Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1659/21.0T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: REFORMA DA DECISÃO
ACÓRDÃO
MANIFESTO LAPSO
Nº do Documento: RP202402191659/21.0T8VFR.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: PEDIDO DE REFORMA
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A reforma da decisão, prevista no art. 616º, do CPC, não é um novo recurso, não podendo servir para manifestação de mera discordância com o julgado.
II - A reforma, nos termos enunciados naquele artigo, tem como desiderato suprir erros de julgamento, com fundamento em manifesto lapso do julgador, e não a alterar a sentença/acórdão, do modo, que só pela via do recurso seria possível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1659/21.0T8VFR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 2
Reclamante/Recorrente: A..., S.A.
Reclamados/Recorridos: AA e B..., SA

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
A recorrente, A... S.A., nos termos do requerimento referência 380162, com os fundamentos que aí invoca, vem pedir, nos termos do disposto no art. 616.º, n.º 2, alínea a), aplicável ex vi art.º 666.º, n.º 1), ambos do CPC, a reforma do acórdão proferido nos autos, em 19.12.2023, onde se decidiu “Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedente a apelação, da Ré “A..., SA”, confirma-se a decisão recorrida e, em consequência, declara-se a desnecessidade de apreciação da ampliação que foi requerida.
Custas pela recorrente.”.
Fundamenta e conclui a reclamação, em síntese, do seguinte modo:
«(…), Nos presentes autos verificam-se os requisitos estabelecidos no art.º 616.º, nº 2, alínea a) do CPC para REFORMA da sentença/acórdão:
- Da decisão não cabe recurso por força do valor da acção; e
- Ocorreu um erro manifesto de julgamento na determinação e aplicação de norma jurídica;
7. Com todo o respeito, não tem razão o douto Tribunal quando decide que, pese embora se tenha verificado a transmissão da unidade económica, posição da entidade empregadora não se transmitiu da A... para B..., uma vez que o Autor Recorrido deduziu e exerceu de forma válida e fundada o seu direito de oposiçao, para efeitos do disposto no art. 286.º-A do Código do Trabalho.
8. É este um caso típico de situação que dá lugar a reforma de sentença, porque o julgador procede a uma incorreta interpretaçao de norma existente (vide v.g. a anotação ao artigo 616º no C.C. anotado dos Prof. Lebre de Freitas e Prof. Isabel Alexandre - .4ª Ed., pág. 742).
Analisando:
9. Como já mencionado, o Tribunal considerou na sua conclusão que não ocorreu a transmissão do contrato de trabalho do Autor, no âmbito da transmissão da unidade economica entre A... e B..., pelo facto de a mudança de entidade empregadora [B...] causar no trabalhador recorrido um receio de prejuízo sério.
II.1 – Enquadramento sobre o Instituto da Oposição à Transmissão do Contrato de Trabalho no domínio da Transmissão da Unidade Económica
(…).
II.2 – Da Oposição à Transmissão do Contrato de Trabalho pelo Autor
27. O Tribunal ad quem entendeu que face ao que foi declarado pelo Autor se mostra como possível efetuar um juízo de prognose sobre um prejuízo sério futuro e, nesta medida, validar o exercício do direito de oposição.
(…).
28. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente, agora Requerente, acompanhar com o fundamento avançado pelo Tribunal a quem.
(…).
42. O Tribunal ad quem declarou como fundamento válido para o exercício do direito de oposição a circunstância de o Autor não querer o seu vínculo laboral transmitido para a Recorrida B... por esta não proceder ao pagamento das horas suplementares e ter vários processos judiciais em curso.
43. Este facto [não querer o seu vínculo laboral transmitido para a Recorrida B... por esta não proceder ao pagamento das horas suplementares e ter vários processos judiciais em curso] não se verificou, pois foi o Autor demonstrou estar disponível para ingressar nos quadros da B....
(…).
51. O Tribunal ad quem — estamos certo que por manifesto lapso na apreciação dos factos e do regime jurídico —, bastou-se com uma declaração não séria, sem fundamento atendível e não provada.
52. Face a tudo o quanto foi exposto, estamos profundamente convictos que a Justiça clama pela reforma do segmento decisório do acórdão em escrutínio substituindo-se por outro que declare como verificada a transmissão do contrato de trabalho para a Recorrida B... por ausência de validade quanto ao direito de oposição exercido.
Nestes termos e nos mais do Direito, requer a V. Exas. Se dignem REFORMAR o acórdão dos presentes autos, alterando o lapso manifesto que o mesmo contém, atrás identificado e no sentido alegado no ponto que antecede.».
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Notificada a parte contrária, respondeu e pronunciou-se nos termos constantes do requerimento referência 382072, concluindo que, “Deverá ser indeferido o pedido de Reforma do douto Acórdão, mantendo-se, assim, válido e inalterado o douto Acórdão.”.

Dado cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2 do CPC, cumpre decidir.

A questão a decidir e apreciar traduz-se em saber se admitida a reforma do acórdão, proferido em 19.12.2023, deverá ele ser substituído por outro, como pretende a recorrente/reclamante.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Reforma do Acórdão
Peticiona a recorrente/reclamante, sob a veste de “reforma do acórdão”, proferido nos autos, em 19.12.2023, a substituição do mesmo, invocando para o efeito que, “…acredita na JUSTIÇA e nas INSTITUIÇÕES que a aplicam. Por isso, bem sabendo não estarem, nos presentes autos, preenchidos os pressupostos gerais de admissão de recurso ordinário de revista para instância superior, devido ao valor da ação, vem junto deste Tribunal que proferiu a decisão colegial, muito respeitosamente, pedir a correção do vício que entende ferir o acórdão.
2. Foi considerado que, não obstante ter ocorrido a transmissão da unidade económica correspondente ao serviço de segurança e vigilância privada prestado nas instalações do C... entre a Recorrente A..., ora empresa cedente, e a Recorrida B..., ora empresa cessionária, a posição jurídica de entidade empregadora não se transmitiu entre as rés pelo facto de o trabalhador cedido, ora Recorrido, ter exercido validamente o direito de oposição, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 286.º-A do C.T.
3. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente conformar-se com a motivação e fundamentação avançada pelo Tribunal quando conclui que não ocorreu a transmissão do vínculo laboral do trabalhador cedido, pelo facto de ter sido validamente exercido o direito de oposição sustentado na circunstância da existência de um prejuízo sério,
4. Ou melhor: de um receito de prejuízo sério no futuro (juízo de prognose).
5. A Recorrente entende, sempre com o devido respeito, que o Tribunal ad quem errou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável [art.º286.º-A, n.º 1 do CT].”, nos termos constantes do seu requerimento, conclui que deve o Acórdão ser reformado, “substituindo-se por outro que declare como verificada a transmissão do contrato de trabalho para a Recorrida B... por ausência de validade quanto ao direito de oposição exercido.”.
Como decorre do que antecede, formula esta pretensão, na impossibilidade, como refere, de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando o nº 2, al. a) do art. 616º do CPC.
Vejamos.
O art. 616º, nºs 1 e 2, do CPC (aqui aplicável “ex vi” do artº 666, do mesmo código) e “ex vi” do art. 1º, nº 2, do CPT, possibilita que as partes requeiram a reforma, quanto a custas e multa, da sentença e, ainda, nos casos em que, por manifesto lapso do juiz:
a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
Em comentário a este artigo, (Jorge Augusto Pais do Amaral, in “Direito Processual Civil”, 9ª edição, pág. 399) defende: “Procurou-se obter o «suprimento do erro de julgamento mediante a reparação da decisão de mérito pelo próprio decisor», nos casos em que se verificou lapso manifesto do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”, para mais adiante referir que “Verifica-se erro de facto quando o juiz, por lapso manifesto, não tenha tomado em consideração documentos ou quaisquer elementos constantes do processo, que fariam com que a decisão fosse diferente da que foi proferida”.
A propósito da reforma da sentença/acórdão refere-se, no (Acórdão do STJ de 12.02.2009 in www.dgsi.pt), que «Não se trata de verdadeiro recurso, do qual tem apenas o perfil substancial, mas de maneira de corrigir o que mais não é do que um erro de julgamento. Terá, contudo, de ser erro resultante de “lapso manifesto”, quer na determinação da norma, quer na subsunção dos factos, quer na preterição de elementos probatórios já constantes dos autos. Porém, aqui, a determinação do direito só pode ser o resultado de erro grosseiro, por total e errada interpretação dos preceitos legais, consequência de desconhecimento (“ignorantia facti et juris”), de menor atenção ou, até, de leviandade, que não de adesão a esta ou àquela corrente jurisprudencial ou doutrinária, ou mesmo de inovação desde que seja patente ter sido ponderada e não resultado de óbvia inconsideração» (…).
Idêntica posição é defendida no (Acórdão desta Relação, de 28.10.2010, disponível, no mesmo sítio da internet www.dgsi.pt) e cujo sumário é o seguinte: “I - A reforma da decisão, prevista no artigo 669º, nº2 do CPC, não é um recurso (do qual tem apenas o perfil substancial) - nem na modalidade de reapreciação ou reponderação, nem da do reexame (aqueles, ao contrário destes, sem possibilidade de “jus novarum”), não podendo servir para mera manifestação de discordância do julgado, mas apenas e, sempre, perante o juízo decisor – tentar suprir uma deficiência notória, resultante de “lapso manifesto”. II – O lapso na “determinação do direito” só pode ser o resultado de erro grosseiro, por total e errada interpretação dos preceitos legais, consequência de desconhecimento (“ignorantia facti et juris”), de menor atenção ou, até, de leviandade, que não de adesão a esta ou àquela corrente jurisprudencial ou doutrinária, ou mesmo de inovação, desde que seja patente ter sido ponderada e não resultado de óbvia inconsideração. III – Diversamente, o erro de julgamento, por contender com o mérito, só pode ser motivador de recurso (impugnação perante instância superior)”.
A requerente fundamenta o pedido de reforma do acórdão na alínea a) do nº2 do artigo 616º do CPC
Ora, sempre com o devido respeito por diversa opinião, é nosso entendimento que aquele pressuposto não se verifica no caso presente. Nem a reclamante o invoca, basta atentar no teor do seu requerimento donde, no essencial, o que se verifica é que a mesma, vem apresentar a reclamação ao Acórdão proferido nos autos, que julgou improcedente o recurso interposto pela Recorrente/reclamante e, em consequência, manteve a decisão do Tribunal “a quo” que julgou procedente a oposição à transmissão do contrato de trabalho deduzida pelo, agora, Reclamado/recorrido contra a Reclamante, invocando a sua discordância contra aquele, sustentando a sua reclamação, na impossibilidade de “… recurso para o Supremo Tribunal de Justiça …” e justificando a admissibilidade do pedido de reforma do Acórdão, nos termos dos art.s 616º, nº, 2, al. a), aplicável ex vi do art. 666º, nº 1, ambos do CPC.
Na verdade, a reclamante não aponta ao acórdão qualquer lapso, manifesto ou não, na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, podendo, também, dizer-se que é manifesto que do processo não constam documentos ou outro meio de prova pleno que, só por si, implicassem necessariamente decisão diversa da proferida que, por lapso, não tenham sido tomados em consideração.
Sem qualquer dúvida, a pretensão da reclamante, mais não é do que uma tentativa de voltar a discutir o mérito da causa, como bem o notou a recorrida/reclamada, dizendo: “Não existe qualquer fundamento para a Recorrente, em discordância com a decisão e, não tendo possibilidade de interpor Recurso de Revista, dada a existência de Dupla Conforme (e não, ao contrário do que refere, por força do valor da ação), lançar mão do mecanismo processual previsto no artº 616º do C.P.C.”.
No entanto, a discordância com o decidido, não é uma possibilidade prevista no normativo invocado, art. 616º referido. Através deste e por força do disposto no art. 666º, do CPC, sendo certo que seria possível a reforma do acórdão reclamado, esta não é de admitir só porque a reclamante assim identifica o expediente apresentado, quando os argumentos que invoca, não têm qualquer respaldo no que naquele se dispõe sobre as condições para que se peticione e ocorra a reforma, como é o caso, do acórdão.
Como já dissemos e se reitera, porque nada mais decorre do requerimento apresentado, o que se verifica é que a reclamante, através do expediente deduzido, alegadamente, “reforma do acórdão” pretende é a alteração do decidido naquele, ou seja, o que pediria em sede de recurso quando, como bem notou, não pode recorrer. Preterindo a invocação de quaisquer argumentos susceptíveis de possibilitar a reforma do acórdão e esquecendo regras básicas da lei processual, desde logo o disposto no art. 613º, do CPC.
Como se refere no, (Ac. do STJ, de 13.09.2023, Procº nº 2930/18.4T8BRG.G1.S2-A, in www.dgsi.pt), a reforma da decisão, prevista no art. 616.º, n.º 2, al. a), do CPC, tem como objectivo a reparação de lapsos manifestamente óbvios na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos em que o julgador tenha ocorrido.
Ora, analisando o requerimento da reclamante, não se vislumbram quais os vícios ou lapsos que a mesma aponta ao acórdão susceptíveis de reforma. O que a mesma invoca, ou seja, todos os mesmos supostos vícios que a Recorrente imputa ao Acórdão ao pedir a sua Reforma, foram já antes invocados relativamente à Sentença da 1ª instância e, naturalmente, apreciados naquele, em sede de recurso para esta instância. O que a mesma se limita, agora, a aventar em termos genéricos “erro manifesto de julgamento na determinação e aplicação de norma jurídica; incorreta interpretação de norma existente”, para sustentar a discordância que afirma ter quanto àquele, é manifestamente insuficiente para fundar a, alegada, requerida reforma do Acórdão, quando o que efectivamente quer é a sua revogação, o que não é fundamento daquela.
Pois, como é entendimento unânime, seja a nível doutrinal seja jurisprudencial, a discordância da reclamante, quanto aos fundamentos avançados pelo Tribunal para decidir do modo que o fez, por si só, não permite sustentar o pedido de reforma do Acórdão, sendo necessário que a mesma invoque e exista um erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, erro este que tem que decorrer de um manifesto lapso do julgador. A reforma da sentença ou, como é o caso, do acórdão, a que se refere o art. 616° do CPC, apenas abrange o erro de julgamento devido a lapso manifesto.
Em suma, a reforma da sentença nos termos enunciados naquele artigo tem como desiderato suprir erros de julgamento, com fundamento em manifesto lapso do julgador, e não a alterar a sentença/acórdão que só pela via do recurso seria possível.
Não assiste, assim, qualquer razão à reclamante.
Sempre com o devido respeito, no acórdão não existe qualquer questão quanto a custas ou multa, ou erro ou omissão devido a lapso manifesto que deva ser corrigido, nos termos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 616º do CPC, nem do requerimento da reclamante resulta coisa diversa que não seja a manifestação de discordância da mesma, quanto ao que naquele se decidiu.
Acrescendo, sempre com o devido respeito, que é nosso entendimento que o Acórdão reclamado foi proferido em conformidade com as normas jurídicas aplicáveis, de acordo com a factualidade dada como provada, não enfermando de qualquer lapso, erro de interpretação nem, também, qualquer erro da qualificação jurídica.
De resto, diga-se, para finalizar, a reforma da decisão permitida pelo nº 2 do art. 616º, independentemente de ser ou não justificada, conforme diz, (M. Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 2ª ed., pág. 225), é uma medida excepcional, facultada para ser exercida nos precisos termos e limites em que é concedida. A regra continua a ser a do nº 1 do art. 613º, do CPC: - “proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria da causa”.
Como já dissemos e se sintetizou no recente (Ac. do STJ, de 24.01.2024, Proc. nº 1017/22.0T8VNF.G1.S1, in www.dgsi.pt), “I - O pedido de reforma não é um novo recurso…”. Mais, lê-se na sua fundamentação, citando o (Acórdão do mesmo STJ de 28.01.2021, Proc. nº 214/17.4T8MNC.G1.S1) que, “a reforma de decisão judicial, prevista no art. 616.º, n.º 2, do CPC, apenas é possível caso se verifique lapso manifesto que se revele por elementos exteriores à decisão, não podendo reconduzir-se a uma mera discordância quanto ao sentido da mesma”.
Consequentemente, acorda-se em indeferir o pedido de reforma do acórdão.
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III – DECISÃO
Pelo exposto acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em indeferir o pedido de reforma do acórdão, de 19.12.2023, mantendo-o nos seus precisos termos.

Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
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Porto, 19 de Fevereiro de 2024
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão