Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8820/18.3T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
FIADOR
Nº do Documento: RP201912028820/18.3T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 12/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O título executivo previsto no artigo 14.º-A do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, com as alterações da Lei n.º 31/2012, de 14.08, é restrito ao arrendatário, não se estendendo ao respectivo fiador ainda que tenha intervindo no contrato de arrendamento e renunciado ao benefício da excussão prévia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 8820/18.3T8PRT-A.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Execução do Porto-J7
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
............................................................
............................................................
............................................................
*
I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Por apenso à execução que lhe move “B…, com sede na Avenida … nº .., …, …. - … Lisboa, veio a executada C…, residente na Rua …, nº …, … deduzir os presente embargos.
Alega para o efeito e em resumo que o titulo dado à execução, ao abrigo do disposto no artigo 14.º-A do RAU, apenas habilita a que o exequente demande o arrendatário para o pagamento das quantias peticionadas, nada podendo, assim, reclamar da ora embargante, enquanto fiadora.
Mais alega que não foi cumprido o formalismo das comunicações entre as partes no contrato de arrendamento, que se encontra regulado no artigo 9.º e 10.º do NRAU pois a primeira comunicação escrita foi devolvida em 20/09/2016 com o fundamento lavrado pelo distribuidor de “não atendeu às 13.55 e não tenho acesso ao receptáculo postal, o que significa que não chegou a ser entregue o aviso de entrega, sendo que, nessa sequência, o embargado não tentou novamente comunicar-lhe a falta de pagamento da renda, não tendo sido enviada nova carta registada com aviso de recepção.
Por último refere ainda que não é devida a indemnização a que se alude no artigo 1045.º do C.Civil, pelos motivos que reproduz.
*
Devidamente notificada a embargada exequente pugnou pela improcedência dos embargos assim deduzidos.
*
Por os autos conterem já todos os elementos, foi proferido despacho saneador sentença que julgou procedentes, por provados, os embargos e consequentemente determinou a extinção da execução em relação à executada C…..
*
Não se conformando com o assim decidido veio a exequente embargada interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
1. O Exequente intentou requerimento executivo contra os Executados, com vista à cobrança coerciva do valor total de 5.300,98 Euros (cinco mil e trezentos euros e noventa e oito cêntimos).
2. Valor que corresponde a rendas vencidas e não pagas no montante de 1.300,00 Euros (€325,00 x 4 meses); à indemnização, nos termos do art. º 1045.º/2 do C.C, no valor de 3.900,00 Euros (€325,00 x 6 meses x 2). Acrescidos das custas processuais com a entrada do procedimento extrajudicial pré-executivo no valor de 62,73 Euros (sessenta e dois euros e setenta e três cêntimos) e da taxa de justiça liquidada para dar entrada da execução no valor de 38,25 Euros (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos).
3. Na sequência do contrato de arrendamento habitacional celebrado em 1 de Outubro de 2014, o Exequente procedeu à resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no não pagamento das rendas, mediante comunicação registada e enviada com A/R para a morada do locado.
4. Os Executados até à presente data não procederam ao pagamento de qualquer quantia ao Exequente, nem o seu recebimento foi recusado ou repelido.
5. Não tendo o arrendatário liquidado a totalidade das rendas em falta, bem assim da mora respeitante a 50% pelo atraso no seu pagamento, no período mediado entre 30.09.2016 (data da devolução da comunicação) e 30.10.2016, não se encontra verificada a situação prevista no n. º 3 do artigo 1084.º do C.C, e em consequência a resolução produziu retroactivamente os seus efeitos a 30.09.2016.
6. O contrato cessou todos os seus efeitos nessa data, momento em que o arrendatário deveria ter procedido à entrega do locado ao senhorio.
7. O que viria a ocorrer em 10 de Abril 2017, por via coerciva, ao abrigo do procedimento especial de despejo com o n. º 3828/16.6YLPRT que correu os seus termos no Balcão Nacional do Arrendamento.
8. Portanto, além das rendas vencidas e não pagas à data da resolução do contrato de arrendamento o Exequente peticionou ainda que lhe fossem pagas pelos Executados as quantias vincendas desde a data da resolução e até entrega efectiva do locado, a título de indemnização, nos termos do disposto no n. º 2 do art. º 1045.º do C.C.
9. Na sequência da oposição à execução, mediante embargos de executado, deduzidos pela Executada C…, ora Recorrida, o Tribunal a quo concluiu pela procedência da oposição, determinando que a execução deveria ser extinta quanto à embargante, devido ao facto de entender que o artigo 14.º-A do NRAU só permite formar título executivo contra o arrendatário.
10. O que o Exequente não pode aceitar, salvo o devido respeito pelo entendimento perfilhado, uma vez que a jurisprudência dominante tem entendido que, estando ambas as partes vinculadas ao contrato e estando o fiador notificado nos mesmos moldes que o arrendatário não existe nenhuma razão para excluir o fiador do título executivo para efeitos do artigo 14.º-A do NRAU.
11. O que leva a concluir que o título executivo que serve de base à execução e quando tem como fundamento o artigo 14.º-A do NRAU deve ser visto de forma complexa, pois apenas existe da conjugação dos dois documentos aí previstos, como o contrato de arrendamento e a comunicação.
12. O fiador é, desta forma, directamente responsável pelas consequências patrimoniais associadas ao incumprimento pelo arrendatário, portanto não se vislumbra, salvo melhor entendimento, qualquer motivo suficientemente forte e relevante para não ser abrangido pela previsão da norma do artigo 14.º - A do NRAU.
13. Quanto à exequibilidade do título é extensiva às rendas que se vencerem entre a comunicação efectuada aos Executados e a efectiva entrega do locado.
14. Na referida interpelação que constitui título executivo, pode ler-se que, não sendo entregue o locado na sua data de cessação, será peticionado, “o valor referente à indemnização correspondente ao valor da renda, elevada ao dobro em caso de mora, desde o momento em que o contrato cessou e até efectiva entrega do locado (cfr. Art.º 1045.º, n. ºs 1 e 2 do C.C.).
Ora,
15. O valor em causa é apurado com base num simples cálculo aritmético.
16. Por isso e, à data do envio da comunicação aos Executados, esse valor ainda não se encontrava aritmeticamente calculado, contudo à data do envio do requerimento executivo o pedido formulado pelo Exequente é um pedido líquido.
17. Até porque e, conforme jurisprudência citada, a expressão “renda” mencionada no artigo 14.º- A do NRAU abrange a indemnização prevista no artigo 1045.º do C.C., já que o valor da indemnização se trata de uma “renda em dobro” que não deixa de corresponder a uma “renda” devendo ser considerada como tal.
18. Portanto, tendo sido peticionados na comunicação enviada as Executados, quer arrendatário, quer fiadora, os valores respeitantes a rendas vencidas e indemnização, estão tais valores abrangidos pelo título executivo que se reveste, assim, de força executiva.
19. Assim, os valores indemnizatórios peticionados, nos termos do artigo 1045.º n. º 2 do C.C, revestem força executiva com base no título formado de acordo com o disposto pelo artigo 14.º-A do NRAU.
*
Devidamente notificado contra - alegou a recorrida concluindo pelo não provimento do recurso.
*
Corridos os vistos legais cumpre decidir.
*
II - FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
*
No seguimento desta orientação são duas as questões que importa apreciar:
a)- saber se o contrato de arrendamento acompanhado da carta de interpelação ao devedor constitui apenas título executivo contra o arrendatário ou também contra o fiador;
b)– se neste título estão abrangidos as rendas em dívida até à restituição do locado e respectiva indemnização.
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
1. Por acordo escrito datado de 01 de Outubro de 2014 o ora exequente deu de arrendamento a D… a fracção autónoma designada pela Letra “AG” correspondente ao terceiro andar recuado esquerdo com entrada pelo nº.. e … da Rua … , …. - … … VLG do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em … VLG, freguesia de … e concelho de Valongo , descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o nº 2689 inscrito na matriz sob o artº 8349 ( doc. de fls. 5v a 7 dos autos principais cujo teor se dá aqui por reproduzido);
2. A renda inicial mensal é de €325,00 (clausula 4.1.);
3. Nos termos da clausula 8.1 a executada enquanto fiadora obrigou-se na qualidade de obrigado principal e solidariamente com o arrendatário, renunciando ao beneficio de excussão prévia, a proceder ao pagamento ao senhorio de quaisquer importâncias que sejam devidas pelo arrendatário a titulo de celebração, execução ou cessação do presente contrato, suas renovações e aditamentos, incluindo indemnizações por não cumprimento e bem assim declara que a fiança que acaba de prestar subsistirá ainda que haja alteração de renda fixada no arrendamento;
4. O exequente dirigiu à executada o conteúdo da carta cuja cópia se encontra junto aos autos principais a fls. 10v por carta registada com A/R datada de 15 de Setembro de 2016, enviada em 19.09.2016 (fls. 10v dos autos principais);
5. Tal carta veio devolvida em 20.09.2016 com a seguinte menção: não atendeu à 13.55 e não tenho acesso ao receptáculo postal.
6. O exequente dirigiu à executada o conteúdo da carta cuja cópia se encontra junto aos autos principais a fls. 11 por carta registada com A/R datada de 27 de Outubro de 2016, enviada em 28.10.2016 (fls. 10v dos autos principais)
7. Tal carta foi devolvida em 31.10.2016 com a menção “não atendeu”.
*
III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em:
a)- saber se o contrato de arrendamento acompanhado da carta de interpelação ao devedor constitui apenas título executivo contra o arrendatário ou também contra o fiador.
Na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento negativo, ou seja, de que o referido contrato de arrendamento ainda que acompanhado de interpelação ao fiador não constituía título executivo contra este.
Deste entendimento dissente a embargada recorrente para quem, o referido contrato quando acompanhado da pertinente interpelação, constituiria título executivo contra o fiador.
Quid iuris?
O preceito normativo que prevê o referido título executivo é 14.º-A do NRAU que sob a epígrafe “Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas” dispõe o seguinte:
O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.
Como se sabe antes das alterações aditadas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, o NRAU regulava esta matéria no artigo 15.º, n.º 2, que preceituava o seguinte:
O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.”
Como se evidencia da leitura das duas normas a alteração cingiu-se apenas à correcção de uma imperfeição técnica (substituição da expressão incorrecta título executivo para “a acção” de pagamento de renda pela expressão correcta título executivo para “a execução” para pagamento de quantia certa) e ao aditamento de que o título também pode compreender encargos e despesas que corram por conta do arrendatário.
À semelhança do que sucedia com anterior artigo 15.º, n.º 2, também o actual artigo 14.º-A, ao arrepio do que seria de esperar, não explicita contra quem se forma o título executivo aí previsto.
Efectivamente, a norma refere os documentos que devem reunir-se para em conjunto formarem o título executivo, todavia não referem as pessoas que ficam abrangidas pela força executiva desses documentos, ou seja, se havendo vários intervenientes no contrato – v.g. o arrendatário e o fiador, com ou sem renúncia ao benefício da excussão prévia todos eles se devem considerar abrangidos pela força executiva ou apenas o arrendatário que é, diga-se, verdadeiramente, o devedor principal das rendas.
E por assim ser, a interpretação do citado artigo 14.º-A do NRAU tem causado discórdia, quer na doutrina quer na jurisprudência, acerca da possibilidade de o título executivo formado à luz do preceito (e anteriormente do referido artigo 15.º, nº 2) permitir a propositura de acção executiva também contra o fiador.
Resumidamente podem enunciar-se três posições:
1ª- Uma que admite a constituição de título executivo sem necessidade de notificação do fiador;
2ª- Uma segunda, que limita a admissibilidade de constituição do título à notificação do fiador;
3ª- Uma terceira, que recusa a possibilidade de constituição de título executivo contra o fiador.
A primeira posição argumenta, essencialmente, que a única justificação para a notificação ao arrendatário é obrigar o exequente a proceder a uma liquidação prévia das rendas em dívida, não se justificando a interpelação ao fiador por ele responder pela obrigação principal independentemente de interpelação. Exemplos da defesa desta posição, na jurisprudência, podem encontrar-se, entre outros, nos acs. TRL. 12/12/2008 (Tomé Gomes), de 15/11/2012 (Ondina do Carmo Alves), de 10/12/2016 (Vaz Gomes)[1], e, na doutrina, Menezes Leitão.[2]
A segunda posição argumenta a necessidade de notificação do fiador para assim ser obtido, contra ele, título executivo. Na doutrina, defendendo esta posição, vejam-se, Laurinda Gemas e outros.[3]
A terceira posição usa vários argumentos para recusar a possibilidade de formação de título extrajudicial contra o fiador por dívida de rendas.
Assim, Teixeira de Sousa[4] argumenta que “O preceito apenas admite que a comunicação seja realizada ao arrendatário, certamente porque somente este está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e de deduzir alguma eventual oposição. Por isso o título executivo (…) não se estende ao fiador.”
Gravato Morais[5] defende que “A norma não refere nenhuma orientação clara em nenhum dos sentidos (…) o legislador só terá pensado na pessoa do arrendatário (…) o fiador encontra-se numa posição mais fragilizada que o inquilino que pode por termo ao contrato a todo o tempo, o mesmo não sucedendo com o fiador (…) o fiador pode ser confrontado com uma acção executiva, na melhor das hipóteses, 13 a 14 meses após o incumprimento (…) nos casos em que de o senhorio exigir a renda acrescida da indemnização a situação é deveras injusta para o garante, pois o decurso de um largo período de tempo após a mora do arrendatário…oneraria aquele de um modo despropositado e iníquo”. Afasta, á partida, a possibilidade de aplicação do preceito embora admita, “em última via” a formação de título executivo contra o fiador mediante a notificação deste.
Rui Pinto[6] manifestando dúvidas, acaba por defender que não pode constituir-se título executivo extrajudicial contra o fiador, argumentando com a natureza restritiva das normas que prevêem categorias de títulos executivos; não poder a execução ser dirigida contra quem não consta do título e, a alteração legislativa de 2012 confirmar a intenção do legislador de não abranger outrem no âmbito subjectivo do título.
Expostas, assim, de forma resumida, as várias posições sobre a questão em análise, inclinamo-nos, ainda que sem isenção de algumas dúvidas, para sufragar a tese de que o contrato de arrendamento, acompanhado ou não da notificação, nunca constitui título executivo contra o fiador.
Analisando.
Não se põe em causa que não é obrigatória a constituição de fiador nos contratos de arrendamento, embora seja comum.
Da mesma forma que não se duvida que o próprio legislador, deixou cair a figura do fiador do locatário que estava prevista no artigo 655.º do CCivil, aplicando-se agora ao fiador, que se tenha vinculado em contrato de arrendamento, o regime geral da fiança[7], sendo que esse regime geral, no que respeita à vinculação como garante fidejussório, decorre do contrato de arrendamento.
Também é sabido que ocorrido o vencimento da obrigação a termo certo recorde-se que a renda corresponde a uma prestação pecuniária periódica (cfr. artigo 1075.º do CCivil) com vencimento a termo certo (cfr. artigo 1039.º, nº 1 do CCivil)–não é necessária a interpelação do fiador pelo credor como requisito para despoletar a aplicação plena do regime do artigo 634.º do CCivil: a fiança cobre as consequências contratuais da mora do devedor.[8]
Cremos, porém, respeitando-se entendimento diverso, que o regime substantivo da fiança não tem a virtualidade de, sem mais, possibilitar a extensão das normas processuais adjectivas, de molde a abranger o fiador no âmbito da execução quando o título executivo seja o contrato de arrendamento nos termos atrás referidos.
O artigo 703.º apresenta, no seu nº 1, uma enumeração taxativa de títulos executivos que podem servir de fundamento a uma acção executiva, sendo que, o emprego do advérbio apenas, no proémio do mencionado preceito, não deixa margem para qualquer dúvida: só têm natureza de título executivo os constantes desse elenco, nullus titulus sine lege.
A doutrina é unânime quanto a este carácter taxativo dos títulos executivos[9], não admitindo essa taxatividade o alargamento por interpretação extensiva e muito menos por analogia.[10]
De entre o elenco das espécies de título executivo figura, na al. d) do nº 1 do artº 703º “Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
Ora, um desses títulos executivos, por força de disposição especial é, justamente, o título para pagamento de rendas previsto no artº 14º-A do NRAU, que é formado pelo contrato de arrendamento complementado pela notificação de liquidação ao inquilino.
Todavia, o título assim formado tem exequibilidade extrínseca apenas contra o inquilino e não também contra o fiador.
Repare-se que, como resulta do artigo 14.º-A do NRAU, o contrato de arrendamento e a fiança não constituem só por si título executivo, sendo ainda necessária a notificação do arrendatário com a comunicação das rendas em dívida.
A corrente jurisprudencial maioritária propende para o entendimento que tal comunicação, não sendo necessária para demonstrar a existência do dever de prestar, visto que este resulta do contrato, nem para tornar a obrigação exigível, dado que tratando-se obrigação de prazo certo, nos termos do artigo 805.º, nº 2, do Código Civil, vence-se com o simples decurso desse prazo, acaba depois por concluir que a finalidade normativa do preceito se prende “com a necessidade de proceder a uma liquidação aritmética, prévia e extraprocessual, do valor das rendas em dívida de modo a tornar claro os valores que o exequente considera compreendidos na prestação devida, tendo em conta a tendencial perdurabilidade do contrato de arrendamento e o carácter periódico da obrigação de pagamento da renda”.
Não cremos, salvo o devido respeito, que esta seja a finalidade primária do citado preceito.
Efectivamente, o arrendatário sabe, ou devia saber, seguramente o que pagou e, por lógica implicância, o que está em dívida, como sabe o dia em que devia ter efectuado o pagamento em falta e que desde essa data se encontra em mora, ou seja, não necessitando, por essa via, que lhe façam qualquer liquidação prévia.
Portanto, a referida comunicação não tem qualquer vantagem ao nível nem da certificação, nem da segurança, nem da certeza, isto é, de que a dívida exequenda é certa, é líquida, é exigível, que seriam afinal os objectivos que poderiam condicionar a atribuição ao documento de força executiva.
Pensamos, assim, que a notificação prevista no artigo 14.º-A do NRAU ao arrendatário não obstante possa ter, de forma secundária, a referida função de liquidação, o seu objectivo primário é a de constituir uma derradeira interpelação do arrendatário devedor para que proceda ao pagamento, sob pena de execução imediata.
E se essa é ratio legis que subjaz ao referido preceito, forçoso é concluir que se fosse também intenção do legislador a formação de título executivo contra o fiador naqueles moldes, teria optado por diferente redacção do preceito de forma a abranger todos os possíveis obrigados.
Na verdade, não se divisa qualquer razão plausível, para excluir o fiador desse procedimento comunicacional, pois que, não obstante haja renunciado ao benefício da excussão prévia continua a ser um mero garante da obrigação.
Como assim, não se vislumbra porque razão este garante, em relação aos demais, teria de ser colocado em condições mais gravosas do que o devedor principal.
E contra isso não se argumente que, nesses casos, formar-se-ia título executivo contra o fiador se porventura o senhorio também o notificou nos mesmos termos em que notificou o arrendatário.
Com efeito, a notificação ao fiador não está prevista na lei e não estando prevista na lei não pode o tribunal criá-la ou atribuir-lhe valor jurídico, pois estaria a construir uma norma fora dos casos em que o pode fazer.
Estaria a reconstruir (aumentando-lhe o alcance) a norma do artigo 14.º-A por interpretação extensiva ou a construir uma nova norma por analogia, coisa que, a nosso ver, neste situação se mostra impossível.
Desta forma, justifica-se que não se constitua título executivo contra o fiador porquanto este, após o contrato, não teve qualquer relação com o senhorio, pelo que seria injustificado confrontá-lo com a existência de uma execução sem que, após o contrato, tenha tido qualquer intervenção na formação do título executivo.
Na verdade, como se refere no Ac. desta Relação de 24/04/2014[11] “sendo esta uma situação de título executivo definido especialmente pela lei, ou seja, uma situação particular em função de cujas particularidades o legislador decidiu conferir ao credor, de modo excepcional, o acesso directo à acção executiva, e sendo o elenco de títulos executivos um elenco taxativo e excluído da disponibilidade das partes, que nem por acordo podem criar títulos executivos ad hoc, para poder abranger qualquer outro responsável pelo pagamento da renda para além do arrendatário, a norma devia referi-lo de modo claro e isso não sucede”.
É que, como se refere no citado aresto, estando em causa uma condição de acesso a um determinado processo judicial as normas que podem relevar para esse efeito são as normas processuais, não as normas substantivas já que é por demais evidente que não é haver vários responsáveis por uma determinada dívida que todos podem ser accionados judicialmente de igual forma.
Por outro lado e como também aí se refere, existe na lei um diploma revelador da intenção legislativa.
Com efeito, o Decreto - Lei n.º 1/2013, de 7 de Janeiro, procedeu à instalação e à definição das regras de funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento, com vista à concretização do procedimento especial de despejo, o qual se aplica, designadamente, à resolução do contrato de arrendamento por não pagamento de renda por mais de dois meses.
Ora, o artigo 7.º deste diploma estabelece expressamente que quando seja deduzido pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, este apenas pode ser deduzido contra os arrendatários, não sendo, por isso, possível deduzir, no BNA, um pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, contra devedores subsidiários da obrigação do arrendatário.
Como assim, admitindo o citado inciso 14.º-A que além do arrendatário possam ser executadas outras pessoas (o cônjuge do arrendatário, mesmo que não seja parte do contrato de arrendamento) então ter-se-ia de concluir que o que justifica a solução não é o número de pessoas a demandar e que a existência de outros possíveis demandados para além do arrendatário não levantaria, afinal, qualquer dificuldade que impedisse a sua demanda através do Balcão Nacional do Arrendamento, o que como se disse não se mostra possível.
Por último e como também no citado aresto se refere não se pode olvidar que a Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que alterou o NRAU teve o cuidado de retirar este normativo (artigo 14.º-A) do lugar secundário de último número do artigo 15.º, conferindo-lhe a dignidade de constituir sozinho um preceito autónomo.
Assim, sendo já conhecida a polémica jurisprudencial e doutrinal que a norma vinha suscitando, o facto de as melhorias introduzidas no seu texto não terem compreendido, como seria então desejável, a tomada de posição expressa sobre a divergência de posições e, ao invés, se ter antes optado pela manutenção da menção exclusiva ao arrendatário (e não, por exemplo, a sua substituição pela referência a “devedor” ou a “obrigado”), tem que ser interpretada como vontade do legislador de a norma legal em questão abranger exclusivamente a formação do título executivo contra o arrendatário.
*
Diante do exposto e respeitando-se entendimento diverso, afigura-se-nos que o artigo 14.º-A do NRAU não prevê a formação de título executivo contra o fiador do arrendatário.
O propósito do legislador foi possibilitar ao senhorio a formação de título executivo apenas em relação ao devedor principal, abstraindo da eventualidade de haver qualquer garante da obrigação exequenda.
*
Destarte, improcedem, todas as conclusões formuladas pela recorrente embargada e, com elas, o respectivo recurso.
*
IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pela recorrente (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
*
Porto, 02/12/2019.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
_____________
[1] In www.dgsi.pt.
[2] In Arrendamento Urbano, 6ª edição (2013), pág. 234.
[3] In Arrendamento Urbano, 2ª edição, pág. 52.
[4] In Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, coordenação de Menezes Cordeiro, AAVV, 2014, pág. 406.
[5] In Falta de Pagamento de Renda no Arrendamento Urbano, pág. 79 e segs.
[6] In Manual da Execução e Despejo, 2013, pág. 1162 e segs.
[7] Para mais desenvolvimentos cfr., entre outros, Januário Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, pág. 310 e segs..
[8] Cf. Januário Gomes, obra citada, pág. 1251, Conclusão 234..
[9] Cfr. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, pág. 67 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo Executivo, &ª edição, pág. 19 e seg.; Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, pág. 22 e seg.; Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2ª edição, pág. 55 e seg.; Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, pág. 46 e seg.; Rui Pinto, A Acção Executiva, pág. 145.
[10][ Cfr. Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 67 e seg. e Rui Pinto, obra citada, pág. 145..
[11] In www.dgsi Processo 869/13.9YYPRT.P1 Relator: Aristides Rodrigues de Almeida.