Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8027/14.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
SENTENÇAS E DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS
PERSI
INTEGRAÇÃO OBRIGATÓRIA DE CLIENTE BANCÁRIO
INSTAURAÇÃO DA ACÇÃO EXECUTIVA
EXTINÇÃO
CONHECIMENTO DA EXCEPÇÃO
Nº do Documento: RP202203109207/14.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em função de vários aspetos jurídico-processuais, é variável o grau de exigência de fundamentação das decisões proferidas no processo. O dever de fundamentação da sentença é, em regra, mais exigente do que o dever de fundamentação de decisões interlocutórias, sendo que, quanto a estas, pode ser exigível uma fundamentação mais ou menos perfuntória, conforme o que decidem.
II - A integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória quando verificados os respetivos pressupostos, pelo que a ação executiva só pode ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento quando a ele deva haver lugar.
III - A instauração da execução, sem inobservância do PERSI, pode conduzir à sua extinção, devendo aquele procedimento ser tratado como uma condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias, de conhecimento oficioso e insanável.
IV - Porém, o tribunal só pode conhecer dessa exceção no despacho liminar ou, não o tendo feito, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (art.º 734º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 8207/14.7T8PRT.P1 (apelações)
Comarca do Porto – Juízo de Execução – J 2

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
Na execução sumária para pagamento de quantia certa que, a 23 de outubro de 2014, BANCO ..., S.A, com sede na Rua ..., ..., ... Porto, instaurou contra AA e BB, ambos residentes em Lugar ..., ... ..., veio o executado, por requerimento de 24.8.2021, alegar que, por acórdão da Relação de 9.1.2020, foi determinado “que a 1.ª instância convide o exequente a completar a alegação da causa de pedir da execução e a juntar meios de prova, em conformidade com o que resulta dos fundamentos que antecedem, e só posteriormente profira decisão relativa à aplicação ao caso do PERSI, com as necessárias consequências, nomeadamente quanto à manutenção ou à extinção da execução”.
Com base nos art.ºs 39º e 40º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, o fundamento central do referido acórdão era saber se o contrato de crédito dos autos se encontrava em vigor em 1.1.2013, pelo que seria necessário apurar se antes dessa data o exequente havia procedido à resolução do mesmo. A obrigatoriedade de sujeição do executado ao PERSI dependeria do facto do contrato de crédito ter cessado depois de 01.01.2013, data da entrada e m vigor do referido decreto-lei.
Volvido mais de ano e meio, a exequente não deu cumprimento ao convite que lhe foi dirigido; não alegou a data da resolução do contrato, limitando-se a pugnar pela não aplicabilidade do Decreto-lei nº 227/2012 e do PERSI.
Terminou assim:
Termos em que se requer seja declarada procedente a excepção processual dilatória inominada de “falta de condição objectiva de procedibilidade” e, em consequência, seja o executado absolvido da instância e seja declarada extinta a execução com as legais consequências, nomeadamente ser ordenado ao exequente a restituição imediata ao executado de todos os bens penhorados e alienados no âmbito dos presentes autos.
A I..., cessionária do crédito e exequente nos presentes autos --- habilitada no processo em incidente que correu termos no ano de 2017 ---, notificada daquele requerimento, alegou reiterar integralmente o teor do requerimento que juntou ao processo no dia 13.5.2021, com referência 38862638.
Daquele requerimento consta essencialmente o seguinte:
A execução deu entrada em Juízo no dia 23.4.2014 e, citados, os executados não deduziram embargos, tendo o executado declarado no processo, por requerimento de 8.4.2015, que não pretende opor-se à execução, nem ter intenção nem pretensão de fugir ao problema concreto nem contestar a legitimidade do credor.
O próprio Executado reconhece que o incumprimento ocorreu em agosto de 2011.
Em 20.5.2015 foi proferido despacho, com a referência 352007159, cujo teor determina que os factos invocados apenas podem constituir fundamento de embargos de executado e, ainda que de incidente se tratasse, sempre seria devida a respetiva taxa de justiça. Não foi interposto recurso desta decisão.
Em 08.10.2018, o executado arguiu a nulidade, consubstanciada na falta de implementação do PERSI[1], alegando para o efeito que tal constitui uma exceção processual dilatória inominada de conhecimento oficioso.
Por despacho de 28.1.2019, foi indeferida aquela nulidade, com o argumento de que deveria ter sido invocada em sede de embargos de executado.
Revertida a situação pelo citado acórdão da Relação do Porto, refere ainda a exequente que o Decreto-lei n.º 227/2012 entrou em vigor no dia 1.1.2013, muito depois do incumprimento que o executado confirma ter ocorrido em 2011, pelo que o PERSI não tem aplicação.
O documento complementar ao contrato executado, junto no requerimento executivo, estipula expressamente na cláusula 9.ª que a hipoteca poderá ser executada se se vencer qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura, ou se não for cumprido qualquer dos deveres que para os mutuários decorrem do contrato.
Não há qualquer disposição legal que obrigue à interpelação com aviso de receção. Muito menos fundamento tem este argumento quando o próprio executado admite saber que o incumprimento ocorreu em 2011.
A jurisprudência maioritária preceitua que a interpelação se considera efetuada com a citação do executado, o que ocorreu também nos presentes autos.
A cessão de créditos operada, salvo respeito por melhor entendimento, não incluiu a assunção dos direitos e obrigações, uma vez que em causa está um contrato de cessão de créditos e não um contrato de cessão de posição contratual, contrato aquele que pressupõe a transmissão do crédito, com todas as garantias do contrato, ou seja, há uma cessão da posição creditícia, permanecendo o cedente como parte na relação contratual originária, sendo responsável pelas obrigações que daí advinham.
No limite, e alternativamente, sempre se deverá considerar que o incumprimento definitivo e a resolução do contrato tiveram lugar com a cessão de créditos, a qual não foi sequer contestada. E não estando a cessionária abrangida pelo disposto no decreto-lei n.º 227/2012, nunca lhe poderá dar cumprimento.
Sem prejuízo, tendo o executado assumido o incumprimento, e ainda que se considere não haver fundamento para prosseguir com a execução, o que não se aprova, devem os atos praticados nos autos ser aproveitados, salvaguardando os interesses legítimos do atual interveniente processual, exequente, e do adquirente do imóvel adjudicado em 2015 e seus eventuais sucessores na transmissão da sua propriedade.
Concluiu ali no sentido de que seja ordenada a notificação do cedente, BANCO ..., para comprovar nos autos a data em que ocorreu o incumprimento, e justificar assim a ausência de inclusão no regime do PERSI, completando a alegação da causa de pedir.
Por comunicação de 3.9.2021, o BANCO ..., cedente do crédito à atual exequente, informou que, conforme documentação que também juntou nessa data (cartas enviadas aos executados – doc.s 1, 2, 3 e 4), a data do vencimento do crédito ocorreu no dia 25.9.2011.
Notificado daquela informação, o executado respondeu a 25.10.2021 alegando, além do que já anteriormente alegara, que nunca recebeu aquelas cartas.
Em 16.11.2021 foi proferida a seguinte decisão, ipsis verbis:
«Uma vez que o executado admitiu nos autos que o incumprimento ocorreu no ano de 2011 e o D.L. 227/2012 de 25/10 que veio prever medidas para evitar situações de incumprimento dos devedores, nomeadamente o PERSI, apenas entrou em vigor após aquele, inexiste qualquer execpção inominada (procedibilidade) a apreciar.
Com efeito, perante a inexistência àquela data de legislação que obrigasse o credor a integrar o devedor em Plano Especial de Regularização Extrajudicial de Regularização de dívidas, não estava o mesmo impedido de, sem lançar mão do mesmo recorrer à cobrança extrajudicial.
Assim, improcede o requerido.»
*
Mais uma vez inconformado, é desta decisão que recorre o executado, tendo produzido alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«A – O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a data da resolução do contrato de mútuo, sendo que, como decorre do acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nos autos em 09.01.2020, sem o apuramento da data da resolução contratual não é possível saber-se a data da cessação do contrato de mútuo, sendo certo que cabia ao exequente a alegação e a prova que o contrato já não vigorava quando passou a vigorar o PERSI aprovado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10.
B - Por violação do estatuído no n.º 1 do art.º 152º do Cód. de Proc. Civil, ou seja, do dever de administrar justiça e do preceituado no n.º 2 do art.º 608º do referido diploma legal, isto é, do dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, o despacho sob recurso está ferido de nulidade, porquanto a questão omitida é imprescindível para o exame e decisão da causa – Cfr. art.º 195º, n.º 1 do Cód. de Proc. Civil.
C – O despacho sob recurso não cumpre as exigências jus-constitucionais de fundamentação de uma decisão judicial quer porque não discrimina os factos provados e não provados, nem por maioria de razão enuncia os fundamentos e as provas da decisão da matéria de facto, quer porque não explicita, de forma minimamente discriminada e entendível, os motivos do sentido da sua decisão.
D - Tal preterição de formalidades determina a nulidade da decisão sob recurso, por violação dos art.º 152º n.º 2, 154º n.º 1, 607º n.º 3 e 4 do Cód. de Proc. Civil e o art.º 205º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
E - Nos termos do definido pela alínea b) do n.º 1 do art.º 2º do Decreto-Lei n.º 227/2012, a dívida objecto da presente execução está no seu âmbito da aplicabilidade, pelo que, nos termos do disposto nos art.º 12º e sgs. Era obrigatória a integração dos executados no PERSI, o que não ocorreu nem vem alegado pelo exequente, incumprindo com esse ónus legalmente imposto, sendo que nos seus requerimentos de 29.01.2020, 12.03.2020, 13.05.2021 e 27.08.2021 pugna inclusivamente pela não aplicabilidade do PERSI.
F - Tendo incumprido com essa sua obrigação de integração dos executados no PERSI, era vedado ao exequente intentar a acção executiva dos autos, e até mesmo resolver o contrato de crédito com base em incumprimento (como, aliás, alega no art.º 4º do seu requerimento executivo), nos termos do estatuído nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 18º do Decreto-Lei n.º 227/2012.
G – O Banco exequente não podia ter intentado a execução dos autos, pelo que a mesma tramita e persiste ilegalmente, em clara violação dos art.º 12º e seguintes e art.º 18º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e do art.º 726º, n.º 2 alínea b) do Cód. de Proc. Civil.
H - Nos termos do disposto no art.º 40º do referido diploma legal, o mesmo passou a vigorar a partir do dia 1 de Janeiro de 2013 e que, segundo é preceituado no seu art.º 39º, “1. São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias”.
I - É assim irrelevante a data do incumprimento contratual na qual o Tribunal a quo inusitada e descabidamente funda o seu despacho; pois o que releva é que o alegado incumprimento ocorria há mais de 30 dias (desde o ano de 2011) e que o contrato de crédito permanecia em vigor!!!
J - É perfeitamente irrelevante a inexistência do Decreto-Lei 227/2012 à data do alegado incumprimento contratual em face do regime que veio a ser instituído por esse mesmo diploma legal, que consagrou a sua aplicabilidade aos contratos ainda vigentes, independentemente de estarem a ser cumpridos ou incumpridos, até porque o referido art.º 39º prevê expressamente um regime para os contratos em mora.
K - Como decorre da norma contida no referido art.º 39º o que releva para a integração automática no PERSI são os contratos de crédito que permaneçam em vigor à data da vigência do diploma legal.
L - Sem a prova de que o contrato de crédito dos autos tinha cessado os seus efeitos por via de uma alegada resolução por parte do Banco exequente jamais podia o Tribunal a quo ter indeferido o requerido pelo executado e permitir o prosseguimento da execução.
M - A prova necessária por parte do Banco exequente era a prova da comunicação da decisão unilateral de resolução contratual por incumprimento, como, aliás, se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.06.2018, in www.dgsi.pt, recordado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nos autos.
N - Nos termos da alínea a), b), c) e d) do n.º 1 do art.º 18º do referido diploma legal, sem a integração do(s) executado(s) no PERSI, o Banco exequente estava impedido de (a) resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; (b) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; (c) ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou (d) transmitir a terceiro a sua posição contratual.
O - Por inexistência de prova em contrário, o contrato dos autos estava em vigor à data de 01.01.2013, quando passou a vigorar a integração automática e obrigatória no PERSI, sendo certo que, nos termos do n.º 1 do art.º 5º do Cód. de Proc. Civil que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”
P - O Banco exequente nunca correspondeu ao convite efectuado pelo Tribunal: não alegou nem provou como e quando procedeu à resolução do contrato de crédito. Isto, por uma razão muito simples; é que nunca o Banco exequente resolveu o contrato de crédito, nunca manifestou qualquer intenção de o fazer junto do executado. Daí, o exequente ter “andado em círculo” e nunca ter junto aos autos qualquer documento comprovativo de ter procedido à resolução contratual, como se lhe impunha.
Q - Nunca o executado tomou conhecimento de qualquer resolução senão pela citação da execução, na qual pela primeira vez o Banco exequente se refere à resolução contratual.
R - Tendo sido instaurada a execução em 19.10.2014, e assim após a vigência do Decreto-Lei n.º 227/2012, o Banco exequente já se encontrava impedido de resolver o contrato e de executar o(s) executado(s) sem a sua integração prévia no PERSI, o que nunca fez – Cfr. art.º 18º, n.º 1 al. a) e b) e art.º 39º do DL n.º 227/2012.
S - Não tendo o Banco exequente alegado e provado a resolução contratual antes do dia 01.01.2013 e tendo apenas instaurado a execução em 19.10.2014, já com a vigência do DL n.º 227/12, e não tendo alegado nem provado a integração do(s) executado(s) no PERSI, a execução não pode prosseguir por falta de condição objectiva de procedibilidade, como já suprido pelo Tribunal da Relação do Porto no acórdão proferido em 09.01.2020.
T – O Tribunal a quo mal andou na decisão proferida, o que mal se entende face à clareza dos factos, do regime legal instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012 e do acórdão proferido nos autos pelo Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente do seu sumário:
1. É indispensável à integração (automática) no PERSI, aprovado pelo Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro, que o contrato em incumprimento esteja em vigor, designadamente que não tenha sido resolvido antes do início de vigência daquele diploma legal.
2. A integração do cliente bancário no PERSI é obrigatória quando verificados os respetivos pressupostos, pelo que a ação executiva só pode ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento quando a ele deva haver lugar.
3- A prematuridade da execução, por inobservância do PERSI, pode conduzir à sua extinção, devendo aquele procedimento ser tratado como uma condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias, de conhecimento oficioso.
U - Constituindo o cumprimento do PERSI e a inclusão do executado no PERSI uma causa de procedibilidade da execução por determinação de normas imperativas estabelecidas pelo regime do Decreto-Lei n.º 227/2012, isto é, um pressuposto para a instauração da acção executiva, tal alegação constitui um facto essencial integrante da causa de pedir.
V - Sendo omissa a alegação do requerimento executivo quanto a estes factos, a mesma revela-se inepta nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 186º do CPC, o que é cominado no n.º 1 do referido preceito legal com a nulidade de todo o processo, o que deveria ter sido declarado em primeira instância, como lhe fora requerido e judicialmente ordenado pelo Tribunal da Relação do Porto pelo acórdão proferido nos autos em 09.01.2020.
W – Acresce que só podem ser executadas obrigações certas, líquidas e exigíveis, não sendo pelo menos exigível a obrigação dada à execução, por falta de instauração do PERSI pelo exequente relativamente ao executado, não estão verificados os requisitos materiais para a mesma ser objecto de acção executiva.
X - Tendo o Tribunal a quo indeferido o requerido e proferido a decisão sob recurso, incumpriu uma decisão de um Tribunal Superior, in casu o acórdão de 09.01.2020 da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, cujo cumprimento lhe era imposto pelo n.º 1 do art.º 152º do Cód. De Proc. Civil.
Y - Além de violar o disposto no referido preceito legal, o Tribunal a quo violou os art.º 5º n.º 1, 186º, 195º n.º 2, 196º, 576º n.º 2, 577º al. b), 578º, 703º, 726º n.º 2 al. b) do Cód. de Proc. Civil, dos art.º 18º n.º 1 al. a) e b), 39º e 40º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
Z – Ante a nulidade denunciada, impunha-se uma reacção mais célere do Tribunal à luz daquilo que é um prazo razoável imposto pela Lei Fundamental de modo a não deixar desprotegido (como deixou) durante mais de sete anos o aqui recorrente contra a agressão do seu património e de molde a assegurar um processo equitativo.
AA - Solicitada a intervenção do Tribunal da Relação do Porto, malgrado o acórdão proferido em 09.01.2020, o ritmo processual não acelerou, tendo sido necessário esperar quase dois anos, concretamente 1 ano, 10 meses e 7 dias para a prolação de uma decisão, contida em 8 linhas e sem fundamentação.
BB - O tempo decorrido e a não decisão de uma questão, legalmente qualificada como sendo de conhecimento oficioso, como o a invocada excepção dilatória inominada (vide art.º 196º, 577º e 578º, todos do Cód de Proc. Civil), constituem uma autêntica denegação de justiça e assim uma violação do princípio e do direito da tutela jurisdiconal efectiva, constitucionalmente consagrada no seu art.º 20º e no art.º 10º da DUDH, o que aqui fica expressamente arguido para os devidos efeitos legais.» (sic)
Pretende que seja revogada a decisão e que se dê como provado que “o(s) executado(s) não foi incluído no PERSI, o que era legalmente obrigatório, e, em consequência, seja declarada procedente a excepção processual dilatória inominada de “falta de condição objectiva de procedibilidade” e consequentemente seja o executado absolvido da instância e seja declarada extinta a execução com as legais consequências, nomeadamente ser ordenado ao exequente o levantamento das penhoras e a restituição imediata ao executado de todos os bens penhorados e alienados no âmbito dos presentes autos”.
*
A exequente respondeu em contra-alegações que sintetizou assim:
«A. O presente Recurso tem por objeto a decisão proferida no douto despacho proferido nos autos em 16-11-2021, que julgou improcedente a alegada exceção inominada de falta de condição de procedibilidade face à não implementação do PERSI (Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro) e que determina a inexistência, à data do incumprimento, de legislação que obrigasse o credor a integrar o devedor em Plano Especial de Regularização Extrajudicial de Regularização de dívidas.
B. Constitui título executivo na ação executiva uma escritura pública datada de 22-11-2005.
C. Resulta do Documento Complementar anexo à escritura e que, da mesma, faz parte integrante, que a hipoteca poderá ser executada se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas.
D. O Banco reserva-se no direito de considerar vencido todo o empréstimo, tornando-se imediatamente exigível toda a dívida.
E. Os mutuários, em 25-09-2011, deixaram de pagar as prestações convencionadas, tal como o próprio Recorrente admite.
F. Incumprida a prestação, todas as outras se venceram também, entrando os mutuários em mora sem necessidade de qualquer interpelação.
G. Ao abrigo da liberdade contratual que a lei lhes faculta, as partes dispensaram a realização de qualquer interpelação como condição do vencimento da totalidade do crédito e da respetiva constituição em mora.
H. Por via do convencionado entre as partes, o incumprimento tornou-se definitivo, em setembro de 2011, uma vez que, com a mora, venceram-se automaticamente todas as prestações.
I. Face ao incumprimento e face à frustração das negociações encetadas, o Banco, tal como havia convencionado no contrato que constitui título executivo da ação executiva, resolveu unilateralmente o contrato, considerando vencido todo o empréstimo, tornando-o imediatamente exigível e executou a hipoteca.
J. O Decreto-Lei n.º 227/2012, que entrou em vigor em 01-01-2013, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
K. Provada está a data do incumprimento, em 25-09-2011, bem como o conhecimento do Recorrente.
L. Face ao incumprimento definitivo, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, em janeiro de 2013, e mais de um ano após o incumprimento, os “clientes bancários” já há muito que não se encontravam em mora.
M. Tendo-se verificado o incumprimento definitivo, por via do convencionado no contrato executado, não havia já qualquer contrato de crédito em vigor.
N. Não havia qualquer obrigação de integrar o Recorrente em PERSI.
O. Apesar do Banco não estar obrigado a integrar os mutuários no âmbito do PERSI, o Banco trocou comunicações com os mutuários a respeito do incumprimento, para eventual regularização.
P. O Recorrente não comprovou ter capacidade financeira para suportar os encargos relativos ao pagamento do remanescente em dívida e o próprio apontou essas dificuldades financeiras nas missivas que remeteu ao Banco.
Q. Assim, ainda que os mutuários não tivessem sido formalmente integrados no PERSI, tal “não lhes retirou direitos, nem lhes reduziu expectativas legítimas, posto que a ação executiva só foi instaurada depois de gorada a concretização da solução negociada por razoes só àqueles imputáveis” (cfr. mencionado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-02-2017, Processo n.º 194/13.5TBCMN-AGl.S1, disponível em www.dgsi.pt).
R. A mesma orientação segue também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-02- 2019, Processo n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “…sob pena de se incorrer em abuso de direito, não faria sentido que, bem mais de um ano depois do início do incumprimento e depois de terem estado em curso negociações, sem sucesso (de parte a parte), fosse exigível à exequente a integração formal dos executados no regime do PERSI”.
S. Assim, não há lugar à integração do Recorrente no PERSI, na medida em que a mora resultante do incumprimento se iniciara há mais de um ano e na medida em que tal incumprimento implicaria que o contrato em causa já não estava em vigor.
T. Os impedimentos elencados no n.º 1 do art. 18.º não são aplicáveis, uma vez que, não estando já em vigor o contrato e não havendo obrigação de implementar tal procedimento, o período referido nunca existiu.
U. A Recorrida é cessionária do Primitivo Exequente, BANCO ..., S.A., relativamente ao crédito peticionado no âmbito da execução (remanescente do crédito hipotecário) e, como tal, foi devidamente habilitada nos autos sem que tenha sido deduzida contestação.
V. A Recorrida não está habilitada a efetuar operações de crédito em Portugal, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e, como tal, não está obrigada a aplicar o regime previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012 (n.º 3 do art. 1.º).
W. O Recorrente não pode invocar perante a Recorrida, cessionária, a falta de integração no PERSI.
X. O Recorrente pretende que seja a exceção dilatória inominada de falta de condição objetiva de procedibilidade declarada procedente e, consequentemente, seja absolvido da instância, declarando-se extinta a execução e procedendo-se ao levantamento das penhoras e a restituição imediata ao Recorrente de todos os bens penhorados e alienados no âmbito da execução.
Y. O Recorrente confessou a dívida.
Z. Por isso, o pedido formulado pelo Recorrente não passa de uma tentativa desesperada de se desvincular das obrigações válida e conscientemente assumidas perante o Banco.
AA. Sendo uma decisão de caráter formal, e não uma decisão de mérito, a absolvição da instância não impediria que o Banco, enquanto instituição de crédito abrangida pelo regime do PERSI, e depois de cumprido o PERSI, instaurasse uma nova ação executiva contra o Recorrente.
BB. Todavia, essa situação já não se pode ponderar, uma vez que a atual credora é a Recorrida, cessionária, não abrangida pelo âmbito de aplicação do PERSI.
CC. A hipótese formulada traduzir-se-ia numa séria violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, uma vez que a Recorrida adquiriu legitimamente o crédito em causa, confiou no negócio jurídico celebrado, cumpriu todas as exigências legais previstas no ordenamento jurídico e não pode ser grave e irremediavelmente prejudicada devido à aplicação de um regime ao qual não está sequer abrangida.
DD. Por isso, ainda que se determinasse a extinção da execução, continuaria o Recorrente a não ser integrado no PERSI.
EE. Persistindo a dívida, a extinção da execução e o não aproveitamento dos atos praticados, só beneficiaria ilicitamente o Recorrente, cujo o único desígnio é declinar uma dívida que já admitiu ser sua, mas que não pretende liquidar.» (sic)
Defendeu, deste modo, a improcedência do recurso e a confirmação da decisão recorrida, devendo a execução prosseguir os seus termos normais.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso e não estiver já decidido com trânsito em julgado --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação do executado (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil[2]).

Atentas as referidas conclusões, estão para decidir as seguintes questões, a saber:
1. Nulidade da decisão;
2. A obrigatoriedade de integração do crédito exequendo no PERSI e a extinção da execução por verificação da exceção dilatória inominada invocada pelo executado;
3. Incumprimento pelo tribunal a quo do acórdão da Relação proferido em 9.1.2020;
4. Inconstitucionalidade pelo tempo decorrido sem decisão da questão relativa à obrigatoriedade da submissão do crédito da exequente no PERSI.
*
III.
Já no acórdão de 20.1.2020 se considerou:
Os factos mais relevantes são de índole processual e os que fundamentam o requerimento executivo inicial que aqui se transcreve:
«1. Como é do conhecimento da generalidade das pessoas normalmente informadas, o Exequente é uma empresa que exerce a actividade bancária.
2. No exercício dessa actividade e a pedido do(s) Executado(s), o Exequente celebrou com ele (s) a(s) ESCRITURA(S) DE MÚTUO COM HIPOTECA- cfr. doc 1 que se junta, incluindo os documentos complementares que delas fazem parte, e que se dão (como os demais) por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
3. Assim, porque a enorme maioria dos factos constitutivos do direito do Exequente constam do (s) título(s) executivo(s), ficam os mesmos desta forma alegados (por integral reprodução), nos termos do art. 724º.1.e) do CPC [designadamente, capital(is) mutuado(s), número de prestações mensais (através das quais o(s) capital(is) mutuado(s), bem como os respectivos juros, haveriam de ser pagos), datas da(s) 1ª(s) e das restantes prestações, juros remuneratórios e moratórios (em caso de incumprimento ou atraso no pagamento) e valores das despesas emergentes dos contratos].
4. Ora, o(s) Executado(s)/Mutuário(s) deixou(aram) de pagar as prestações convencionadas na(s) data(s) identificada como “DT.DEVIDA” e constante(s) do(s) doc 2 que se junta(m), o que implicou a resolução do(s) Contrato(s) de Mútuo, sendo devido o pagamento da totalidade do(s) empréstimo(s), o que deriva do art. 781.º do CC (e do teor dos documentos complementares das Escrituras).
5. Ficaram, assim, em dívida, de capital, a(s) quantia(s) constante(s) do(s) mesmo(s) doc. 2 identificada(s) como “MTE ACT”, sobre a(s) qual(is) incidem os juros remuneratórios e moratórios constantes do item “Liquidação da Obrigação”, integrante desta peça processual.
6. Importa acrescentar que, como garantia de todas as responsabilidades assumidas neste(s) Contrato(s) de Mútuo, foi(ram) constituída(s) uma (duas) hipoteca(s) [devidamente registada(s) na Conservatória do Registo Predial] a favor do agora Exequente sobre o imóvel bem identificado na(s) respectiva(s) Escritura(s) Pública(s).
7. Dado tratar-se de uma execução hipotecária sobre bem do(s) Executado(s), O EXEQUENTE REQUER A APLICAÇÃO DO ART. 752º.1 do CPC, OU SEJA, A PENHORA DEVE INCIDIR SOBRE O IMÓVEL HIPOTECADO.
(…)»
Quanto aos factos de natureza processual, diretamente resultantes dos autos, serão citados e atendidos na medida em que forem relevantes para fundamentação da decisão, aquando da discussão de cada uma das questões suscitadas.
*
IV.
Nulidade da decisão recorrida
Alega o recorrente que ocorre nulidade nos termos do art.º 195º do Código de Processo Civil, por a 1ª instância não ter apurado, na decisão recorrida, a data da resolução contratual, não sendo possível, por isso, saber qual foi o momento da cessação do contrato, o que era essencial à determinação da aplicabilidade do PERSI, como decorre do acórdão da Relação já proferido nos autos. Diz ainda que tal falta constitui omissão de pronúncia.
O referido acórdão da Relação anulou a decisão que havia sido proferida e determinou que a 1ª instância convidasse a exequente “a completar a alegação da causa de pedir da execução e a juntar meios de prova (…), e só posteriormente profira decisão relativa à aplicação ao caso do PERSI, com as necessárias consequências, nomeadamente quanto à manutenção ou à extinção da execução”.
Dos fundamentos do acórdão resulta a necessidade de produção de “prova suplementar quanto às datas do incumprimento da obrigação contratual dos mutuários, da resolução do contrato de mútuo e do eventual cumprimento, por parte da exequente, do procedimento extrajudicial, que no Decreto-lei nº 227/2012 é exigido, de integração do cliente bancário no PERSI e até da eventual extinção do mesmo, para depois retirar as necessárias consequências relativamente à manutenção ou à extinção da execução”.
A 1ª instância deu cumprimento à determinação do acórdão, convidando a exequente, por despacho de 27.2.2020, “a completar a alegação da causa de pedir da execução e a juntar os respetivos meios de prova”.
A partir daí, foram praticados vários atos processuais, designadamente a junção, a 29.1.2020 (e novamente em 3.9.2021) de quatro cartas no sentido de comprovar que o incumprimento ocorreu no dia 25.9.2011, assim, antes da entrada em vigor do PERSI e da cessão do crédito exequendo a favor da exequente habilitada.
Tendo sido cumprida a determinação do acórdão, as partes juntaram os meios de prova que tiverem por pertinentes, cumprindo ao tribunal proferir nova decisão, sendo esta a decisão recorrida.
Não ocorre omissão da prática de qualquer ato ou formalidade do processo que devesse ser praticado. Como tal, não foi cometida nulidade processual ao abrigo do invocado art.º 195º do Código de Processo Civil.
Todavia, poderemos estar perante uma nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, nos termos dos art.ºs 613º, nº 3 e 615º, nº 1, al. d), do mesmo código.
Esta norma está em correlação com o art.º 608º, nº 2, do Código de Processo Civil. O juiz tem que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de omissão de pronúncia. Além dessas só aprecia e decide aquelas cujo conhecimento a lei lhe imponha ou permita.
A nulidade invocada há de resultar da violação do referido dever.
Não confundamos questões com factos, ou com argumentos e considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir[3]. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.[4] O facto material é um elemento para a solução da questão; não é a própria questão.
Já Alberto dos Reis ensinava[5] que “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”; o mesmo seria dizer que haveria igualmente nulidade não conhecendo de questão que deveria conhecer.
Os factos não constituem, pois, a questão cujo conhecimento fosse imposto ao tribunal e, não estando também o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a sua procedência, o facto de não lhes fazer referência --- eventualmente porque não considerou tais factos relevantes no tratamento da questão --- não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Com ou sem os factos que a recorrente possa ter por relevantes para a decisão da causa, com ou sem apelo a determinados argumentos utlizados pelas partes nos seus requerimentos, o tribunal não omitiu o tratamento e a solução da questão suscitada, atento fundamento e a pretensão executiva, e decidiu que o incumprimento dos executados ocorreu antes da entrada em vigor do Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro que, por isso, não é aplicável ao caso, não ocorrendo qualquer exceção dilatória inominada que devesse ser apreciada, indeferindo a pretensão do executado de que se julgasse extinta a execução. É o que resulta da decisão recorrida. E fê-lo considerando também os novos elementos de prova trazidos aos autos por determinação judicial na sequência do acórdão da Relação de Lisboa de 9.1.2020.
A questão foi decidida, não relevando, para o efeito da nulidade invocada, se a decisão está ou não correta.
Improcede a nulidade por omissão de pronúncia.

Alega ainda o recorrente que o despacho recorrido não cumpre as exigências jus-constitucionais de fundamentação de uma decisão judicial, porque não discrimina os factos provados e não provados, não enuncia os fundamentos e as provas da decisão em matéria de facto, nem os motivos do sentido da sua decisão.
Vejamos.
O art.º 205º, nº 1, da Constituição da República, determina que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, assim remetendo para a lei ordinária a sua conformação.
Segundo o art.º 154º, nº 1, do Código de Processo Civil, “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
Não existe, assim, um modelo único de fundamentação, mas várias orientações que variam consoante se trate de um decisão interlocutória ou final, de uma decisão revestida de simplicidade, ainda quando haja indícios de que a parte contrária ao requerimento não se opõe a ele ou quando a falta de oposição tem uma cominação legal que dispensa a fundamentação.
Desde logo o nº 2 daquela rtigo alivia o dever de fundamentação e permite que esta se faça por simples remissão para os fundamentos do requerimento ou da oposição quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido ou o caso seja de manifesta simplicidade.
A falta de contestação, no processo comum, pode conduzir à confissão dos factos articulados pelo autor (art.º 567º, nº 1, do Código de Processo Civil), e a sentença pode limitar-se à parte decisória, com fundamentação sumária do julgado se a resolução da causa se revestir de manifesta simplicidade (nº 3 daquele normativo).
Também para os tribunais superiores, quando as questões a decidir sejam simples ou quando o recurso é manifestamente infundado, a norma do art.º 656º do Código de Processo Civil faculta a prolação de uma decisão liminar, singular e sumária que pode até consistir em simples remissão para decisões anteriormente proferidas sobre a mesma questão. Norma de teor semelhante permite ao coletivo que o acórdão se limite “à parte decisória, precedida da fundamentação sumária do julgado, ou, quando a questão já tenha sido jurisdicionalmente apreciada, remeter para precedente acórdão, de que junte cópia”.
Sendo a sentença o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa (art.º 152º, nº 2, do Código de Processo Civil), compreende-se que para ela (e para os acórdãos, sendo estes as sentenças proferidas por tribunais colegiais – nº 3 do mesmo artigo) a lei do processo seja mais exigente, como atestam os art.ºs 607º e 663º, nºs 2 a 7, daquela mesma lei processual.
É pela devida fundamentação que a sentença se liberta do arbítrio e se mune de clareza e racionalidade, tornando-se um ato inteligível e compreensível, designadamente para efeito do exercício de direitos pelas partes, em que se inclui o direito ao recurso ou à impugnação da decisão. A sentença não pode ser um ato tabular, impondo-se um exame efetivo de argumentos invocados, mas os que sejam considerados pertinente e essenciais, na medida em que sejam necessários para a decisão de cada questão, ou seja, para a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional.
A profundidade e o nível de motivação varia em função das questões suscitadas e decidias, da sua natureza, complexidade e circunstâncias de cada caso.
O Tribunal Constitucional tem efetuado uma leitura similar do dever de fundamentação, entendendo que esta injunção constitucional cumpre essencialmente duas funções. A primeira é de ordem endoprocessual, mediante uma avaliação propedêutica e de autocontrolo crítico da lógica decisória por parte do julgador (i), permitindo que as partes conheçam a racionalidade dessa decisão (ii) colocando, eventualmente, o tribunal de recurso na melhor posição para, em termos mais seguros, exprimir um juízo decisório concordante ou divergente. A segunda é de ordem extraprocessual, possibilitando à comunidade um controlo externo e geral sobre a fundamentação decisória, tanto factual, como jurídica, garantindo, desse modo, a transparência do processo e das decisões judiciais[6].
O despacho recorrido não é uma sentença em sentido próprio, não se lhe impondo o grau de exigência da estrutura complexa da fundamentação da sentença, com identificação das partes, indicação do objeto do litígio, enunciação das questões a resolver, discriminação de factos provados e não provados e análise crítica das provas (citado art.º 607º).
Pode defender-se, com alguma pertinência, que ainda assim, deveria ter uma fundamentação mais incisiva e completa por implicar uma questão determinante da manutenção ou extinção da execução, não sendo uma decisão de somenos importância. Trata-se, no entanto, de uma questão de Direito, cuja decisão implica exclusivamente a ponderação de factos de índole processual e documentos constantes dos autos, perfeitamente ao alcance de todos os intervenientes. Ainda que com singeleza e extrema concisão, o tribunal a quo deixou transparecer suficientemente os motivos pelos quais entendeu encontrar-se o crédito da exequente fora do âmbito de aplicação do PERSI. Embora sem qualquer alusão ao momento da resolução do contrato, o tribunal considerou relevante o seu incumprimento definitivo, situando-o no ano de 2011, face a uma alegação do exequente, julgando, por isso, inaplicável ao caso, o regime do PERSI, aprovado pelo Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro.
A argumentação utilizada na decisão, em conjugação com os referidos elementos processuais, a que não é alheio o acórdão da Relação já proferido nos autos e os seus fundamentos, permitiu à exequente e aos executados compreender adequadamente a decisão e fundamentar o recurso que foi interposto pelo executado BB.
Assim, considerando as circunstâncias do caso, a decisão recorrida cumpre minimente o critério constitucional da fundamentação da decisão, e também não é nula à luz do art.º 615º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, porquanto não está desprovida de explicação da razão pela qual o tribunal decidiu naquele sentido e só a falta absoluta de fundamentação poderia justificar a sua invalidade.
Uma errada, insuficiente ou incompleta fundamentação não afeta o valor legal da decisão.[7]
Improcede, assim, a questão da inconstitucionalidade/nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia e falta/insuficiência de fundamentação.
*
2. A obrigatoriedade de integração do crédito exequendo no PERSI e a extinção da execução por verificação da exceção dilatória inominada invocada pelo executado
Tem vindo a defender o executado, desta feita, mais uma vez, na apelação sob apreciação, que o Banco ... não podia ter intentado a execução dos autos, estando a mesma a ser tramitada ilegalmente, em violação dos art.ºs 12º e seg.s e art.º 18º do Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro, uma vez que, quando este diploma entrou em vigor, a 1 de janeiro de 2012, o contrato de crédito que está na base da execução ainda se encontrava em vigor, por não ter sido resolvido anteriormente, sendo que o exequente nunca provou quando procedeu àquele modo de extinção contratual.
Considerou que, tendo o Banco instaurado a execução a 19.10.2014, já em plena vigência do PERSI, sem que anteriormente tivesse resolvido o contrato, a execução não pode prosseguir, por falta de condição de procedibilidade.
Em contra-alegações, defendeu a exequente que “resulta do Documento Complementar anexo à escritura e que, da mesma, faz parte integrante, que a hipoteca poderá ser executada se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas”. Daí que, ao terem deixado de pagar as prestações convencionadas no dia 25.9.2011, tendo-se vencido todas as restantes, não havia necessidade de interpelação para que o incumprimento se tornasse definitivo, facto bastante para se ter o contrato por resolvido e justificada a não inclusão no PERSI, por ser anterior ao início da sua vigência.
Vejamos!
No acórdão que proferimos em janeiro de 2020, fez-se constar o seguinte:
«O Decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e Regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), face à crise económica e financeira que se fazia sentir e a necessidade daí emergente de uma atuação prudente, correta e transparente por parte das instituições de crédito relativamente aos clientes suscetíveis de serem qualificados como consumidores na aceção da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de Julho, relativamente aos quais se verificou um generalizado incumprimento dos contratos que envolviam a concessão de crédito. Visou-se salvaguardar a posição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente, numa época de acentuada crise económica e financeira.
Foi assim instituído um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, se destinaram à prevenção do incumprimento e, bem assim, à regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelassem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as dificuldades económicas.
Em concreto, prevê-se ali que cada instituição de crédito crie um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), fixando, com base neste diploma, procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a deteção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e que, por outro lado, promovam a adoção célere de medidas suscetíveis de prevenir o referido incumprimento.
Já com o PERSI, as instituições de crédito ficaram obrigadas a aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento já registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.[8]
No que aqui poderá relevar, o referido decreto-lei estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos seguintes contratos de crédito com eles celebrados (art.ºs 1º, nº 1, al. b) e art.º 2º, nº 1, do Decreto-lei nº 227/2012):
a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
Nos termos do respetivo art.º 40º, o referido diploma legal entrou em vigor no dia 1.1.2013, dispondo o precedente art.º 39º que “são automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias”. É, pois, imprescindível à integração (automática) no PERSI que os contratos estejam em vigor.
Resulta do requerimento executivo e dos documentos que o acompanham que a exequente, Banco ..., S.A., é uma instituição de crédito, que concedeu crédito aos executados no exercício da sua atividade, através de um contrato de mútuo, garantido por hipoteca voluntária, celebrado em 22 de novembro de 2005, com vista ao pagamento do preço da aquisição (€ 122.500,00), pelos executados, de uma fração autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal destina à sua habitação própria e permanente.
Já quanto ao vencimento da obrigação em causa, alega a exequente no requerimento inicial que ela resulta da resolução do contrato de mútuo, por terem os mutuários deixado de pagar as prestações convencionadas na data identificada como “DT.DEVIDA” “e constante(s) do(s) doc 2 que se junta(m), o que implicou a resolução do(s) Contrato(s) de Mútuo, sendo devido o pagamento da totalidade do(s) empréstimo(s), o que deriva do art. 781.º do CC (e do teor dos documentos complementares das Escrituras)”.
(…)
Assim, dependendo das datas, que em rigor desconhecemos, a exequente pode ter resolvido o contrato antes (ou depois) do dever legal de levar a cabo o indispensável Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento. Para efeitos da integração automática do caso no PERSI, é necessário esclarecer se os executados estavam em mora relativamente ao pagamento das prestações contratuais de cumprimento do mútuo, com o contrato em vigor (dependendo o regime aplicável de o vencimento das obrigações em causa ter ocorrido há mais ou há menos de 30 dias) aquando do início de vigência do PERSI, em 1 de janeiro de 2013.
A resolução do contrato (art.ºs 432º e seg.s do Código Civil) “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado”[9].
A resolução contratual é, pois, uma das vias previstas na lei ou no contrato para a extinção de uma relação jurídica validamente constituída. Consiste no ato de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não houvesse sido celebrado.[10]
Sem conhecermos a data em que teve lugar a resolução contratual não é possível saber se a relação contratual do mútuo se mantinha, ou seja, se o contrato se encontrava ainda em vigor (ou, pelo contrário, já extinto), quando foi chegado o momento de se ter por automaticamente integrado no PERSI e sujeito às disposições do Decreto-lei nº 227/2012. É indispensável e também é possível conhecer essa data, assim como a data em que se iniciou o incumprimento contratual pelos mutuários.
(…)
Assim e ao abrigo do que mais dispõem os art.ºs 2º, nº 1, al.s a) e b) e 3º do Decreto-lei nº 227/2012, não é, ao menos de momento, de excluir o contrato e o seu incumprimento do âmbito de aplicação do PERSI.
(…)
Também o acórdão da Relação de Évora de 6.10.2016 aponta naquele sentido quando ali se faz constar que “a integração do cliente bancário (…) no PERSI, aprovado pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, pelo que a acção executiva só pode ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento”, ali se defendendo tratar-se “de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias”.
Já no acórdão desta Relação do Porto de 30.5.2018 (inédito)[11], se seguiu nesta senda, com esta argumentação:
Julgamos que é esse o enquadramento correcto a dar ao estabelecimento daquela condição prévia ao recurso à via judicial no aludido artigo 18º, excepção dilatória inominada que, como previsto no artigo 576º, nº 2, do Código de Processo Civil, «obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância».
Ora, as excepções dilatórias são de conhecimento oficioso - artigo 578º do CPC. Sendo certo que, por esse motivo e como bem se esclarece no preceito do artigo 573º, nº 2, in fine, do mesmo código, a sua arguição em termos de defesa não está circunscrita a um momento próprio.
No caso em apreço, o executado veio suscitar a questão. O que, como visto e ao contrário do entendimento plasmado na decisão recorrida, não tinha necessariamente de ocorrer por via de embargos de executado.
(…).
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.2.2017[12] parece apontar também esta solução.
(…)
O que se evidencia é que a causa de pedir carece de ser completada, aperfeiçoada, nos termos que deixámos descritos nos fundamentos que utilizámos também ao conhecer da questão nº 1. Sem esse aperfeiçoamento --- admissível nos termos adaptados dos art.ºs 551º e 590º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil, não é possível decidir sobre a verificação da referida condição objetiva de procedibilidade, enquadrada com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias, do conhecimento oficioso (art.ºs 576º, nº 1 e 2, 577º (corpo) e 578º do Código de Processo Civil).
(…).»
Determinou-se ali, como vimos já, que o tribunal a quo diligenciasse pela obtenção de prova suplementar a fim de apurar as datas do incumprimento da obrigação contratual dos mutuários e da invocada resolução do contrato de mútuo e do eventual cumprimento, pela exequente, do procedimento extrajudicial relativo ao PERSI e a té da eventual extinção do mesmo, para depois retirar as necessárias consequências relativamente à manutenção ou à extinção da execução.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2019[13], “a exigência de integração dos clientes bancários, em situação de mora há mais de um ano, à data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, de 25-10, no regime de regularização (PERSI) ali estabelecido, depende, nos termos do respetivo art. 39.º, da vigência dos contratos de crédito – o que não ocorre se estes entretanto já tiverem sido objeto de resolução com fundamento no incumprimento”.
A tese de que a preterição do PERSI pela instauração da execução constitui uma exceção dilatória inominada ou atípica, do conhecimento oficioso, determinante da absolvição a instância, com a consequente extinção da execução, tem sido sufragada na generalidade da mais recente jurisprudência, como se extrai do acórdão da Relação de Lisboa de 29.9.2020[14].
Recolhidos os novos elementos para o processo, designadamente as cartas expedidas pelo Banco ... para notificação aos executados, juntas pelo requerimento de 29.1.2020 (e 3.9.2021) impunha-se, in casu, apurar se chegaram ao conhecimento do executado recorrente, se, na falta de prova da receção, se deverão considerar recebidas (nos termos do art.º 224º, nºs 1 e 2, do Código Civil) e se, em qualquer caso, ocorre a referida falta de condição de procedibilidade, obstativa da instauração da execução, por preterição do PERSI.
No entanto, a Relação não pode deixar de ponderar aqui
Verifica-se, no entanto, que determinados factos processuais podem impedir a Relação de conhecer daquela exceção dilatória.
É o que vamos ver.
Por beneficiar de garantia de hipoteca, a exequente pediu logo no requerimento executivo a penhora do imóvel hipotecado.
O agente de execução prosseguiu nas diligências necessárias à penhora e à venda do imóvel.
Pelo auto de abertura de propostas de 18.11.2015, consta-se que a exequente se propôs adquirir a fração autónoma hipotecada e que, por despacho proferido em ata, foi declarada aceite a sua proposta, dispensando-se a adquirente do depósito do preço, ao abrigo do art.º 815º, nº 1, do Código de Processo Civil e do pagamento do IMT de harmonia com o nº 1 do art.º 8º do CIMT, devendo, no entanto, proceder ao depósito das despesas prováveis do processo.
Em 11.12.2015 tal depósito mostrou-se efetuado.
Para além da transmissão deste bem para a primitiva exequente, emerge diretamente dos autos que têm vindo a ser penhorados vários créditos do executado, cujo produto tem sido transferido para a exequente.
Ora, não podemos olvidar o disposto no art.º 734º, nº 1, do Código de Processo Civil, segundo o qual, “o juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.°, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
Uma daquelas questões é a ocorrência de exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso.
É o caso da exceção sob apreciação, de preterição de sujeição ao PERSI, enquanto condição de procedibilidade. Sendo do conhecimento oficioso, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do art.º 573º que descarta a regra geral da aplicação do princípio da preclusão.
O regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no art.º 578º do Código de Processo Civil, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso.[15]
Se é verdade, na nossa perspetiva, que o tribunal poderia conhecer (oficiosamente) da exceção dilatória mesmo depois do decurso do prazo de dedução de embargos de executado e ainda que não tivesse sido ali invocada, não é menos certo que, ao abrigo do referido art.º 734º, nº 1, jamais o poderia fazer depois do primeiro ato de transmissão de bens penhorados praticado no processo.
Nesse momento ocorre preclusão do conhecimento das exceções dilatórias não supríveis, de conhecimento oficioso, como é o caso da preterição do PERSI pela execução.
Esta solução encontra justificação no facto de não haver uma fase de saneamento no processo executivo e ser necessário limitar o efeito preclusivo emergente não só do não conhecimento pelo juiz de certa questão, em sede liminar, mas também da não dedução de oposição pelo executado, quando a instância executiva é fatalmente irregular ou a obrigação exequenda é manifestamente inexistente.[16]
Neste caso concreto iniciaram-se e foram até concluídos atos de transmissão no ano de 2015.
Não olvidamos que, logo na sua primeira intervenção, em 8.4.2015, o executado dirigiu ao processo um requerimento onde invocou a preterição indevida do PERSI. Porém, tal requerimento mereceu a seguinte decisão, em 13.4.2015:
«(…)
Fls. 59 e ss.:
Notifique o executado para, em 10 dias, constituir advogado, sob pena de ficar sem efeito o requerimento – arts. 58º nº1 e 41º do Código de Processo Civil.
Porto, d.s., 12:16:53»
O executado juntou procuração forense em 27.4.2017 e requerimento assinado por advogado constituído onde se voltou a defender a preterição do PERSI, na sequência do que, o tribunal proferiu o seguinte despacho, que transitou em julgado:
«Fls. 59 e ss. e 73:
Os factos invocados pelo executado apenas podem constituir fundamento de embargos de executado (cfr. arts. 728º e ss. do Código de Processo Civil) e não de qualquer incidente autónomo.
De qualquer forma, e ainda que de incidente se tratasse, sempre seria devida a respectiva taxa de justiça (cfr. art. 7º nº4, com referência à Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais).
Deste modo, nos termos do art. 559º do Código de Processo Civil, confirmo o não recebimento do expediente apresentado pelo executado.
Notifique.
Porto, d.s., 11:31:56»
Assim, quer o requerimento primitivo quer o requerimento pelo qual foi junta a procuração e novamente suscitada a preterição do PERSI não produziram efeito no processo enquanto exceção dilatória.
Quando, por requerimento de 8.10.2018, o novo advogado constituído pelo executado, subscreveu o requerimento por este assinado e apresentado em Juízo no dia 2.7.2018, arguindo nulidade processual consubstanciada na falta de implementação de PERSI pela exequente, já anteriormente, em 2015, se haviam iniciado e até concluído os atos de transmissão da fração autónoma hipotecada a favor da exequente primitiva e adjudicatária. Por tal razão, nos citados termos do art.º 734º, nº 1, do Código de Processo Civil, estava já vedado ao tribunal apreciar, mesmo oficiosamente, a exceção dilatória inominada em causa, impedimento que, dada a preclusão excecional ditada por aquela norma, obviamente, se mantém.
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A questão do incumprimento pelo tribunal a quo do acórdão da Relação proferido em 9.1.2020 (questão nº 3) já foi abordada, nomeadamente no âmbito da apreciação da questão nº 1, relativa às nulidades invocadas.
A suscitada inconstitucionalidade (questão nº 4) foi, ao menos parcialmente, conhecida no referido acórdão da Relação --- demora na decisão da questão da submissão do crédito exequendo ao PERSI ---, não se vislumbrando agora também efetiva desobediência da 1ª instância àquela decisão deste Tribunal Superior, que possa justificar qualquer inconstitucionalidade, nem qualquer objetivo que o recorrente prossiga com o recurso que não seja a apreciação e decisão daquela questão essencial da aplicação ao caso do PERSI.
Com efeito, nada mais há a decidir nesta apelação, devendo a mesma ser julgada improcedente.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação do Porto em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida, devendo a execução prosseguir a sua normal tramitação.

Custas da apelação a cargo do executado recorrente, por nela ter decaído totalmente, sem prejuízo da taxa de justiça paga pela sua interposição (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Porto, 10 de março de 2022
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento.
[2] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[3] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 58
[4] Acórdão da Relação de Coimbra de 21.3.2006, proc. 4294/05, in www.dgsi.pt.
[5] Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 145.
[6] (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 55/85, 360/95, 135/99, 408/2007, in www.tribunalconstitucional.pt.
[7] Cf., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2004 e de 10.4.2008, o acórdão da Relação de Lisboa de 17.1.1999, BMJ 489/396. Cf. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2000, de 26.2.2004, de 12.5.2005 e de 10.7.2008, o primeiro in Sumários, 37º, pág. 34 e, os restantes, in www.dgsi.pt e Pais do Amaral, in Direito Processual Civil, 7ª ed., pág. 390.
[8] Assim se consignou no respetivo preâmbulo.
[9] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol, II, pág. 238.
[10] M. J. de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 1979, pág. 235.
[11] Proc. 19358/16.3T8PRT-A.P1, relatado pelo Exmo. Desembargador José Manuel Araújo de Barros, em que foi 1º adjunto o aqui relator, citando a jurisprudência enunciada.
[12] Proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[13] Proc. 144/13.9TCFUN-A.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[14] Proc. 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, in www.dgsi.pt, onde são citados outros arestos, nomeadamente os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-06-2018, proc. n.º 144/13.9TCFUN-A-2; do Tribunal da Relação de Évora de 8-03-2018, proc. 2267/15.0T8ENT-A.E1; do Supremo Tribunal de Justiça de 9-02-2017 e de 19-02-2019, proc. n.º 144/13.9TCFUN-A.L1.S1.
[15] Citado acórdão da Relação de Lisboa de 29.9.2020 e acórdão da Relação de Évora de 28.6.2018, proc. nº 2791/17.0T8STB-C.E1, ali referido.
[16] Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina 2010, 13º edição, pág.s 195 e 196.