Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
924/16.3TXPRT-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
MEIO DA PENA
LIBERTAÇÃO COMPATÍVEL
DEFESA DA ORDEM
PAZ SOCIAL
Nº do Documento: RP20191127924/16.3TXPRT-G.P1
Data do Acordão: 11/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A gravidade, em abstrato, do tipo de crime é relativa a condenação, não podendo ser, por si só e em nome das exigências de prevenção geral, obstáculo à concessão de liberdade condicional a meio da pena.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 924/16.3TXPRT-G.P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… vem interpor recurso da douta decisão do Juízo de Execução das Penas do Porto (Juiz 1) que não lhe concedeu o regime de liberdade condicional.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«1 - O recorrente está com metade da pena de prisão cumprida e, por isso, para a concessão da liberdade condicional, importa a análise sob a dupla exigência do artigo 61º, nº 2 als. a) e b) do CP.
2 - A prevenção geral não se descura, principalmente quanto à prática do crime de tráfico; é de facto um crime que é praticado muitas vezes, é de facto um crime que causa dano social, que tem a ver também com o tipo e a qualidade do produto estupefaciente, sendo por isso, vulgar a denominação das “drogas leves” e “duras”.
3 - Ainda assim, sem tirar a importância do afirmado na decisão recorrida, a sociedade não se sente defraudada com a concessão da liberdade condicional ao recorrente, por saber que essa concessão de liberdade é, efectivamente condicional, ou seja, passível de controlo e passível de ser revogada; a sociedade começou logo a ver a reparação da danosidade social com a aceitação e confissão dos factos, que equivale ao reconhecimento da validade e vigência da norma pelo recorrente.
4 - As exigências de prevenção especial, salvo o devido respeito por decisão contrária estão plenamente asseguradas com o êxito do tratamento e com todo um conjunto de factores reconhecidos na decisão impugnada, quais sejam: o favorável percurso reflexivo do recorrente; o trajecto prisional evidenciado pelo recorrente; o comportamento demonstrado nas regalias concedidas a nível de flexibilização do cumprimento da pena, máxime licenças de saída e colocação em RAI; a iniciativa do recorrente na sua valorização através do trabalho, e, por fim, a felicidade de ter condições objectivas favoráveis a nível familiar, habitacional e laboral.
5 - Por isso, ao recorrente deve ser concedida a liberdade condicional, fundadamente ser de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e por a libertação do recorrente se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
6 - A decisão recorrida violou o artigo 61º, nº 2 do CP, pelo que deve ser revogada, concedendo-se a liberdade condicional ao recorrente.

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Mº Juiz a quo manteve a decisão recorrida, nos termos do artigo 414.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso.

O recorrente respondeu a tal parecer, reiterando a posição assumida na motivação do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, saber se se verificam, quanto ao recorrente, os pressupostos de concessão do regime de liberdade condicional.

III - É o seguinte o teor da douta decisão recorrida:

« I. Corre o presente processo de liberdade condicional referente ao condenado B…, identificado nos autos.
Foram elaborados os pertinentes relatórios.
Reuniu o Conselho Técnico, que emitiu parecer favorável (por unanimidade) à concessão da liberdade condicional, e procedeu-se à audição do recluso, que consentiu na aplicação de tal regime.
O Ministério Público pronunciou-se pela não concessão da liberdade condicional.
Cumpre decidir, nada obstando.

II. Com interesse para a decisão a proferir, consigna-se a seguinte factualidade, resultante do exame e análise crítica do teor da(s) certidão(ões) proveniente(s) do(s) processo(s) da condenação, do CRC do condenado, dos relatórios elaborados em cumprimento do preceituado no artigo 173.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CEP, da ficha prisional remetida pelo estabelecimento prisional, da reunião do Conselho Técnico e da audição do recluso, tudo elementos documentados nos autos:
O condenado nasceu em 11.11.1968.
Cumpre a pena única de 6 anos de prisão, à ordem do processo n.º 145/15.2PCVCD, da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal de Vila do Conde – Juiz 7, no âmbito do qual foram cumuladas penas parcelares atinentes à autoria de um crime de tráfico de estupefacientes (num dos dias imediatamente anteriores a 07.07.2016 vendeu a co-arguido 28 placas de canábis-resina, com o peso líquido de 2.758,770 gr., e, naquela data, detinha 1.000,170+202,982 gr. da referida substância, dando-se aqui por integrados as demais circunstâncias e modo descritos nos factos provados na decisão cumulatória) e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (em 20.04.2016, pelas 02:40 horas, conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros com uma TAS de 1,58 g/l).
Atingiu a metade da pena em 06.07.2019, atingirá os dois terços da mesma em 06.07.2020, estando o seu termo previsto para 06.07.2022.
Foi-lhe ainda imposta a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados por 2 anos, a cumprir quando colocado em liberdade.
O condenado cumpre pena de prisão efectiva pela primeira vez.
No CRC junto figuram quatro condenações anteriores, a primeira das quais proferida em 04.07.2004 (factos desse mesmo dia), relativas, todas elas, à prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez; mostram-se já extintas as respectivas penas.
Ouvido, declarou que: ficou desempregado, não conseguia arranjar trabalho e começou a abusar do álcool e do haxixe, tendo-se envolvido no tráfico para sustentar esses consumos; condena os traficantes de droga, pois enriquecem à custa da dependência dos outros e fazem-lhes mal; não consome drogas nem álcool desde que foi preso, tendo feito o programa de OBS, sendo agora seguido em consultas de Psicologia; fez um tratamento à hepatite C, o qual resultou, estando impedido de ingerir álcool e de consumir drogas; no estabelecimento prisional trabalha na cantina há mais de um ano; pretende ir residir com a mulher e a filha menor e vai trabalhar em serviço externo na imobiliária do seu compadre; consente na aplicação da liberdade condicional; consente na eventual imposição da obrigação de observância do plano de consultas e tratamento a fixar no âmbito da problemática da toxicodependência e do alcoolismo.
O condenado apresentou abuso de drogas e de álcool, tendo acedido a um estado abstémio por submissão a intervenção especializada em meio prisional, quando sujeito a prisão preventiva; posteriormente, durante o cumprimento da medida de coacção de OPHVE, efectuou tratamento de doença infecciosa (hepatite C) e manteve o acompanhamento médico da hipertensão; em meio prisional prossegue os acompanhamentos de Psicologia e de Clínica Geral.
Ao longo do cumprimento da pena não foi alvo da aplicação de medidas disciplinares. No decurso da execução da pena tem vindo a manter-se laboralmente integrado na cantina desde 22.08.2018, revelando-se assíduo e empenhado na execução das tarefas atribuídas. Beneficiou, com êxito, de duas licenças de saída jurisdicional, a última das quais decorrida em Abril último; foi colocado em RAI em 30.05.2019, regime que vem decorrendo em condições de normalidade. Se colocado em liberdade condicional, continua a deter enquadramento familiar no agregado próprio, composto pelo cônjuge, com o qual contraiu matrimónio há cerca de 12 anos, e pela filha, C…, de 11 anos; estes elementos mantêm entre si laços afectivos e de entreajuda; o condenado beneficia do apoio estruturado da família, que se entende aos prestados pelo seu irmão, arquitecto, residente em Vila Nova de Gaia, e pela sua irmã, mediadora de seguros, residente em Santarém.
O domicílio do agregado próprio do condenado corresponde a uma moradia de 3 pisos, de tipologia 2+1, situada na Rua …, n.º …, …, …. - … Vila Nova de Gaia; a habitação, propriedade da progenitora, que reside em Braga, encontrava-se desabitada, tendo sido cedida ao condenado como alternativa à casa do irmão.
O imóvel encontra-se situado em meio residencial citadino, não associado a problemáticas sociais/marginais, onde a família apresenta uma inserção caracterizada como adequada.
O condenado está habilitado com o 11.º ano de escolaridade, na área da contabilidade e administração, tendo, posteriormente, realizado diversos cursos de formação profissionais de mesa e bar, de seguros e de electricidade; exerceu de modo regular, durante 19 anos, a actividade profissional de serralheiro mecânico em empresa de fabrico de candeeiros; à data de reclusão encontrava-se na condição de desempregado e beneficiava do subsídio de desemprego no valor de €325,00 mensais.
Relativamente à sua ocupação socialmente útil, o condenado tem a possibilidade de trabalhar na “D…, Lda.”, com sede Rua …, n.º …, .., …. - … Vila Nova de Gaia, empresa especializada em insolvências, vendas judiciais e avaliações, pertencente à sua comadre, E…, que manifestou disponibilidade para lhe dar trabalho, nomeadamente na área do serviço externo.
III. Apreciando.
Verificados que estão os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional (aquisição temporal e consentimento do condenado, este último imposto pelo artigo 61.º, n.º 1, do Código Penal), cumpre avaliar o preenchimento dos respectivos requisitos de natureza material, os quais, dada a presente fase da execução da pena, são os estabelecidos no artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal.
Em primeira linha, cumpre considerar que o crime de tráfico de estupefacientes em presença se reveste de muito acentuada gravidade, aferida, desde logo, pela síntese fáctica acima constante, resultando fortes as (notórias) exigências de prevenção ao nível geral que operam no caso em análise, atento o elevado número de vezes que tal tipo de crime é cometido entre nós, assim como a correlativa e consabida danosidade social.
Trata-se, neste âmbito, de preservar a ideia da reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática desse crime (v., a propósito do requisito da alínea b) do n.º 2 do artigo 61.º, do Código Penal, as Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, ed. Rei dos Livros, 1993, p. 62), o que se mostra incompatível com a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena de prisão, antes demandando acrescido período de prisão efectiva.
Tal como se entendeu no acórdão de 14.07.2010, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do Recurso n.º 2318/10.5TXPRT-C.P1, processo n.º 2318/10.5TXPRT-C, do 1.º Juízo deste TEP do Porto, cumpre “que se tenha em consideração que, como se salienta no Ac. R. de Lisboa de 28/10/2009, Proc. nº 3394/06.TXLSB-3, em www.dgsi.pt, “em caso de conflito entre os vectores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral. No caso de se encontrar cumprida apenas metade da pena, a prevenção geral impõe-se como limite, impedindo a concessão de liberdade condicional quando, não obstante o prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do condenado, ainda não estiverem satisfeitas as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico”, sob pena de se fazer tábua rasa da tutela dos bens jurídicos, se banalizar a prática de crimes (incluindo os de gravidade significativa) e, no fundo, se defraudarem as expectativas da comunidade, criando nos seus membros forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social” (v., também, em www.dgsi.pt).
No acórdão do mesmo tribunal superior proferido em 16.05.2012 (Recurso n.º 2412/10.2TXPRT-H.P1), considerou-se que as exigências de prevenção geral “não ficam satisfeitas pela circunstância de não se verificar rejeição social no meio em que a mesma [condenada] se insere, já que o que está em causa é ‘a suportabilidade comunitária do risco da libertação’, entendendo-se aqui a comunidade jurídica e não apenas o meio social restrito em que a arguida se encontra inserida”. Na decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação do Porto em 03.07.2012 (Recurso n.º 1350/11.6TXPRT-D.P1), entendeu-se que o preenchimento do requisito da alínea b) do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, “não pode satisfazer-se com a mera diluição dos aspectos negativos da sua [do condenado] imagem e com a ausência de sinais de rejeição ao seu regresso no meio comunitário restrito a que pertence e a parte de cujos membros certamente terá laços senão familiares, pelo menos afectivos”. E no acórdão, também proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, com data de 13.03.2013 (Recurso n.º 1574/10.3TXPRT-J.P1), quanto ao conceito de comunidade jurídica, considerou-se que “o que releva ao nível da prevenção geral é a sociedade ou comunidade em geral e não unicamente o meio familiar e social em que a condenada se insere”.
Noutra vertente, concretamente no que se prende com as circunstâncias do caso sub judice (artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal), cumpre considerar que o desvalor objectivo dos factos subjacentes ao crime aparece como muito acentuado, manifestado, nomeadamente, nas elevadas quantidades de estupefaciente envolvidas.
Por outro lado, o recluso foi alvo das quatro condenações anteriores acima referidas, todas relativas à prática do mesmo tipo de crime, as quais, como se vê, não foram suficientes em termos prevenir recidiva nessa conduta ilícita, pois veio a ser novamente condenado por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, para o qual revela, assim, marcada propensão.
Deste modo, visto todo o descrito quadro, afiguram-se igualmente acentuadas as necessidades de prevenção especial que operam no caso em análise, as quais demandam acrescido período de prisão efectiva, por forma a ser possibilitada, por parte do condenado, uma melhor interiorização do desvalor das condutas assumidas e dos fundamentos da condenação, não obstante o positivo percurso reflexivo já encetado.
Todas estas circunstâncias desaconselham a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena, não obstante o bom trajecto prisional evidenciado pelo recluso (que não foi alvo da aplicação de medidas disciplinares, denota, no meio controlado e vigiado em que se encontra, afastamento do consumo de estupefacientes e do abuso de bebidas alcoólicas, já beneficiou, com êxito, de licenças de saída, foi colocado em RAI e tem procurado valorizar-se pessoalmente, através do trabalho) e as condições objectivas favoráveis (familiares, habitacionais e laborais) existentes em meio livre.

IV. Por todo o exposto, no confronto de todas as realidades descritas e analisadas, entendo não resultarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 61.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal, razão pela qual decido não colocar o condenado B…, com os demais sinais dos autos, em liberdade condicional.
Notifique e comunique, aguardando os autos renovação da instância para 06.07.2020 (n.º 3 do citado artigo 61.º), devendo, três meses antes da data em referência, ser solicitado o cumprimento do disposto no artigo 173.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CEP, fixando-se, desde já, o prazo de um mês para a elaboração dos respectivos relatórios.»
IV. – Cumpre decidir.
Vem o recorrente alegar que se verificam os pressupostos que determinam que beneficie do regime de liberdade condicional.
Vejamos.
Nos termos do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, o tribunal coloca o condenado em prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
E, nos termos do n.º 3 desse artigo, o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
Nos termos do n.º 1 desse mesmo artigo 61.º, a aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
Está já cumprida (desde 6 de julho de 2019) metade da pena de prisão em questão (período que foi superior a seis meses). Estamos, pois, perante a situação a que se reporta o n.º 2 do artigo 61.º do Código Penal.
O recorrente prestou consentimento à concessão do regime de liberdade condicional (ver fls. 106. verso).
Estão, assim, verificados os pressupostos formais de concessão do regime de liberdade condicional, de acordo com os citados nºs 1 e 2 do artigo 61.º do Código Penal: já ocorreu o cumprimento pelo condenado de metade da pena de prisão (período que foi superior a seis meses) e o condenado manifestou a sua concordância.
Constitui pressuposto substancial (ou material) da concessão de liberdade condicional, de acordo com o citado n.º 2, a), do artigo 61.º do Código Penal, que seja de esperar fundadamente que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respetiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão. Exige-se, pois, a viabilidade de um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, no sentido de que este, caso seja colocado em liberdade condicional, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Também é pressuposto substancial (ou material) da concessão de liberdade condicional, de acordo com o citado n.º 2, b), do artigo 61.º do Código Penal, e uma vez que foi atingida metade da pena de prisão (e não dois terços) que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Deve considerar-se que os conceitos de defesa da ordem jurídica” e de “paz social”) se ligam às exigências da prevenção geral positiva e da “proteção dos bens jurídicos”, ou seja, da necessidade de reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática do crime (ver, neste sentido, Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça – ed. Rei dos Livros, 1993, p. 62).
Tais exigências vão para além do impacto da prática do crime e da eventual libertação do condenado no meio social envolvente (ver, neste sentido, entre outros, o acórdão da Relação de Évora de 5 de fevereiro de 2019, proc. n.º 669/16.4TXTEVR-HE, relatado por António João Latas, in www.dgsi.pt). Está em causa não apenas a «paz social», mas também a «defesa da ordem jurídica».
A “proteção dos bens jurídicos” corresponde, fundamentalmente, ao reforço da confiança comunitária na validade da ordem jurídica e na proteção que esta assegura aos bens que estruturam a vida social. Diante da violação da ordem jurídica e da agressão a esses valores, a consciência jurídica comunitária poderá ficar abalada se o sistema jurídico-penal não reagir, fechar os olhos a tal violação, ficando comprometida a referida confiança. A pena exerce, assim, uma função pedagógica de interpelação social que veicula uma mensagem cultural de chamada de atenção para a relevância de valores e bens jurídicos e, nessa medida, traduz-se numa forma de proteção desses bens jurídicos e da ordem jurídica em geral.
Ora, a liberdade condicional numa fase ainda algo distante do termo do cumprimento da pena pode ser interpretada pela consciência comunitária como uma forma de desvalorização de bens jurídicos a que dá particular importância e como um sinal de alguma indiferença perante o valor desses bens, uma mensagem contraditória com um propósito de tutela dos mesmos. Haverá que verificar se no caso concreto isso se verifica, podendo optar-se, nos termos do regime do citado artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, pela não concessão de liberdade condicional mesmo que a esta não obstem as exigências da prevenção especial.
A respeito do primeiro dos referidos pressupostos substanciais (a viabilidade de um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, no sentido de que este, caso seja colocado em liberdade condicional, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes), há que considerar o seguinte.
Durante o cumprimento da pena de prisão, o recorrente não foi alvo da aplicação de medidas disciplinares. Revela-se assíduo e empenhado na execução das tarefas laborais que lhe foram atribuídas. Beneficiou, com êxito, de duas licenças de saída jurisdicional. Foi colocado em RAI em 30 de maio de 2019, regime que vem decorrendo em condições de normalidade. Absteve-se de consumo de álcool e estupefacientes e segue consultas especializadas de psicologia. Revela consciência crítica da gravidade dos crimes por que foi condenado. Beneficia de apoio familiar e tem possibilidade de obter emprego.
Estes factos levaram a que o Conselho Técnico tenha emitido, por unanimidade, parecer favorável à concessão de liberdade condicional (ver fls. 106). E também nesse sentido se pronunciou o relatório da técnica dos serviços de reinserção social (ver fls. 103 a 105)
Impõe-se-nos reconhecer que se verifica, por isso, o requisito de concessão de liberdade condicional previsto no artigo 61.º, n.º 2, a), do Código Penal: é de esperar, fundadamente que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.
Mas o que, decisivamente, levou a que ao recorrente tivesse sido negada a liberdade condicional foi a exigência prevista na alínea b) do referido artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal. A decisão recorrida considera que a gravidade do crime de tráfico de estupefacientes por que o recorrente foi condenado suscita acentuadas exigências de prevenção geral que não se compadecem com concessão da liberdade condicional a meio da pena. E também teve em conta o facto de o recorrente ter sido várias vezes condenado pela prática de crime de condução em estado de embriaguez.
No entanto, não podemos considerar que a gravidade em abstrato de certo tipo de crimes (incluindo o de tráfico de estupefacientes), obsta, por si só, à concessão de liberdade condicional a meio da pena Não é isso que decorre da lei, a qual não comtempla algum regime especial (e mais exigente) de concessão de liberdade condicional quanto a tipos de crime mais graves. Há que ter em conta características concretas dos crimes cometidos que possam tornar acentuadas, no caso, as exigências da prevenção geral positiva.
No caso em apreço, não se nos afigura que o crime de tráfico de estupefacientes por que o recorrente foi condenado suscite particulares exigências de prevenção geral, para além daquelas que suscita qualquer crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro. E é assim mesmo considerando a quantidade de produto estupefaciente (canábis neste caso) em causa. Negar neste caso a liberdade condicional com base nessas exigências de prevenção geral (que são comuns a qualquer crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro) significaria, em termos práticos, decidir como se a concessão de liberdade condicional a meio da pena relativamente a crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n,º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, estivesse legalmente vedada. E não é isso que, manifestamente, decorre da lei.
Quanto aos crimes de condução em estado de embriaguez por que o recorrente foi várias vezes condenado, é certo que também estão em causa particulares exigências de prevenção geral (mais acentuadas pela prática reiterada desses crimes). Mas não pode dizer-se que essas exigências fiquem frustradas com a concessão de liberdade condicional a meio de uma pena de seis anos de prisão (quando à prática desse crime correspondem habitualmente penas não privativas da liberdade).
Deve, pois, ser dado provimento ao recurso.

Não há lugar a custas (artigo 153º, a contrario, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade).

V - Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, determinando que ao recorrente B… seja concedida liberdade condicional, com as seguintes condições: residir em morada certa (a indicada a fls. 105, verso); aceitar a tutela da equipa de reinserção social; observar tratamento especializado no âmbito da alcoologia e da toxicodependência; dedicar-se à procura ativa de emprego e, uma vez este obtido, dedicar-se ao trabalho com regularidade; e manter boa conduta, com observância dos padrões normativos vigentes.

Notifique.

Passe mandados de libertação, de imediato.

Porto, 27/11/2019
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo