Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4366/20.8T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO RAMOS LOPES
Descritores: ADMISSÃO DE DOCUMENTOS NA FASE DE RECURSO
PRODUÇÃO DE NOVOS MEIOS DE PROVA NA RELAÇÃO
PROVA DA FALSIDADE DA CERTIDÃO DE CITAÇÃO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
Nº do Documento: RP202205044366/20.8T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 05/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A certidão de citação elaborada por agente de execução (auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza os processos judiciais, designadamente nas citações - art. 162º, nº 1, da Lei 154/2015, de 14/09), constitui documento autêntico, legalmente revestido de força probatória plena.
II - Não permitindo o documento particular junto pelos réus em vista de demonstrar a falsidade da certidão de citação mais que um mero juízo de verosimilhança ou indiciário (uma aparência de verdade), ocorre situação de insuficiência probatória.
III. Tal insuficiência não significa ser duvidosa a prova produzida, e por isso não se trata de situação que justifique que a Relação (exercendo poderes oficiosos, ainda que sugeridos pela parte) determine a realização de novos meios de prova (art. 662º, nº 2, b) do CPC).
IV - Constatando-se que a relação material controvertida tal qual vem delineada pelas demandantes comporta duas acções, cada uma delas com diferente titular passivo (uma relativa aos réus demandados, que promoveram a realização de obras em imóvel de sua propriedade, donde resultaram danos que se pretendem ressarcidos; outra relativa à sociedade terceira, que realizou as obras em causa), conclui-se existir unicidade de relação material controvertida cuja pluralidade de sujeitos, no lado passivo, se traduz em situação litisconsorcial voluntária (nas obrigações com vários devedores, sujeitas ao regime da solidariedade - art. 497º do CC, ocorre situação de litisconsórcio voluntário, pois que o credor pode demandar apenas um ou todos eles).
V - Tal situação litisconsorcial voluntária justifica, à luz da alínea a) do nº 3 do art. 316º do CPC, a intervenção principal provocada passiva do terceiro, a chamamento dos réus.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 4366/20.8T8PRT-A.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO

Réus/apelantes: AA e BB.
Autoras/apeladas: CC e DD.
Juízo local cível do Porto (lugar de provimento de Juiz 4) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
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Intentaram CC e DD a presente acção contra AA e BB, pedindo a sua condenação i) a pagar-lhes a quantia de 6.088,50€ correspondente ao custo de reparação dos defeitos causados na fração das autoras referidos na petição inicial, e ii) a pagar à autora CC uma compensação por danos não patrimoniais no valor de 1.000,00€ e, subsidiariamente, iii) a proceder, em trinta dias, às reparações necessárias à eliminação dos defeitos causados na sua (autoras) fração, repondo-a no estado em que se encontrava antes das obras realizadas (e ainda a pagar à primeira autora compensação por danos não patrimoniais no valor de 1.000,00€).
Alegam, em resumo, ser proprietárias de fracção autónoma que identificam, na qual reside a primeira autora, situada em piso inferior de fracção de que são proprietários os réus e na qual realizaram obras de remodelação (para o que recorreram aos serviços da sociedade
P... Unipessoal, Lda.), causa directa de danos na fracção das autoras e de danos não patrimoniais à primeira autora.
Frustrada a citação postal, foi proferido despacho ordenando a citação dos réus por contacto pessoal de agente de execução.
Citada a ré AA, fez o agente de execução juntar aos autos certidão dando nota de que pelas 11:00 horas do dia 6/04/2021, na Travessa ..., Braga, procedera à citação do réu (que habitava nessa morada, juntamente com a mãe), que recusou receber ou assinar a certidão (sendo informado de que a nota de citação e os documentos ficavam à sua disposição na secretaria judicial e no escritório do agente de execução).
Cumprido o disposto no nº 5 do art. 231º do CPC, apresentaram-se os réus a contestar, logo arguindo a falta de citação do réu BB, nos termos do art. 188, e) do CPC, alegando não ser verdade ter sido contactado pelo agente de execução, no dia e hora por este referidos (não se tendo, pois, recusado a receber ou assinar a certidão), pois que nesse dia e hora se encontrava em viagem de comboio entre Lisboa e Porto.
Alegando que as obras realizadas na sua fracção (e que as autoras invocam ser causa dos alegados danos) foram executadas pela sociedade P... Unipessoal, Lda., requerem a intervenção principal provocada desta sociedade, nos termos dos arts. 311º, 316º e 317º do CPC, argumentando que a mesma é parte na relação material controvertida tal qual configurada na petição, tendo um interesse directo, paralelo ao dos réus, ponderando que a responsabilidade dos réus e da terceira (a verificaram-se os pressupostos alegados pela autora) será solidária.
Cumprido o contraditório, foi proferido despacho que julgou improcedente a arguida falta de citação do réu e, por o considerar legalmente inadmissível, não admitiu o deduzido incidente de intervenção principal provocada.
Inconformados, apelam os réus pretendendo a revogação da decisão e, em consequência, se declare inexistente a citação do réu e se determine a sua citação (atribuindo-se aos recorrentes um prazo adicional para contestar) e bem assim se admita o incidente de intervenção principal provocada da sociedade P... Unipessoal, Lda., terminando as alegações formulando as seguintes (nada concisas) conclusões:
A. Foram os Recorrentes notificados do despacho do Tribunal que julgou improcedente a invocada falta de citação
B. Porém, não podem os Recorrentes conformar-se e aceitar a decisão do Tribunal no despacho recorrido, visto que o Tribunal se bastou com o auto de citação do Agente de Execução, acreditando “cegamente” na validade do mesmo.
Da Questão Prévia:
C. Os Recorrentes instruíram a sua Contestação com todos os documentos que tinham na sua posse e que se mostravam necessários para fazer prova do que aí alegaram.
D. Tendo, por isso, cumprido as obrigações legais.
E. Contudo, face ao conteúdo da decisão de que agora se recorre, mostra-se ser necessária
a junção e/ou obtenção de elementos provatórios.
F. Motivo pelo qual, ao abrigo do n.º 1 do artigo 651.º do CPC, requerem as Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto que admitam a junção de 4 documentos, para prova do que se alega.
G. Adicionalmente, esclarece-se ainda que se aguarda resposta da entidade Comboios de Portugal, à missiva enviada, no sentido desta entidade, sendo possível, confirmar a presença do Recorrido homem na composição do comboio que fez a viagem entre ... e ..., no dia 6 de abril de 2021, entre as 08:09 e as 11:05, conforme documento junto como Doc. n.º 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
H. Bem como, enviou essa mesma comunicação por email, conforme documento junto como Doc. n.º 2 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
I. Motivo pelo qual, se requer a V. Exas. se dignem admitir a junção da resposta da Comboios Portugal, assim que ela seja prestada.
J. Sendo que, na eventualidade de não se obter uma resposta, e em cumprimento do princípio da realização de justiça e da descoberta da verdade material, se requer a admissão da notificação pelo Tribunal daquela entidade, para vir esclarecer se: i) o Recorrido homem esteve naquela composição do comboio, e ii) se o bilhete foi devolvido ou trocado por um outro.
Da Fundamentação do Recurso
K. Ora, no dia 26/04/2021 foi entregue na morada Travessa ... Vizela, pelos serviços postais, notificação nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 231.º do CPC, conforme documento n.º 1 junto pelos Recorrentes na sua Contestação.
L. Do teor da referida notificação, lê-se que, alegadamente, “(…) o réu se recusou a assinar a certidão de citação e receber a documentação, conforme certificado pelo senhor agente de execução”, negrito nosso.
M. Porém, tal recusa nunca poderia ter acontecido, porquanto tal citação nunca aconteceu!
N. Conforme se poderá ler no auto de citação do Agente de Execução, este certifica que no dia 6 de abril de 2021, pelas 11h00, se dirigiu até à morada do Recorrente, tendo o mesmo se recusado a receber o Auto de Citação.
O. A verdade é que no dia 6 de abril de 2021, entre as 8h09 e as 11h05, o Recorrente encontrava-se em viagem de Lisboa para o Porto, não sendo, por isso, possível que este se encontrasse em Vizela a ser citado pelo Agente de Execução.
P. Ora, quando o Recorrente tomou conhecimento da carta entregue pelos CTT naquela morada, através da sua progenitora, imediatamente diligenciou para perceber o que se passava, pelo que, solicitou à sua progenitora que remetesse a carta para o seu advogado, aqui subscritor, o que fez,
Q. tendo a mesma sido rececionada a 5 de maio de 2021, conforme documento n.º 2 junto pelos Recorrentes na sua Contestação.
R. Porém, a verdade é que, nesse mesmo dia e hora, o Recorrente estava em viagem de Lisboa para o Porto, conforme documento n.º 4 junto pelos Recorrentes na sua Contestação.
S. E estando o Recorrente como já se disse, de viagem de Lisboa para o Porto, dentro de um comboio, nunca poderia estar em Vizela a ser citado pelo Agente de Execução!
T. Pelo que se concluiu que o Agente de Execução prestou falsas declarações no auto de citação.
U. Comportamento este bastante grave, visto que, praticando o Agente de Execução atos dotados de fé pública, exige-se um rigor “à prova de bala”.
V. E que poderia mesmo motivar a impossibilidade do Réu, aqui Recorrente, de exercer o seu direito de defesa.
W. E, com isso, também, o direito de defesa da Recorrente, visto que, nos termos legais, ao poder aproveitar o prazo de defesa do último Réu citado, cfr. n.º 2 do artigo 569.º do CPC, e porque juntou procuração ao processo aquando da sua citação, e estava a controlar a citação do Réu, aqui Recorrente, para poder organizar a sua defesa.
X. Até porque, nessa altura, estava na fase final de gravidez e foi uma fase, como é normal,
de mais stress e preocupações.
Y. Tendo o seu filho nascido em .../.../2021, conforme documento n.º 4, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
Z. Concluindo-se que esta ausência ou insuficiência de cumprimento de formalidades legais pelo Sr. Agente de Execução teve consequências para os Recorrentes, visto que, não puderam preparar devidamente a sua defesa.
AA. É certo que a Recorrida já tinha sido citada, e existia esse conhecimento, contudo, como já se disse, tratou-se de uma fase já avançada da gravidez e, podendo aproveitar o prazo, seria normal que o fizesse.
BB. Revoltados com toda esta situação os Recorrentes requereram que nos termos da alínea e) do artigo 188.º do CPC, fosse declarada a inexistência da citação, ordenando nova citação do Recorrente e, consequentemente, fossem declarados nulos todos os atos praticados posteriormente, nos termos do artigo 190.º do CPC.
CC. E, caso assim não se entendesse, requereram os Recorrentes, na sua Contestação, que fosse admitida a apresentação de Contestação aperfeiçoada até ao dia 04/06/2021 assegurando-se o direito de os Recorrentes prepararem condignamente o contraditório. DD. Requerendo, ainda, a devolução aos Recorrentes do valor correspondente à multa suportada!
EE. No entanto, o Tribunal a quo, como já referido, bastou-se com o certificado do agente de execução, tendo considerado que o Recorrente não logrou demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação por facto que não lhe fosse imputável,
FF. decisão esta que, com o devido respeito pelo Tribunal a quo não se compreende
GG. Porquanto a decisão do despacho recorrido não garante a descoberta da verdade, violando a garantia do cumprimento dos direitos dos aqui Recorrentes.
HH. Pelo que, decidiu mal o Tribunal a quo ao considerar que não se encontra verificada a falta de citação do Recorrente.
II. No despacho em causa decidiu, ainda, o Tribunal a quo em não admitir o incidente de intervenção principal provocada de P... Unipessoal, Lda. requerido pelos Réus, aqui Recorrentes.
JJ. E, também nesta situação, não se conformam os Recorrentes com a decisão do Tribunal.
KK. Alegam as Recorridas, na sua Petição Inicial, ainda que infundadamente, a existência de vários “defeitos” na sua fração decorrentes das obras levadas a cabo na fração dos Réus, aqui Recorrentes.
LL. Para sustentar o vertido na Petição Inicial, as Recorridas alegaram que foram utilizadas “máquinas que fizeram, literalmente, tremer a fração R” e que o empreiteiro da sociedade P..., que se encontrava a executar a obra na fração dos Recorrentes, se comprometeu a fazer as reparações necessárias, o que, desde já, se rejeita mas que por mera hipótese académica se cogita.
MM. Empresa esta não desconhecida pelas Recorridas, uma vez que estas últimas tinham perfeito conhecimento de que a mesma se encontrava a efetuar as obras na fração dos Recorrentes.
NN. E, tal assim é, que estas afirmam no artigo 6.º da sua Petição Inicial ‘Obras estas que terão estado a cargo da sociedade P... Unipessoal, Lda., com sede na Travessa ..., ...’.
OO. De resto, afirmam mesmo que se deslocaram até à fração dos Recorrentes e que conseguiram falar com o ‘empreiteiro que levava a cabo as obras de remodelação da referida sociedade P...’,
PP. e, ainda, de acordo com o vertido na Petição Inicial, o ‘empreiteiro deslocou-se diversas vezes à fração dos AA., tendo-se comprometido a fazer as reparações necessárias.’
QQ. tendo permitido, portanto, que este se deslocasse até à fração das mesmas, a fim de verificar os alegados ‘defeitos’.
RR. E alegam que o empreiteiro ter-se-á ‘comprometido a fazer as reparações necessárias’.
SS. Bem como que nas obras foram utilizadas ‘máquinas que fizeram, literalmente, tremer a fração ‘R’’.
TT. Acrescentando que ‘no decurso dessas obras, era possível sentir fortes vibrações na fração das AA. devido às máquinas usadas’.
UU. Alegam, assim, que os alegados “danos” surgem como consequência do sobredimensionamento das máquinas utilizadas na obra.
VV. No entanto, apesar de reconhecerem que as obras foram executadas por uma sociedade empreiteira e que as máquinas foram escolhidas pela própria entidade empreiteira, interpõem a presente Ação apenas contra os Recorrentes.
WW. A verdade é que os Recorrentes, para além de não terem executado as obras, também não intervieram na escolha das referidas máquinas, visto que o empreiteiro goza de autonomia técnica, visto que, não existe uma relação de subordinação ou dependência entre o dono da obra e o empreiteiro.
XX. Pelo que, naturalmente, a pessoa indicada para esclarecer sobre as máquinas utilizadas e sobre a utilização efetuada das mesmas, bem como, o modo de execução das obras será o empreiteiro e não os Recorrentes!
YY. Nestes termos, refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. n.º 173/17.3T8AVV.G1, datado de 04-04-2019 que, ‘A obrigação do empreiteiro é de resultado – execução da obra -, cumprindo-lhe executar a obra com total autonomia técnica e jurídica, por sua conta e risco, estando apenas vinculado a observar as prescrições constantes do contrato, as regras da arte ou da profissão em cujo âmbito se integra a obra e, bem assim, as disposições legais e regulamentares aplicáveis à mesma.’
ZZ. E, refere ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. n.º 989/17.0T8PTM.E1, datado de 28-02-2019, que ‘O empreiteiro não é mandatário do dono da obra, agindo, diversamente, com inteira autonomia na respectiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenha por próprias e adequadas para cumprimento da exacta prestação correspondente ao resultado contratado, sem qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência (…)’
AAA. Conclui-se que nos encontramos perante uma situação em que os ‘defeitos’ alegados surgem pela execução e por causa da execução da obra, e não, por mera ocasião desta.
BBB. Assim sendo, facilmente se concluirá que a existir ‘defeitos’, hipótese esta que se rejeita, mas que por mera tese académica se cogita, será a empresa empreiteira solidariamente responsável com os Recorrentes, pelo ressarcimento dos ‘danos’ causados, nos termos do artigo 497.º, n. º1 do CC.
CCC. Ora, nos termos do artigo 311.º do CPC, ‘Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos do artigo 32.º, 33.º e 34.º.’
DDD. Pelo que, nos termos do artigo 512.º do CC, podem as Recorridas exigir a qualquer um deles a totalidade da indemnização.
EEE. Naturalmente que, assim sendo, será do interesse da entidade empreiteira intervir na ação para dizer o que tiver por conveniente, nomeadamente, no que concerne à utilização efetuada das referidas máquinas, que os Recorrentes desconhecem,
FFF. bem como, quanto ao alegado compromisso estabelecido entre o empreiteiro e as Recorridas.
GGG. Nestes termos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 7722/17.5T8LSB-A.L1-2, datado de 24-04-2019 refere, no seu sumário que ‘possuindo os Chamandos (empreiteiros) um interesse igual ou paralelo ao dos Réus Chamantes (donos da obra), pois são parte efectiva na relação jurídica objecto dos autos (sujeitos passivos da relação material controvertida), tal como os Autores a configuram, ou seja, tendo em consideração a imputação de responsabilidade solidária nos quadros do artº. 497º do Cód. Civil, a efectivação do invocado direito de regresso dos Réus opera-se nos quadros do artº. 317º, do Cód. de Processo Civil ;- pelo que a intervenção daqueles deve operar-se mediante o incidente de intervenção principal provocada – cf., artigos 311º, 316º, nº. 3, alín a) e 317º, todos do Cód. de Processo Civil -, e não perante o incidente de intervenção acessória provocada – cf., artigos 321º e 322º, ambos do mesmo diploma’.
HHH. Assim sendo, deverá ser concedida a oportunidade à empresa empreiteira de, se assim o entender, apresentar o seu próprio articulado,
III. Pois tal como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. n.º 1917/19.4T8EVR-A.E1, datado de 11-02-2021,
JJJ. ‘Existindo responsabilidade solidária, nos termos do artigo 487.º do Código Civil, qualquer dos lesantes tem legitimidade para contestar a acção por se tratar de um caso de litisconsórcio voluntário.’
KKK. Pelo que, a intervenção principal da entidade empreiteira afigura-se essencial para a obtenção da prova necessária à formação da convicção do Tribunal.
LLL. Assim, conclui-se que nos encontramos perante uma situação de litisconsórcio voluntário, nos termos do artigo 32.º do CPC, visto que, a relação material controvertida respeita tanto aos Recorrentes como à entidade empreiteira,
MMM. pelo que, deverá a entidade empreiteira intervir na ação como parte principal, nos termos do 311.º do CPC
NNN. Por sua vez, ao não ser permitida a intervenção principal da entidade empreiteira, estar-se-á a pôr em causa a descoberta da verdade e da justa composição do litígio,
OOO. visto que, naturalmente, não poderão os Recorrentes responder pelo empreiteiro.
PPP. Sendo certo que, também aqui, e sem prejuízo da decisão do Tribunal a quo que, salvo melhor entendimento e com o devido respeito, como já se disse, ter resultado numa errada interpretação dos factos e errada aplicação das normais jurídicas, já devidamente identificadas,
QQQ. deveria o Tribunal a quo agir no sentido de procurar a descoberta da verdade, adequando formalmente a ação (adequação formal), obtendo para as Partes a acostumada justiça.
RRR. Por todo o exposto, conclui-se, que decidiu mal o Tribunal a quo ao não admitir
a intervenção principal da empresa P... Unipessoal, Lda.
Não consta dos autos que as autoras tenham contra-alegado.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Delimitação do objecto do recurso.
Linear a identificação e delimitação das questões a decidir:
- a primeira, consubstanciada em apreciar da falta de citação do segundo réu,
- a segunda, apurar da admissibilidade do deduzido incidente de intervenção principal provocada de terceiro.
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Da requerida junção de documentos.
Os apelantes, em sustento dos argumentos aduzidos no segmento em que impugnam a decisão que julgou improcedente a invocada falta de citação, requerem a junção de documentos e ainda se determinem diligências probatórias.
Justificam tal pretensão alegando que instruíram a contestação com todos os documentos que tinham na sua posse e que se mostravam necessários para fazer prova do alegado (a propósito da invocada falta de citação), mostrando-se porém necessária, face ao conteúdo da decisão apelada, a junção e/ou obtenção de elementos probatórios, requerendo assim sejam admitidos quatro documentos e se admita a junção de resposta a solicitação dos requerentes à Comboios de Portugal para que informe se o réu usou ou não bilhete de comboio que adquirira para viajar entre Lisboa e Porto no dia 6 de abril de 2021, entre as 08:09 e as 11:05, ou se determine, em cumprimento do princípio da realização de justiça e da descoberta da verdade material, a notificação da CP para que informe se o segundo réu esteve no comboio a realizar aquela viagem ou se o bilhete foi devolvido ou trocado.
Apreciando.
A apresentação de documentos com as alegações, à luz da parte final do nº 1 do art. 651º do CPC, é justificada (e admissível) quando se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido na 1ª instância, ‘maxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo’, não podendo justificar-se a junção de documentos para prova de ‘factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.’[1]
As situações justificativas da necessidade da junção por virtude da decisão proferida na primeira instância relacionam-se com a novidade ou imprevisibilidade da decisão – a parte final do nº 1 do art. 651º do CPC tem o seu âmbito de aplicação circunscrito às situações em que a decisão da 1ª instância cria, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento.
Não é admissível, pois, a junção de documentos quanto a mesma se revelava ‘pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.’[2]
Os documentos cuja junção os apelantes agora requerem na apelação (independentemente da idoneidade para demonstração da realidade alegada) relacionam-se, de forma directa, com a matéria que estava em discussão e era objecto de apreciação (e julgamento) na decisão proferida – estar ou não o segundo réu na residência onde o agente de execução referiu tê-lo citado às 11 horas do dia 6/04/2021 ou encontrar-se ele, nesse dia e hora, a efectuar viagem de comboio entre Lisboa e Porto.
Não podiam os apelantes desconhecer que os documentos que agora pretendem juntar aos autos eram úteis e relevantes à decisão de tal matéria, alegada na contestação como fundamento da invocada falta de citação do segundo réu.
Arredada, pois, a possibilidade de admitir a junção de tais documentos com fundamento no julgamento proferido na 1ª instância.
A pretensão de se determinarem, nesta Relação, diligências probatórias (solicitação de informação à CP) será apreciada no âmbito da apreciação da impugnação do despacho que julgou improcedente a arguida falta de citação do segundo réu, no âmbito dos poderes oficiosamente conferidos ao tribunal de recurso de determinar a produção de novos meios de prova (art. 662º, nº 2, b) d CPC).
Atento o exposto, não se admite a junção dos documentos que acompanham as alegações de recurso, diferindo-se a apreciação da pretendida determinação de novos meios de prova (solicitação de informação à CP) para o âmbito da apreciação do despacho que julgou improcedente a arguida falta de citação do segundo réu, à luz do disposto no art. 662º, nº 2, b) do CPC.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto
Na decisão recorrida consideraram-se os seguintes factos (em vista de decisão da invocada falta de citação do segundo réu):
a. Foi enviada carta de citação para a morada dos réus indicada na petição inicial, a qual veio devolvida com a informação não reclamada;
b. Foi efetuada pesquisa à base de dados e apurou-se como morada do réu “Travessa ..., ..., ... Vizela”.
c. Foi tentada a citação postal na morada do réu em Vizela, a qual veio devolvida com a indicação “Objeto não Reclamado”.
d. Por despacho proferido em 2 de Setembro de 2020 foi ordenada a citação por via de contacto com agente de execução.
e. Por via do requerimento com a referência 28664090 foi comunicado aos autos pelo senhor agente de execução que o BB habitava na morada indicada, com a sua mãe, e que no dia 6 de Abril de 2021, pelas 11horas, recusou receber a documentação; foi assinalado o campo recusou receber a citação.
f. Por despacho proferido em 22 de Abril de 2021 foi determinado o cumprimento do disposto no artigo 231.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
g. Em 10 de Maio de 2021 foi apresentada a contestação, na qual o réu juntou aos autos fatura, datada de 5 de Abril de 2021, de aquisição de bilhete de comboio para o dia 6 de Abril de 2021 de .../... 08:09/11:05. A fatura está emitida em nome de BB, com o número de contribuinte e cartão de cidadão correspondente ao do réu.
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Fundamentação de direito
A. Da falta de citação do segundo réu.
Apesar de não identificar tal propósito de forma expressa, os apelantes pretendem se altere a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto considerada provada para apreciação da arguida nulidade principal (falta de citação do segundo réu), sustentando dever ser considerado que, ao contrário do que se dá conta na certidão de citação de 6/04/2021, o réu não foi contactado nessas circunstâncias de tempo e lugar pelo agente de execução, não se tendo recusando a receber a citação (e a documentação) e a assinar a certidão, pois que se encontrava, não em Vizela, antes a efectuar uma viagem de comboio entre Lisboa e Porto (viagem iniciada em Lisboa cerca das 8 horas e terminada no Porto, pouco depois das 11 horas).
Sustenta que tal deve ser concluído valorizando-se o documento junto com a sua contestação – título de transporte para viagem em comboio no dia 6/04/2021, com início em Lisboa, às 8;09 e termo no Porto, às 11:05, emitido pelos Comboios de Portugal a seu favor (em seu nome).
Considerando-se satisfeitos os ónus de impugnação impostos ao recorrente que impugne a decisão da matéria de facto no art. 640º do CPC, tem de concluir-se que a prova produzida nos autos não permite alterar a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto.
Na reapreciação da decisão da matéria de facto, a Relação deve reponderar os elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se permitem afirmar, de forma racionalmente fundada, a veracidade da realidade que o apelante sustenta. Cumpre à Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de, a partir deles, expressar a sua convicção com total autonomia[3], de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção[4].
Trata-se de processo de análise dos elementos probatórios produzidos, da sua valorização valorização e compatibilização lógica e racional – a decisão da matéria de facto assenta numa convicação objectivável e motivável, a que a se acede por via da razão, alicerçada em elementos de lógica e racionalidade (à luz das regras do bom senso, das regras da normalidade e da experiência da vida).
As provas (art. 342º do CC) têm por função a demonstração da realidade dos factos, buscando-se através delas não a certeza absoluta da realidade dos ‘factos’ – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’[5] –, mas antes produzir o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida. A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’[6].
A prova produzida nos autos a propósito da questão circunscreve-se, por um lado, ao certificado pelo Sr. agente de execução, auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza os processos judiciais, designadamente nas citações (art. 162º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei 154/2015, de 14/09), que atesta ter procedido à citação do segundo réu, em 6/04/2021, que se recusou a receber a citação e assinar a certidão – um documento autêntico, legalmente revestido de força probatória plena[7] (o acto foi praticado por quem exercia poderes públicos, com competência material e territorial – art. 369º do CC), e, por outro, a um documento particular que comprova ter o segundo réu adquirido um título de transporte válido para uma viagem de comboio entre Lisboa e Porto, no dia (e hora) em que ocorreu o acto certificado pelo Sr. agente de execução.
A valorização destes elementos probatórios, à luz da racionalidade, não permite concluir pela demonstração, com o grau de probabilidade bastante às necessidades práticas da vida, ponderando as circunstâncias do caso, da factualidade que os apelantes pretendem seja considerada provada – ou seja, que tenham os apelantes logrado fazer prova de que os factos atestados na certidão de citação, documento autêntico, sejam falsos (art. 372º do CC).
O título de transporte junto pelos apelantes com a sua contestação, não permite, tanto mais nas concretas circunstâncias do caso (e, por isso, no confronto com a certidão elaborada pelo agente de execução), mais que um mero juízo de verosimilhança ou indiciário (uma aparência de verdade) do facto que pretendem provar – a não corroboração de tal elemento por qualquer outro meio de prova não permite considerar atingido o grau de probabilidade necessário (em atenção às concretas circunstâncias do caso e às necessidades práticas da vida) para se concluir ter o segundo realizado a viagem em questão (e, assim, pela demonstração da falsidade da certidão de citação).
Conclui-se, face ao exposto, que os elementos probatórios produzidos pelos apelantes são insuficientes para a prova do facto que se propunham demonstrar em juízo (a falsidade da certidão de citação, por não ter sido o segundo réu contactado pelo agente de execução nas concretas circunstâncias por este atestadas).
Insuficiência que não significa ser duvidosa a prova produzida, justificando que a Relação (exercendo poderes oficiosos, ainda que sugeridos pela parte) determine a realização de novos meios de prova – designadamente que solicite (como pretendido pelos apelantes) informação à CP sobre se o réu realizou ou não a viagem em questão.
Tal possibilidade (ordenar a produção de novos meio de prova em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada - art. 662º, nº 2, b) do CPC) traduz um poder/dever que a Relação deve usar de ‘acordo com critérios de objetividade, quando percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova sobe factos essenciais poderão ser superadas mediante a realização de diligências probatórias suplementares’ – não podendo uma tal faculdade significar a ‘abertura da possibilidade de realização de um novo julgamento pela Relação’, estando apenas em causa ‘uma medida paliativa destinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida (devendo sê-lo) segundo o juízo crítico da Relação.’[8]
Trata-se de faculdade destinada a sanar dúvidas fundadas, obectivas, sérias, que emergem da prova realizada, não podendo deixar de ponderar-se (em vista do uso de uma tal possibilidade) o modo como as partes ‘exerceram os respectivos ónus de prova e de contraprova nos momentos processualmente ajustados, para que se não subvertam, por via de um mecanismo que deve ser excecional, as boas regras processuais conexas com os princípios do dispositivo e do contraditório.’[9]
Solução reservada para situações em que subsistam dúvidas sérias (objectivas e fundadas) sobre o sentido e alcance das provas produzidas (sobre a credibilidade de algum depoente ou sobre o sentido de um depoimento) – não servindo para desonerar a parte de usar dos instrumentos adequados na fase da produção da prova (de usar do grau de diligência e o empenho idóneos a carrear aos autos prova apta apropriada à demonstração do facto) – e que o juiz poderia (e deveria) ter ultrapassado, usando os seus poderes oficiosos, requisitando documentos ou determinado diligências aptas à superação da dúvida[10].
Na situação dos autos, não se suscitam dúvidas (sérias e fundadas) sobre o sentido e alcance do meio probatório (documento) apresentado pela parte para demonstrar (provar) o facto que alegava. O que se constata é tão só que o documento apresentado, suficiente à sustentação de juízo de mera plausibilidade e verosimilhança, não é bastante para alicerçar e fundar convicção judicial (com o alto grau de probabilidade exigido pelas necessidades práticas da vida) sobre a veracidade (sua demonstração em juízo) da alegação de que o segundo réu estaria em viagem no momento em que se refere (na certidão de citação) ter sido contactado pelo agente de execução – é um meio probatório que não ultrapassa o patamar meramente indiciário, ou seja, que não tem idoneidade para demonstrar a realidade do facto, apenas para demonstrar que este tem plausibilidade.
Não está em causa, pois, a imprescindibilidade de realização de diligências probatórias complementares com vista a suplantar fundadas dúvidas sobre o alcance da prova realizada – a prova produzida não sofre de qualquer ambiguidade quanto ao seu alcance, não ficou envolta em qualquer nebulosa de dúvida não convenientemente resolvida; o sentido e alcance do documento particular em questão é claro: o segundo réu tinha um título válido para ser usado numa viagem de comboio no dia e hora em que o agente de execução refere tê-lo citado na residência. Sentido e alcance do meio probatório produzido que não se apresenta inquinado por qualquer dúvida objectiva e fundada, apenas se mostrando insuficiente para que, com base nele, o tribunal funde a sua convicção sobre a realidade do facto (não estar o segundo na residência onde o agente de execução dá notícia de o ter citado) e, assim, sobre a falsidade do documento autêntico em que a certidão de citação se traduz.
Do exposto resulta não se verificaram os pressupostos previstos no art. 662º, nº 2, b) do CPC para se ordenar a produção de novos meios de prova (designadamente o sugerido pelos apelantes) e improceder a pretendida alteração da decisão da matéria de facto (no sentido de se julgar provado que o segundo réu, no dia 6/04/2021, pelas 11 horas, não se encontrava na residência, não tendo sido nela contactado pelo agente de execução, recusando-se a receber a citação e a assinar a certidão).
Improcedência da impugnação que importa, necessariamente, a improcedência da apelação no segmento em que se pretende seja julgada verificada a falta de citação do segundo réu (art. 188º, nº 1, e) do CPC), pois que não se demonstra que não chegou a ter conhecimento do acto (alegava não ter sido contactado pelo agente de execução, o que não demonstrou).
Improcede, pois, a apelação interposta do despacho que julgou improcedente a arguida falta de citação do segundo réu.
B. Da admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada de terceiro.
Dado que com os incidentes de intervenção de terceiros se modifica subjectivamente a instância, estes só devem ser admitidos dentro dos limites fixados lei, como decorre do princípio da estabilidade da instância (art. 260º do CPC) – as modificações da instância, subjectivas ou objectivas, só são admitidas (atente-se no seu carácter excepcional), em termos restritos e nos limites da lei.
Tanto a intervenção principal espontânea (arts. 311º a 315ºdo CPC), quanto a intervenção principal provocada (arts. 316º a 320º do CPC) estão circunscritas, na actual conformação normativa traçada no Código de Processo Civil, às situações de litisconsórcio, necessário ou voluntário[11] - ainda que não seja evidente ‘que o ganho específico de economia processual, decorrente de se manter a instância focada num único objecto processual, compense a perda de economia processual global, considerando a totalidade dos processos envolvidos’[12].
À presente apelação interessa a intervenção principal provocada passiva promovida pelo réu (art. 316º, nº 3 do CPC).
De afastar – nessa parte se acompanhando o despacho apelado – que na situação dos autos se verifique entre os réus e o terceiro situação de litisconsórcio necessário.
Considerando a relação material controvertida tal qual ela vem delineada pelas demandantes (responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência directa de obras promovidas pelos réus, donos da obra e proprietários da fracção, realizadas por sociedade terceira, empreiteira), conclui-se que nem a lei (nem o negócio) nem a natureza jurídica da relação litigada exige a intervenção de todos – não se verifica situação de litisconsórcio necessário legal (nº 1 do art. 33º do CC) porque a lei não exige, em situações como a dos autos, que o lesado demande todos os lesantes (seja a responsabilidade conjunta ou solidária); não se verifica situação de litisconsórcio necessário natural (nº 2 do art. 33º do CC), porque a decisão a proferir produzirá o seu efeito útil normal (a situação jurídica ficará definitivamente composta entre as partes, autoras e réus, todas ficando vinculada ao julgado). A definição da responsabilidade dos aqui demandados (seja à luz do instituto da responsabilidade por factos ilícitos, nos termos dos art. 483º e segs. do CC, seja à luz do disposto nos art. 1346º a 1348º do CC) ficará definitivamente estabelecida perante as demandantes, independentemente de se apurar da eventual responsabilidade (ou co-responsabilidade) da empreiteira que realizou as obras (também com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual).
Todavia, não se acompanha já a decisão apelada quando considera que entre o terceiro chamado à lide e os réus não existe situação de litisconsórcio voluntário.
A relação material litigada, nos termos em que se mostra configurada pelas autoras, comporta duas acções, cada uma delas com diferente titular passivo – os réus demandados, que promoveram a realização de obras em imóvel de sua propriedade, donde resultaram danos que se pretendem ressarcidos (responsabilidade que pode resultar do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos do art. 483º e ss. do CC, ou à luz da responsabilidade do proprietário, estabelecida nos art. 1346º a 1348º do CC); a sociedade terceira, que realizou as obras em causa (responsabilidade que pode resultar do instituto da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art. 483º e ss. do CC).
Unicidade de relação material controvertida que tem pluralidade de sujeitos, no lado passivo (a verificarem-se os pressupostos da respectiva responsabilidade) – nas obrigações com vários devedores, sujeitas ao regime da solidariedade (art. 497º do CC – como será o caso dos autos, a verificarem-se os pressupostos da obrigação de indemnizar), ocorre situação de litisconsórcio voluntário, pois que o credor pode demandar apenas um deles ou todos eles[13].
Situação de litisconsórcio voluntário que justifica a possibilidade dos réus, à luz da alínea a) do nº 3 do art. 316º do CPC, fazerem intervir a sociedade terceira (sua litisconsorte voluntária, também sujeito passivo da relação material controvertida).
Deve reconhecer-se, pois, ser legalmente admissível o incidente de intervenção principal provocado (passivo) deduzido pelos réus (art. 316º, nº 3, a) do CPC).
C. Sumariando a decisão (nº 7 do art. 663º do CPC):
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível:
- em julgar improcedente a apelação que incide sobre o despacho que julgou improcedente a arguição de falta de citação do segundo réu e, em consequência, em manter tal decisão,
- em julgar procedente a apelação que incide sobre o despacho que apreciou da admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada e, em consequência, revogando tal decisão, em admitir o incidente (art. 316º, nº 3, a) do CPC), determinando que seja proferido despacho a ordenar a citação do chamado (art. 319º do CPC).
Custas da apelação pelos apelantes (quer porque decaíram, quer porque, relativamente ao incidente de intervenção, não tendo sido deduzida oposição à sua admissibilidade, as custas são da responsabilidade do chamante).
Suportarão também os apelantes as custas do incidente do desentranhamento dos documentos – que se ordena –, fixando-se a taxa de justiça em uma UC (art. 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II a tal regulamento anexa).
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Porto, 4/05/2022
João Ramos Lopes
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues

(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, pp. 242/243. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, p. 786.
[2] Acórdão do STJ de 30/04/2019, processo nº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2 (Catarina Serra), no sítio www.dgsi.pt.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 290.
[4] Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt.
Posição que a doutrina e a jurisprudência vêm mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 298 a 303 (maxime 302 e 303) e na jurisprudência os acórdãos do STJ de 8/01/2019 (Ana Paula Boularot), de 25/09/2019 (Ribeiro Cardoso), de 16/12/2020 (Tomé Gomes) e de 1/07/2021 (Rosa Tching), no sítio www.dgsi.pt.
[5] A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
[6] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pp. 191/192.
[7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (Parte Geral e Processo de Declaração), 2018, p. 267.
[8] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 296.
[9] Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 297.
[10] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado (…), pp. 796/797.
[11] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Volume I, p. 293.
[12] Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, p. 459.
[13] P. ex., Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 164/165, e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 1997, p. 154.