Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17683/21.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP2022062717683/21.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: As ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser instauradas contra o condomínio que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito.
(Da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 17683/21.0T8PRT.P1

Recorrente – AA
Recorridos – Condomínio do prédio sito na rua ..., ..., no Porto e outros


Acordam [Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho] na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
AA requereu o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações da assembleia de condóminos, contra o “Condomínio do prédio sito na rua ..., ..., sito no Porto”, representado pelo administrador BB, a “Z..., Lda.” e BB, pedindo que, pelo deferimento da providência “suspenderem-se as “deliberações” da pretensa “Assembleia” [de 20.10.2021] do Condomínio do prédio sito na Rua ..., ..., Porto”.

Alegou, em suma, que esta providência “reproduz de alguma forma” o já invocado com vista à suspensão de diversas “deliberações” tomadas na pretensa “assembleia” do mesmo “condomínio”, datada de 07.09.2021 - providência que corre termos no Porto - Juízo Local Cível - Juiz 3, processo: 5606/21.6T8PRT, mas os requeridos persistem em agendar assembleias sobre assembleias e em deliberar a constituição de despesas e encargos estapafúrdios e verdadeiramente abusivos em prejuízo da requerente. Esclarece que o prédio, constituído em propriedade horizontal, é composto por duas frações, sendo a requerente proprietária da fração “A” e a segunda requerida, desde 2021, proprietária da fração “B” e que, desde então, a requerente passou “a ser assediada pela 2.ª e 3.º requeridos para fazer obras significativas no prédio”, obras que não são de conservação ordinária e cujo valor foi sempre empolado, e que a requerente não tem condições financeiras de suportar. Refere que no dia 28 de julho de 2021 se realizou “uma reunião entre a requerente e o Sr. BB, gerente da sociedade titular da fração “B”, em que se gorou consenso quanto ao tratamento das questões respeitantes às zonas comuns do prédio”; posteriormente, a requerente recebeu “carta do Sr. BB, na qualidade alegadamente de “administrador do prédio”, em que envia um documento a que chama de “ata n.º 3” da alegada reunião – designada assembleia de condomínio de 7 de setembro de 2021 (doc. 12) “Assembleia” essa com apenas um interveniente, o Sr. BB, designando-se “administrador “e representante da proprietária da fração “B”, 2.ª requerida, em que supostamente “aprovam” uma série de deliberações respeitantes ao prédio”. A aprovação das tais pretensas deliberações é ilegal, desde logo porque a sua execução “representaria intolerável quebra dos princípios da confiança e boa-fé”. A requerente instaurou providência de suspensão da deliberação, mas tal não travou os desígnios do titular da fração “B” e, “foi de imediato agendada pela titular da fração “B” – e seu legal representante arrogando-se “administrador” do condomínio – nova assembleia para o dia 20.10.2021 [aqui em causa], tendo a requerente nela estado presente”, mas “não dispõe ainda da ata da referida assembleia que não lhe foi ainda dada a conhecer, o que dificulta o exercício do seu direito de ver suspensas e posteriormente anuladas as deliberações aí tomadas”; não “obstante, e mesmo com estas dificuldades, não pode deixar de, desde já, pugnar pela sua suspensão, tanto mais que encontra-se já agendada nova assembleia para novembro tendo em vista a discussão e suposta aprovação de orçamentos para obras no prédio”. Seja como for, o que os requeridos pretendem é apresentar uma conta enorme de relatórios e orçamentos de obras, “por forma a esmagar financeiramente a requerente”. Em suma, a requerente entende que os requeridos fizeram aprovar deliberações, abusando da posição maioritária, para assim impor decisões relativas à administração do imóvel com as quais a requerente não concorda.

Os requeridos, conjuntamente, deduziram oposição. Entendem que a providência devia ter sido liminarmente indeferida, já que completamente infundada, sustentando, em suma, não estarem verificados os pressupostos de que depende o deferimento da providência cautelar requerida, porquanto, e desde logo, a requerente “não apresenta nenhum fundado receio de que lhe possa ser causada lesão grave e dificilmente reparável a qualquer seu direito”.

A requerente foi notificada (23.12.2021) para juntar aos autos os documentos que possa ter apresentado no dito processo n.º 5606/21.6T8PRT e de que se pretenda prevalecer, bem como a ata da assembleia de condóminos na qual terão sido aprovadas as deliberações cuja suspensão requer [A circunstância de ter junto documentação noutro procedimento cautelar que à data corria termos neste mesmo juízo, não dispensa a parte de a juntar. Mais deverá juntar aos autos a ata que respeita à assembleia de condóminos no âmbito da qual terão sido aprovadas as deliberações cuja suspensão requer, documento que se reporta essencial para a decisão da causa], mas não juntou quaisquer documentos e, a 28.01.2022, foi proferida a decisão recorrida, na qual se decidiu: “- Julgo o “Condomínio do prédio sito na rua ..., ..., sito no Porto” e BB partes ilegítimas e absolvo os mesmos da instância. - Julgo improcedente o presente procedimento cautelar e inferido a providência requerida. Custas a cargo da requerente. Fixo o valor da providência em 30.000,01€.

A decisão recorrida começou por apreciar a legitimidade passiva [(...) afigura-se que a ação de anulação de deliberação da assembleia de condóminos tem como autores os condóminos que não tenham aprovado a deliberação (ou seja, os que votaram contra, os que se abstiveram e os ausentes) – é o que se extrai da expressão legal “qualquer condómino que as não tenha aprovado” – e como réus os que votaram a favor – o que se extrai por oposição àquela expressão e da representação judiciária pelo administrador “dos condóminos contra quem são propostas as ações”. Assim, devem figurar como réus apenas os condóminos, individualmente considerados (e não o condomínio nem o seu administrador) (neste sentido, Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2.ª Edição, pps. 190 e 191, bem como, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/11/2008, publicado na página da DGSI). Aliás, em consonância com o exposto, mal se compreenderá sequer equacionar a legitimidade do condomínio no âmbito destas ações de impugnação das deliberações quando nem sequer lhe é reconhecida personalidade judiciária, atento o disposto no art. 12.º, al. e), do CPC e na justa medida em que o administrador reconhecidamente não tem poderes deliberativos (...) sem prejuízo da posição de autoridade sempre reconhecida ao Ilustre Processualista e Professor de Coimbra Doutor Miguel Mesquita, que também não procede o argumento que convoca para sustentar a interpretação atualista do art. 1433.º, n.º 6, do Código Civil, ou seja, com vista a interpretar a referência aos condóminos como ao condomínio (...) Por último e como já referido, também a legitimidade passiva não pode recair sobre o administrador a quem, como se extrai do art. 1433.º, n.º 6, do Código Civil, caberá representar os condóminos que votaram favoravelmente. Também não há fundamento para convocar o disposto no art. 1437.º, n.º 1, do Código Civil (na redação introduzida pela Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro), pois que a representação em juízo aí reconhecida ao administrador pressupõe que o condomínio seja parte na causa], concluindo “serem partes ilegítimas quer o “condomínio”, quer BB, demandado que foi na qualidade de administrador (e não apenas indicado para representar o condómino que votou favoravelmente as deliberações). Perante o que fica exposto, apenas se reconhece legitimidade passiva à ré condómina, que foi citada na própria pessoa e não na pessoa do administrador, de acordo com o disposto no art. 383.º, n.º 2, do CPC”.

E acrescenta-se: “(...) compreendendo aquela representação dos condóminos, a preterição da intervenção em juízo do administrador ou de pessoa nomeada pela assembleia não contende com o pressuposto processual da representação judiciária e a falta de citação daqueles na pessoa deste não importa qualquer das consequências previstas nos arts. 27.º, 28.º e 29.º do CPC (neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/11/2008, proc. n.º 08B2784, DGSI). Desta forma, não obstante a requerente não ter indicado a pessoa do administrador para ser citado em representação da segunda requerida/condómina e tendo, por isso, esta sido citada e exercido o contraditório, nada obsta a que o procedimento cautelar prossiga os seus termos, sem necessidade de qualquer suprimento, reconhecendo-lhe, capacidade judiciária e legitimidade para a causa”, voltando a concluir-se “pela falta de legitimidade dos primeiro e terceiro requeridos”.

Seguidamente, a decisão recorrida entendeu que “os autos e atento o disposto nos arts. 367.º n.º 1, a contrario, e 368.º do CPC, entende-se que não se afigura necessária a produção de prova complementar àquela que se encontra junta aos autos, concretamente, a oferecida pelas partes, e que, por isso, se está já em condições de decidir” e considerou que “Resultam dos autos indiciados os seguintes factos relevantes para a decisão:
1) O prédio urbano sito na rua ..., ..., registado na Conservatória do Registo Predial do Porto com o n.o..., encontra-se constituído em propriedade horizontal, fracionado em duas frações identificadas pelas letras “A” e “B”.
2) A fração “A” do prédio referido em 1) encontra-se registada a favor da requerente.
3) A fração “B” do prédio referido em 1) encontra-se registada a favor da requerida “Z..., Lda.”.
4) Os condóminos reuniram-se no dia 7 de Setembro de 2021.
5) Corre termos o procedimento cautelar de suspensão de deliberações de condóminos requerida pela aqui requerente contra os aqui requeridos, pela qual a se pede a suspensão das deliberações aprovadas na assembleia realizada no dia 7 de Setembro de 2021.
6) Os condóminos reuniram-se no dia 20 de Outubro de 2021.”

E, aplicando o Direito [(...) embora tal não resulte expresso, afigura-se que a requerente se refere à assembleia realizada no dia 20 de Outubro de 2021, pretendendo que se ordene a suspensão das deliberações nela aprovadas (...). São pressupostos de verificação cumulativa do deferimento da suspensão (1) a ilegalidade da deliberação e (2) a suscetibilidade de a execução da deliberação causar dano apreciável (...) É controversa a questão em torno do valor probatório da ata da assembleia tendo em atenção o disposto no art. 1.º do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro, concretamente se constituiu uma formalidade ad substantiam, imposta por razões de segurança jurídica, de tal maneira de a forma legal não é suscetível de ser substituída por outra, tal como previsto no art. 364.º, n.º 1, do Código Civil; ou uma mera formalidade ad probationem, caso em que a sua preterição não impede a prova por confissão expressa, tal como decorre no art. 364.º, n.º2, do mesmo Código. Admitindo que, seguindo este segundo entendimento e em sede de julgamento a requerente viesse a lograr provar as deliberações aprovadas na dita reunião de 20 de Outubro de 2021, importa atentar no alegado. Ora, que deliberações é que a requerente diz estarem em causa?
Analisado o requerimento inicial, serão três. A saber: - A deliberação pela qual foi aprovada a ata da assembleia de condóminos realizada no dia 7 de Setembro de 2021 (cfr. arts. 70.º a 83.º do requerimento inicial), sustentando a requerente não haver fundamento legal para a dita aprovação; - A deliberação pela qual foi aprovado um caderno de encargos relativo ao elenco das obras a realizar no prédio, sem qualquer orçamentação de custos (sendo certo que a requerente apenas se insurge relativamente a parte dessas obras sem ter concretizado quais) (cfr. arts. 84.º a 104.º do requerimento inicial), sustentando a requerente que parte das obras são excessivas em face da condição do imóvel; - A deliberação pela qual foi aprovado retirar o estendal existente na varanda e a marquise da fração “A” (cfr. arts. 105.º a 123.º do requerimento inicial), sustentando que os mesmos existem há mais de 40 anos e que nada obsta a que se mantenham. Para sustentar a urgência da providência, alegou: - Que poderá vir a ser confrontada com a execução judicial destas deliberações, designadamente com a cobrança do valor das obras, com o risco de penhora do seu património porque não tem rendimentos para as pagar (arts. 125.º a 127.º, 140.º a 146.º do requerimento inicial). - Que sente vergonha por ter de expor a sua situação económica e vive com receio de ser surpreendida com obras e/ou penhoras, o que lhe tem causado estado de angústia e depressão (arts. 147.º a 149.º do requerimento inicial). Ora independentemente do mérito ou demérito da argumentação avançada para sustentar a ilegalidade das deliberações, não se vê que os factos alegados sejam o bastante para sustentar a urgência que fundamenta o decretamento desta providência, ou seja, a supra explicada suscetibilidade de a execução da deliberação causar dano apreciável. E isto desde logo porque as deliberações em causa não se afiguram sequer que sejam exequíveis, seja no sentido de impor ao administrador a prática de quaisquer atos que constranjam a requerente, seja no sentido de serem suscetíveis de serem executadas judicialmente. Veja-se. Quanto à aprovação da ata n.º 3, tal deliberação não tem mais valor do que as deliberações aprovadas na assembleia de 7 de Setembro de 2021 e estas são já objeto de apreciação em procedimento cautelar requerido em momento anterior. No que respeita à aprovação do caderno de encargos, esta deliberação só é suscetível de ter efetiva repercussão patrimonial se vier a ser aprovado um qualquer orçamento para a realização dessas obras. Só aí a requerente poderá passar a ter uma obrigação pecuniária perante o condomínio que caberá ao administrador cobrar e, perante a falta de cumprimento e na medida em que a essa ata seja reconhecido o valor de título executivo, nos termos do art. 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro, poderá vir a ser executada. Ora, tal orçamento pode nunca vir a ser aprovado em assembleia ou até a ser aprovado um orçamento por valor inferior aquele que a requerente propôs. Por último, quanto ao estendal e à marquise, nem é a deliberação do condomínio que torna tais alterações ilegais, nem a deliberação constitui título que habilite o administrador a, sem mais, mandar executar quaisquer obras para destruição dos mesmos e menos ainda a ata constituiu título executivo que lhe permita requerer qualquer execução para prestação de facto. Ressalvada qualquer atuação da entidade administrativa competente que também não está dependente da deliberação, só em acção judicial própria é que a requerente poderá vir a ser condenada a retirar o estendal e a marquise. Desta forma, não sendo as ditas deliberações suscetíveis de serem materializadas em atos de execução a realizar pelo administrador em cumprimento das mesmas ou sequer imediatamente passíveis de ser executadas judicialmente, nem sequer faz sentido equacionar se importam quaisquer danos para a requerente] vindo a concluir que “perante o exposto e por referência aos factos alegados pela requerente, mesmo que viesse a lograr prová-los integralmente, não se verificaram os pressupostos necessários ao deferimento da providência requerida, muito especificamente o dano apreciável que a execução de tais deliberações possa implicar porque, as mesmas não são suscetíveis de serem materializadas em atos com repercussão na esfera patrimonial da requerente, seja pela execução material do deliberado pelo administrador, seja pela execução judicial de quaisquer obrigações. Nesta medida, porque se não verificam preenchidos os pressupostos a que alude o art. 380.º, n.º 1, aplicável por força do art. 383.º, n.º 1, ambas as disposições do CPC, cumpre indeferir a pretensão da requerente”.

II – Do Recurso
Inconformada com o decidido, a requerente interpôs recurso, pelo qual pretende que se “A) Admita como partes legítimas nos autos todos os Requeridos demandados pela Requerente na presente providência; B) Ordene pelo menos o prosseguimento dos autos para realização de audiência de discussão e julgamento, ainda que, se assim se entender, mediante prévio convite ao aperfeiçoamento, na medida do que se considere necessário”, e formula as seguintes Conclusões:
A - Enquadramento fático
I - A providência reproduz de alguma forma o já invocado com vista à suspensão de diversas “deliberações” tomadas nas pretensas “assembleias” do mesmo “condomínio”, providências que correm termos respetivamente no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto, Juiz 9, sob o n.º 18126/21.5T8PRT-A (anterior processo: 5606/21.6T8PRT) e n.º 17683/21.0T8PRT do Juízo local Cível do Porto, Juiz 3.
II - Simplesmente, os requeridos persistem em agendar “assembleias sobre assembleias” e em deliberar a constituição de despesas e encargos “estapafúrdios” e verdadeiramente abusivos em prejuízo da requerente.
III - E, assim, não obstante as pretensas deliberações da designada “assembleia” de condomínio de 7.09.2021, quer da designada assembleia de condomínio de 20.10.2021, terem sido sujeitas oportunamente a pedido de suspensão e, depois, de anulação de deliberações (processos que correm termos respetivamente no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto, Juiz 9, sob o n.º 18126/21.5T8PRT e n.º 20811/21.2T8PRT do Juízo Local Cível do Porto, Juiz 9), a verdade é que os requeridos vieram convocar nova “assembleia” para o dia 10 de janeiro de 2022, pelas 16 horas, tendo fundamentalmente como objeto (pasme-se) a ratificação das pretensas “deliberações” tomadas nas anteriores “assembleias” – aquelas atrás designadas -, não obstante sabendo da existência daqueles procedimentos visto que para eles já foram citados e tiveram neles já intervenção.
IV - A presente providência não surge, pois, como um ato isolado de reação contra apenas uma deliberação isolada do “condomínio”, mas sim integrada numa verdadeira série sucessiva de deliberações cujo fito final é o de ver “aprovados” um conjunto muito significativo e oneroso de obras no prédio em que se integra a fração propriedade da recorrente.
V - O tribunal julgou parte ilegítima na ação os Primeiro e Terceiro réus e improcedente a presente providência.
VI - Decisões com as quais não pode, data vénia, pela sucessiva ordem de razões que, de seguida, se expenderá.
B – Da questão da legitimidade
VII - A problemática da legitimidade passiva na ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem dividido a jurisprudência dos tribunais superiores, bem como a doutrina (divisão que valerá tanto para as ações de impugnação propriamente dita como para as providências cautelares de suspensão que lhes antecedam – como é o caso dos autos).
VIII - O caso dos autos reveste algumas especificidades, tanto mais que o prédio em causa tem apenas 2 frações, sendo que o condómino “Z..., Lda.” tem como único sócio o terceiro requerido (além das ações próprias que a sociedade detém também e que são por ele controladas); foi o próprio que, nessa qualidade de representante do condómino “Z..., Lda.” forçou a aprovação de regulamento de condomínio (verdadeiramente barroco) e foi também o próprio, sempre nessa qualidade, que se auto nomeou administrador de condomínio, servindo esta sociedade apenas como veículo da atividade comercial do referido terceiro requerido.
IX - Tendo em atenção a nossa melhor doutrina e jurisprudência e bem assim a configuração que a autora dá à ação na PI e as especificidades do caso concreto, que resultam também da matéria alegada na petição (relativamente à tripla qualidade do terceiro requerido BB como administrador do condomínio, gerente da condómina “Z..., Lda.” e seu sócio, deveriam ter sido considerados parte legítima os 3 réus.
X - Devendo, antes de mais, ser a decisão revogada e substituída por outra que considere legitimas todas as partes demandadas, estabilizando-se a instância com a intervenção como requeridos dos 3 demandados (condómino “Z..., Lda.”, condomínio e seu pretenso administrador).
C - Do preenchimento dos requisitos de que depende o decretamento da presente providência – do dano apreciável
XI - São requisitos cumulativos da suspensão das deliberações da assembleia de condóminos: (i) a invalidade da deliberação; (ii) a qualidade de condómino; (iii) a probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida.
XII - A recorrente alegou um conjunto de factos suficientes e bastantes passíveis de conduzir ao decretamento da providência e, por maioria de razão, passíveis de demonstrar a existência de dano apreciável resultante da execução da deliberação.
XIII - A Autora invocou, além do mais, a inexistência jurídica das deliberações objeto da presente ação, tendo o tribunal deixado de se pronunciar sobre esta questão – o que configura até nulidade para efeitos do disposto no artigo 615 do CPC.
XIV - Ora, a concluir-se que as deliberações em causa, de facto, como invocado pela recorrente, inexistem juridicamente, nos termos do citado acórdão do STJ estaria – está – mesmo a recorrente dispensada de demonstrar o dano apreciável para o decretamento da providência.
XV - Pelo que a decisão recorrida deve ser revogada, antes de mais, baixando os autos para que, com produção de prova, o tribunal se pronuncie sobre a invocada inexistência jurídica das deliberações, dispensando-se, neste caso, a demonstração do dano apreciável a que alude o artigo 380 do CPC. Sem prescindir,
XVI - O certo é que, em qualquer caso, verifica-se dano apreciável para a recorrente, estando preenchidos todos os requisitos de que a lei faz depender o decretamento de providência especificada com a natureza da presente.
XVII - A expressão dano apreciável, que integra o terceiro requisito de procedência de providências cautelares com a natureza da presente, traduz-se num conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e comprovação de factos de onde possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo para a requerente (que, ao contrário do que sucede na providência cautelar comum não terá que ser um dano irreparável ou de muito difícil reparação).
XVIII - Isto é, a consagração deste requisito de procedência da providência especificada aqui em causa constitui um minus em relação ao regime regra que impõe um dano irreparável ou de difícil reparação – é um regime legal menos exigente, nesta particular, do que o comum.
XIX - A lesividade que o tribunal deve buscar nas deliberações sob suspensão não é aquela que resulte diretamente da sua execução mas sim aquela que resulte, em primeira linha, na demora na anulação da mesma deliberação, podendo estar em causa danos diretos, laterais, secundários ou reflexos.
XX - O tribunal afirma não descortinar da factologia invocada de onde possa resultar dano apreciável para a recorrente: (i) porque da mesma não resultam (afirma o tribunal) decisões suscetíveis de execução decorrente da deliberação em si, estando pendentes, designadamente, da aprovação de orçamento para a realização das obras aprovadas; (ii) porque as deliberações de 07.09 (confirmadas na deliberação de 20.10) foram já objeto de impugnação e pedido de suspensão noutro processo; (iii) porque quanto à marquise não é da deliberação em causa que resulta a sua ilegalidade ou eventual ordem de demolição.
XXI - Isto é, o tribunal atem-se unicamente aos efeito imediatos e diretos que pudessem decorrer para a recorrente unicamente das deliberações especificamente impugnadas.
XXII - Esquece, não obstante que, como se disse, a recorrente está envolvida num verdadeiro carrocel de deliberações em que o condomínio com uma regularidade mensal vem convocando assembleias com os mais diversos pretextos.
XXIII - Sendo que se a autora não tivesse a iniciativa de promover a suspensão de cada uma das deliberações (sucessivas) do condomínio e não sendo estas de facto suspensas e posteriormente anuladas, mergulhará a recorrente num inferno até à sua asfixia financeira, pois, depois da “assembleia” em causa nestes autos, já se realizou outra “assembleia” em 29 de novembro de 2021 e outra em 10 de janeiro de 2022.
XXIV - É inequívoco que os requeridos pretendem pressionar a autora a aceitar (e a pagar) tudo o que entendam da sua conveniência (deles, requeridos) através de sucessivas marcações, de sucessivas “assembleias”, de que resultam sucessivas “deliberações maioritárias”.
XXV - O comportamento dos requeridos vem criando e tudo indica continuará a criar severo dano à recorrente, sendo que a demora na anulação de todas estas deliberações causa, necessariamente, gravoso prejuízo também.
XXVI - É que enquanto de facto o tribunal não ordenar a suspensão das deliberações em causa nestes autos e nos demais já pendentes, e enquanto não forem analisadas e, espera-se, anuladas estas deliberações, a recorrente não poderá viver sequer em sua casa!
XXVII - A recorrente tem que quase mensalmente impugnar e pedir a suspensão de uma “nova” deliberação, continua sem água quente em sua casa e continua a ser vítima de verdadeiro assédio por parte da requerida Z..., Lda. (e do terceiro requerido).
XXVIII - Encontra-se neste momento com 4 processos judiciais em curso (ações principais e providências) tentando fazer cessar o ímpeto sucessivo dos réus em sujeita-la à vontade do terceiro réu (que conforma por sua vez a vontade da segunda ré).
XXIX - A recorrente, que nunca se viu envolvida em litígios judiciais, com 70 anos de idade, vê-se agora impossibilitada de residir em sua casa (onde não tem água quente), tem contactos semanais com o advogado, é parte em diversos processos (e a tendência é aumentar dado que todos os meses os requeridos convocam uma nova “assembleia”).
XXX - Vê a sua vida escrutinada reiteradamente – os requeridos dão-se ao requinte de, designadamente nas suas oposições, virem suscitar a vida pessoal da recorrente, a sua situação financeira, as propriedades que tem e não tem, os respetivos rendimentos, enfim, tudo...
XXXI - A recorrente sofre diariamente angústia, preocupação e padece de grande ansiedade – desde logo a cada nova comunicação que recebe do dito “condomínio” (seja convocando novas assembleias, imputando-lhe custos, pretendendo “cobrar” despesas, etc...).
XXXII - Toda esta situação deve ser vista no seu conjunto pelo tribunal, tendo em atenção que todas as deliberações já impugnadas são sucessivas (umas decorrentes das outras) e, por requintes muito especiais, a cada nova deliberação os requeridos fazem questão de “ratificar/confirmar” a deliberação anterior o que reforça a necessidade de a recorrente voltar a impugnar cada “nova” deliberação.
XXXIII - No caso dos autos,
- As deliberações sob apreciação são nada mais do que um novo passo dos réus no sentido de afundarem a autora em encargos, incómodos e burocracias absolutamente desproporcionadas à dimensão e natureza do imóvel aqui em causa;
- Não poderia a autora deixar de as impugnar pois que são “nova” manifestação do reiterado e persistente abuso dos réus contra a posição da autora na administração do referido imóvel (no qual detém uma fração).
- As pretensas deliberações, vistas isoladamente e em conjunto com aquelas resultantes das demais deliberação já oportunamente impugnadas (isto é, já sob sindicância judicial), surgem genericamente ilegais, por contrariarem normas expressas e a própria constituição da PH.
- Mas todo o histórico da situação dos autos em concreto – e das deliberações em si - com o que foi sempre a realidade e prática do uso de cada fração e das zonas comuns do prédio não pode deixar de representar verdadeira violação do princípio de confiança, verdadeiro abuso do direito.
- Trata-se de impor à autora trabalhos, encargos, despesas, obras desnecessárias ou não essenciais, de valor muito elevado, desajustado à realidade do imóvel, que além do mais os réus podem manipular com grande liberdade.
- Trata-se de impor à autora a utilização da sua fração ao arrepio do que sempre aconteceu há mais de 40 anos e sem qualquer justificação razoável, ainda por cima face ao histórico do procedimento que levou a tais pretensas deliberações, como forma de pressão para que ela aceite a alteração da estrutura do imóvel a favor dos réus.
- Trata-se também de deixar a autora, há mais de meio ano, sem água quente em sua casa.
XXXIV - A presente providência deveria, pois, ter sido decretada, visto o conjunto dos atos sucessivamente praticados pelos requeridos e tendo em atenção que a demora no congelamento das deliberações que têm vindo a ser sucessivamente impugnadas leva a que – como vem sucedendo – os requeridos continuem a marcar assembleias, deliberar a seu bel prazer tudo e mais alguma coisa e pretender impor a sua vontade à recorrente (e em especial impor-lhe severos custos associados ao “condomínio”, seu “orçamento” e “obras” a nele realizar.
XXXV - Cada mês que passa nesta situação tem equivalido a mais uma deliberação (têm sido mensais desde Setembro), a mais uma providência cautelar e a mais uma ação de anulação!
XXXVI - Estes danos, além de evidentes (na perspetiva da recorrente) são também significativos, muito relevantes, mais do que apreciáveis!
XXXVII - Não obstante, caso o tribunal tivesse dúvidas ou considerasse não estar suficiente e adequadamente densificada a invocação do requisito do dano apreciável deveria, sim, ter convidado a recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento Inicial.
XXXVIII - Era isto que lhe era imposto por lei, posto que o tribunal existe para administração da Justiça – artigo 152 do CPC – e a nossa ordem processual civil é cada vez menos um campo minado de preclusões – visando aquela que é a finalidade última do processo – a justa composição do litígio, pela prolação de decisão de mérito.
XXXIX - Devendo sempre ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para realização de audiência de discussão e julgamento, ainda que mediante, se assim se entender, prévio convite ao aperfeiçoamento, na medida do que se considere necessário.
XL - Ao decidir como decidiu o tribunal violou, além do mais, o disposto nos artigos 1436 e 1437 do Código Civil, 6, 7, 12, 152, 380, 590 do CPC e 20 da CRP.

Não houve resposta ao recurso e o mesmo foi recebido nos termos legais, ocasião em que o tribunal recorrido se pronunciou sobre a nulidade invocada pela apelante [Há omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de tomar posição sobre todas as questões colocadas pelas partes. Una voce, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência, entendem que “questões” são as pretensões formuladas pelas partes e já não os argumentos eventualmente utilizados em defesa de uma certa solução de direito. Ora, atendendo aos fundamentos da arguição de nulidade, cumpre notar que não está em causa qualquer omissão de pronúncia: foi apreciada a única pretensão da requerente de suspensão das deliberações aprovadas em assembleia de condóminos, concluindo-se não haver para tanto fundamento. Quando muito o julgador não se pronunciou quanto a um concreto argumento ou qualificação jurídica e não já quanto a uma questão, razão pela qual não se antevê que tenha sido cometida a apontada nulidade. Em todo o caso, faz-se notar que a inexistência é um vício maior da declaração de vontade, em que quando muito existe uma materialidade correspondente a uma declaração de vontade (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição Actualizada, Coimbra Editora, pps. 608 e 609). Tal poderá acontecer, no âmbito das deliberações de condóminos, por exemplo, quando exista materialmente uma ata mas não tenha havido assembleia ou quando a deliberação tenha sido aprovada por quem não é condómino nem os representa (cfr. Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Livraria Almedina, pps. 242 e 243). Ora, para além de não fundamentar em concreto a razão de apontar às deliberações tal vício, a qualificativa não tem aplicação ante o alegado. Mais: no art. 38.º, o alegado justificaria quando muito sustentar o vício da ineficácia; nos arts. 129.º e 136.º, em que se refere à inexistência, a recorrente qualificou, simultaneamente e sem distinção, as deliberações como nulas ou anuláveis. Em suma, refugia-se na afirmação genérica da invalidade das deliberações. Tudo isto para concluir que, mesmo que a dita omissão fosse tratada como questão (e não é), nem sequer a mesma foi em concreto e fundamentadamente colocada. Desta forma, não há fundamento para suprir a nulidade apontada. Pelo exposto e de acordo com o disposto no art. 617.º, n.º 1, do CPC, indefiro a arguição da nulidade da sentença].

Os autos correram Vistos, nada se observando que obste ao conhecimento da apelação, cujo objeto, atentas as conclusões da recorrente, consiste em saber se todos os requeridos deviam ter sido considerados parte legítima e se, por outro lado, a decisão deve ser revogada, uma vez que os autos cautelares devem prosseguir para produção de prova, se necessário com prévio convite de aperfeiçoamento do requerimento inicial e sob pena de, em contrário, se ter por violado o disposto nos artigos 1436 e 1437 do Código Civil (CC), 6.º, 7.º, 12.º, 380 e 590 do Código de Processo Civil (CPC) e no artigo 20 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

III – Apreciação do recurso
III.I – Da factualidade relevante
Considerando que a decisão recorrida entendeu, além da questão da ilegitimidade passiva, que a apelante não alegou factos bastantes a – mesmo que provados – permitir concluir-se haver dano apreciável para a requerente e tendo em conta que a factualidade considerada na decisão recorrida (e já transcrita) não se mostra impugnada, entendemos que o relatado anteriormente se mostra facticamente bastante à apreciação do mérito do recurso.

Importa acrescentar e clarificar – ainda com pertinência ao objeto do recurso – que a apelante, nas conclusões I a VI descreve o enquadramento fáctico da sua pretensão e o sentido da decisão recorrida; nas conclusões VII a X sustenta a legitimidade de todos os requeridos, louvando-se na concreta configuração dada à providência; nas conclusões XI a XV invoca a nulidade da decisão apelada, por omissão de pronúncia, e sustenta estar dispensada de demonstrar o dano apreciável para o decretamento da providência; nas conclusões XVI a XXXVI sustenta ter invocado a existência de dano apreciável para si, recorrente, com a execução das deliberações, que concretiza, por referência ao “caso dos autos” na conclusão XXXIII e, finalmente, nas conclusões XXXVII a XXXIX considera que, não obstante, “caso o tribunal tivesse dúvidas”, poderia/deveria convidar a recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial.

III.II – Da nulidade invocada
A apelante sustenta a nulidade da decisão por ter havido omissão de pronúncia – citando o artigo 615 do CPC -, porquanto, tendo invocado a “inexistência” das deliberações, estaria dispensada de demonstrar a existência do dano apreciação, e o tribunal recorrido não apreciou esta questão.

Salvo o devido respeito, a apelante não tem razão e, genericamente, acompanhamos o despacho proferido aquando do recebimento do recurso, no qual se sustenta não existir a arguida nulidade. Efetivamente, mesmo a admitir-se a figura da deliberação inexistente – nomeadamente em sede de deliberação de assembleia de condóminos – pois “uma deliberação inexistente não é uma deliberação..., mas a sua execução pode ser ilícita” [Rui Pinto Duarte, “O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (e não só sociais...) e o novo Código de Processo Civil”, in Direito das Sociedades em Revista, Ano 5, Vol. 10, Almedina, 2013, págs. 13 e ss., a pág. 31] o certo é que a apelante apenas no artigo 129 (“verdadeiramente inexiste”) e no artigo 136 (“ilícitas e ilegais, inexistentes, inválidas e nulas (ou pelo menos anuláveis)”) do seu requerimento inicial qualifica como tal (inexistentes) as deliberações, amalgamando essa qualificação no conjunto de todos os vícios possíveis, sem porém, chegar a concretizar o fundamento, a substância dessa qualificação antes repetindo, aliás, como requisito da procedência da providência o que ora pretende dispensável, o dano. Assim, a questão ora colocada em sede de recurso, ao invocar-se a omissão de pronúncia, nunca verdadeiramente o foi perante a primeira instância e, por isso, o tribunal recorrido não omitiu a pronúncia sobre as questões que efetivamente devia apreciar.
Improcede, pelas razões ditas, a nulidade invocada.

III.III – Da aplicação do Direito
III.III.I – Da legitimidade passiva
Como não deixa de fazer referência a decisão apelada, a questão da legitimidade passiva nas ações ou procedimentos em que esteja em causa uma deliberação da assembleia de condóminos não tem recebido entendimento uniforme, seja da doutrina seja da jurisprudência. Em acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 13.02.2017 [Relator, Desembargador Carlos Gil, aqui primeiro adjunto, Processo n.º 232/16.0T8MTS.P1, dgsi] dá-se específica nota dessas mesmas divergências e vem a dizer-se, em jeito conclusivo que ora se acompanha: “Finalmente, o nº 6, do artigo 1433º do Código Civil prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito [Em sede de procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, esta norma é replicada no nº 2, do artigo 383º, do Código de Processo Civil]. A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigo 1431º e 1432º, ambos do Código Civil), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430º, nº 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435º a 1438º, todos do Código Civil). Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação. Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência. Serve isto para vincar que quando no nº 6, do artigo 1433º, do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão e de facto parece ter-se tido na mira, uma entidade coletiva, a assembleia de condóminos corporizada pelos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já antes se viu. Ora, também por aqui se chega à conclusão de que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador, pois que se a este cabe executar as deliberações da assembleia de condóminos (artigo 1436º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio. Esta solução, como refere o Professor Miguel Mesquita [Cadernos de Direito Privado, nº 35, Julho/Setembro 2011, páginas 41 a 56 em artigo intitulado “A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Acções de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos”, pág. 56] é a que permite um exercício mais ágil do direito de ação, pois que os “pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.” Acrescente-se, no mesmo sentido e proferida pelo mesmo Desembargador Relator, o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 4.04.2022, Processo n.º 3445/20.6T8VFR.P1, dgsi.

Acompanhamos, já se disse, as considerações anteriores e a conclusão que da mesma decorre. Note-se que, ao contrário do já defendido [cfr. acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 24.03.2022, Relatora, Desembargadora Isoleta de Almeida Costa, Processo n.º 1257/19.9T8PVZ.P1, dgsi], não entendemos que a Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro “que veio alterar o regime da propriedade horizontal, dá um claro sinal nesse sentido ao deixar inalterado o artigo 1433º do CC”, ou seja, que a legitimidade passiva radica nos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, justamente porque, a manutenção da redação anterior, permite ou impõe que se continue a pensar nos termos que no parágrafo precedente deixámos expressos. E também não se concorda que o entendimento contrário àquele que defendemos seja “reforçado com a nova redação do artigo 1436º, da referida Lei 8/2022, que na alínea i), passou a delimitar as funções do administrador do condomínio, na execução das deliberações da assembleia de condóminos, restringindo-as às que “não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada” [cfr. o acórdão antes citado], pois a execução da deliberação, salvo melhor entendimento, a fazer-se depois de estabilizada, em nada se confunde com a legitimidade e a necessidade de o condomínio ser representado pelo administrador.

Em conclusão, e volvendo ao caso presente, entendemos que é o 1.º réu, representado pelo administrador (3.º réu) quem tem legitimidade passiva no caso presente e não, como se entendeu, a 2.ª ré (sociedade condómina). Acrescente-se que, não havendo que confundir a legitimidade e a representação, também não colhe a consideração feita pelo tribunal recorrido de a requerente não ter identificado o administrador – e a na necessidade da sua citação -, pois os artigos 155 e 156 do seu requerimento inicial são claros na formulação do pedido de o condomínio ser citado “na pessoa do 3.º requerido”, o que, se o tribunal não levou a efeito, tal omissão não pode ser imputada à recorrente. De todo o modo, o administrador foi citado, e até deduziu oposição.

Acrescente-se, de todo o modo – e sem embargo das considerações desenvolvidas pela primeira instância a propósito do valor probatório da ata da assembleia geral de condóminos (que afinal não foi junta aos autos, imputando-se tal omissão à requerente) – que foi esquecido o disposto no n.º 1 do artigo 381 do CPC, que condiciona a contestação/oposição à junção de cópia da ata ou documento correspondente pela associação ou sociedade, ou seja, no caso, pelo condomínio, representado pelo respetivo administrador.

Sem embargo, não foi arguida a irregularidade decorrente da omissão antes referida – que entendemos não ser de conhecimento oficioso – e, quer o condomínio quer o administrador se mostram citados e intervieram nos autos. Assim, há apenas que declarar, revogando o decidido que a 2.ª ré é parte legitima e que é parte legítima o 1.º réu, representado pelo 3.º réu.

III.III.II – Do mérito da decisão recorrida
No que ainda importa apreciar, está em causa a decisão apelada, na parte em que julgou não verificados “os pressupostos a que alude o art. 380.º, n.º 1, aplicável por força do art. 383.º, n.º 1, ambas as disposições do CPC” e, em conformidade indeferiu a pretensão da requerente.

No entendimento do tribunal recorrido, os factos alegados pela apelante mostram-se insuficientes – mesmo que venham a ser dados como provados – para se poder concluir pela existência de um dano apreciável, causado com a execução das deliberações, e tal como exige o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 380 do CPC.

Ora, salvo melhor entendimento, não pode descurar-se que, no caso presente e em rigor, não se conhece em toda a sua amplitude o alcance da deliberação impugnada pela requerente (a requerente, repetidamente, refere que a defesa, a defesa perante a deliberação, está seriamente condicionada pelo desconhecimento da ata da assembleia), sendo certo que, desse integral conhecimento podem resultar elementos bastantes que permitam a conclusão da existência de dano apreciável. Por isso, mas igualmente porque a requerente invocou esse dano, sendo de admitir que o possa (e, assim, deva) concretizar de modo pormenorizado, entendemos que a mesma deve ser convidada a essa concretização, esclarecendo que danos concretos justificam a sua pretensão a ver suspensas as deliberações aqui em causa.

Em conformidade, entendemos que o tribunal recorrido não devia ter decidido o mérito da providência sem esse convite e, depois dele, sendo o caso, após produção de prova.

Em conformidade, o recurso revela-se parcialmente procedente. Em consequência, revoga-se a decisão recorrida, declaram-se ser parte legítima nos presentes autos cautelares o 1.º réu (Condomínio) representado pelo identificado administrador, e partes ilegítimas 2.ª ré (Condómina) e 3.º réu, individualmente considerado, os quais, segunda e terceiro se absolvem da instância. No mais, igualmente se revoga o decidido, devendo os autos prosseguirem com prévio convite à requerente para que melhor concretiza os danos concretos que justificam e fundamentam a sua pretensão de ver suspensas as deliberações.

As custas do recurso são a cargo da requerente e do requerido Condomínio, conforme proporção final.

Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a presente apelação e, em conformidade, revoga-se a decisão recorrida, declaram-se ser parte legítima nos presentes autos cautelares o 1.º réu (Condomínio) representado pelo identificado administrador, e partes ilegítimas 2.ª ré (Condómina) e 3.º réu, individualmente considerado, os quais, segunda e terceiro, se absolvem da instância. No mais, igualmente se revoga o decidido, devendo os autos prosseguirem com prévio convite à requerente para que melhor concretiza os danos concretos que justificam e fundamentam a sua pretensão de ver suspensas as deliberações.

Custas pela requerente e requerido Condomínio, conforme vencimento e decaimento finais.

Porto, 27.06.2022
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Mendes Coelho