Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9133/20.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
QUESTÕES ATINENTES AO PRÉDIO OBJECTO DA ACÇÃO
DESVIO À TRAMITAÇÃO PROCESSUAL NORMAL
Nº do Documento: RP202104159133/20.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Se existirem questões que, para além da divisão dos bens, sejam atinentes ao prédio objecto da acção de divisão de coisa comum, pode justificar-se, à luz dos critérios de eficácia, utilidade e de adequação previstos na parte final do art.º 266º, nº3, do CPC, um desvio à tramitação prevista para a acção especial de divisão de coisa comum desde que seja assegurado um processo equitativo, respeitando-se assim o carácter instrumental do processo adjectivo relativamente ao direito substantivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 9133/20.6T8PRT-P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
B… intentou a presente acção especial de divisão de coisa comum contra C…, alegando em síntese que ambos são comproprietários da fracção autónoma identificada no artigo 3º da petição inicial, a qual é indivisível em substância.
Por ser assim e por não pretender permanecer na indivisão, terminou pedindo o seguinte: a) Que fosse declarado que Autora e Réu são comproprietários da referida fracção autónoma; b) Que fosse declarado que a referida fracção é indivisível em substância; c) Que fosse declarado que a referida fracção tem o valor patrimonial actual de € 127.626,10.
O Réu contestou não impugnando a indivisibilidade do bem, mas, referindo em síntese o seguinte:
Que o valor real do imóvel é substancialmente superior ao valor patrimonial inscrito na matriz predial, requerendo por isso a realização de perícia, para se apurar o valor da causa;
Que o imóvel deve ser considerado bem próprio, porquanto foi o seu ordenado que suportou o desde 2003 o pagamento das amortizações do empréstimo constituído para aquisição do mesmo;
Que a proporção das quotas é diferente, pois todos os encargos com o imóvel foram suportados pelo Réu, pelo que o imóvel deve ser-lhe adjudicado.
Mais, referiu que, para o caso de assim não se entender, deduziu pedido reconvencional, por entender que terá sempre direito de crédito sobre a Autora relativamente aos encargos inerentes ao imóvel já suportados para além da proporção de uma quota de 50%, convocando em abono da sua tese, a título subsidiário, o regime do enriquecimento sem causa.
O Banco D…, S.A., também citado, veio confirmar que concedeu à Autora e ao Réu um mútuo, com hipoteca, para efeitos de aquisição do imóvel.
A Autora replicou, impugnando os factos alegados pelo Réu em reconvenção.
Os autos prosseguiram os seus termos, acabando por ser proferido despacho no qual se saneou o processo, se enumerou a matéria de facto tida por assente, se declarou o prédio em causa indivisível para todos os efeitos legais e se admitiu o pedido reconvencional, determinando-se o prosseguimento da acção nos termos do processo comum com o agendamento de audiência prévia.
A Autora veio interpor recurso deste despacho e quanto ao segmento do mesmo em que se admitiu o pedido reconvencional, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O Réu contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela autora/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
1-Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 13 de Dezembro de 2020 pelo Juízo Local Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juiz 5, no âmbito do processo especial de divisão de coisa comum à margem referenciado, que admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo Primeiro Requerido.
2-Contrariamente ao decidido, não se mostram preenchidos os requisitos de ordem processual e substantiva da admissibilidade da reconvenção deduzida pelo recorrido, previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 266.º do C.P.C., que o Tribunal a quo violou.
3-Em contestação ao pedido de divisão de coisa comum formulado pela recorrente, o recorrido não impugnou a indivisibilidade do bem, mas deduziu reconvenção, reclamando a titularidade de um suposto direito de crédito sobre a recorrente, por alegadamente ter suportado a totalidade dos encargos da coisa objecto de compropriedade.
4-Correspondendo ao pedido formulado pelo recorrido uma forma processual diversa (processo comum) da do pedido formulado pela recorrente (acção especial de divisão de coisa comum), o pedido reconvencional só seria admissível quando a tramitação das duas formas não fosse absolutamente incompatível e a apreciação conjunta daquelas pretensões se revelasse indispensável para a justa composição do litígio ou a ela presidisse um interesse relevante (artigo 266.º, n.º 3, e 37º, n.º 2, do C.P.C.).
5-A decisão ora posta em crise, estribando-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17-01-2019, processo nº 764/18.5T8STB.E1, julgou admissível o pedido reconvencional deduzido pelo recorrido, ao abrigo do disposto nesses artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.C..
6-Salvo o devido respeito por opinião contrária, não se revela imprescindível para a justa composição do litígio o conhecimento conjunto das duas questões, não havendo interesse objectivamente relevante ou vantagem na cumulação de pedidos para o efeito.
7-Até porque a pretensão do recorrido – reembolso do que supostamente terá pago além da sua quota-parte de responsabilidade - só faz sentido caso o imóvel em causa venha a ser adjudicado à recorrente, o que poderá não acontecer.
8- Por outro lado, a forma do processo especial de divisão de coisa comum e a forma de processo comum que o conhecimento do pedido reconvencional imporia são formas de processo que comportam tramitação absolutamente distintas e manifestamente incompatíveis (artigo 37º do C.P.C.), não susceptíveis de adequação.
9- A decisão recorrida não devia, pois, ter interpretado de forma restritiva a manifesta incompatibilidade da tramitação, prevista no n.º 2 do artigo 37.º do C.P.C., no sentido de nela apenas se abranger actos processuais contraditórios ou inconciliáveis.
10-“Manifesta incompatibilidade” não se confunde com impossibilidade de adaptação, que, de forma mais ou menos forçada, é quase sempre possível, o que não quer dizer que a tramitação dos processos em causa seja compatível.
11-A admissibilidade do pedido reconvencional deduzido pelo recorrido determinaria o prosseguimento dos autos sob a forma comum, para apreciação deste pedido, e só depois de proferida a respectiva decisão, se retomaria a fase executiva própria da acção especial de divisão de coisa comum, para adjudicação ou venda do imóvel.
12-A ser este o sentido dos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.º 2 e 3 do C.P.C., não haveria aqui qualquer adaptação de diferentes formas de processo, mas sim duas tramitações autónomas e sequenciais, sendo que o seu objecto estaria esvaziado de conteúdo, pois, no limite, todos os pedidos seriam cumuláveis.
13-Assim, discorda-se da decisão recorrida ao admitir a reconvenção deduzida, face à tramitação concreta dos presentes autos de processo de divisão de coisa comum, tendo violado o disposto no artigo 266.º, n.º 3 do C.P.C., e incorrido em erro na interpretação e aplicação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 37.º do C.P.C..
14-Acresce que, no entender da recorrente, também não se verificam os pressupostos substantivos de dedução da reconvenção, mencionados no artigo 266.º, n.º 2, do C.P.C., que taxativamente condicionam o exercício do direito de reconvir.
15-O despacho recorrido aceitou o pedido reconvencional deduzido nos termos do n.º 3 do artigo 266.º, do C.P.C., sem especificar em que alínea do n.º 2 desse artigo se enquadra, pelo que recorreu em insuficiente fundamentação jurídica.
16-De todo o modo, salvo melhor entendimento, o pedido reconvencional do recorrido não se enquadra em nenhuma das situações previstas nas alíneas a) a d) do artigo 266.º, n.º 2, do C.P.C., pelo também por este motivo acrescido não devia ter sido admitida a reconvenção deduzida pelo recorrido, por não estarem preenchidos os requisitos substantivos do n.º 2 do artigo 266.º, do C.P.C..
17-O despacho recorrido não aplicou, como devia, o n.º 2 do artigo 266.º, do C.P.C., que também violou.
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Quanto ao réu/apelado este conclui do seguinte modo as suas contra alegações:
A - O Recurso ao qual ora se responde tem como objecto o douto Despacho com a Ref.ª 420039544, proferido a 11 de Dezembro de 2020, pelo Juízo Local Cível do Porto – Juiz 5, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que admitiu o pedido reconvencional do ora Recorrido.
B - Tal Reconvenção versa sobre um direito de crédito sobre a Recorrente, atendendo ao regime da compropriedade, relativamente aos encargos inerentes ao imóvel já suportados pelo Recorrido para além da proporção de uma quota de 50%, convocando em abono da sua tese, a título subsidiário, o regime do enriquecimento sem causa.
C - A Recorrente, em suma, alega que por inobservância dos pressupostos substanciais e formais, tal Reconvenção não é admissível.
D - A acção especial de divisão de coisa comum tem por objecto a concretização do direito dos comproprietários à divisão, a que se reporta o art.º 1412.º do Código Civil, ou, no caso de indivisibilidade material da coisa, o acordo na sua adjudicação a algum dos titulares do direito de compropriedade e preenchimento dos quinhões dos outros com dinheiro, ou na falta de acordo, a venda executiva e subsequente repartição do seu produto na proporção das quotas de cada um (art.º 929.º n.º 2 do CPC).
E - Sendo a coisa materialmente indivisível, nos termos do art.º 929.º, n.º 2 do CPC, a divisão de coisa comum terá de se realizar com a adjudicação do prédio a um dos comproprietários mediante o pagamento de tornas ao outro comproprietário, ou com a venda executiva e subsequente repartição do seu produto na proporção das quotas de cada um.
F - Foi então nestes termos que o Recorrido deduziu a sua reconvenção, pois que as despesas realizadas por um dos interessados quer no pagamento de empréstimo bancário relativo ao prédio, quer nos inerentes seguros e IMI, numa situação em que o pagamento caberia a ambos, gera na sua esfera jurídica, um direito a ser ressarcido em ½ das despesas. Esse crédito poderá assim ser compensado com o crédito do Recorrido em tornas.
G - O Código de Processo Civil estipula requisitos de ordem substancial (art. 266.º, n.º 2) e de ordem formal (art. 266.º, n.º 3) para a admissão de Reconvenção.
H - In casu, o Recorrido deduziu Reconvenção, por compensação, aduzindo que tem sido ele a proceder ao pagamento do mútuo, pedindo a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de 45.377,44€ (quarenta e cinco mil, trezentos e setenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros, ou que aquele montante venha a ser compensado no valor da sua quota resultante da divisão.
I - Ao contrário do que faz crer a Recorrente nas suas Alegações – quando refere que “a pretensão do recorrido ver reconhecido um direito de crédito sobre a recorrente não é abrangida pela previsão da al. c), do n.º 2 do art. 266.º, do CPC, uma vez que não está em causa na acção um crédito reclamado pela recorrente que o recorrido pretende ver compensado ou pago no seu excesso” (página 9) -, estando nós perante um pedido compensatório, sempre se enquadraria, indubitavelmente, na al. c) do n.º 2 do art. 266.º do CPC.
J - Foi até a Recorrente que na sua Petição Inicial pediu a) que fosse declarada a compropriedade; b) que fosse de declarada a indivisibilidade material da coisa; d) a designação de conferência de interessados nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 929.º do CPC;
K - E por isso bem sabia que se seguia ou uma adjudicação do prédio, que teria como consequência o pagamento de tornas ao outro comproprietário (caso o bem fosse adjudicado a um deles); ou a repartição do produto da venda judicial na proporção das quotas de cada um.
L - Tendo sido o Recorrido a suportar a totalidade das quantias no âmbito do mútuo bancário celebrado com o BANCO D…, S.A., que efectuou e continua a efectuar todos os pagamentos, apesar de ambos serem responsáveis pelos mesmos, assiste-lhe um direito de crédito que tem importância - e deve ser compensado - nesse “encontro final de contas”.
M - Mas, para além da inadmissibilidade substancial da Reconvenção apresentada pelo Recorrido, escuda-se a Recorrente - aliás, a título principal - na sua inadmissibilidade formal.
N - Os pressupostos formais para admissão de Reconvenção encontram-se determinados no n.º 3 do art. 266.º do CPC: “3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.”
O - Vejamos também os n.ºs 2 e 3 do art. 37.º do Código de Processo Civil, ex vi do art. 266.º, n.º 3: “2 - Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio; 3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada.”
P - No nosso caso concreto, a acção de divisão de coisa comum segue uma forma de processo especial, descrita nos artigos 925.º a 930.º do CPC; diferente da forma de processo que segue a demanda do demandado – que segue a tramitação comum (prescrita nos arts. 550.º e ss. do CPC).
Q - É certo que a primeira parte do n.º 3 do art. 266 do CPC prescreve que “Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor”, - que é o nosso caso -, porém, a segunda parte do preceito consagra a seguinte excepção “salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.”
R - O art. 266.º, n.º 3 segunda parte, mais não é do que uma concretização do princípio do dever de gestão processual consagrado no art. 6.º do CPC, na sua acepção da adequação formal: o legislador atribui um poder tal ao Julgador, que lhe permite atentas certas circunstâncias (tratando-se, portanto, de um poder vinculado) adaptar o processo e admitir a Reconvenção, mesmo quando as formas do processo constituam um factor impeditivo.
S - O princípio da gestão processual incerto no nosso Código de Processo Civil nasce do reconhecimento do legislador português de que, mesmo em certas situações pré-determinadas na Lei, face ao caso concreto, é o Julgador que melhor se encontra posicionado para decidir e dirigir activamente o processo; é um princípio que se enquadra no Processo Civil Moderno e que apenas alcançou o seu lugar na letra da lei processual civil portuguesa com a reforma de 2013, mas que adquire tamanha importância que surge como um dos princípios fundamentais do processo civil, o que explica a sua inserção no Título I do CPC – Das disposições e dos princípios fundamentais.
T - O que a Recorrente vem, na sua matéria recursória, alegar é que esse poder de gestão processual foi exercido de forma contrária às condições a que está vinculado, mas nada mais erróneo.
U - A Lei atribui, concretamente, ao Julgador, o poder de gestão processual no âmbito da acção especial de divisão de coisa comum, permitindo-lhe admitir reconvenção nas seguintes circunstâncias cumulativas: 1) quando o seu pedido não corresponda a tramitação manifestamente incompatível à da acção, 2) sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio (art. 37.º, n.º 2 do CPC ex vi do art. 266.º, n.º 3 do CPC).
V - Para chegarmos à conclusão sobre se o pedido da Reconvenção do nosso caso concreto, corresponde ou não a tramitação manifestamente incompatível à da acção, analisemos o seguinte:
W - Nos termos do artigo 926.º, n.º 3, o processo especial de divisão de coisa comum é transmutado para a forma de processo comum sempre que haja contestação e a questão não possa ser sumariamente decidida - é certo que entendimentos podem existir de que a previsão do art. 926.º, n.º 3 não corresponde ao caso dos autos, mas o que nos interessa por ora é concluir que não podemos afirmar que a tramitação do processo especial de divisão de coisa comum é manifestamente diferente da forma de processo comum, e, tanto não é, que casos existem em que aquela é transmutada nesta, ao abrigo da Lei.
X - Também assim o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão citado pelo Tribunal a quo, o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 15 de Março de 2018, no âmbito do processo 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8 e o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 01-10-2019, no processo 385/18.2T8LMG-A.C1.S2 – num processo com Reconvenção cuja questão que se coloca é a da obtenção de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, caso diferente dos presentes autos, mas cuja ratio é a mesma.
Y - Portanto, concluímos que o pressuposto ínsito da primeira parte do art. 37.º, n.º 2, ex vi do art. 266.º, n.º 3 do CPC - i.e. o da não verificação de duas formas de processo manifestamente incompatíveis - se encontra cumprido.
Z – Resta, portanto, saber se existe, na admissão da Reconvenção, interesse relevante ou se a apreciação conjunta das pretensões é indispensável para a justa composição do litígio (art. 37.º, n.º 2 segunda parte do CPC ex vi do art. 266.º, n.º 3 do CPC).
AA - In casu, a Reconvenção versa sobre as despesas que o Recorrido realizou na aquisição do prédio e que deveriam ter sido repartidas em partes iguais com a Recorrente, não tendo esta, contudo, pago a sua quota-parte, sendo a decisão desta questão essencial para, em conferência de interessados, assente que esteja o valor do prédio, fixar as tornas que o comproprietário que adjudique o prédio terá de pagar ao outro, ou para fixar a repartição do produto da venda judicial na proporção das quotas de cada um.
BB - Seguir para a conferência de interessados e atribuir as tornas ao comproprietário que não adjudica o prédio, calculadas apenas de acordo com as quotas respectivas, significa criar uma situação de impossibilidade de acordo quando um dos interessados invoca créditos sobre o requerente relativos ao próprio prédio, susceptíveis de fundamentar a compensação, o que naturalmente afectaria os direitos do Recorrido e, portanto, a almejada justa composição do litígio.
CC - Assim o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-03-2018, processo n.º 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8.
DD - Por outro lado, não existe utilidade em fazer o processo seguir nos termos simplificados da acção especial, quando isso significa a impossibilidade de acordo, que é o seu objectivo, ou obrigará uma das partes a deduzir uma nova acção - o que contraria inclusivamente o princípio da economia processual.
EE - Pelo exposto, a decisão do Tribunal a quo de admissão da Reconvenção é a única consentânea com um processo que se reveja nos princípios que constituem o Processo Civil Moderno, rompendo com as visões antagónicas formalistas, só assim se alcançará a pedra de toque do Código de Processo Civil Português: a tão almejada justa composição do litígio.
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Perante o exposto resulta claro que é a seguinte a única questão suscitada no presente recurso:
A da admissibilidade ou da não admissibilidade do pedido reconvencional deduzido pela Ré.
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Os factos alegados e as ocorrências processuais relevantes para a decisão do presente recurso são os já antes referidos em I.
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Como já vimos, no despacho recorrido, admitiu-se a reconvenção, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, nº3 e 37º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, determinando-se que os autos seguissem os termos do processo comum.
Para tanto chamaram-se à colação os argumentos consignados no Acórdão da Relação de Évora de 17.01.2019, no processo 764/18.5T8STB.E1, publicado em www.dgsi.pt.
E é contra tal decisão e tal fundamentação que se vem agora insurgir a Autora.
Sem razão como já a seguir veremos.
Assim, temos como válida a fundamentação que esteve na base do supra citado Acórdão da Relação de Évora e que no mesmo foram sintetizadas da seguinte forma:
“I - Sendo as diversas formas de processo - especial e comum -, o único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a transmutação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do indicado artigo 37.º, pode o juiz autorizar a reconvenção, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio.
II - Quando a indivisibilidade do bem comum é aceite entre as partes e o único litígio verdadeiramente existente se prende com as questões relativas à aquisição da fracção autónoma em comum e na mesma proporção por ambos os comproprietários, com recurso a pedido de empréstimo bancário, que um alega ter suportado em quantia superior ao outro, o poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as da presente lide.
III – Esta é a única interpretação que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil, cada vez mais arredados de visões de pendor marcadamente formalista em detrimento da busca da garantia de uma efectiva composição do litígio que reponha a paz social quebrada com as visões antagónicas que as partes têm do caso que as divide e que são o único fundamento da demanda.”.
No mesmo sentido vai, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.10.2019, no processo 385/18.2T8LMG-A.C1.S2, em www.dgsi.pt. onde se defende, nomeadamente, que tramitação “manifestamente incompatível”, nos termos e para os efeitos dos artigos 266º, nº3 e 37º, nº2, do Código de Processo Civil, só existirá naqueles casos em que se imporia (ou, pelo menos, em que houvesse o risco disso suceder) praticar actos processuais contraditórios ou inconciliáveis.
E mais que não basta que se esteja perante tramitações desajustadas umas das outras, pois que isso sempre acontece, em maior ou menor grau, em formas processuais diferentes.
São pois estas as razões que justificam a adesão ao entendimento que está na base da decisão recorrida:
A questão da admissibilidade da reconvenção numa acção de divisão de coisa comum, nos casos em que se verifica algum ou alguns dos factores de conexão entre a acção e a reconvenção previstos no art.º 266º, nº2, do CPC, suscita-se por força do que decorre do disposto no art.º 266º, nº3 do mesmo diploma legal, onde está consignado o seguinte:
“Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do art.º 37.º com as necessárias adaptações.”
Ou seja, o art.º 266º, nº3, do CPC tem, necessariamente, de ser conjugado com o art.º 37º, nºs 2 e 3, dai resultando a possibilidade de ser admitida a reconvenção se houver um “interesse relevante” na sua apreciação no processo especial de divisão de coisa comum ou se a apreciação conjunta das pretensões (a do autor e do reconvinte) for indispensável para a justa composição do litígio, devendo, em qualquer um dos casos, o juiz adaptar o processado à cumulação de objectos processuais.
A propósito deste nº3 do art.º 266º, defendem o seguinte, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, a pág.4:
“Além dos factores de conexão material referidos, o nº3 exige a compatibilidade processual do pedido do réu com o pedido do autor, expressa através da sujeição da apreciação de ambos ao processo comum ou à mesma forma de processo especial. Pode, porém, o juiz autorizar a reconvenção quando, correspondendo-lhe embora uma forma de processo diversa da acção (processo comum/processo especial ou processos especiais diversos), as tramitações de ambas as formas não sejam manifestamente incompatíveis e seja indispensável ou conveniente a apreciação conjunta. Compete então ao juiz definir o procedimento a seguir, em concretização do princípio da adequação formal.”.
Para nós é válido o entendimento de que se existirem questões que, para além da divisão dos bens, sejam atinentes ao prédio objecto da acção de divisão de coisa comum, pode justificar-se, à luz dos critérios de eficácia, utilidade e de adequação previstos na parte final do art.º 266º, nº3, do CPC, um desvio à tramitação prevista para a acção especial de divisão de coisa comum desde que seja assegurado um processo equitativo, respeitando-se assim a ideia de que o processo adjectivo deve ser instrumental em relação ao direito substantivo.
No caso concreto o que temos é o seguinte:
Na sua contestação o Réu deduziu pedido reconvencional pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 45.377,44, acrescida de juros moratórios, quantia referente aos montantes que pagou para além da sua quota-parte e que se referem aos mútuos com hipoteca destinados à habitação melhor identificados no artigo 38º da mesma peça processual.
Ou seja, tal valor diz respeito aos encargos com os empréstimos que têm por objecto o imóvel objecto dos presentes autos.
Já vimos que a admissibilidade de pedido reconvencional na acção de divisão de coisa comum pressupõe a verificação dos pressupostos objectivos previstos nas alíneas do nº2 do artigo 266º do CPC, e, ainda, que seja indispensável ou conveniente a apreciação conjunta do pedido do autor e do pedido formulado pelo réu.
Não devem suscitar-se dúvidas que o pedido reconvencional de condenação da Autora no pagamento da referida quantia de € 45.377,44, valor alegadamente correspondente a metade das prestações devidas pelos empréstimos bancários contraídos por ambos os consortes para aquisição do imóvel objecto dos presentes autos mas alegadamente suportadas apenas pela Réu-reconvinte, se enquadram na previsão do artigo 266º, nº2, alínea c), do CPC.
E isto porque a acolher a pretensão apresentada pelo Réu na sua contestação, o mesmo quer que lhe seja adjudicado em sede de conferência de interessados o imóvel objecto dos autos, pelo que um eventual crédito que lhe assista por força daqueles pagamentos que diz ter realizado poderá vir a ser compensado com o crédito da Autora relativo a tornas.
Ora todos sabemos que a economia de processos é uma das manifestações do princípio da economia processual (neste sentido cf. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil Conceitos e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, págs.163/164).
Ou seja, bem decidiu pois o Tribunal “a quo” ao admitir o pedido reconvencional formulado pelo Réu na sua contestação, mandando prosseguir os autos nos termos do processo comum com o agendamento de audiência prévia.
Improcedem assim os argumentos recursivos da Autora/apelante.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência confirma-se a decisão recorrida.
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Custas pela autora/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 15 de Abril de 2021
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos