Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA VIEIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO DO CONTRATO | ||
Nº do Documento: | RP202402081064/21.9T8AGD.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGAÇÃO PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A norma do art.º 1110/4 do CC, na redacção da Lei 13/2019, é imperativa e aplica-se às relações contratuais existentes à data da sua entrada em vigor (art.º 12/2, 2.ª parte, do CC). II - A norma contida no nº 4 do artigo 1110º do Código Civil deve ser interpretada no sentido que dela consta, qual seja o de que qualquer que seja a duração do contrato, nos primeiros cinco anos contados do início da vinculação entre as partes, o senhorio não pode opor-se à renovação. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 1064/21.9T8AGD.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro - JC Cível - Juiz 3 Relatora: Ana Vieira 1º Adjunto Desembargador Dr.ª. Isabel Rebelo Ferreira 2º Adjunto Desembargador Dr.ª Judite Pires * Sumário ……………………. ……………………. ……………………. * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO AA, intentou acção declarativa de condenação em processo comum contra A... Unipessoal Lda., alegando em resumo que: O Autor é senhorio da Ré desde 2009, mercê da celebração de contrato de arrendamento que tem vindo a ser sucessivamente renovado. Em 2019 foi feito novo contrato de arrendamento pelo período de cinco anos. O Autor pretende pôr fim ao contrato de arrendamento, no final do prazo deste, a 31 de Dezembro de 2023. No entanto, a Ré a tal se opõe, alegando que o Autor não se pode opor à renovação do contrato até 2028, o que não corresponde ao que vem previsto na lei. Conclui pedindo que a acção seja julgada procedente por provada e, consequentemente, ser reconhecido: a) O prazo de 5 anos do contrato de arrendamento para fins não habitacionais. b) Que a norma redigida em 2019 (Artº 1110, nº4) não se aplica ao presente contrato por esta não ter a capacidade de modificar relações já constituídas, ou ainda que se entenda que se aplica, não produz os efeitos pretendidos pela Ré. c) O direito ao A. de se opor á renovação do contrato de arrendamento com antecedência mínima de 120 dias antes do termo deste (31 de Dezembro de 2023). d) O Direito do A. em receber o prédio como se encontrava à data da celebração do contrato vigente (1 de Janeiro de 2019), com as respetivas benfeitorias. 2- Citada a ré, a mesma contestou e apresentou reconvenção, alegando em resumo que: A Ré, nos termos legais pode opor-se à renovação do contrato de arrendamento e que a ré sempre terá direito a ser indemnizada pelo valor das obras realizadas no prédio. Conclui, pedindo que:- A acção seja julgada improcedente. - O Autor seja condenado como litigante de má fé. - Seja reconhecido o direito de a Ré reclamar uma indemnização pelas benfeitorias realizadas no imóvel, no montante de 114,348,28€ Foi dispensada a realização de audiência prévia, admitida a reconvenção e foi elaborado despacho saneador, fixando-se o objecto do litígio e os temas de prova. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com estrita observância dos formalismos legais. * Na sentença recorrida foi decidido: «… Decisão Por todo o exposto: A) Julgo improcedente a acção, absolvendo a Ré dos pedidos contra ela formulados. B) Face à improcedência da acção encontra-se prejudicado o conhecimento da reconvenção C) Improcede o pedido de condenação do autor como litigante de má fé. Custas pelo Autor…»»(sic). * Inconformada com tal decisão, veio o requerente interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito devolutivo. O autor com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:«… Pelo que se conclui que: 1º. É prorrogativa do senhorio, opor-se à primeira renovação no caso do contrato ser de 5 anos. 2º. Tudo isto porque a norma contida no art.º 1110/4 dispõe que nos primeiros 5 anos de arrendamento o senhorio não se pode opor à renovação do contrato. Entende, a “escola de Lisboa” que, como o prazo (de 120 dias) de oposição fica dentro dos 5 anos a que alude a norma, o senhorio não se poderá opor, por lhe estar vedado por Lei. 3º. No entanto, a interpretação dada pelo Tribunal da Relação do Porto parece-nos muito mais fidedigna, especialmente porque tem em conta que os contratantes haviam já, no momento da formação do contrato, que o arrendamento duraria 5 anos, e não 10, como parece pretender a Ré. 4º. Concorda-se, enfim, com a posição deste mesmo Tribunal da Relação do Porto. 5º. Seguidamente à petição inicial foi deduzida contestação com reconvenção. 6º. Tal reconvenção, foi admitida, mal, smo, em despacho saneador (este irrecorrível no momento da sua prolação, pelo disposto no art.º644, sendo-o ,apenas, a final. Deste modo o A.vem apelar a inadmissibilidade da reconvenção, o que fez com os fundamentos que seguem. 7º. A reconvenção, para ser admissível tem de estar conexionada com o pedido através dos elementos dispostos no art.º 266 do Código de Processo Civil. Tal não acontece no caso sob Júdice. 8º. A Ré (autora do pedido reconvencional) veio peticionar o reconhecimento do direito a receber o valor gasto como benfeitorias, mas, no caso, não lhe está a ser pedida a entrega do imóvel, situação prevista como elemento de conexão da alínea b) do art.º 266. 9º. O A. simplesmente intenta ação de reconhecimento do direito a opor-se à renovação do contrato de arrendamento, enquanto não tenta efetivar o despejo – momento em que, smo, a Ré poderia exigir o pagamento de benfeitorias. 10º.Como tal, a reconvenção foi mal admitida, pelo que deverá ser desconsiderada. 11º.Assim como o seu valor. 12º.No entanto, a ser considerada, é necessário melhor julgamento quanto à responsabilidade das custas, isto porque o A. foi condenado na totalidade das custas, quando não foi ele que lhes deu causa. 13º.Segundo o princípio da causalidade é aquém dá causa à ação que é responsável pelo pagamento de custas, o que vem disposto no art.º 527 do Código de Processo Civil. 14º.Sendo assim, e sob a máxima que quem dá causa à ação é quem a perde, o A., por não ter visto a sua pretensão procedente, o tribunal a quo entendeu que este seria o responsável pelas custas, com o que não se pode discordar mais. 15º.No caso de reconvenção, ainda para mais de um pedido que não está conexionado com a causa de pedir do A., quem é A. do pedido reconvencional é o/a Ré(u). É o que acontece nos presentes autos. 16º.O A. interpôs um pedido que valorou em 15.000,00€, ao passo que, com diferente causa de pedir, a Ré intentou pedido reconvencional (do qual é A.) no valor de 114.348,28€, que, como se sabe, gerou a grande parte das custas processuais. 17º.Ora, a A. do pedido de 114.348,28€ (neste caso a Ré) não teve ganho de causa, pois o pedido não foi procedente, e não lhe foi reconhecida a faculdade de exigir tal valor (ou qualquer outro) do A. no momento em que tivesse de entregar o imóvel. Ou seja, quanto ao seu pedido a Ré teve um decaimento de 100%. 18º.As custas deveriam ter sido repartidas, tanto que A. e R. não viram os seus pedidos procedentes na proporção de 11,60% para o A., e o restante de 88,40% para a Ré. 19º.No entanto, a decisão justa importaria sempre o pagamento da totalidade das custas pela Ré, porquanto o pedido do A. seria totalmente procedente, pois ser-lhe-ia confirmado o direito de se opor à renovação do contrato de arrendamento e o pedido reconvencional não seria admitido. 20º.A sentença proferida nos autos viola as disposições normativas dispostas nos art.º 1110, nomeadamente o seu n.º 4 do Código Civil; assim como no art.º 266 do Código de Processo Civil quanto à admissão da reconvenção; e por fim o art.º 527 do Código do Processo Civil, quanto à matéria das custas. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser alterada a sentença proferida em 1.ª instância, tudo com as devidas e legais consequências….». * Não foram juntas contra-alegações. * Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir. *** II - DO MÉRITO DO RECURSO 1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1]. Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, resulta que as questões a analisar são as seguintes: *** III - FUNDAMENTOS DE FACTO Nesse contexto, cumpre referir que a sentença recorrida consignou a seguinte matéria de facto : III – Fundamentação Ficaram provados os seguintes factos: 1 – O Autor e a Ré, representada por BB e CC, celebraram a 25 de Abril de 2009 um contrato de arrendamento que tinha por objecto o prédio com a matriz predial ...14 no concelho ..., união de freguesias ..., ... e ... - fração autónoma designada por Lote nº..., correspondente a parte do terreno para construção urbana (actualmente serviços) com 1410 m2 em .... 2 – Este contrato foi objecto de diversas renovações corporizadas em novos contratos e aditamentos. 3 - Em 2018, decorria um contrato, datado de um de Janeiro de 2017, que terminava em 2021. 4 - Nesse contrato a cláusula terceira tinha a seguinte formulação: “A renda mensal para os anos de 2017 e 2018 é de 550.00 € e para os anos de 2019, 2020 e 2021 é de 600,00 €” 5 – E a cláusula sexta tinha a seguinte formulação: “Findo o contrato, a fracção arrendada, deverá ser entregue nas mesmas condições em que o recebeu em 1 de Julho de 2009” 6 - A Ré, representada por BB, pediu para que fosse alterada a data do termo da relação contratual para 2024. 7 – Assim, com data de 1 de janeiro de 2019, foi elaborado novo contrato, estabelecendo-se na cláusula segunda que o seu o prazo é de “cinco anos” “com início em 1 de Janeiro de 2019 e termo em 31 de Dezembro de 2023”. 8 - Na cláusula sexta refere-se que no fim do contrato o prédio “deverá ser entregue ao senhorio, nas mesmas condições em que o recebeu nesta data”. 9 - Foi ainda acordado que a renda que estava estipulada em 600€, no contrato que decorria, fosse reduzida para 500,00 €. 10 – Em momento não concretamente apurado, o Autor comunicou à Ré a intenção de não renovar o contrato de arrendamento. 11 - A ré recebeu do autor o prédio descrito em 1, sem qualquer construção. 12 - Tendo as partes convencionado que a ré procederia ao licenciamento da construção e edificaria o prédio a fim de corresponder às funções de uma lavagem de carros, o que foi efectuado pela Ré. 13- No licenciamento a Ré despendeu as seguintes quantias: - Projecto de arquitectura, alteração, loteamento e licenciamento – Torre de Papel – 6.500.40€; - Estradas de Portugal – Legalização da Obra e acessos à EN1 – 499,45 €; - EDP – 209,60 €; - Câmara Municipal de Águeda – Licenças de Construção – 795,34€. 14 - Na construção, realizada em 2009, a Ré despendeu, pelo menos, as seguintes quantias: - Pavidalle – Obra Civil- 21.000,00 €; - Fossas Residuais – 1100,00 €; - Cobertura e túneis – Boxes – 80.400,00 €. 15 - As obras realizadas no local têm um valor, em novo, de 72.750,00€, assim distribuído: Pavimentos – 24.750,00€; Fossa águas residuais – 1.500,00€; Separação de hidrocarbonetos – 750,00€; Cobertura lavagem – 25.000,00€; Cobertura aspiração – 16.000,00€; Rede de alimentação de água – 1.500,00 €; Rede de drenagem de águas residuais – 2.500,00 €; Iluminação – 750,00 €. 16 - Atendendo a depreciação sofrida em função da idade e do estado de conservação essas obras têm, actualmente, um valor de 38.000,00 €, assim distribuída: Pavimentos – 12.375,00 €; Fossa águas residuais – 1.050,00 €; Separação de hidrocarbonetos – 525,00 €; Cobertura lavagem – 12.500,00 €; Cobertura aspiração – 8.000,00 €; Rede de alimentação de água – 1.125,00 €; Rede de drenagem de águas residuais – 1.875,00 €; Iluminação – 562,00 €.
Não se provou que a) Na renovação do contrato referida em 7 as partes acordassem, mercê da redução da renda e do alargamento do prazo de arrendamento referidos em 7 e 9, que as benfeitorias efectuadas, ficassem, sem pagamento de qualquer indemnização, como parte do locado b) O motivo da realização de um novo contrato em janeiro de 2019 se prendesse com o facto de em 2017 o representante da ré, Sr. BB, ter intenção de comprar a quota ao seu anterior sócio, considerando que tal negócio só seria viável se conseguisse garantir junto do Autor a renovação do contrato de arrendamento do estabelecimento. c) Quando no inicio de 2018 se apercebesse que o filho do Autor, Sr. DD, iria abrir um negocio semelhante, o representante da Ré sentisse uma enorme revolta, d) Disto deu conta ao Autor, dizendo-lhe ainda que o iria denunciar às finanças por todos estes anos que andava a passar recibos de valor inferior ao que efetivamente recebia, tanto quanto à Ré, como quanto aos outros inquilinos. e) O Autor, em consequência destas afirmações oferecesse um novo contrato à Ré, com o valor que efetivamente a ré paga, isto é 500 €, f) Fosse nessa sequência que fosse alterada, em relação ao contrato anterior, a clausula sexta. g) A Ré tenha gasto 2000,00 € no jardim, 896,27 € num separador de hidrocarbonetos, 547,20 na bomba e fossa de águas residuais e 400,00 € na Baixada BT. h) A Ré tenha gasto 2150,00 € na vedação do imóvel. * IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO Nesta fase cumpre analisar o mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito, analisando em resumo se a sentença deveria ser alterada conforme pugna o recorrente. A sentença recorrida, na parte atinente ao mérito objecto do recurso, refere o seguinte: «…Nos presentes autos discute-se se o Autor, tem direito a denunciar o contrato de arrendamento, no fim do prazo estipulado para a sua duração e, em caso afirmativo, se a Ré tem direito a ser indemnizada pelas obras feitas no local. Trata-se um arrendamento de prédio urbano para fins não habitacionais, ao qual se aplica, para além das normas gerais de todos os arrendamentos de prédios urbanos (arts. 1069º a 1093º), as normas especiais dos artigos 1108º a 1110º, todos do Código Civil. Ora, particularmente no que se refere à duração do contrato, sua denúncia e oposição à renovação estabelece o art. 1110º n.º 4 que “Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação”. Da forma como a norma se encontra redigida, com ênfase na expressão “não pode”, não restam dúvidas que se trata de uma norma imperativa e, por isso, subtraída à disponibilidade das partes. Conforme se retira do art 1º da Lei 13/2019 de 12/02 esta teve como objectivo “estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”. O objectivo da lei foi, portanto, expressamente, o de proteger os arrendatários, nomeadamente os que desenvolvem uma actividade industrial, dando-lhes segurança e estabilidade e protegendo também, reflexamente, a actividade económica, Esta norma foi introduzida pela Lei 13/2019 de 12/02. Nos termos do art. 16º da mesma lei esta entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. Seguindo a regra do art. 12º n.º 2 do Código Civil e uma vez que a norma do art. 1110º n.º 4 dispõe sobre o conteúdo da relação jurídica, essa norma aplica-se aos contratos já celebrados à data da sua entrada em vigor e, concretamente, ao contrato objeto destes autos. Ora a norma em apreço tem suscitado algumas divergências quanto à sua interpretação, em dois sentidos: - Num deles, entendem os seus defensores, que, com a norma em questão, se pretendeu assegurar que os contratos não pudessem findar, por vontade do senhorio, antes de decorridos cinco anos. Assim, o senhorio poderia denunciar o contrato, antes de decorrido esse período, mas essa denúncia só operaria no termo desse prazo, tal como no art. 1097º n.º 3 do Código Civil, estabelecendo assim uma unidade normativa. Neste sentido, se pronuncia Jessica Rodrigues Ferreira, no seu texto “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, publicado na Revista Electrónica de Direito. - Para uma outra corrente, com esta norma, quis impedir-se o senhorio de denunciar o contrato antes de decorridos cinco anos, pelo que a denúncia feita antes não tem qualquer validade. Referem que essa é a interpretação que decorre da letra da lei, claramente diversa da redacção do art. 1097º n.º 3 do Código Civil que se aplica aos arrendamentos para habitação e que tem a seguinte formulação: “A oposição à primeira renovação do contrato por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data”. Face à diversidade de redação das duas normas, não se pode, pois, presumir que o legislador quis instituir um regime similar. No limite, portanto, o arrendamento pode durar 10 anos (como poderá acontecer no presente caso). Referem ainda que o senhorio pode obstar a este efeito prevendo uma cláusula de não renovação. Esta dualidade de interpretação vem bem espelhada no Acórdão da Relação de Lisboa de 27/10/2022, 12613/21.2T8LSB.L1-6, e no Acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Setembro de 2022, processo 1006/21.1T8CSC.L1-2, defendendo-se em ambos esta última posição. Concorda-se decisivamente com a mesma. De facto, a letra da lei é clara e inequívoca, não se podendo presumir que o legislador disse aquilo que não disse. Pelo exposto, não podendo o Autor opor-se à renovação do contrato, improcede a acção. Fica prejudicado o conhecimento da reconvenção. Decisão Por todo o exposto: A) Julgo improcedente a acção, absolvendo a Ré dos pedidos contra ela formulados. B) Face à improcedência da acção encontra-se prejudicado o conhecimento da reconvenção C) Improcede o pedido de condenação do autor como litigante de má fé. Custas pelo Autor…». * O recorrente refere que deduziu ação declarativa de simples apreciação nos termos do Art.º 10 do Código de Processo Civil ,por ter a convicção de que se poderia opor à renovação do contrato de arrendamento onde figura como senhorio. Por isso mesmo, o A. decidiu recorrer aos tribunais, para que apreciassem da existência do direito à oposição, o que mereceu, por parte da Ré uma contestação com reconvenção, onde pediu, em largos modos, que o A. fosse condenado ao pagamento do valor de 114.348,28€ por benfeitorias realizadas. Mais refere que no decurso do julgamento, já durante a produção de prova, foi, por despacho determinado que “uma vez que se discute o valor das obras realizadas no prédio” se procedesse à avaliação do valor das obras realizadas. Proferida a sentença nela se dispôs que o A. não tinha direito à oposição à renovação do contrato de arrendamento, e, por conseguinte, não se apreciou o pedido reconvencional feito pela Ré/reconvinte. Alega que a a questão principal prende-se com o facto de A. e R. terem, em 2019, celebrado um contrato de arrendamento pelo prazo de 5 anos, e o A. pretender opor-se, já, à primeira renovação. Para além de sindicar pela legalidade de tal oposição, o A. pretende ainda que se discutam outros dois aspetos: Com a contestação, a Ré interpôs um pedido reconvencional, aliás esse que veio atribuir à causa o valor de 129.348,28€, tendo sido o A. condenado, também nas custas processuais. Alega assim, que o recurso versa sobre estas 3 matérias que merecem melhor discussão, e posterior alteração da decisão: 1. Do direito à oposição à renovação do contrato de arrendamento; 2º admissibilidade da reconvenção e 3 condenação do autor nas custas. Neste segmento alega que dispõe o Art.º 1110/4 do Código Civil, com a redação dada pela Lei 13/2019 de 12 de fevereiro que “nos cinco primeiros anos após o início do contrato, (…) o senhorio não pode opor-se à renovação”, o que, no entender da Ré significa que, como a comunicação para a oposição tem de ter lugar 120 dias antes dos efeitos que se pretendem, o A., senhorio estaria impedido de o fazer. Refere que na sentença, o tribunal a quo assume a dualidade de posições existentes, mas opta pela que vai contra as pretensões do A., e alega que vai também contra o que este tribunal tem vindo a decidir. Indica que o tribunal acabou por defender a posição que tem seguido a “escola de Lisboa” porquanto acabou por seguir a jurisprudência que de lá foi emanada, nomeadamente ao oferecer que “Esta dualidade de interpretação vem bem espelhada no Acórdão da Relação de Lisboa de 27/10/2022, 12613/21.2T8LSB.L1-6, e no Acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Setembro de 2022, processo 1006/21.1T8CSC.L1-2, defendendo-se em ambos esta última posição.”. Alega o autor que nesta Relação se tem decidido de maneira diferente, nomeadamente no Ac. proferido no dia 08-05-2023, (Relator José Eusébio Almeida, processo 1085/22.4YLPRT.P1) . Invoca o recorrente que o autor e R. celebraram um contrato de arrendamento em 2019, com termo em 2024, e o A. pretende opor-se à primeira renovação. Ora, este tribunal já decidiu que é prorrogativa dos senhorios fazê-lo. Refere que considera que o que se pretendeu com as alterações decorrente da Lei n.º 13/2019 foi que “ao contrato não poderá pôr-se termo, pelo senhorio, antes dos primeiros cinco anos”], mas não mais que isso. Conclui, que seja no caso dos contratos para habitação, seja nos contratos para fins não habitacionais, a Lei n.º 13/2019 pretendeu fixar um tempo mínimo de vigência do arrendamento, mas, não alterou os prazos de comunicação da oposição à renovação que, aliás, sempre foram prazos mínimos. * Estamos perante um contrato de arrendamento para fins não habitacionais. O disposto no art.º 1110/4 do CC, introduzido pela Lei 13/2019, aplica-se ao contrato em causa nos autos porque, embora o contrato tenha sido celebrado antes de aquela lei ter entrado em vigor (que foi no dia seguinte ao da sua publicação: artigo 16 da Lei 13/2019), tal norma dispõe directamente sobre o conteúdo da relação do arrendamento existente entre as partes, abstraindo do facto que lhe deu origem e, por isso, abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor: art.º 12/2, 2.ª parte, do CC. O art.º 1110/4 do CC dispõe: “Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.” Consideramos que face ao teor deste normativo que nos 5 primeiros anos o senhorio não se pode opor à renovação. Pelo que, se o contrato tiver um prazo de duração igual ou inferior a 5 anos, até ao fim dele não é possível uma oposição à renovação e, por isso, o contrato, até ao fim desses 5 anos, renovou-se. Pelo que, antes desta renovação não é possível a oposição à mesma. Assim, aderimos á fundamentação da sentença recorrida de que , não é válida a oposição à renovação, porque a lei proíbe a oposição à renovação antes do fim dos 5 anos. Neste sentido e para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RL 1006/21.1T8CSC.L1-2, Relator: PEDRO MARTINS, Data do Acórdão: 29-09-2022: A norma do art.º 1110/4 do CC, na redacção da Lei 13/2019, norma imperativa que se aplica às relações contratuais existentes à data da sua entrada em vigor (art.º 12/2, 2.ª parte, do CC), “proíbe a oposição à renovação no primeiro lustro contratual” do contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais. É diferente da norma do art.º 1097/3 do CC, tendo um sentido incompatível com ela.» * 2. Da admissibilidade do pedido reconvencional
O apelante considera que interpôs uma ação de simples apreciação, para aferir da existência de uma faculdade jurídica, e que a ré deduziu pedido reconvencional, o qual foi admitido no despacho saneador nos termos do artigo 266, número 2, b) do Código de Processo Civil ( Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;”). Entende que como nesta acção não lhe estava a ser pedida a entrega do locado que este pedido reconvencional não deveria ter sido admitido, por inexistência de elemento de conexão. A acção de simples apreciação não pressupõe qualquer lesão ou violação de um direito, sendo meios de tutela de direitos em que não é posta em causa a sua violação, quer efectiva, quer receada, sem prejuízo de o autor, ter de demonstrar que tem um interesse em agir, isto é, que carece da a obtenção da declaração judicial da existência ou inexistência do alegado direito. A classificação de uma acção como de simples apreciação positiva ou negativa depende do pedido, ou seja da providência requerida pelo autor; na acção de simples apreciação não se exige a prestação de uma coisa ou de um facto, não podendo a acção ser título executivo quanto ao objecto da acção. Neste caso resulta que estamos perante uma acção de simples apreciação e que o autor não formulou pedido de entrega do locado e nesta medida entendemos que a ré não tem qualquer interesse em agir na dedução do pedido reconvencional . Neste sentido, vide o Ac da RE 24/19.4T8BJA-A.E1, Relator: MÁRIO SILVA, data do Acórdão: 24-10-2019: Sumário: 1. O âmbito da ação de simples apreciação negativa está confinado à mera declaração de inexistência do direito, pelo que entende a jurisprudência maioritária ser redundante a dedução de pedido reconvencional por parte do réu, pois a mesma não constitui nenhuma mais-valia perante a eventual procedência da defesa que vier a ser deduzida. 2. A partir da dedução do pedido reconvencional, considera-se ampliado ope legis o valor da causa, sendo irrelevante, para este efeito, a posterior decisão de inadmissibilidade da reconvenção.» Assim, não se admite o pedido reconvencional deduzido pela ré, procedendo nesta parte a apelação. * 3. Do valor do processo e do pagamento das custas. Por fim, o autor alega que foi condenado nas custas do processo e que nos termos do artigo º 527 , nº2 do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. Entende que o pedido reconvencional alterou substancialmente o valor da acção, e se é certo que o A. deu causa à ação principal, no valor de 15.000,00€ já não será tão certo que tenha dado ao pedido reconvencional (este que já nem devia ter sido admitido, mas ainda que seja). Refere que o tribunal mesmo a admitir o pedido da ré não o reconheceu e nessa medida admite que seja o A. condenado ao pagamento das custas em proporção de 11,60%, ao passo que a responsabilidade da Ré nas custas será de 88,4%, pelo que deve ser alterada a decisão proferida em sentença, no sentido de refletir tais alterações. Entende-se que assiste razão ao recorrente este segmento do recurso dado que neste caso a acção foi julgada improcedente e igualmente o pedido reconvencional não deveria ser admitido, mas mesmo a ser admitido, o mesmo não foi conhecido considerando-se como sendo indeferido, e neste caso a condenação em custas deverá ter em conta a proporção do valor da acção e do valor reconvencional. Neste sentido, vide o AC do STJ 3966/21.3T8GDM.P1.S1 Relator: JORGE LEAL 31-10-2023 Sumário : Se o desfecho da revista teve como resultado a improcedência da ação e a improcedência da reconvenção, e o valor da causa é €46.261,80, correspondente a €30.841,20 pela ação e €15.420,60 pela reconvenção, a percentagem de decaimento das partes é, respetivamente, de 66,7% pelos AA./recorrentes e de 33,3% pela R./recorrida.. Pelo exposto, e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, ser julgado parcialmente procedente em conformidade com o decidido.. *** III- DISPOSITIVO Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, com a consequente não admissão do pedido reconvencional e condenando-se o autor no pagamento das custas na proporção de 11,60%, e a ré no valor de 88,4%. No mais, mantém-se a decisão recorrida. |