbra Editora, 4ª edição, página 406.
[7] Op. Cit, ainda página 406.
[8] https://jurisprudencia.pt/acordao/133739/.
[9] Assim está qualificada a questão dos autos no acórdão proferido no apenso A, relatado pela aqui segunda adjunta.
[10] https://jurisprudencia.pt/acordao/133739/