Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
695/22.4KRPRT-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: PODERES DA RELAÇÃO
QUESTÃO NOVA
INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
BUSCA ESCRITÓRIO DE ADVOGADOS
ESPAÇOS DE USO COMUM
Nº do Documento: RP20240306695/22.4KRPRT-F.P1
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - O Tribunal de recurso não pode decidir “ex novo” questões, que não foram ainda apreciadas, como se fosse primeira instância (exceto as nulidades da decisão recorrida, ou discordâncias de direito com enunciação distinta), independentemente da mesma ser, ou não, de conhecimento oficioso, sob pena de se estar a subtrair um grau de jurisdição a todos os sujeitos processuais no processo. Esta possibilidade de conhecimento oficioso, não altera a condição deste Tribunal superior enquanto instância de recurso, que reaprecia as decisões tomadas em 1ª instância.
II - As decisões dos Tribunais da Relação proferidas em primeira instância têm universo completamente distinto, e respeitam aos casos taxativos que se encontram previstos nas alíneas b), c) e g) do art.73º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (e para essas decisões é possível o recurso para o STJ, cfr.art.432º nº1 alínea a) do CPP).
III - No regime processual penal das buscas e apreensões no escritório de advogado não se exige a prévia constituição de arguido ao advogado suspeito (contrariamente ao que sucede na tutela do sigilo profissional prevista no art.76º nº4 do EOA), cuja apreensão de documentação abrangida por segredo profissional, sem prévia constituição de arguido, não é tutelada com nulidade, exceto se essa documentação não constituir objeto ou elemento do crime cfr.art.180 nº2 “in fine” a contrario sensu, do CPP.
IV - A apreensão de documentação no escritório de advogado, em espaços afetos a outros advogados que não o visado, suscita particulares questões em matéria de proteção do segredo profissional, circunstância à qual o legislador não deixou de atender, no art.76º nº4 do Estatuto da Ordem dos Advogados, não possibilitando a apreensão de documentação se o advogado em causa não estiver constituir arguido, podendo esse advogado, quanto à documentação que lhe foi apreendida, deduzir a reclamação prevista no art.77º desse estatuto, apelando ao presidente da Relação.
V - Se não for deduzida a referida reclamação quanto a documentação apreendida, alegadamente a si respeitante, fica precludida essa tutela quanto ao segredo profissional, dado que o disposto no processo penal, em particular o art.180º nº2 “in fine” do CPP legitima as apreensões realizadas desde que esses documentos constituam “objeto ou elemento de um crime” (independentemente de o advogado estar ou não constituído como arguido).”
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 695/22.4KRPRT-F.P1




Acordam, em conferência, os juízes da 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:




No Juízo de Instrução Criminal do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em processo de inquérito n.º 695/22.4KRPRT o arguido veio apresentar um requerimento a 14 de Março de 2023, sustentando faltar o fundamento indiciário para a busca, invocando a violação do princípio da proporcionalidade (podendo as necessidades de investigação ser alcançadas por outra via que não a busca), a busca incidiu sobre o escritório de advogados atingindo os gabinetes de uso exclusivo de outros advogados que não são arguidos no processo; não podia ser apreendida correspondência porque o recorrente ainda não tinha sido constituído arguido; impugna a existência de indícios no delito de branqueamento de capitais, assim como de fraude fiscal; pedindo se declare a nulidade dos mandados de busca e dos atos subsequentes, revogação das apreensões e sua devolução; ou em alternativa a abertura dos telemóveis, tablets e computadores na sua presença e devolução. Veio a recair sobre esse requerimento o despacho datado de 24 de Março de 2023, que o indeferiu.
*
Inconformada, vem o arguido AA recorrer desse acórdão, com as seguintes conclusões:

A) Como questão prévia desde logo se suscita a incompetência do Tribunal de Instrução Criminal do Porto relativamente aos presentes autos de inquérito.
B) Esta incompetência ocorre quer se apliquem as regras gerais de competência, quer se apliquem as regras especiais de competência no âmbito dos crimes da competência da Procuradoria Europeia;
C) Esta incompetência, num caso e no outro não é meramente territorial, pois tem sempre subjacente critérios materiais tinentes aos tipos de crimes.
D) A violação das regras de competência do Juízo de instrução criminal constitui nulidade insanável, e a declaração de incompetência implica a remessa do processo para o Tribunal competente, de acordo com o disposto nos artigos 119.º, alínea e), e 32.º e 33.º, do CPP.
Ad cautelam. E caso assim não se entenda,
E) Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo Juízo de Instrução Criminal do Porto, em 24 de Março de 2023, no âmbito do processo n.º 695/22.4KRPRT, por se considerar que o mesmo enferma de erro de Julgamento de Direito.
F) O Tribunal a quo justificou o “conhecimento profundo do mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis” pelo Recorrente, com o facto de este ter sido mandatário num processo judicial.
G) O Recorrente é advogado, nunca tendo actuado na área das aquisições intracomunitárias de combustíveis (como, de resto, não pode a AT desconhecer, atento o seu enquadramento fiscal).
H) Salvo o devido respeito o mandato conferido a advogado no âmbito de processo judicial não permite a metamorfose do advogado em especialista numa determinada actividade/sector, nem esse profundo conhecimento é prerrogativa do mandato.
I) Em 07.12.2022, foram feitas buscas à casa de uma terceira pessoa, na exacta medida em que havia notícia que o Recorrente ali residiria com a sua “companheira”,
J) Factualidade que resultou categoricamente ser falsa naquela mesma data, 7.12.2022, quando o Recorrente informou qual a sua residência, disponibilizou as chaves da mesma e, nessa sequência foram realizadas buscas no seu domicílio. O que, ainda assim, não estancou as posteriores buscas no domicílio daquela terceira pessoa.
K) O Tribunal a quo não conhece a existência de qualquer alegação de coabitação – que, na verdade, não parece integrar a indiciação – MAS, tanto mais grave, foi esse mesmo Tribunal a quo quem determinou, através de mandado para o efeito, as buscas realizadas na casa de uma terceira pessoa, sob o falso argumento de que o Recorrente ali residiria.
L) O Tribunal a quo não tinha qualquer fundamentação – e muito menos séria – para determinar buscas a casa daquela terceira pessoa.
(Matéria a confrontar com fundamentação dos mandados de busca)
M) O que está fora de questão é que o Tribunal a quo se permita adaptar a sua narrativa/fundamentação conforme o que melhor se coadune, lançando mão de diferente argumentação para fundamentar e legitimar actos jurisdicionais já praticados ao abrigo de fundamento diametralmente diferente.
N) Muito embora se esteja em fase de inquérito, à luz dos princípios constitucionais, a decisão de realizar buscas tem que ser particularmente fundamentada, por todas as implicações que daí resultam.
O) É fora de qualquer lógica que se tenha pretendido que o Recorrente vivesse com uma pessoa, na casa dela, desconhecendo-se em absoluto que o mesmo tem, em seu nome, um contrato de arrendamento manifestado nas Finanças e cuja renda é paga mensalmente, da casa onde vive em permanência e na qual tem o seu núcleo de vida privada, que tem contratos de fornecimento de electricidade e água – com consumos! – quando tudo isto não consubstancia sequer matéria de difícil investigação e menos ainda quando o órgão de polícia criminal é, no caso, a AT.
P) Os actos de inquérito que poderiam determinar a necessidade da realização de buscas não foram no caso levados a cabo.
Q) Ainda que se pudesse optar pela realização “precoce” de buscas, o certo é que não se mostra admissível que, pelo menos, o local a realizar essas buscas não tenha sido objecto de investigação.
R) Se eram pretendidas buscas ao domicílio do Recorrente, então, era imperativo, perceber, pelo menos, onde é que este vivia.
S) Apurar onde é que o Recorrente vivia era o mínimo que se impunha em momento prévio à realização de buscas a casa de uma terceira pessoa, com base no argumento que ele ali residiria em coabitação.
T) Salvo o devido respeito, não se alcança a decisão/fundamentação do Tribunal a quo (também) a respeito dos valores recebidos pela sociedade de advogados Arguida, já que, se por um lado, a decisão do TR do Porto foi proferida, exclusivamente, a respeito de reclamação deduzida pelo Recorrente, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 77.º, do EOA, por outro lado, aquela decisão em nada se relaciona com o alegado e comprovado pelo Recorrente a respeito dos valores recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença.

U) Basta que se atente no decidido pelo Tribunal da Relação para, de forma (que se tem por) translúcida, extrair a conclusão que aquele Tribunal se reporta a outros valores que não os recebidos pela sociedade de advogados da qual o Recorrente é sócio “Estando em causa valores superiores a três milhões de euros que terão sido apropriados pelo arguido em causa (…)” (Realçado e sublinhado nossos)
V) A decisão proferida pelo TRP reporta-se expressamente a valores alegadamente recebidos pelo Recorrente e não pela sociedade de advogados.
W) O Recorrente alegou e demonstrou quais os valores recebidos pela sociedade de advogados da qual é sócio, do mesmo modo que alegou e demonstrou a natureza de tais valores.
X) O Tribunal a quo parece olvidar que a sociedade de advogados foi constituída Arguida – pela alegada prática de um crime de branqueamento de capitais – precisamente por ter recebido aqueles valores, e encontrando-se os mesmos devidamente demonstrados e fundamentado o seu recebimento, socorre-se de uma decisão proferida por esse TRP, acerca de outra matéria, que, em nada se prende com a sociedade de advogados.
Y) O valor recebido pela sociedade de advogados, da A..., respeita ao pagamento de uma avença mensal no valor de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescido do respectivo IVA à taxa legal aplicável (de 345,00 €), o que perfaz o montante de € 1.845,00 (mil, oitocentos e quarenta e cinco euros). (Cfr. Doc. n.º 1 junto com o requerimento de 13 de março de 2023 Vide ainda artigo 87.º da acusação indiciária)
Z) Salvo o devido respeito, não se alcança, nem compreende, como é que no âmbito de um processo de inquérito, em que o órgão de polícia criminal é, precisamente, a AT, se ordenam buscas a uma sociedade de advogados com base numa factualidade que não poderia ser desconhecida desse órgão de polícia criminal: o valor alegadamente objecto de branqueamento de capitais respeita, AFINAL, a um valor de avença mensal pela prestação de serviços jurídicos, facturado mensalmente pela sociedade de advogados e que, nessa exacta medida, integrou os ficheiros SAFT remetidos mensalmente à AT.
AA) Aliás, tratando-se de uma sociedade de advogados seria de supor, com razoável grau de probabilidade, que um(mesmo) valor pago com uma periodicidade mensal respeite a uma avença por prestação de serviços jurídicos.
BB) No entanto, não só foram realizadas buscas à sociedade de advogados (exclusivamente com base neste argumento, tanto quanto se consegue perceber e resulta da acusação indiciária), como do mesmo modo, foi a mesma constituída Arguida no âmbito destes autos, em 12.12.2022.
CC) No seu requerimento, o Recorrente reportou-se à falta de fundamento da alegação feita pela Procuradoria Europeia a respeito da constituição da sociedade denominada B..., sem que o Tribunal a quo se tenha pronunciado.
DD) É que, tanto quanto resulta da fundamentação da Decisão proferida em 23 de Janeiro de 2023, pelo TRP, a Procuradoria Europeia terá fundamentado as buscas à sociedade de advogados, também, com o facto de a Senhora Dra. BB ter constituído a sociedade e registado o mandato da sociedade Arguida B....
EE) Ora, como demonstrado nos autos, é completamente falso que tenha sido a Senhora Dra. BB a constituir aquela sociedade B..., como não poderá deixar de resultar dos documentos arquivados na Conservatória do Registo Comercial. (Cfr. Doc. n.º 4 junto com o requerimento)
FF) Não se alcança como se pretenda extrair consequências criminais, designadamente justificar buscas, pelo facto de uma advogada, enquanto associada (ao tempo dos factos), se ter limitado a cumprir instruções sobre trabalho jurídico, elaborando e registando um mandato de uma sociedade comercial em Dezembro de 2010. (Cfr. Doc. n.º 5 junto com o requerimento)
GG) Salvo o devido respeito, tal procedimento apenas se pode ficar a dever a incompetência grosseira no inquérito, OU a uma flagrante má-fé, já que, diga-se, assim se conseguiria obter um mandado para as buscas realizadas nas instalações da sociedade de advogados, maxime no gabinete de trabalho do Arguido, aqui Recorrente.
HH) A sociedade de advogados Arguida recebeu da sociedade A... LDA, o montante de €20.295,00 (vinte mil, duzentos enoventae cinco euros), no período compreendido entre 26.01.2022 e 29.11.2022, MAS esse montante corresponde a uma avença mensal, sujeita ao regime do IVA,facturada e, oportuna e tempestivamente, declarada junto da AT. (Cfr. Doc. n.º 1 junto com o requerimento de 13 de março de 2023.
II) A sociedade de advogados Arguida prestou, na pessoa dos seus advogados – maxime o Recorrente – efectivos serviços jurídicos à sociedade comercial A..., como bem o atestam, designadamente, os serviços jurídicos prestados nos seguintes processos judiciais (Cfr. Doc. n.º 2 junto com o requerimento de 13 de março de 2023:
a) Processo n.º 149/22.9BELSB, a correr termos junto da 1.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa;
b) Processo n.º 626/22.1BELSB, a correr termos junto da 1.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa;
c) Processo n.º 1219/21.6BELSB, a correr termos junto da 4.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa;
d) Processo n.º 1221/21.8BELSB, a correr termos junto da 3.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa;
e) Processo n.º 60/22.3BELSB, a correr termos junto da 1.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa;
f) Processo n.º 1534/21.9BELSB, a correr termos junto da 3.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

JJ) A sociedade de advogados Arguida prestou, igualmente, serviços jurídicos à A... SARL Sucursal em Portugal. (Cfr. Doc. n.º 3 junto com o requerimento de 13 de março de 2023)
KK) Muito embora, se desconheça a fundamentação subjacente aos mandados, o certo é que a mesma laborou em crassos erros e falsas premissas, que o Tribunal a quo validou e, de forma inusitada, insiste em manter, pese embora a factualidade demonstrada e devidamente comprovada.
LL) O recurso a uma fundamentação que em nada se prende com a matéria sujeita à apreciação do Tribunal a quo implica que essa mesma fundamentação seja considerada como inexistente, redundando em omissão de fundamentação, passível de declaração de nulidade do despacho recorrido.
MM) Mas, ainda que esse Tribunal possa acolher diferente posição a respeito da total ausência de fundamentação, o que aqui se concebe, sem ainda assim conceder, sabe-se, a fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da decisão proferida, sujeitando-a a ser revogada ou alterada em sede de recurso.
NN) É entendimento do Recorrente que o despacho recorrido padece de uma fundamentação não só deficitária como errada, razão (também) pela qual se encontra a mesma comprometida no seu mérito.
Veja-se, ainda, que:
OO) A respeito das buscas realizadas em gabinetes de uso exclusivo por advogadas da sociedade de advogados Arguida, importa sublinhar que, uma vez mais, o Tribunal a quo parece entender que a decisão proferida pelo TRP sobre a reclamação deduzida pelo Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 77.º, do EOA, parece incluir a solução jurídica para toda e qualquer questão que se suscite nestes autos.
PP) Em 07.12.2022, foram realizadas buscas nas instalações onde funciona a sociedade de advogados “C... – Sociedade de Advogados, SP, RL”, na Avenida ..., em Lisboa.
QQ) As referidas buscas abrangeram todo o escritório – composto pelo 7.º andar esquerdo e direito –, pese embora o mandado se reporte apenas ao 7.º andar esquerdo.
RR) Como é prática nos escritórios de sociedades de advogados, existem espaços comuns e espaços adstritos ao uso exclusivo de advogados, designadamente, gabinetes de uso exclusivo por advogado(a).
SS) Em 07.12.2022 foram realizadas buscas em gabinetes de uso exclusivo, como o sejam:
a) Gabinete exclusivamente usado pela Senhora Dra. CC, advogada associada, portadora da cédula profissional ....3L;
b) Gabinete exclusivamente usado pela Senhora Dra. DD, advogada associada, portadora da cédula profissional ....4L;
c) Gabinete exclusivamente usado pela Senhora Dra. EE, advogada estagiária, portadora da cédula profissional ....9L;
d) Gabinete exclusivamente usado pela Senhora Dra. BB, advogada portadora da cédula profissional ....8L, sócia da sociedade Arguida.

TT) Nenhuma das advogadas supra identificadas foi constituída Arguida no processo em referência ou é nele visada (tanto quanto se saiba nesta fase processual).
UU) Nas buscas e apreensões de 07.12.2022, nenhum advogado foi previamente constituído Arguido, muito embora tenha sido apreendida vária documentação/correspondência. (Cfr. auto de buscas e autos de constituição de Arguidos)
VV) Quer a sociedade de advogados, quer o Recorrente, foram constituídos Arguidos em 12.12.2022 (cinco dias depois de realizadas as buscas), em evidente violação do artigo 76.º, n.º 4, do EOA.
WW) No caso de documentos que se encontrem em escritórios de advogados, a única restrição possível ao disposto no artigo 34.º, n.º 4, da CRP, está claramente identificada no artigo 76.º, n.º 4, do EOA, ou seja, «o caso de a correspondência respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido».
XX) In casu, não se verificou a condição prévia que permitia a apreensão de documentos respeitantes ao exercício da profissão de advogado, porquanto em 07.12.2022, nem a sociedade de advogados, nem nenhum advogado com domicílio profissional naquela sociedade, tinha sido constituído Arguido.
YY) A colaboração do Recorrente não implica com o facto de que se trataram aquelas de buscas não consentidas, como bem resulta do auto lavrado.
ZZ) A factualidade incontroversa traduz-se no seguinte:
a) Em 07.12.2022 foram realizadas buscas, não consentidas, à sociedade de advogados, da qual o Recorrente é sócio e administrador;
b) Em 07.12.2022 nenhum advogado, sócio ou associado da sociedade de advogados tinha sido ou foi constituído Arguido;
c) Em 07.12.2022, a sociedade de advogados não tinha, nem foi naquela data, constituída Arguida.

AAA) E, assim sendo, as buscas não poderiam ter tido lugar nos termos em que foram realizadas, pelo que se impunha ao Tribunal a quo que tivesse extraído as necessárias consequências legais.
BBB) “Segundo as opções feitas pelo legislador e que se encontram claramente plasmadas na lei, designadamente no Estatuto da Ordem dos Advogados e no CPP, não é a apreensão de documentação
profissional num escritório de advogados que permite fundamentar a constituição do advogado como arguido, antes sendo a constituição de um advogado como arguido que abre a possibilidade de apreensão de correspondência profissional do mesmo.” Cfr. acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Abril de 2010, no âmbito do processo de recurso que ali correu termos sob o n.º56/06.2TELSB-B.L1-9.
CCC) Caso se considere tratar-se aqui de nulidades dependentes de arguição, não se poderá deixar de notar que tratando-se de nulidades cometidas na fase do inquérito, estas podem ser arguidas até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito, nos termos do preceituado no artigo 120.º, do CPP.
DDD) Já no caso de se considerar que estamos aqui perante nulidades de prova e nessa medida nulidades insanáveis, as mesmas são invocáveis a todo o tempo.
EEE) Ou seja, quer numa perspectiva jurídica, quer noutra, cabia ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre tais nulidades, decidindo de forma fundamentada sobre a matéria em questão (ao invés de, uma vez mais, escudar-se com o decidido pelo TRP a respeito de questão distinta).
FFF) Entendimento divergente e no sentido que parece ter sido perfilhado pelo Tribunal a quo de que não tendo sido apresentadas reclamações, nada há agora para apreciar, sempre implicaria um ónus excessivo e desproporcionado das garantias de defesa do Recorrente, na qualidade de Arguido, tal como consagradas no artigo 32.º, da CRP.
GGG) É uma questão absolutamente pacifica que, que quer à luz da CRP (artigo 32.º), quer à luz do CPP (designadamente artigo 126.º), a proibição de prova gera uma nulidade, fazendo com que determinada prova não seja passível de ser utilizada.
HHH) Como ensinam Teresa Beleza e Germano Marques da Silva, o método de prova violador do artigo 126.º, do CPP, “independentemente de atingir os bens jurídicos protegidos pelo nº 1 ou pelo nº 3 desse preceito, gera sempre uma inutilização dessa prova recolhida, sendo que a nulidade em causa, por corresponder a uma prova proibida, não está dependente de arguição pois é de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final.” Ana Cláudia Rosa Salvado in “O EFEITO À DISTÂNCIA NOS CRIMES DE CARÁCTER ORGANIZADO” Acessível in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/41944/1/ulfd140970_tese.pdf (Realçado nosso).
III) A realização de buscas, até porque, sabe-se, conflitua com direitos merecedores de tutela constitucional, tem que obedecer a outro tipo de fundamentação que não seja o simples “é o meio legal e apropriado neste tipo de criminalidade de obtenção de prova”, particularmente quando tratamos de buscas realizadas a uma sociedade de advogados e com isso se interfere, entre outros, com o segredo profissional, essência do exercício daquela profissão.
JJJ) Não se pode admitir que, para encontrar prova contra o Recorrente tenha sido necessária uma busca geral nos arquivos de um escritório de advocacia onde trabalham vários advogados.
KKK) Ao Tribunal a quo cabia garantir que as buscas não levem a situações de abuso, como aquela que resulta da abrangência do mandado em questão.
LLL) Salvo o devido respeito, uma vez mais, não só o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a efectiva falta de fundamento indiciário, como as razões ali aduzidas não permitem sustentar o decidido.
MMM) A factualidade (em causa nos autos) não preenche os requisitos objectivos e subjectivos do crime de fraude fiscal qualificada, cfr. Previsto no artigo 103.º, do RGIT.
NNN) O crime de fraude fiscal não pode ser confundido com meros incumprimentos de obrigações fiscais, nomeadamente de simples liquidação de imposto.
OOO) No caso, resulta que o IVA não deixou de ser liquidado e entregue nos cofres do Estado pela sociedade A..., nem aquela sociedade liquidou IVA do qual se tenha apropriado.
PPP) A questão reside, pois, em saber se o regime do IVA na margem aplicado por aquela sociedade era, efectivamente, o correcto nos termos da legislação aplicável. Não é, pois, uma questão penal.
QQQ) O IVA liquidado pela A...foi na sua totalidade entregue nos cofres do Estado português.
RRR) Para que se esteja no domínio da fraude fiscal é necessário que o contribuinte oculte factos ou valores não declarados, celebre negócio simulado, oculte ou altere factos ou valores que devam constar da contabilidade.
SSS) Não houve no caso qualquer alteração da contabilidade, não existiu qualquer negócio simulado, ou mesmo ocultação de factos ou valores não declarados.
TTT) A correcta ou errada taxa de IVA aplicável, não consubstancia a prática de um crime, respeitando antes a obrigações fiscais que deveriam outrossim ser discutidas em contencioso tributário e não em sede criminal.
UUU) “No caso do IVA, há obrigação de os sujeitos passivos procederem à sua liquidação e adicionarem o valor do imposto liquidado ao valor das mercadorias ou prestação de serviços (…) (artigos 35.º e 36.º, n.º 1, do CIVA).
Mas o simples incumprimento de tal obrigação, só por si, não consubstancia a prática de qualquer crime de fraude.
De facto, no presente caso a situação constatada na matéria fáctica no tocante ao IVA é subsumível pura e simplesmente à contra-ordenação fiscal prevista no art. 114º, nº5 do RGIT (falta de entrega da prestação tributária), já que para tal efeito assim são puníveis todas as situações referidas no nº5 em causa, nomeadamente - e desde logo - na al. a) a falta de liquidação, a liquidação inferior à devida ou a liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente.” (Cfr. acórdão proferido pelo TR de Guimarães, em 07/09/2015, no âmbito do processo de recurso n.º 293/08.5IDBRG.G1)
VVV) Veja-se o parecer técnico dado pela Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, em 23 de Novembro de 2021 in https://www.occ.pt/pt/noticias/revenda-de-combustiveis, onde, detalhadamente, se explica o regime aplicável e expressamente se refere que “(…) se o sujeito passivo for um sujeito passivo revendedor de combustíveis, face ao Regime dos Combustíveis significa que liquidará o IVA pela margem.”
WWW) A falta de comunicação entre serviços da mesma AT, por um período superior a 2 anos, não pode redundar em prejuízo sério para os contribuintes, designadamente, com a instauração de um processo-crime, detenções, realização de buscas incluindo domiciliárias, apreensões e arrestos.

XXX) Se uma determinada sociedade entrega durante cerca de dois anos as suas liquidações de IVA, sem que a AT alguma vez lhe tenha imputado qualquer erro, inexactidão, omissão, é mais do que razoável que aquele contribuinte não duvide que está a proceder a uma correcta liquidação, no caso aplicando o regime de IVA na margem.
III – Instrução do recurso:

Nos termos previstos no artigo 646.º, do CPC, o presente recurso deverá ser instruído com as seguintes peças processuais:
a) Despacho recorrido, de 24 de Março de 2023;
b) Requerimento e respectivos documentos apresentados pelo Recorrente em 13 de Março de 2023
c) Fundamentação dos mandados das buscas realizadas em 07.12.2022, designadamente aqueles que respeitem às buscas realizadas à sociedade de advogados, ao domicílio do Recorrente e ao domicílio de BB;
d) Auto das buscas realizadas à sociedade de advogados em 07.12.2022;
e) Decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, em 23 de Janeiro de 2023 (Reclamação 695/22.4KRPRT-B.P1);
f) Acusação indiciária;
g) Termo de constituição de Arguida da sociedade denominada “C... – Sociedade de Advogados, SP, RL”, em 12.12.2022;
h) Termo de constituição do Arguido Recorrente, em 12.12.2022.


IV – Pedido:

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência
 Deve ser declarada a incompetência do Juízo de instrução criminal do Porto e a consequente nulidade insanável, bem como a remessa do processo para o Tribunal competente, de acordo com o disposto nos artigos 119.º, alínea e), e 32.º e 33.º, do CPP,
Ou, ad cautelam
 Deve ser revogado o despacho proferido em 24 de Março de 2023, e substituído por outro que faça uma correcta aplicação e interpretação da legislação aplicável, tudo com as necessárias consequências legais.
*

Admitido o recurso, respondeu-lhe a Procuradora Europeia Delegada, pugnando pela respetiva improcedência do recurso nos seguintes termos:

I - Objeto do recurso:
As questões objeto do recurso residem no seguinte:
- Se a Mm.a Juiz de Instrução Criminal do Porto é material e territorialmente competente para praticar os atos até ao momento realizados na fase de inquérito;
- Se a violação das regras de competência do Juízo de Instrução Criminal constitui nulidade insanável;
- Se a decisão proferida pela Mm.a Juiz de Instrução de 24.03.2023 "enferma de erro de julgamento de direito" por total ausência de suporte fático, de bom senso e razoabilidade por ter decidido que havia fundamento indiciário para afirmar que o arguido/recorrente tinha conhecimento profundo do mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis;
- Se o Tribunal "a quo" não tinha fundamentação séria para determinar buscas a casa de BB por não constar no despacho do MP, dos factos indiciados, a situação de coabitação;
- Se resulta da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto que a Procuradoria Europeia terá fundamentado as buscas à sociedade de advogados também com o facto de a Senhora Dr BB ter constituído a sociedade e registado o mandato da sociedade arguida B...;
e) Se a decisão do Tribunal da Relação do Porto se reporta ou não a valores recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença;
f) Se foram realizadas buscas nas instalações da sociedade de advogados "C...-Sociedade de Advogados, SP, RL" em gabinetes de uso exclusivo usado por advogados, sem que nenhum deles tenha sido constituído arguido;
g) Se constitui nulidade o facto de o arguido/recorrente apenas ter sido constituído arguido vários dias após terem sido realizadas as buscas;
h) Se o IVA liquidado pela "A..." foi na sua totalidade entregue nos cofres do Estado, não se verificando os elementos objetivos do crime de fraude fiscal;
j) Se o sujeito passivo "A..." é um revendedor de combustíveis e se face ao regime dos combustíveis tal significa que terá de liquidar o IVA pela margem;
k) Se existiu ou não falta de comunicação entre os serviços da "AT" que tenha impedido a deteção atempada dos crimes em causa.em regime suspensivo de imposto de Espanha para Portugal, obtendo vantagem económica e patrimonial calculada, até á presente data no valor global de € 26,364.61112.


III - Fundamentos invocados pelo arguido/recorrente no recurso:

Apreciação das questões:

Se a Mm." Juiz dc Instrução Crimina do Porto é material e territorialmente competente para praticar os atos até ao momento realizados na fase de inquérito.
O arguido/recorrente AA alegou que o Tribunal competente para realizar os atos de instrução é o Tribunal Central de Instrução Criminal ou eventualmente o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (cfr. fls. 2033 a 2036).
No que concerne à questão de competência material a mesma não se coloca já que ambos os tribunais, Tribunal de Instrução Criminal do Porto e Tribunal Central de Instrução Criminal se inserem na jurisdição criminal.
Relativamente à questão da competência funcional/territorial suscitada pelo recorrente importa antes de mais apurar em que momento se fixa a competência do Tribunal da Instrução Criminal nas várias fases do processo.
"Em primeiro lugar, sendo verdade que o CPP quando se refere a processo engloba o inquérito, a instrução (quando haja) e o julgamento, no processo penal, diferentemente do que acontece no processo civil\ há uma competência para cada uma destas fases.
Na verdade, existe a competência do MP, no inquérito, a competência do TIC, na instrução, e a competência do tribunal do julgamento.
Durante o inquérito a competência territorial do MP para a realização do inquérito está definida no artigo 264. ° do CPP.
A competência do JIC para intervir no inquérito só está definida no âmbito do Código de Processo Penal em termos de reserva de jurisdição (art.017o, 2680 e 269° do CPP), não havendo qualquer norma que defina a competência do JIC no inquérito, já que a norma do art.° 288o-2 do CPP, pela sua inserção sistemática se refere à competência para a instrução" ("vide" Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.04.2014, processo n.° 56/09.0TELSB-A.L1-9, relator João Abrunhosa, in "www.dgsi.pt".
No entanto, importa trazer à colação a norma especial prevista no art. 6.° da Lei n.° 112/2019, de 10.09, que adapta a ordem jurídica interna ao Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia.
Hsia norma de Une a competência funcional e territorial do Juízo de Instrução Cri mi mil nara a prática dos aios jurisdicionais relativos ao inquérito quanto aos crimes que, nos termos do Regulamento da Procuradoria Europeia, seiam da competência desta entidade.
Assim dispõe o art, 6.° da aludida Lei, sob a epígrafe "Juízo de instrução criminal competente", o seguinte:
A prática dos atos jurisdicionais relativos ao inquérito quanto aos crimes que, nos lermos do Regulamento da Procuradoria Europeia, sejam da competência desta entidade cabe;
a) Ao juízo de instrução criminal de Lisboa, quando se (rate de factos que tenham sido praticados na área de competência dos tribunais da Relação de Lisboa e de Évora;
b) Ao juízo de instrução criminal do Porto, quando se trate de factos que tenham sido praticados na área de competência dos tribunais da Relação de Guimarães, do Porto e de Coimbra
c) Este diploma legal não atribui competência funcional/territorial ao Tribunal Central de Instrução Criminal para a prática de atos jurisdicionais relativos a inquéritos que estejam a ser investigados pela Procuradoria Europeia.
Posto isto, para apurar qual dos dois tribunais - Tribunal de Instrução Criminal do Porto ou de Lisboa -é o competente para a prática de atos jurisdicionais relativos a inquéritos que estejam a ser investigados pela Procuradoria Europeia, é necessário antes de mais apurar quais os factos que estão em causa nos presentes autos.
Os presentes autos tiveram origem na certidão extraída do processo n,° 3836/17.0JAPRT, da l.a Secção do DIAP Regional Porto. Esta certidão foi registada e autuada no dia 7.06.2022 e distribuída à l.a Secção Regional do Porto, dando origem aos presentes - inquérito n.° 695/22.4KRPRT (local da notícia do crime - Porto).
No âmbito dos presentes autos está fortemente indiciado que o arguido/recorrente AA, juntamente com os arguidos FF, GG, AA e HH desde pelo menos 2020, organizaram um grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português, ao não proceder à liquidação, nem pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto de Espanha para Portugal, obtendo uma vantagem económica e patrimonial que se calcula até ao momento, no valor global de €26.364.611,12 Euros.
Para concretizar tal plano contaram com a colaboração da contabilista certificada da "A..., SARL-Sucursal em Portugal", II, que ocultou das declarações periódicas do IVA o imposto devido.
Este plano só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade "D..., Lda.", com o NIPC ...30 e sede na Rua ...,... Porto, cujo sócio-gerente é o arguido GG, o qual detém desde há mais de 20 anos diversas sociedades dedicadas à distribuição e revenda de combustíveis.
A sociedade "D..., Lda.", gerida pelo arguido GG, financiou antecipadamente as aquisições de combustíveis adquiridos aos fornecedores espanhóis, transferindo para as contas bancárias da sociedade "A..., SARL- Sucursal em Portugal" as quantias necessárias para o efeito. Parte desse valor foi posteriormente devolvido à "D..., Lda." em virtude de o devido IVA não ter sido liquidado, nem pago ao Estado.
Os arguidos utilizaram depois a liquidez decorrente desse plano na aquisição de bens móveis, imóveis, serviços, participações sociais para proveito próprio e das sociedades por eles criadas e/ou controladas, dissimulando a sua proveniência.
E concretizaram tal plano utilizando para o efeito as contas bancárias da "A..., SARL-Sucursal em Portugal", a partir das quais transferiram os fundos obtidos pelo não pagamento do IVA devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos, no valor de pelo menos €20.706.577,27 (Já que cerca de 6 milhões foram desde logo deduzidos nos pagamentos efetuados pela D..., Lda.").
Os factos denunciados imputados ao arguido/recorrente FF consubstanciam a prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 89.°-1-3 da Lei n.° 15/2001, de 5.06, alterada pela Lei n.° 7/2021, de 26.02 (em concurso aparente com o crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.°-1-3-5 do CP); de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.°-l-a)-b)-c) e 104.°-l-d)-e)-3 da Lei n.° 15/2001, de 5.06; e um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 386.°-A-l-d)-j)-2-3-4 do CP.
E após enunciar os factos em causa nos presentes autos importa ter presente que para estabelecer os factos que tenham sido praticados na área de competência dos vários Tribunais das Relações é necessário antes de mais apurar qual o MP competente, neste caso o Procurador Europeu Delegado competente para a realização do inquérito.
Para o efeito é necessário trazer à colação a norma prevista no art 264.° do CPP referente à competência territorial do MP para realização do inquérito.
O artigo 264.° do CPP dispõe o seguinte:
"1- É competente para a realização do inquérito o Ministério Público que exercer funções no local em que o crime tiver sido cometido.
2- Enquanto não for conhecido o local em que o crime foi cometido} a competência pertence ao Ministério Público que exercer funções no local em que primeiro tiver havido notícia do crime ".
No que concerne ao crime de associação criminosa imputados ao arguido/ora recorrente AA e aos demais arguidos e uma vez que na fase de inquérito atual ainda não é conhecido o local onde este crime foi cometido, a competência pertence ao Ministério Público a exercer funções no local onde houve primeiro a noticia do crime, ou seja, no Porto, conforme resulta do disposto no art. 264.°-2 do CPP.
E relativamente ao crime de fraude fiscal qualificada imputado ao arguido/recorrente AA e aos demais arguidos o mesmo só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade "D..., Lda", com sede no Porto, na Rua ..., ..., ... Porto, cujo sócio-gerente é o arguido GG, o qual detém desde há mais de 20 anos diversas sociedades dedicadas à distribuição e revenda de combustíveis.
O arguido GG financiou antecipadamente as aquisições dos combustíveis adquiridos aos fornecedores espanhóis, transferindo para as contas bancárias da sociedade "A..., SARL-Sucursal em Portugal" as quantias necessárias para o efeito.
Esse financiamento foi realizado a partir das contas bancárias da sociedade "D..., Lda", sedeadas em Santa Maria da Feira.
Importa ainda referir que o crime de branqueamento imputado ao arguido GG foi consumado em Santa Maria da Feira, local onde estão sedeadas as contas bancárias da "D..., Lda" para as quais foram transferidos os montantes enviados pela "A..., SARL-Sucursal em Portugal" como distribuição dos ganhos obtidos provenientes do não pagamento do IVA devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos. Estes valores foram posteriormente distribuídos pelas várias sociedades deste arguido, todas com sede no Porto.
Assim sendo, dúvidas não temos que o Juízo de Instrução Criminal do Porto tem competência funcional e territorial para a prática dos atos jurisdicionais relativos ao inquérito uma vez que os factos foram praticados na área de competência dos tribunais da Relação do Porto, conforme resulta do disposto no art. 6.°-b) da Lei n.° 112/2019, de 10. 09 e arts. 19.°, 21.° e 264.°-1-2 do CPP.

b) Se a violação das regras dc competência do Juízo de Instrução Criminal constitui nulidade insanável.
O arguido/recorrente AA alegou que a violação das regras de competência do Juízo de Instrução Criminal constitui nulidade insanável (cfr. fls. 2036
e 2037).
Ora e salvo o devido respeito por opinião contrária esta afirmação não corresponde à verdade e não tem qualquer correspondência na letra e espírito da lei.
O art. 119°-e) do CPP comina com a nulidade insanável a violação das regras de competência do tribunal, estabelecendo de forma expressa uma exceção prevista no art. 32.°-2 do mesmo diploma legal, ou seja, o caso da incompetência territorial.
As consequências/efeitos da declaração de incompetência territorial estão previstas no art. 33.° do CPP.
Assim, e ao contrário de outras causas de incompetência, a violação das regras da competência territorial tem como único efeito a remessa dos autos ao tribunal territorialmente competente (com a limitação temporal decorrente do art. 32.°-2), não ocasionando qualquer nulidade (cfr. art. 31.°-1 do CPP).
Remetido o processo para o tribunal territorialmente competente, este anula os atos que se não teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo, e ordena a repetição dos atos necessários para conhecer da causa (cfr. art. 33o-1 do CPP) - encontrando-se assim a eventual anulação dos atos praticados pelo tribunal incompetente submetida a um critério de justiça material, consentâneo com os princípios da economia processual e do máximo aproveitamento dos atos processuais (vide Paulo Pinto de Albuquerque, in "Comentário do CPP", 4.a edição, p. 115).
A única exceção a esta regra é o facto de não serem competentes os tribunais portugueses em que o processo é arquivado, situação que não se verifica no caso "sub judice" (cfr. art. 33.°-4 do CPP).
Face ao exposto, e contrariamente ao alegado pelo recorrente a eventual declaração da incompetência territorial não implica a anulação de todos os atos praticados por quem não tinha competência para os mesmos, mas tem apenas como efeito a remessa dos autos ao tribunal territorialmente competente.
c)Se a decisão proferida nela Mtn.a Juiz dc Instrução de 24.03.2Q23 "enferma de erro de julgamento de direito" por total ausência de suporte fático, de bom senso e razoabilidade por ter decidido que havia fundamento indiciário para afirmar que o arguido/recorrente tinha conhecimento profundo do mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis.
O arguido/recorrente AA negou que tivesse conhecimento profundo de todo o mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis e que o Tribunal "a quo" justificou esse conhecimento no facto de ter sido mandatário num processo judicial
Alegou que esta fundamentação peca, por uma total ausência de suporte fático e de bom senso ou razoabilidade (cfr. fls. 2037 e 2038).
Ora e salvo o devido respeito por opinião contrária a decisão proferida pela Mm.a Juiz de Instrução em 24.03.2023 não enferma de erro de qualquer erro de julgamento e foi suportada nos seguintes factos:
- Contrariamente ao alegado pelo arguido de que não teve qualquer intervenção material em qualquer dos atos a título pessoal ou enquanto mandatário, o arguido está indiciado juntamente com os arguidos GG, HH e FF de terem decido pelo menos desde 2020 organizar-se em grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português ao não proceder à liquidação e pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto de Espanha para Portugal, obtendo vantagem económica e patrimonial calculada, até á presente data no valor global de €26.364.611.12. -No que concerne aos atos praticados pelo arguido AA enquanto advogado, resulta das declarações do próprio, prestadas perante magistrado do Ministério Público (fls. 1120 a 1127) que o mesmo afirmou que é advogado das sociedades "D..., Lda" e "E... há cerca de 10 anos.
- No que concerne á constituição da sociedade "A... S.A.R.L. Sucursal em Portugal", o arguido disse que o arguido HH foi ter consigo porque pretendia abrir uma sociedade dedicada á compra e venda de combustíveis. Acrescentou ainda que foi ele quem tratou da documentação referente à sociedade "A... SARL Sucursal em Portugal" e posteriormente passou o caso à advogada Dr3 JJ, a qual tratou de proceder ao registo da sociedade.
- Foi ainda questionado sobre o motivo e em que qualidade teve intervenção na reunião que ocorreu em 2019 na Alfandega ... destinada a resolver assuntos referentes à concessão do estatuto de destinatário registado a favor da sociedade "A... SARL Sucursal em Portugal", sendo que nessa reunião também estiveram presentes os arguidos HH e FF e o arguido referiu que teve intervenção na qualidade de mandatário do arguido HH e da "A..." e informou que as sociedades "F... Lda" "A... Comércio de Combustíveis Unipessoal Lda" "B... Unipessoal Lda" "G... Unipessoal Lda" foram todas constituídas no seu escritório de advogados não se recordando apenas da sociedade " H... Lda" também ali tinha sido constituída.
- O arguido foi advogado e representou o arguido GG no processo n.° 200/04.4IDAVR em que este foi condenado pela prática de um crime de branqueamento e de abuso de confiança fiscal por via da atividade comercial de aquisição intracomunitária e subsequente introdução no consumo de combustíveis através das suas sociedades, conforme resulta do CRC de fls. 160 a 162.
- Estes factos foram comprovados pelo arguido AA nas declarações que prestou perante do Ministério Público em 15.12.2022, tendo afirmado que é advogado da "D..., Lda" e da "E..." há cerca de 10 anos (cfr. fls. 1120 a 1127).
D) Se o Tribunal "a quo" não tinha fundamentação séria nara determinar buscas a casa de BB nor não constar do despacho do MP, dos factos indiciados, a situação de coabitação.
O arguido/recorrente AA alegou que as buscas à casa da BB foram realizadas com o fundamento de o recorrente ali residir com a sua companheira.
Referiu ainda que o Tribunal parece desconsiderar a existência de qualquer alegação de coabitação, mas tanto mais grave, foi esse mesmo Tribunal "a quo " quem determinou, através de mandado para o efeito, as buscas realizadas na casa de uma terceira pessoa, sob o argumento que o recorrente ali residiria.
Afirmou ainda que o Tribunal "a quo,J não tinha qualquer fundamentação — e muito menos séria-para determinar buscas a casa de BB (cfr. fls. 2038 v.° e 2039).
Em relação a esta matéria importa antes de mais referir que o arguido/recorrente não está em tempo para recorrer da busca domiciliária efetuada na residência sita na Av.a ..., freguesia ..., Lisboa, cuja proprietária é BB.
Concretizando, no dia 2.12.2022 a Mm.a Juiz de Instrução Criminal determinou a realização de buscas no apartamento sito na Av.a ..., freguesia ..., Lisboa, correspondendo ao artigo matricial ...75, fração F da freguesia das ....
Este apartamento é o domicílio do suspeito/arguido AA e da sua companheira/advogada e sócia, BB, proprietária da fração.
Consta do despacho proferido pela Mm.a Juiz de Instrução que é imprescindível para a investigação, por forma a melhor sustentar o real envolvimento do advogado AA nos factos e crimes indiciados e eventualmente também da sua sócia, também advogada e companheira BB, recolher elementos de prova, nomeadamente documentos e objetos que poderão ter sido utilizados no cometimento dos crimes em investigação, bem como dos objetos produto dos crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento, que se afiguram impossíveis de obter de outro modo que não seja através da realização desta busca.
A busca à residência aludida foi realizada entre as 08,10 horas do dia 7.12.2022 e as 00,40 horas do dia 8.12.2022.
Nessa diligência a buscada esteve representada pela sua Ilustre Mandatária (com procuração forense outorgada em 2.12.2022), a quem foi entregue o duplicado do mandado de busca e apreensão (cfr. art. 176.°-1 do CPP).
O arguido/recorrente AA veio no dia 10.05.2023 intentar o presente recurso, alegando entre outros fundamentos, que o Tribunal não tinha fundamentação séria para determinar esta busca por não constar do despacho do MP dos factos indiciados a situação de coabitação.
O prazo de 30 dias para interpor recurso conta-se a partir da entrega do mandado de busca à Ilustre Mandatária da buscada, conforme resulta do disposto no art. 41 l.°-l-a) do CPP.
Assim sendo, o prazo para recorrer desta decisão terminou em janeiro de 2023, pelo que o recurso intentado pelo arguido/recorrente em relação a esta matéria é extemporâneo (data do recurso 10.05.2023).
Mas mesmo que assim não se entenda, situação que se coloca apenas sob o ponto de vista académico, não é verdade que o Tribunal não tinha fundamentação séria para determinar busca a casa de BB por não constar do despacho do MP dos factos indiciados a situação de coabitação.
Os fundamentos invocados pela Mm.a Juiz de Instrução para decretar a busca em apreço foram o facto de ser imprescindível para a investigação, por forma a melhor sustentar o real envolvimento do advogado AA nos factos e crimes indiciados e eventualmente também da sua sócia, também advogada e companheira BB, recolher elementos de prova, nomeadamente documentos e objetos que poderão ter sido utilizados no cometimento dos crimes em investigação, bem como dos objetos produto dos crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento, que se afiguram impossíveis de obter de outro modo que não seja através da realização desta busca.
A busca teve por finalidade apurar o real envolvimento do advogado/arguido/recorrente AA nos factos e crimes indiciados, mas também da sua sócia/advogada e companheira BB, recolher elementos de prova, nomeadamente documentos e objetos que poderão ter sido utilizados no cometimento dos crimes em investigação, bem como dos objetos produto dos crimes de fraude fiscal e branqueamento, que se afiguravam impossíveis de obter de outro modo que não fosse através da realização de buscas à sua morada profissional e à sua residência, que também é utilizada como morada profissional.
Concluindo, existia um interesse processual objetivo relacionado com o local buscado, que transcendia o facto de o arguido AA aí residir (coabitação) e que permitia a prossecução da busca mesmo que tal não se verificasse, como não se verificou.
Veja-se a este propósito, que a diligência permitiu a apreensão de uma pintura original de Paula Rêgo, adquirida pela sociedade "B... Unipessoal, Lda.", que mais não é do que uma sociedade de fachada constituída pelo arguido AA em nome de seu idoso Pai e controlada, mediante procuração, por si.
e) Se resulta da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto que a Procuradoria Europeia terá fundamentado as buscas à sociedade de advogados também com o facto de a Senhora Dr3 BB ter constituído a sociedade e registado o mandato da sociedade arguida B....
O arguido/recorrente AA alegou que tanto quanto resulta da fundamentação da decisão singular proferida em 23 de janeiro de 2023, pelo Tribunal da Relação do Porto, a Procuradoria Europeia terá fundamentado as buscas à sociedade de advogados, também, com o facto de a Senhora Dra. BB ter constituído a sociedade e registado o mandato da sociedade Arguida B... (cfr. fls. 2040).
Importa referir que em parte alguma da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto consta que a Procuradoria Europeia fundamentou as buscas à sociedade de advogados também com o facto de a Senhora Dra. BB ter constituído a sociedade e registado o mandato da sociedade arguida B....
Na decisão do Tribunal da Relação do Porto é apenas referido que f<...foi a sócia BB que tratou do registo da sociedade B...e do mandato conferido ao arguido reclamante sendo que nos gabinetes foi encontrada documentação relacionada com os
crimes em investigação " (cfr. fls. 163 v.° do processo de reclamação n.° 695/22.4KRPRT- B.P1).
E não consta, nem podia constar da decisão do Tribunal da Relação do Porto o facto alegado pelo recorrente de que as buscas tiveram por fundamento o facto de a sócia BB ter constituído e registado o mandato da sociedade arguida "B..." porque no despacho da Procuradoria Europeia de 30.11.2022, que fundamentou esta busca, este facto não é referido em parte alguma.
fíSe a decisão do Tribunal da Relação do Porto se reporta ou não a valores recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença,
O arguido/recorrente AA alegou que a decisão que a Mm.a Juiz de Instrução Criminal transcreveu e que foi proferida pelo Tribunal da Relação do Porto respeita à reclamação deduzida pelo Recorrente, nos termos e para os efeitos do previsto no art. 77. ° do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Referiu ainda que a decisão transcrita proferida pelo Tribunal da Relação do Porto não está relacionada com os valores recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença (cfr. fls. 2041 a 2044). Ora e salvo o devido respeito por opinião contrária não é verdade que a decisão do Tribunal da Relação do Porto não se tenha reportado a valores recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença.
Assim o arguido reclamou para o Tribunal da Relação do Porto arguindo as nulidades das buscas e apreensões dos documentos no escritório de advogados, na sua residência, bem como na residência da sócia BB.
Na reclamação deduzida, para além de outros argumentos, consta o seguinte:
«Tais buscas e apreensões visavam fundamentalmente recolha de prova para imputar à Sociedade "C... e Associados, SP" e ao buscado.
Contudo na acusação indiciária apenas dois artigos se reportam à sociedade relativamente a valores que lhe foram transferidos, no montante de €18.450,00.
E se a autoridade tributária tivesse confirmado através do E-Balcão ou pelo Sitaf teria visto que pelo número de processos em que o arguido foi constituído Mandatário, tais valores e outros em relação às outras sociedades indicadas,
Mais não são, do que o valor global da avença que era paga à sociedade no valor de €1.500,00 acrescida de encargos fiscais (Doe. n.° 1).
E a que acrescem alguns valores únicos, como de €35.000,00 solicitados por antecipação de despesas» (cfr. reclamação junta aos autos a fls. 151 e 152 do processo de reclamação n.° 695/22.4KRPRT-B.P1).
Resumindo, o arguido/recorrente alegou na sua fundamentação que as sociedades "A..., Lda." e "A... SARL-Sucursal em Portugal" transferiam para a conta bancária da sociedade "C... e Associados, SP" valores no montante de €18.450,00 a título de avença.
O Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se sobre estes factos alegados pelo arguido/recorrente AA nos seguintes termos:
"À luz do indiciado nos autos, sem prejuízo de uma indagação posterior e daquilo que se venha a demonstrar em sede de julgamento, a documentação apreendida em nada se confunde com qualquer situação de segredo profissional por força do exercício da advocacia pelo reclamante. Na verdade, o que está em causa é a sonegação de valores, bastante elevados, à Fazenda Nacional os quais surgem transferidos para sociedades alegadamente controladas pelo próprio reclamante, recorrendo a expedientes como a nomeação do seu pai como sócio gerente mas mantendo o próprio através de mandato, o controlo das mesmas. Estando em causa valores superiores a três milhões de euros que terão sido apropriados pelo arguido em causa, não se pode inferir que a documentação apreendidas e as buscas feitas apenas se traduziram na deteção de transferências relativas ao pagamento de uma avença por serviços jurídicos ou para o pagamento de despesas com a atividade forense. Basta consultar a própria documentação invocada pelo reclamante presente a fls. 1402 e 1403 onde as transferências surgem como protagonizadas pela A... a qual seria aquela que não liquidaria, nem pagaria, os impostos, em particular o IVA, que eram devidos " (cfr. fls. 163 v° e 164 do do processo de reclamação n.° 695/22.4KRPRT-B.P1).
Assim sendo, bem andou a Mm.a Juiz de Instrução Criminal ao decidir que o Tribunal da Relação do Porto já se havia pronunciado sobre estes factos.

G) Se foram realizadas buscas nas instalações da sociedade de advogados "C...-Sociedade de Advogados, SP, RL" em gabinetes de uso exclusivo usado por advogados, sem que nenhum deles tenha sido constituído arguido.
O arguido/recorrente AA alegou que no dia 7.12.2022foram realizadas buscas nas instalações onde funciona a sociedade de advogados "C...-Sociedade de Advogados, SP, RL" e em gabinetes de uso exclusivo dos seguintes advogados:
-Sr.aDr.aCC;
-Sr.a Dr.aDD;
-Sr." Dr.aEE;
-Sr."Dr.aBB.
Referiu ainda que nenhum destes advogados foi constituído arguido, pelo que as buscas não poderiam ter sido realizadas (cfr. fls. 2045).
Em relação a esta matéria importa antes de mais referir que o arguido/recorrente não está em tempo para recorrer da busca efetuada às instalações onde funciona a sociedade de advogados "C...-Sociedade de Advogados, SP, RL"
Concretizando, a Mm.a Juiz de Instrução Criminal no dia 2.12.2022 determinou a realização de busca nos escritórios do suspeito/arguido/recorrente AA, ou seja, na sociedade de advogados "C...-Sociedade de Advogados SP RI" pertencente a este e à sua companheira e advogada BB.
O escritório de advogados é o Apartamento situado na Avenida .... e esquerdo, freguesia ..., ... Lisboa, na disponibilidade de AA, BB e sociedade de advogados "C..., SP, RL".No dia 7.12.2022, entre as 09,10 horas e as 22,40 horas, foi realizada a busca ao escritório de advogados aludido.
Esta diligência foi presidida pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal e esteve presente na mesma a Ilustre representante da Ordem dos Advogados.
O arguido AA não esteve presente nessa diligência em virtude de se encontrar de férias no estrangeiro, mas foi representado nessa diligência pela Ilustre Advogada, Dr.a KK, a quem foi entregue o duplicado do mandado de busca e apreensão (cfr. art. 176.°-1 do CPP).
Nessa diligência "...foi estabelecido contacto telefónico entre a Ilustre Defensora, a Ilustre representante da Ordem dos Advogados e o Procurador Europeu Delegado, com pessoa que se identificou como o Buscado AA e que a Defensora identificou como sendo o mesmo, em cujo decurso informou que pretendia colaborar na realização da presente diligência, só não o fazendo pessoalmente por se encontrar no estrangeiro. Questionado, referiu ser sua vontade fornecer os códigos de acesso ao seu computador e aos dois cofres existentes no interior das instalações, bem como ser constituído arguido e ser interrogado nessa qualidade assim que para tanto for convocado " (cfr. fls. 1014).
A Ilustre mandatária do arguido AA apresentou nessa diligência reclamação ao abrigo do disposto no art. 77.°-2-3 do EOA.
O arguido/recorrente AA veio no dia 10.05.2023 intentar o presente recurso, alegando entre outros fundamentos, que foram realizadas buscas nas instalações da sociedade de advogados "C...-Sociedade de Advogados, SP, RL" em escritórios em gabinetes de uso exclusivo usado por advogados, sem que nenhuma delas tenha sido constituída arguida. Ora o prazo de 30 dias para interpor recurso conta-se a partir da entrega do mandado de busca à Ilustre Mandatária do buscado, conforme resulta do disposto no art. 41 l.°-l-a) do CPP.
Assim sendo, o prazo para recorrer desta decisão terminou em janeiro de 2023, pelo que o recurso intentado pelo arguido/recorrente em relação a esta matéria é extemporâneo (data do recurso 10.05.2023). Mas mesmo que assim não se entenda, situação que se coloca apenas sob o ponto de vista académico, importa referir que para a realização da busca e apreensão em escritório de advogados não é necessária a constituição de advogado como arguido, quando este não é suspeito da prática do crime.
Acresce que o arguido/recorrente não juntou aos autos qualquer prova documental a comprovar que os advogados por ele identificados tivessem na altura das buscas gabinetes na sociedade de advogados de uso exclusivo e nada foi alegado a este respeito na fase de apresentação das reclamações (cfr. arts. 75.° a 77.° do EOA).
Finalmente as buscas e apreensões realizadas no escritório de advogados já foram objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação do Porto de 23.01.2023 que decidiu que as mesmas constituem prova dos crimes indiciados e prendem-se com a ilícita apropriação de montantes sonegados ao Estado e apossados pelo arguido AA, através de transferências para sociedades de responsabilidade limitada por si efetivamente detidas e controladas.

h) Se constitui nulidade o facto de o arguido/recorrente apenas ter sido constituído arguido vários dias depois de terem sido realizadas as buscas, em evidente violação do art. 76.°-4 do Estatuto da Ordem dos Advogados.

O arguido/recorrente alegou que apenas foi constituído arguido vários dias depois de realizadas as buscas, em evidente violação do art. 76. °-4 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Referiu ainda que os documentos apreendidos na busca respeitam ao exercício da profissão de advogado e que cabia ao Tribunal de Instrução Criminal ua quo" pronunciar-se sobre tais nulidades (cfr. fls. 2046 a 2050).
Ora e salvo o devido respeito por opinião contrária a Mma Juiz de Instrução Criminal pronunciou-se sobre os factos alegados pelo arguido/recorrente e concluiu que o facto de o ora recorrente não ter sido constituído arguido previamente à realização das buscas não constituía qualquer nulidade ou irregularidade.
Os fundamentos invocados pela Mm.a Juiz de Instrução foram os seguintes:
«Dispõe o art. 177.°-5 do CPP que tratando-se de busca em escritório de advogado, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente.
No dia 7.12.2022 foi realizada busca ao apartamento sito na Avenida ... e direito, Lisboa, na disponibilidade do arguido AA, BB, sociedade de advogados 'C..., SP, RU' (cfr.fls. 1012 a 1019).
Essa diligência foi presidida por Juiz de Instrução Criminal e esteve presente na mesma a Ilustre representante da Ordem dos Advogados.
O arguido AA não esteve presente nessa diligência em virtude de se encontrar de férias no estrangeiro, mas foi representado nessa diligência pela Ilustre Advogada, Dr.aKK.
Nessa diligência "...foi estabelecido contacto telefónico entre a Ilustre Defensora, a Ilustre representante da Ordem dos Advogados e o Procurador Europeu Delegado, com pessoa que se identificou como o Buscado AA e que a Defensora identificou como sendo o mesmo, em cujo decurso informou que pretendia colaborar na realização da presente diligência, só não o fazendo pessoalmente por se encontrar no estrangeiro. Questionado, referiu ser sua vontade fornecer os códigos de acesso ao seu computador e aos dois cofres existentes no interior das instalações, bem como ser constituído arguido e ser interrogado nessa qualidade assim que para tanto for convocado" (cfr.fls. 1014).
A Ilustre mandatária do arguido AA apresentou nessa diligência reclamação ao abrigo do disposto no art. 77.°-2-3 do EOA.
Decorre do exposto, que o arguido AA não foi constituído arguido no decurso destas buscas em virtude de se encontrar de férias no estrangeiro, tendo sido representado nessa diligência pela sua mandatária.
Face ao exposto, e uma vez que o arguido esteve representado nesta diligência pela sua mandatária, tendo inclusive colaborado na realização da mesma, não se verifica qualquer irregularidade/nulidade pelo facto de o mesmo não ter sido constituído neste ato arguido».
E contrariamente ao alegado pelo arguido/recorrente também não é verdade que os documentos apreendidos na busca respeitassem ao exercício da profissão de advogado.
Assim, e quanto a esta matéria já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto por decisão proferida em 23.01.2023 ao concluir que as buscas, as apreensões, as documentações apreendidas no escritório de advogados nada têm a ver com a atividade do arguido enquanto advogado ou com a sua relação com o cliente; antes se prendem com a ilícita apropriação de montantes sonegados ao Estado e apossados por si próprio, através de transferências para sociedades de responsabilidade limitada por si efetivamente detidas e controladas.

i) Se o IVA liquidado pela "A..." foi na sua totalidade entregue nos cofres do Estado, não se verificando os elementos objetivos do crime de fraude fiscal.

O arguido/recorrente alegou que o IVA liquidado pela A... foi na sua totalidade entregue nos cofres do Estado e que não existiu qualquer negócio simulado, alteração da contabilidade ou ocultação de factos (cfr. fls. 2050 a 2052).
Ora e salvo o devido respeito por opinião contrária não é verdade que não se verifiquem os elementos objetivos do tipo legal do crime de fraude fiscal qualificada.
Concretizando, o art 103.° do RGIT dispõe o seguinte.
1- Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
Ora no caso "sub judice" o crime de fraude fiscal qualificada consubstancia-se nos seguintes factos:
Os arguidos GG, AA, HH, FF decidiram, pelo menos desde 2020, organizar-se em grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português, ao não proceder à liquidação - leia-se correta -, nem pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto em Espanha, obtendo uma vantagem económica e patrimonial no valor global de €26.364.611,12.
Para concretizar tal plano contaram com a colaboração da contabilista certificada da "A..., SARL-Sucursal em Portugal", II, que ocultou das declarações periódica do IVA o imposto devido.
Concretizando, apesar de a "A... SARL-Sucursal em Portugal" ter emitido as correspondentes faturas por cada transmissão onerosa de combustível, procedendo à liquidação do IVA sobre o valor tributável determinado com inclusão do ISP, a arguida/contabilista II não procedeu ao lançamento correto nas declarações periódicas de IVA, aproveitando-se do facto dos dois impostos serem controlados por serviços diferentes da AT e não serem liquidados simultaneamente.
Este plano só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade "D..., Lda.", gerida pelo arguido GG, que financiou antecipadamente as aquisições dos combustíveis adquiridos aos fornecedores espanhóis, transferindo para as contas bancárias da sociedade "A..., SARL-Sucursal em Portugal" as quantias necessárias para o efeito. Parte desse valor foi posteriormente devolvido à D..., Lda, Lda. em virtude de o devido IVA não ter sido liquidado, nem pago ao Estado.
Assim, contrariamente ao invocado, estes factos preenchem os requisitos objetivos e subjetivos do tipo legal do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.°-l-a)-b)-c) e 104.°-l-d)-e)-3 da Lei n.° 15/2001, de 5.06, alterada pela Lei n.° 7/2021, de 26.02 (RGIT).

j) Se o sujeito passivo "A..." é um revendedor de combustíveis e se face ao regime dos combustíveis tal significa que terá de liquidar o IVA pela margem.

O arguido/recorrente alegou ainda que o que se discute é apenas saber se o IVA na margem aplicado por aquela sociedade erat efetivamente, o correto nos termos da legislação aplicável ou, se pelo contrário, a totalidade do valor das transações comerciais intracomunitárias estaria sujeita a IVA à taxa de 23%.
Referiu ainda que a propósito deste tema existe o parecer técnico da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas de 23.11.2021 respeitante à revenda de combustíveis onde detalhadamente se explica o regime aplicável e expressamente se refere que "...se o sujeito passivo for um sujeito passivo revendedor de combustíveis, face ao Regime dos Combustíveis significa que liquidará o IVA pela margem (cfr. fls. 2053 a 2055).
Antes de mais importa ter presente alguns conceitos essenciais referentes ao regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicáveis aos revendedores que estão previstos nos arts. 69.° a 75.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, doravante designado por CIVA.
Conforme resulta do disposto no art. 69.° do CIVA que define o âmbito de aplicação do referido regime o imposto devido pelas transmissões de gasolina, gasóleo e petróleo carburante efetuadas por revendedores é liquidado por estes com base na margem efetiva de vendas.
Neste caso, o valor tributável corresponderá à diferença verificada entre cada período de tributação, entre o valor das transmissões de combustíveis realizadas e o valor das aquisições dos mesmos combustíveis (IVA excluído em ambas as situações), sendo sobre esta margem que os revendedores deverão incidir a respetiva taxa de imposto (cfr. art. 70.° do CIVA).
Assim, os revendedores deverão inscrever como base tributável nas suas declarações periódicas de IVA apenas o valor da margem das operações, sendo o correspondente IVA liquidado calculado por aplicação da respetiva taxa de imposto a essa margem, o que, nestas situações resultará em divergências entre os valores declarados nas declarações periódicas de IVA e os comunicados para o sistema E-fatura.
Os revendedores abrangidos por este regime deverão, sempre que efetuem aquisições intracomunitárias de combustíveis líquidos, proceder em conformidade com as regras do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI), nomeadamente quanto à liquidação do respetivo imposto, o qual não confere direito à dedução (cfr. arts. 71.° e 74.° do CIVA).
Relativamente ao valor tributável nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo o mesmo é determinado com inclusão destes impostos, conforme resulta do disposto no art. 17°-3 do RITI.
Importa agora definir o conceito de revendedor para efeitos de aplicação do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores.
A definição de revendedor está prevista nos pontos 2.1 e 2.2. do Oficio Circulado n.° 30068/2004, de 19.01 da DSIVA que estabelece que são todos os sujeitos passivos que revendam os combustíveis líquidos gasolina, gasóleo e petróleo carburante, não se encontrando abrangidos os sujeitos passivos que sejam empresas distribuidoras de combustíveis líquidos, que aplicarão às suas operações o regime geral do IVA.
O ponto 2.3 do referido Ofício Circulado define empresas distribuidoras, para efeitos de exclusão do regime, como sendo as entidades abrangidas pelo Decreto-Lei n.° 10/2001, de 23 de janeiro, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.° 165/2013, de 16.12, que atualmente prevê serem os operadores, denominados "operadores obrigados", que introduzem produtos petrolíferos no mercado nacional, quer sejam através de introdução no consumo, quer através da comercialização em aeroportos e aeródromos, e que, portanto, não se encontram abrangidos pelo Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicáveis aos revendedores.
Transpondo estes conceitos para o caso "sub judice" a "A... SARL-Sucursal em Portugal" usou o estatuto de destinatário registado temporário. Este estatuto, nos termos do disposto no art. 30.°-l do CIEC corresponde ao operador económico que apenas pretende receber ocasionalmente, em regime de suspensão de imposto, produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, devendo registar-se na estância aduaneira competente, indicando para o efeito, o período de validade, o expedidor e a quantidade de produtos que pretende receber.
Ora e conforme resulta do disposto no art. 30.°-2-b) do CIEC o destinatário registado temporário tem, no termo da circulação das mercadorias, de cumprir as formalidades de introdução no consumo em território nacional o que o torna um distribuidor, afastando-se do conceito de revendedor de combustíveis líquidos e da aplicação do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicáveis aos revendedores, tendo assim que aplicar às suas operações o regime geral do IVA.
E através da análise à situação declarativa do sujeito passivo foi possível concluir que, de facto, não foi liquidado o IVA exigível às operações realizadas pela A... SARL - SUCURSAL EM PORTUGAL, essencialmente por esta, enquadrar incorretamente as suas operações no âmbito do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores, através do qual incide IVA apenas sobre a margem obtida entre o valor das transmissões de combustíveis realizadas e o valor das aquisições dos mesmos combustíveis.
Por conjunção das disposições previstas no ofício circulado n.° 30068/2004, de 19 de janeiro daDSIVA e do Decreto-Lei nº10/2001, de 23 de janeiro, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.° 165/2013 de 16 de dezembro, que definem o conceito de distribuidor, concluiu-se que a A... SARL - SUCURSAL EM PORTUGAL se enquadra nesse conceito, uma vez que faz a introdução no consumo dos combustíveis no território nacional, encontrando-se, portal facto, excluída do âmbito de aplicação do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores e sujeita ao regime geral do IVA no que diz respeito às suas operações.
Mas ainda que assim não fosse, hipótese que apenas se coloca sob o ponto de vista académico, e fosse aplicável no caso vertente o IVA da MARGEM, o sujeito passivo teria sempre de liquidar o IVA devido nas aquisições intracomunitárias de combustível o qual não confere direito à dedução, de acordo com o que se encontra previsto no art.0 71.° do CIVA. Quanto ao valor tributável nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo é, nos termos do n° 3 do Artigo 17.° RITI, determinado com inclusão destes impostos, ainda que não liquidados simultaneamente.

k) Se existiu ou não falta de comunicação entre os serviços da AT que tenha impedido a deteção atempada dos crimes em causa.

O arguido/recorrente alegou que a AT teve sempre conhecimento, até por via do ISP-durante quase dois anos do volume de combustíveis transacionados, tempo mais do que suficiente para ter detetado e interpelado quem de direito por qualquer eventual e alegado erro de lançamento.
Referiu ainda que não existiu falta de comunicação entre os serviços da AT, pois basta atender no facto de a AT organizar e possuir um cadastro centralizado e informatizado que integra todas as t,interaçõesn entre os contribuintes e a AT, aí se incluindo todos os impostos e respetivas declarações fiscais.
E terminou alegando que se uma determinada sociedade entrega durante cerca de dois anos as suas liquidações de IVA, sem que a AT alguma vez lhe tenha imputado qualquer erro, inexatidão, omissão é mais do que razoável que o contribuinte não tenha qualquer dúvida que está a proceder a uma correta liquidação (cfr. fls. 2055 e 2056).
A explicação para os crimes em causa não terem sido detetados mais cedo pela Autoridade Tributária resulta do facto de os dois impostos em causa, ou seja, o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e o imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) serem controlados por serviços diferentes da Autoridade Tributária e não serem liquidados simultaneamente.
Estas circunstâncias inviabilizam que estes serviços da Autoridades Tributária consigam atempadamente cruzar dados entre si, dificultando a deteção célere e eficaz dos factos indiciadores da prática de crimes fiscais e conexos (cfr. art. 26.° - fls. 609 v.°).
E foi através do cruzamento de dados intracomunitários VIES (VAT Information Exchange System) que se detetou a omissão nas Declarações Periódicas de IVA dos valores das Aquisições Intracomunitárias de combustíveis da A... SARL SUCURSAL em PT efetuadas com Espanha, valores esses inscritos e comunicados pelo fornecedor Espanhol à respetiva autoridade tributária.
E salvo o devido respeito por opinião contrária não é verdade que os serviços da AT não tenham efetuado diligências para tentar recolher toda a documentação contabilística que pudesse esclarecer cabalmente a atividade da empresa e detetado atempadamente que o IVA não foi liquidado corretamente correspondente às aquisições intracomunitárias de combustíveis e subsequente introdução no consumo.
Assim, os serviços tributários nos meses de abril e maio de 2022 encetaram diversas diligências no sentido de obterem elementos contabilísticos que permitissem aquilatar sobre a natureza e idoneidade das declarações apresentadas pela A... SARL-Sucursal em Portugal no decurso dos anos de 2020 e 2021 (contactos telefónicos com o representante da A... SARL- SUCURSAL em Portugal, notificação pessoal e afixação de Verificação De Hora Certa, contactos com contabilista certificada, etc).
A AT no decurso das diligências realizadas apurou o seguinte:
-Que ocorreu a cessação da atividade da A... SARL-Sucursal em Portugal, em sede de IVA, com efeitos a partir de 2022-04-30;
-Que ocorreu a cessação do contrato de prestação de serviços com a entidade onde se encontrava domiciliada a sede da sucursal realizada em 2022-04-05;
-Que em 30.04.2022 cessaram as funções do arguido HH, enquanto representante desta Sucursal em Portugal, tendo essa inscrição sido efetuada na Conservatória do Registo Comercial em 2022-04-29;
-O encerramento da Sucursal em Portugal deliberada em Assembleia Geral da A..., SARL, com sede na Guiné Bissau (representada pelo único sócio e administrador, HH), cuja inscrição na Conservatória do Registo Comercial apenas ocorreu em 2022-05-10;
-Identificação de uma pessoa não residente em Portugal, para efeitos de Contactos da Sucursal - LL.
Concluindo, assim que os serviços tributários tentaram obter legítimos esclarecimentos, os representantes sociais da A... SARL-Sucursal em Portugal trataram ou passaram mandato para encerrar a atividade da empresa, fecharam a sede, nunca apresentaram a sua contabilidade oficial e passaram a sua representação para um terceiro não residente em Portugal.
Face ao exposto, dúvidas não temos que o recurso deve ser rejeitado, por ser manifesta a sua improcedência, conforme resulta do disposto no art. 420.°-1-a) do CPP.

IV - Conclusões:
1. A primeira questão suscitada pelo recorrente é a de saber se a Mm." Juiz de Instrução Criminal do Porto é material e territorialmente competente para praticar os atos até ao momento realizados.
2. No que concerne à questão de competência material a mesma não se coloca já que ambos os tribunais, Tribunal de Instrução Criminal do Porto e Tribunal Central de Instrução Criminal, se inserem na jurisdição criminal.
3. Relativamente à questão da competência funcional/territorial suscitada pelo recorrente importa antes de mais fixar tal competência nas várias fases do processo.
4. No processo penal o CPP estabelece uma competência para cada uma das fases do processo, ou seja, a fase do inquérito, instrução (se tiver lugar) e o julgamento.
5. Na verdade, existe a competência do MP, no inquérito, a competência do TIC, na instrução, e a competência do tribunal do julgamento.
6. Durante o inquérito a competência territorial do MP para a realização do inquérito está definida no artigo 264.° do CPP.
7. "A competência do JICpara intervir no inquérito só está definida no âmbito do Código de Processo Penal em termos de reserva de jurisdição (art. ° 17o, 268° e 2690 do CPP), não havendo qualquer norma que defina a competência do JIC no inquérito, já que a norma do art.0 288°-2 do CPP, pela sua inserção sistemática se refere à competência para a instrução " ("vide" Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.04.2014, processo n.° 56/09.0TELSB- A.L1-9, relator João Abrunhosa, in "w uw.diisi.pl").
8. No entanto, importa trazer à colação a norma especial prevista no art. 6.° da Lei n.° 112/2019, de 10.09, sob a epígrafe "Juízo de instrução criminal competente", que adapta a ordem jurídica interna ao Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia.
9. Esta norma define a competência funcional e territorial do Juízo de instrução Criminal para a prática dos atos jurisdicionais relativos ao inquérito quanto aos crimes que, nos Termos do Regulamento da Procuradoria Europeia. sejam da competência desta entidade.
10, Assim dispõe o art. 6,° da aludida Lei, sob a epígrafe "Juízo de instrução criminal competente", o seguinte:
"A prática dos atos jurisdicionais relativos ao inquérito quanto aos crimes que, nos lermos do Regulamento da Procuradoria Europeia, sejam da competência desta entidade cabe:
a)Ao juízo de instrução criminal de Lisboa, quando se trate de fados que tenham sido praticados na área de competência dos tribunais da Relação de Lisboa e de
Évora:
b) Ao juízo de instrução criminal do Porto, quando se trate de factos que tenham sido praticados na área de competência dos tribunais da Relação de Guimarães, do Porto e de Coimbra
11. liste diploma legal não atribui competência funcional/territorial ao Tribunal Central de Instrução Criminai para a pratica de atos jurisdicionais relativos a inquéritos uue estejam a ser investigados pela Procuradoria Europeia.
12. Posto isto, para determinar qual dos dois tribunais - Tribunal de Instrução Criminal do Porto ou de Lisboa -é o competente para a prática de atos jurisdicionais relativos a inquéritos que estejam a ser investigados pela Procuradoria Europeia é necessário apurar quais os factos que estão em causa nos presentes autos.
13. Os presentes autos tiveram origem na certidão extraída do processo n.° 3836/17.0JAPRT, da l.a Secção do DIAP Regional Porto. Esta certidão foi registada e autuada no dia 7.06.2022 e distribuída à l.a Secção Regional do Porto, dando origem aos presentes - inquérito n.° 695/22.4KRPRT (local da notícia do crime — Porto).
14. No âmbito dos presentes autos está fortemente indiciado que o arguido/recorrente AA, juntamente com os arguidos FF, GG, AA e HH desde pelo menos 2020, organizaram um grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português, ao não proceder à liquidação, nem pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto de Espanha para Portugal, obtendo uma vantagem económica e patrimonial que se calcula até ao momento, no valor global de €26.364.611,12 Euros.Para concretizar tal plano contaram com a colaboração da contabilista certificada da "A..., SARL-Sucursal em Portugal", II, que ocultou das declarações periódicas do IVA o imposto devido.
15. Este plano só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade "D..., Lda.", com o NIPC ...30 e sede na Rua ..., ... Porto, cujo sócio-gerente é o arguido GG, o qual detém desde há mais de 20 anos diversas sociedades dedicadas à distribuição e revenda de combustíveis.
16. A sociedade "D..., Lda.", gerida pelo arguido GG, financiou antecipadamente as aquisições de combustíveis adquiridos aos fornecedores espanhóis, transferindo para as contas bancárias da sociedade "A..., SARL-Sucursal em Portugal" as quantias necessárias para o efeito. Parte desse valor foi posteriormente devolvido à "D..., Lda." em virtude de o devido IVA não ter sido liquidado, nem pago ao Estado.
17. Os arguidos utilizaram depois a liquidez decorrente desse plano na aquisição de bens móveis, imóveis, serviços, participações sociais para proveito próprio e das sociedades por eles criadas e/ou controladas, dissimulando a sua proveniência.
18. E concretizaram tal plano utilizando para o efeito as contas bancárias da "A..., SARL-Sucursal em Portugal", a partir das quais transferiram os fundos obtidos pelo não pagamento do IVA devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos, no valor de pelo menos €20.706.577,27 (já que cerca de 6 milhões foram desde logo deduzidos nos pagamentos efetuados pela D..., Lda.").
19. Os factos denunciados imputados ao arguido/recorrente FF consubstanciam a prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 89.°-1-3 da Lei n.° 15/2001, de 5.06, alterada pela Lei n.° 7/2021, de 26.02 (em concurso aparente com o crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.°-1-3-5 do CP); de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.°-l-a)-b)-c) e 104.°-l-d)-e)-3 da Lei n.° 15/2001, de 5.06; e um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 386.°-A-l-d)-j)-2-3-4 do CP.
20. Após enunciar os factos em causa nos presentes autos importa ter presente que a área de competência dos tribunais da Relação para apreciar estes factos está intrinsecamente ligada à competência territorial do MP - leia-se Procurador Europeu Delegado para a realização do inquérito.
21. Para o efeito é necessário trazer à colação a norma prevista no art 264.° do CPP referente à competência territorial do MP para realização do inquérito.
22. No que concerne ao crime de associação criminosa imputados ao arguido/ora recorrente AA e aos demais arguidos e uma vez que na fase de inquérito atual ainda não é conhecido o local onde este crime foi cometido, a competência pertence ao Ministério Público a exercer funções no local onde houve primeiro a noticia do crime, ou seja, no Porto, conforme resulta do disposto no art. 264.°-2 do CPP.
23. E relativamente ao crime de fraude fiscal qualificada imputado ao arguido/recorrente AA e aos demais arguidos o mesmo só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade "D..., Lda", com sede no Porto, na Rua ..., ..., ... Porto, cujo sócio- gerente é o arguido GG, o qual detém desde há mais de 20 anos diversas sociedades dedicadas à distribuição e revenda de combustíveis.
24. O arguido GG financiou antecipadamente as aquisições dos combustíveis adquiridos aos fornecedores espanhóis, transferindo para as contas bancárias da sociedade "A..., SARL-Sucursal em Portugal" as quantias necessárias para o efeito.
25. Esse financiamento foi realizado a partir das contas bancárias da sociedade "D..., Lda", sedeadas em Santa Maria da Feira.
26. Importa ainda referir que o crime de branqueamento imputado ao arguido GG foi consumado em Santa Maria da Feira, local onde estão sedeadas as contas bancárias da "D..., Lda" para as quais foram transferidos os montantes enviados pela "A..., SARL-Sucursal em Portugal" como distribuição dos ganhos obtidos provenientes do não pagamento do IVA devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos. Estes valores foram posteriormente distribuídos pelas várias sociedades deste arguido, todas com sede no Porto.
27. Assim sendo, dúvidas não temos que o Juízo de Instrução Criminal do Porto tem competência funcional e territorial para a prática dos atos jurisdicionais relativos ao inquérito uma vez que os factos foram praticados na área de competência do tribunal da Relação do Porto, conforme resulta do disposto no art. 6.°-b) da Lei n.° 112/2019, de 10. 09 e arts. 19.°, 21.° e 264.°-1-2 do CPP.
28. A segunda questão suscitada pelo recorrente consiste em apurar se a violação das regras de competência do tribunal constitui ou não nulidade insanável.
29. O art. 119°-e) do CPP comina com a nulidade insanável a violação das regras de competência do tribunal, estabelecendo de forma expressa uma exceção prevista no art. 32.°-2 do mesmo diploma legal, ou seja, o caso da incompetência territorial.
30. As consequências/efeitos da declaração de incompetência territorial estão previstas no art. 33.° do CPP.
31. Assim, e ao contrário de outras causas de incompetência, a violação das regras da competência territorial tem como único efeito a remessa dos autos ao tribunal territorialmente competente (com a limitação temporal decorrente do art. 32.°-2), não ocasionando qualquer nulidade (cfr. art. 31.°-1 do CPP).
32. Face ao exposto, e contrariamente ao alegado pelo recorrente a eventual declaração da incompetência territorial não implica a anulação de todos os atos praticados por quem não tinha competência para os mesmos, mas tem apenas como efeito a remessa dos autos ao tribunal territorialmente competente.
33. A terceira questão suscitada pelo recorrente consiste em apurar se a decisão proferida pela Mm.a Juiz de Instrução de 24.03.2023 ''enferma de erro de julgamento de direito" por total ausência de suporte Tático, de bom senso e razoabilidade por ter decidido que havia limdamento indiciário para afirmar que o arguido/recorrente tinha conhecimento profundo do mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis.
35. A decisão proferida pela Mm.a Juiz de Instrução em 24.03.2023 não enferma de erro de qualquer erro de julgamento e foi suportada nos seguintes factos:
a) O arguido está indiciado juntamente com os arguidos GG, HH e FF de terem decido pelo menos desde 2020 organizar-se em grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português ao não proceder à liquidação e pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto de Espanha para Portugal, obtendo vantagem económica e patrimonial calculada, até á presente data no valor global de € 26.364.611.12.
b) No que concerne aos atos praticados pelo arguido AA enquanto advogado, resulta das declarações do próprio, prestadas perante magistrado do Ministério Público (fls. 1120 a 1127) que o mesmo afirmou que é advogado das sociedades "D..., Lda" e "E... há cerca de 10 anos.
c) Relativamente á constituição da sociedade "A... S.A.R.L. Sucursal em Portugal", o arguido disse que o arguido HH foi ter consigo porque pretendia abrir uma sociedade dedicada á compra e venda de combustíveis. Acrescentou ainda que foi ele quem tratou da documentação referente à sociedade "A... SARL Sucursal em Portugal" e posteriormente passou o caso à advogada Dr JJ, a qual tratou de proceder ao registo da sociedade.
d) Foi ainda questionado sobre o motivo e em que qualidade teve intervenção na reunião que ocorreu em 2019 na Alfândega ... destinada a resolver assuntos referentes à concessão do estatuto de destinatário registado a favor da sociedade "A... SARL Sucursal em Portugal", sendo que nessa reunião também estiveram presentes os arguidos HH e FF e o arguido referiu que teve intervenção na qualidade de mandatário do arguido HH e da "A..." e informou que as sociedades "F... Lda" "A... Comércio de Combustíveis Unipessoal Lda" "B... Unipessoal Lda" "G... Unipessoal Lda" foram todas constituídas no seu escritório de advogados não se recordando apenas da sociedade " H... Lda" também ali tinha sido constituída.
e) O arguido foi advogado e representou o arguido GG no processo n.° 200/04.4IDAVR em que este foi condenado pela prática de um crime de branqueamento e de abuso de confiança fiscal por via da atividade comercia] de aquisição intracomunitária e subsequente introdução no consumo de combustíveis através das suas sociedades, conforme resulta do CRC de fls. 160 a 162.
f) Estes factos foram comprovados pelo arguido AA nas declarações que prestou perante do Ministério Público em 15.12.2022, tendo afirmado que é advogado da "D..., Lda" e da "E..." há cerca de 10 anos (cfr. fls. 1120 a 1127).
36. A quarta questão suscitada pelo recorrente consiste em apurar se o Tribunal "a quo" tinha ou não fundamentação séria para determinar buscas a casa de BB por não constar do despacho no MP, dos factos indiciados, a situação de coabitação.
37. Em relação a esta matéria importa antes de mais referir que o arguido/recorrente não está em tempo para recorrer da busca domiciliária realizada no apartamento de BB entre as 08,10 horas do dia 7.12.2022 e as 00,40 horas do dia 8.12.2022.
38. Nessa diligência a buscada esteve representada pela sua Ilustre Mandatária (com procuração forense outorgada em 2.12.2022), a quem foi entregue o duplicado do mandado de busca e apreensão (cfr. art. 176.°-1 do CPP).
39. O prazo de 30 dias para interpor recurso conta-se a partir da entrega do mandado de busca à Ilustre Mandatária da buscada, conforme resulta do disposto no art. 41 l.°-l-a) do CPP.
40. Assim sendo, o prazo para recorrer desta decisão terminou em janeiro de 2023, pelo que o recurso intentado pelo arguido/recorrente em relação a esta matéria é extemporâneo (data do recurso 10.05.2023).
41. Mas mesmo que assim não se entenda, situação que se coloca apenas sob o ponto de vista académico, não é verdade que o Tribunal não tivesse fundamentação séria para determinar busca a casa de BB por não constar do despacho do MP dos factos indiciados a situação de coabitação.
42. Os fundamentos invocados pela Mm.a Juiz de Instrução para decretar a busca em apreço foram o facto de ser imprescindível para a investigação, por forma a melhor sustentar o real envolvimento do advogado AA nos factos e crimes indiciados e eventualmente também da sua sócia, também advogada e companheira BB, recolher elementos de prova, nomeadamente documentos e objetos que poderão ter sido utilizados no cometimento dos crimes em investigação, bem como dos objetos produto dos crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento, que se afigurassem impossíveis de obter de outro modo que não fosse através da realização desta busca.
43. A busca teve por finalidade apurar o real envolvimento do advogado/arguido/recorrente AA nos factos e crimes indiciados, mas também da sua sócia/advogada e companheira BB, recolher elementos de prova, nomeadamente documentos e objetos que poderão ter sido utilizados no cometimento dos crimes em investigação, bem como dos objetos produto dos crimes de fraude fiscal e branqueamento, que se afiguravam impossíveis de obter de outro modo que não fosse através da realização de buscas à sua morada profissional e à sua residência, que também é utilizada como morada profissional.
44. Concluindo, existia um interesse processual objetivo relacionado com o local buscado, que transcendia o facto de o arguido AA aí residir (coabitação) e que permitia a prossecução da busca mesmo que tal não se verificasse, como não se verificou.
45. Veja-se a este propósito, que a diligência permitiu a apreensão de uma pintura original de Paula Rêgo, adquirida pela sociedade "B... Unipessoal, Lda.", que mais não é do que uma sociedade de fachada constituída pelo arguido AA em nome de seu idoso Pai e controlada, mediante procuração, por si.
46. A quinta questão suscitada pelo recorrente consiste em apurar se resulta da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto que a Procuradoria Europeia terá fundamentado as buscas à sociedade de advogados também com o facto de a Senhora Pr3 BB ter constituído a sociedade e registado o mandato da sociedade arguida B....
47. Importa referir que em parte alguma da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto consta que a Procuradoria Europeia fundamentou as buscas à sociedade de advogados também com o facto de a Senhora Dra. BB ter constituído a sociedade e registado o mandato da sociedade arguida B....
48. E não consta, nem podia constar da decisão do Tribunal da Relação do Porto o facto alegado pelo recorrente porque no despacho da Procuradoria Europeia de 30.11.2022, que fundamentou esta busca, este facto não é referido em parte alguma.
49. A sexta questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se a decisão do Tribunal da Relação do Porto se reporta ou não a vaiores recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença.
50. Ora e salvo o devido respeito por opinião contrária não é verdade que a decisão do Tribunal da Relação do Porto não se tenha reportado a valores recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença.
51. Assim o arguido reclamou para o Tribunal da Relação do Porto arguindo, entre outros, que as sociedades "A..., Lda." e "A... SARL-Sucursal em Portugal" transferiam para a conta bancária da sociedade "C... e Associados, SP" valores no montante de €18.450,00 a título de avença.
52. O Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se sobre estes factos alegados pelo arguido/recorrente AA, ou seja, se os valores foram recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença.
53. Assim sendo, bem andou a Mm.a Juiz de Instrução Criminal ao decidir que o Tribunal da Relação do Porto já se havia pronunciado sobre estes factos.
54. A sétima questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se foram realizadas buscas nas instalações da sociedade de advogados "C... & Associados-Sociedade de Advogados» SP. RL" em gabinetes de uso exclusivo usado por advogados, sem que nenhum deles tenha sido constituído arguido.
55. Em relação a esta matéria importa antes de mais referir que o arguido/recorrente não está em tempo para recorrer da busca efetuada no dia 7.12.2022 às instalações onde funciona a sociedade de advogados "C...-Sociedade de Advogados, SP, RL".
56. Esta diligência foi presidida pelo Mm.0 Juiz de Instrução Criminal e esteve presente na mesma a Ilustre representante da Ordem dos Advogados.
57. O arguido AA não esteve presente nessa diligência em virtude de se encontrar de férias no estrangeiro, mas foi representado nessa diligência pela Ilustre Advogada, Dr.a KK, a quem foi entregue o duplicado do mandado de busca e apreensão (cfr. art. 176.°-1 do CPP).
58. A Ilustre mandatária do arguido AA apresentou nessa diligência reclamação ao abrigo do disposto no art. 77.°-2-3 do EOA.
59. Ora o prazo de 30 dias para interpor recurso conta-se a partir da entrega do mandado de busca à Ilustre Mandatária do buscado, conforme resulta do disposto no art. 41 l.°-l-a) do CPP.
60. Assim sendo, o prazo para recorrer desta decisão terminou em janeiro de 2023, pelo que o recurso intentado pelo arguido/recorrente em relação a esta matéria é extemporâneo (data do recurso 10.05.2023).
61. Mas mesmo que assim não se entenda, situação que se coloca apenas sob o ponto de vista académico, importa referir que para a realização da busca e apreensão em escritório de advogados não é necessária a constituição de advogado como arguido, quando este não é suspeito da prática do crime.
62. Acresce que o arguido/recorrente não juntou aos autos qualquer prova documental a comprovar que os advogados por ele identificados tivessem gabinetes de uso exclusivo na sua sociedade e nada foi alegado a este respeito na fase de apresentação das reclamações (cfr. arts. 75.° a 77.° do EOA).
63. Finalmente as buscas e apreensões realizadas no escritório de advogados já foram objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação do Porto de 23.01.2023 que decidiu que as mesmas constituem prova dos crimes indiciados e prendem-se com a ilícita apropriação de montantes sonegados ao Estado e apossados pelo arguido AA, através de transferências para sociedades de responsabilidade limitada por si efetivamente detidas e controladas.
64. A oitava questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se constitui nulidade o facto de o arguido/recorrente apenas ter sido constituído arguido vários dias depois de terem sido realizadas as buscas, em evidente violação do art. 76.°-4 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
65. Ora e salvo o devido respeito por opinião contrária a Mma Juiz de Instrução Criminal pronunciou-se sobre os factos alegados pelo arguido/recorrente e concluiu que o facto de o ora recorrente não ter sido constituído arguido previamente à realização das buscas não constituía qualquer nulidade ou irregularidade.
66. E contrariamente ao alegado pelo arguido/recorrente também não é verdade que os documentos apreendidos na busca respeitassem ao exercício da profissão de advogado.
67. Assim, e quanto a esta matéria já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto por decisão proferida em 23.01.2023 que concluiu que as buscas, as apreensões, as documentações apreendidas no escritório de advogados nada têm a ver com a atividade do arguido enquanto advogado ou com a sua relação com o cliente; antes se prendem com a ilícita apropriação de montantes sonegados ao Estado e apossados por si próprio, através de transferências para sociedades de responsabilidade limitada por si efetivamente detidas e controladas.
68. A nona questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se o IVA liquidado pela A... foi na sua totalidade entregue nos cofres do Estado, não se verificando os elementos objetivos do crime de fraude fiscal:
69. Ora e salvo o devido respeito por opinião contrária não é verdade que não se verifiquem os elementos objetivos do tipo legal do crime de fraude fiscal qualificada.
70. Ora no caso "sub judice" o crime de fraude fiscal qualificada consubstancia- se nos seguintes factos:
71. Os arguidos GG, AA, HH, FF decidiram, pelo menos desde 2020, organizar-se em grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português, ao não proceder à liquidação - leia-se correta -, nem pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto em Espanha, obtendo uma vantagem económica e patrimonial no valor global de €26.364.611,12.
72. Para concretizar tal plano contaram com a colaboração da contabilista certificada da "A..., SARL-Sucursal em Portugal", II, que ocultou das declarações periódica do IVA o imposto devido.
73. Concretizando, apesar de a "A... SARL-Sucursal em Portugal" ter emitido as correspondentes faturas por cada transmissão onerosa de combustível, procedendo à liquidação do IVA sobre o valor tributável determinado com inclusão do ISP, a arguida/contabilista II não procedeu ao lançamento correto nas declarações periódicas de IVA, aproveitando-se do facto dos dois impostos serem controlados por serviços diferentes da AT e não serem liquidados simultaneamente.
74. Este plano só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade "D..., Lda.", gerida pelo arguido GG, que financiou antecipadamente as aquisições dos combustíveis adquiridos aos fornecedores espanhóis, transferindo para as contas bancárias da sociedade "A..., SARL-Sucursal em Portugal" as quantias necessárias para o efeito. Parte desse valor foi posteriormente devolvido à D..., Lda, Lda. em virtude de o devido IVA não ter sido liquidado, nem pago ao Estado.
75. Assim, contrariamente ao invocado, estes factos preenchem os requisitos objetivos e subjetivos do tipo legal do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.°-l-a)-b)-c) e 104.°-l-d)-e)-3 da Lei n.° 15/2001, de 5.06, alterada pela Lei n.° 7/2021, de 26.02 (RGIT).
76. A décima questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se o sujeito passivo "A... Oü" é um revendedor de combustíveis e se face ao regime dos combustíveis tal significa que terá de liquidar o IVA pela margem.
77. A "A... SARL-Sucursal em Portugal" usou o estatuto de destinatário registado temporário (cfr. art. 30.°-1 do CIEC).
78. Ora e conforme resulta do disposto no art. 30.°-2-b) do CIEC o destinatário registado temporário tem, no termo da circulação das mercadorias, de cumprir as formalidades de introdução no consumo em território nacional o que o torna um distribuidor, afastando-se do conceito de revendedor de combustíveis líquidos e da aplicação do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicáveis aos revendedores, tendo assim que aplicar às suas operações o regime geral do IVA.
79. E através da análise à situação declarativa do sujeito passivo foi possível concluir que, de facto, não foi liquidado o IVA exigível às operações realizadas pela A... SARL - SUCURSAL EM PORTUGAL, essencialmente por esta, enquadrar incorretamente as suas operações no âmbito do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores, através do qual incide IVA apenas sobre a margem obtida entre o valor das transmissões de combustíveis realizadas e o valor das aquisições dos mesmos combustíveis.
80. Por conjunção das disposições previstas no ofício circulado n.° 30068/2004, de 19 de janeiro da DSIVA e do Decreto-Lei n.° 10/2001, de 23 de janeiro, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.° 165/2013 de 16 de dezembro, que definem o conceito de distribuidor, concluiu-se que a A... SARL - SUCURSAL EM PORTUGAL se enquadra nesse conceito, uma vez que faz a introdução no consumo dos combustíveis no território nacional, encontrando-se por tal facto excluída do âmbito de aplicação do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores e sujeita ao regime geral do IVA no que diz respeito às suas operações.
81. Mas ainda que assim não fosse, hipótese que apenas se coloca sob o ponto de vista académico, e fosse aplicável no caso vertente o IVA da MARGEM, o sujeito passivo teria sempre de liquidar o IVA devido nas aquisições intracomunitárias de combustível o qual não confere direito à dedução, de acordo com o que se encontra previsto no art.° 71.° do CIVA. Quanto ao valor tributável nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo é, nos termos do n° 3 do Artigo 17.° RITI, determinado com inclusão destes impostos, ainda que não liquidados simultaneamente.
82. Finalmente a décima primeira questão suscilada pelo recorrente consiste em saber se existiu ou não falta de comunicação entre os serviços da AT que tenham impedido a deteção atempada dos crimes em causa.
83. A explicação para os crimes em causa não terem sido detetados mais cedo pela Autoridade Tributária resulta do facto de os dois impostos em causa, ou seja, o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e o imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) serem controlados por serviços diferentes da Autoridade Tributária e não serem liquidados simultaneamente.
84. Estas circunstâncias inviabilizam que estes serviços da Autoridades Tributária consigam atempadamente cruzar dados entre si, dificultando a deteção célere e eficaz dos factos indiciadores da prática de crimes fiscais e conexos (cfr. art. 26.° - fls. 609 v.°).
85. Foi através do cruzamento de dados intracomunitários VIES (VATInformation Exchange System) que a AT detetou a omissão nas Declarações Periódicas de IVA dos valores das Aquisições Intracomunitárias de combustíveis da A... SARL SUCURSAL em Portugal efetuadas com Espanha, valores esses inscritos e comunicados pelo fornecedor Espanhol à respetiva autoridade tributária.
86. E salvo o devido respeito por opinião contrária não é verdade que os serviços da AT não tenham efetuado diligências para tentar recolher toda a documentação contabilística que pudesse esclarecer cabalmente a atividade da empresa e detetado atempadamente que o IVA não foi liquidado corretamente correspondente às aquisições intracomunitárias de combustíveis e subsequente introdução no consumo.
87. Sucede que quando os serviços tributários tentaram obter legítimos esclarecimentos, os representantes sociais da A... SARL-Sucursal em Portugal trataram ou passaram mandato para encerrar a atividade da empresa, fecharam a sede, nunca apresentaram a sua contabilidade oficial e passaram a sua representação para um terceiro não residente em Portugal.
88. Face ao exposto, dúvidas não temos que o recurso deve ser rejeitado, por ser manifesta a sua improcedência, conforme resulta do disposto no art. 420.°-l- a) do CPP.

Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, rejeitando o recurso e, em consequência, mantendo, na íntegra, a douta decisão recorrida V.as Exc.as farão, como sempre, a costumada
*

O Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:
Nos presentes autos a Mm.ª Juiz de Instrução Criminal, por despacho proferido em 24.03.2023, apreciou o requerimento intentado pelo arguido AA nos seguintes termos: a)Contrariamente ao alegado pelo arguido AA não é verdade que o arguido não tenha tido qualquer intervenção material nos atos que lhe foram imputados a título pessoal ou enquanto mandatário. Assim o arguido está indiciado juntamente com os arguidos GG, HH e FF de terem decidido pelo menos desde 2020 organizar-se com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português ao não procederem à liquidação e pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo e imposto de Espanha para Portugal, obtendo vantagem económica e patrimonial calculada, até à presente data, no valor global de €26.364.611,12. No que concerne aos atos praticados pelo arguido AA enquanto advogado resulta das declarações por ele prestadas perante magistrada do MP que o mesmo é advogado há cerca de 10 anos das sociedades envolvidas no esquema, ou seja, a “D..., Lda” e “E...”. Acresce que foi o seu escritório de advogados quem procedeu à constituição e registo das sociedades arguidas “A... SARL Sucursal em Portugal”, “F... Unipessoal, Lda.”, “A... Comércio de Combustíveis Unipessoal, Lda.” e “B... Unipessoal, Lda.”. Este arguido também esteve presente na reunião que ocorreu em 2019 na Alfândega ... destinada a resolver assuntos referentes à concessão do estatuto de destinatário registado a favor da sociedade arguida “A... SARL Sucursal em Portugal”.
b) O arguido alegou ainda que resulta do enunciado indiciário que o IVA foi efetivamente liquidado e os correspondentes valores totais foram transferidos, pelo que não se verifica o crime de fraude fiscal. A Mm.ª Juiz de Instrução Criminal entendeu que os factos indiciados preenchem os requisitos objetivos e subjetivos do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º-1-a)-b)-c) e 104.º-1-d)-e)-3 da Lei n.º 15/2001, de 5.06, alterada pela Lei n.º 7/2021, de 26.06 (RGIT).
c) O arguido referiu que a Autoridade Tributária, doravante designada por AT, teve sempre conhecimento, até por via do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP), durante quase dois anos do volume de combustíveis transacionados, tempo mais do que suficiente para ter detetado e interpelado quem de direito para qualquer eventual e alegado erro de lançamento.
A Mm.ª Juiz de Instrução concluiu em relação a esta matéria que a explicação para os crimes em causa não terem sido detetados mais cedo pela AT resulta do facto de os dois impostos em causa, ou seja, o Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e o imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) serem controlados por serviços diferentes da AT e não serem liquidados simultaneamente. Estas circunstâncias inviabilizam que estes serviços da AT consigam atempadamente cruzar dados entre si, dificultando a deteção célere e eficaz dos factos indiciadores da prática de crimes fiscais e conexos.
d) O arguido negou que tivesse conhecimento profundo de todo o mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis, bem como a relação de coabitação com a arguida BB. A Mm.ª Juiz de Instrução decidiu que o arguido tinha conhecimento profundo do mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis uma vez que é advogado do arguido GG e representou-o no âmbito do processo n.º 200/04.4IDAVR em que aquele foi condenado pela prática de um crime de branqueamento e abuso de confiança fiscal por via da atividade comercial de aquisição intracomunitária e subsequente introdução no consumo de combustíveis através das suas sociedades, conforme resulta do CRC de fls. 160 a 162. Estes factos foram comprovados pelo arguido AA nas declarações que prestou perante o MP em 15.12.2022 (cfr. fls. 1120 a 1127). No que concerne à situação de coabitação importa referir que em parte alguma consta do elenco dos factos indiciados consta tal alegação.
e) O arguido alegou ainda violação do princípio da proporcionalidade, exigibilidade e necessidade do mandado de busca e apreensão para a verificação da eventual e alegada ação ou omissão da liquidação, inscrição incorreta pela contabilista, contabilidade adequada, pagamento e eventual qualificação do crime em causa uma vez que esta verificação podia ser prosseguida por diligências probatórias alternativas, nomeadamente junto da AT. A Mm.ª Juiz de Instrução Criminal concluiu que a realização da busca e apreensão é o meio legal e apropriado neste tipo de criminalidade de obtenção de prova, pelo que não foi violado o princípio da proporcionalidade e/ou necessidade.
f) O arguido também invocou a violação do princípio da proporcionalidade na medida em que a imposição de apreensão de computadores, tabletes e telefones, suporte da sua atividade profissional e diretamente acessíveis a toda a sua correspondência profissional e sob sigilo profissional constitui violação flagrante das garantias institucionais associadas à administração da justiça, bem como dos direitos pessoais e profissionais seus e de terceiros. A Mm.ª Juiz de instrução Criminal relativamente a esta matéria esclareceu que o arguido, ao abrigo do disposto no art. 77.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, deduziu reclamação sobre as buscas e apreensões efetuadas, arguindo a nulidade das mesmas. E sobre esta questão já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto por decisão proferida em 23.01.2023, já transitada em julgado, no sentido que as buscas, apreensões e documentação apreendidas nada têm a ver com a atividade do arguido enquanto advogado ou com a sua relação com o cliente, antes se prendem com a ilícita apropriação dos montantes sonegados ao Estado e apossados por si próprios, através de transferências para sociedades de responsabilidade limitada por si efetivamente detidas e controladas.
g) O arguido referiu ainda que é advogado há muitos anos com especial incidência em matéria tributária em centenas de processos ativos em que litiga diretamente contra a AT, pelo que é desnecessário, impróprio e excessivo deixar à guarda da AT o acesso a qualquer destes instrumentos descritos nos autos de busca e apreensão que facilite ou permita o acesso a toda a correspondência ou documentos cobertos pelo sigilo profissional. A Mmª Juiz de Instrução Criminal referiu que a AT tem competência para investigar os crimes em causa nos presentes autos, designadamente aceder à prova recolhida nas buscas e apreensões realizadas até ao momento. Além do mais o arguido não indicou em parte alguma os processos em que litiga diretamente contra a AT, nem esclareceu em que medida os factos em investigação no âmbito dos presentes autos têm relação/repercussão com os processos em que litiga diretamente com a AT.
h) O arguido referiu ainda que os documentos foram apreendidos sem que o mesmo tivesse sido constituído advogado, constituição essa que apenas foi realizada posteriormente (cfr. art. 71.º-1-4 do EOA). A Mm.ª Juiz de Instrução Criminal esclareceu que o art. 177.º-5 do CPP dispõe que tratando-se de busca em escritório de advogado, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente. No dia 7.12.2022 foi realizada busca ao apartamento sito na Avenida ... e direito, Lisboa, na disponibilidade do arguido AA, BB, sociedade de advogados “C..., SP, RL” (cfr. fls. 1012 a 1019). Essa diligência foi presidida por Juiz de Instrução Criminal e esteve presente na mesma a Ilustre representante da Ordem dos Advogados. O arguido AA não esteve presente nessa diligência em virtude de se encontrar de férias no estrangeiro, mas foi representado nessa diligência pela Ilustre Advogada, Dr.ª KK (cfr. fls. 1014). A Ilustre mandatária do arguido AA apresentou nessa diligência reclamação ao abrigo do disposto no art. 77.º-2-3 do EOA. Decorre do exposto, que o arguido AA não foi constituído arguido no decurso destas buscas em virtude de se encontrar de férias no estrangeiro, tendo sido representado nessa diligência pela sua mandatária. Face ao exposto, e uma vez que o arguido esteve representado nesta diligência pela sua mandatária, tendo inclusive colaborado na realização da mesma, não se verifica qualquer irregularidade/nulidade pelo facto de o mesmo não ter sido constituído neste ato arguido.
i) O arguido alegou ainda que as buscas foram realizadas em gabinetes de uso exclusivo de advogadas. A M.ª Juiz de Instrução em relação a esta matéria referiu que o arguido na fase da apresentação das reclamações nada alegou a este respeito (cfr. arts. 75.º a 77.º do EOA). Acresce que a documentação apreendida está relacionada com as sociedades em investigação no âmbito dos presentes autos e constitui prova dos crimes em investigação no âmbito dos presentes autos. No âmbito do processo de reclamação apresentado pelo arguido AA foi decidido que as buscas, apreensões, documentações apreendidas nada têm a ver com a atividade do arguido enquanto advogado ou com a sua relação com o cliente; antes se prendem com a ilícita apropriação de montantes sonegados ao Estado e apossados por si próprios, através de transferências para sociedades de responsabilidade limitada por si efetivamente detidas e controladas. A documentação apreendida no decurso destas buscas foi aberta no dia 14.03.2023 pela Mm.ª Juiz de Instrução Criminal, nos termos do art. 179.º-3 do CPP e determinada a sua junção aos autos (cfr. fls. 1565 e 1566) respeitando-se desse modo o citado preceito legal.
j) Finalmente o arguido alegou que a sociedade de avogados recebeu da sociedade “A..., Lda.” o montante de €20.295,00, no período compreendido entre 26.01.2022 e 29.11.2022, mas que esse montante corresponde a uma avença mensal sujeita ao regime do IVA faturado e oportuna e tempestivamente declarado junto da AT.
A Mm.ª Juiz de Instrução Criminal concluiu que o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo de reclamação apresentado pelo arguido AA já se havia pronunciado em relação a esta matéria nos seguintes termos: “À luz do indiciado nos autos, sem prejuízo de uma indagação posterior e daquilo que se venha a demonstrar em sede dejulgamento, a documentação apreendida em nada se confunde com qualquer situação de segredo profissional por força do exercício da advocacia pelo reclamante. Na verdade, o que está em causa é a sonegação de valores, bastante elevados, à Fazenda Nacional os quais surgem transferidos para sociedades alegadamente controladas pelo próprio reclamante, recorrendo a expedientes como a nomeação do seu pai como sócio gerente mas mantendo o próprio através de mandato, o controlo das mesmas. Estando em causa valores superiores a três milhões de euros que terão sido apropriados pelo arguido em causa, não se pode inferir que a documentação apreendidas e as buscas feitas apenas se traduziram na deteção de transferências relativas ao pagamento de uma avença por serviços jurídicos ou para o pagamento de despesas com a atividade forense. Basta consultar a própria documentação invocada pelo reclamante presente a fls. 1402 e 1403 onde as transferências surgem como protagonizadas pela Africa Oil a qual seria aquela que não liquidaria, nem pagaria, os impostos, em particular o IVA, que eram devidos” (cfr. fls. 163 vº e 164 do Apenso Reclamação).
*
Não se conformando com esta decisão veio o arguido/recorrente AA interpor recurso da mesma, alegando para o efeito o seguinte:
1. A Mm.ª Juiz de Instrução Criminal do Porto não é material e territorialmente competente para praticar os atos até ao momento realizados na fase de inquérito;
2. A violação das regras de competência do Juízo de Instrução Criminal constitui nulidade insanável;
3. A decisão proferida pela Mm.ª Juiz de Instrução de 24.03.2023 “enferma de erro de julgamento de direito” por total ausência de suporte fático, de bom senso e razoabilidade por ter decidido que havia fundamento indiciário para afirmar que o arguido/recorrente tinha conhecimento profundo do mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis;
4. O Tribunal “a quo” não tinha fundamento sério para determinar buscas a casa de BB por não constar no despacho do MP, dos factos indiciados, a situação de coabitação;
5. Resulta da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto que a Procuradoria Europeia terá fundamentado as buscas à sociedade de advogados também com o facto de a Senhora Dr.ª BB ter constituído a sociedade e registado o mandato da sociedade arguida B...;
6. A decisão do Tribunal da Relação do Porto não se reporta a valores recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença;
7. Foram realizadas buscas nas instalações da sociedade de advogados “C...-Sociedade de Advogados, SP, RL” em gabinetes de uso exclusivo usado por advogados, sem que nenhum deles tenha sido constituído arguido;
8. Constitui nulidade o facto de o arguido/recorrente apenas ter sido constituído arguido vários dias após terem sido realizadas as buscas;
9. O IVA liquidado pela “A...” foi na sua totalidade entregue nos cofres do Estado, não se verificando os elementos objetivos do crime de fraude fiscal;
10.O sujeito passivo “A...” é um revendedor de combustíveis e face ao regime dos combustíveis tal significa que terá de liquidar o IVA pela margem;
11. Existiu falta de comunicação entre os serviços da “AT” que impediu a deteção atempada dos crimes em causa.
III – DO MÉRITO:
Por serem completas e exaustivas subscrevo e adiro, sem reservas, aos argumentos de facto e de direito constantes das alegações e conclusões apresentadas pela Procuradora Europeia Delegada junto da 1.ª instância e que aqui dou por reproduzidas para todos os efeitos legais.
As alegações e conclusões apresentadas pela Procuradoria Europeia pugnam pela rejeição do recurso, por ser manifesta a sua improcedência, conforme resulta do disposto no art. 420.º-1-a) do CPP, e pela manutenção, na íntegra, da douta decisão recorrida. “Pode dizer-se que o recurso é manifestamente improcedente quando o exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso” (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2000-11-09, processo n.º 00P2749, de 9 de novembro, relator Simas Santos, in “https://diariorepublica.pt”). Neste sentido vide ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 3.03.2015, processo n.º 115/11.0TAAVC.E1, relatora Maria Leonor Esteves, in “htts://www.dgsi.pt”.
Resumindo, no caso “sub judice” é manifesta a improcedência do recurso intentado pelo arguido AA pelos seguintes motivos:
1. A primeira questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se a Mm.ª Juiz de Instrução Criminal do Porto é ou não material e territorialmente competente para praticar os atos até ao momento realizados. No que concerne à questão de competência material a mesma não se coloca já que ambos os tribunais- Tribunal de Instrução Criminal do Porto e Tribunal Central de Instrução Criminal - se inserem na jurisdição criminal.
Relativamente à questão da competência funcional/territorial suscitada pelo recorrente importa antes de mais fixar tal competência nas várias fases do processo. No processo penal o CPP estabelece uma competência para cada uma das fases do processo, ou seja, a fase do inquérito, instrução (se tiver lugar) e o julgamento. Na verdade, existe a competência do MP, no inquérito, a competência do TIC, na instrução, e a competência do tribunal do julgamento. Durante o inquérito a competência territorial do MP para a realização do inquérito está definida no artigo 264.º do CPP. “A competência do JIC para intervir no inquérito só está definida no âmbito do Código de Processo Penal em termos de reserva de jurisdição (art.º 17º, 268º e 269º do CPP), não havendo qualquer norma que defina a competência do JIC no inquérito, já que a norma do art.º 288º-2 do CPP, pela sua inserção sistemática se refere à competência para a instrução” (“vide” Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.04.2014, processo n.º 56/09.0TELSB-A.L1-9, relator João Abrunhosa, in “www.dgsi.pt”).
No entanto, importa trazer à colação a norma especial prevista no art. 6.º da Lei n.º 112/2019, de 10.09, sob a epígrafe “Juízo de instrução criminal competente”, que adapta a ordem jurídica interna ao Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia. Esta norma define a competência funcional e territorial do Juízo de Instrução Criminal para a prática dos atos jurisdicionais relativos ao inquérito quanto aos crimes que, nos termos do Regulamento da Procuradoria Europeia, sejam da competência desta entidade. Este diploma legal não atribui competência funcional/territorial ao Tribunal Central de Instrução Criminal para a prática de atos jurisdicionais relativos a inquéritos que estejam a ser investigados pela Procuradoria Europeia. Posto isto, para determinar qual dos dois tribunais – Tribunal de Instrução Criminal do Porto ou de Lisboa -é o competente para a prática de atos jurisdicionais relativos a inquéritos que estejam a ser investigados pela Procuradoria Europeia é antes de mais necessário apurar quais os factos que estão em causa nos presentes autos. Os presentes autos tiveram origem na certidão extraída do processo n.º 3836/17.0JAPRT, da 1.ª Secção do DIAP Regional Porto. Esta certidão foi registada e autuada no dia 7.06.2022 e distribuída à 1.ª Secção Regional do Porto, dando origem aos presentes – inquérito n.º 695/22.4KRPRT (local da notícia do crime – Porto). No âmbito dos presentes autos está fortemente indiciado que o arguido/recorrente AA, juntamente com os arguidos FF, GG, AA e HH desde pelo menos 2020, organizaram um grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português, ao não proceder à liquidação, nem pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto de Espanha para Portugal, obtendo uma vantagem económica e patrimonial que se calcula até ao momento, no valor global de €26.364.611,12 Euros. Para concretizar tal plano contaram com a colaboração da contabilista certificada da “A..., SARL-Sucursal em Portugal”, II, que ocultou das declarações periódicas do IVA o imposto devido. Este plano só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade “D..., Lda.”, com o NIPC ...30 e sede na Rua ..., ... Porto, cujo sócio-gerente é o arguido GG, o qual detém desde há mais de 20 anos diversas sociedades dedicadas à distribuição e revenda de combustíveis. A sociedade “D..., Lda.”, gerida pelo arguido GG, financiou antecipadamente as aquisições de combustíveis adquiridos aos fornecedores espanhóis, transferindo para as contas bancárias da sociedade “A..., SARL-Sucursal em Portugal” as quantias necessárias para o efeito. Parte desse valor foi posteriormente devolvido à “D..., Lda.” em virtude de o devido IVA não ter sido liquidado, nem pago ao Estado. Os arguidos utilizaram depois a liquidez decorrente desse plano na aquisição de bens móveis, imóveis, serviços, participações sociais para proveito próprio e das sociedades por eles criadas e/ou controladas, dissimulando a sua proveniência. E concretizaram tal plano utilizando para o efeito as contas bancárias da “A..., SARL-Sucursal em Portugal”, a partir das quais transferiram os fundos obtidos pelo não pagamento do IVA devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos, no valor de pelo menos €20.706.577,27 (já que cerca de 6 milhões foram desde logo deduzidos nos pagamentos efetuados pela D..., Lda.”). Os factos denunciados imputados ao arguido/recorrente AA consubstanciam a prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 89.º-1-3 da Lei n.º 15/2001, de 5.06, alterada pela Lei n.º 7/2021, de 26.02 (em concurso aparente com o crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º-1-3-5 do CP); de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º-1-a)-b)-c) e 104.º-1-d)-e)-3 da Lei n.º 15/2001, de 5.06; e um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 386.º-A-1-d)-j)-2-3-4 do CP.
Após enunciar os factos em causa nos presentes autos importa ter presente que a área de competência dos tribunais da Relação para apreciar estes factos está intrinsecamente ligada à competência territorial do MP - leia-se Procurador Europeu Delegado -, para a realização do inquérito. Para o efeito é necessário trazer à colação a norma prevista no art 264.º do CPP referente à competência territorial do MP para realização do inquérito. No que concerne ao crime de associação criminosa imputados ao arguido/ora recorrente AA e aos demais arguidos e uma vez que na fase de inquérito atual ainda não é conhecido o local onde este crime foi cometido, a competência pertence ao Ministério Público a exercer funções no local onde houve primeiro a noticia do crime, ou seja, no Porto, conforme resulta do disposto no art. 264.º-2 do CPP. E relativamente ao crime de fraude fiscal qualificada imputado ao arguido/recorrente AA e aos demais arguidos o mesmo só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade “D..., Lda”, com sede no Porto, na Rua ..., ..., ... Porto, cujo sócio-gerente é o arguido GG, o qual detém desde há mais de 20 anos diversas sociedades dedicadas à distribuição e revenda de combustíveis. O arguido GG financiou antecipadamente as aquisições dos combustíveis adquiridos aos fornecedores espanhóis, transferindo para as contas bancárias da sociedade “A..., SARL-Sucursal em Portugal” as quantias necessárias para o efeito. Esse financiamento foi realizado a partir das contas bancárias da sociedade “D..., Lda”, sedeadas em Santa Maria da Feira. Importa ainda referir que o crime de branqueamento imputado ao arguido GG foi consumado em Santa Maria da Feira, local onde estão sedeadas as contas bancárias da “D..., Lda” para as quais foram transferidos os montantes enviados pela “A..., SARL-Sucursal em Portugal” como distribuição dos ganhos obtidos provenientes do não pagamento do IVA devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos. Estes valores foram posteriormente distribuídos pelas várias sociedades deste arguido, todas com sede no Porto. Assim sendo, dúvidas não temos que o Juízo de Instrução Criminal do Porto tem competência funcional e territorial para a prática dos atos jurisdicionais relativos ao inquérito uma vez que os factos foram praticados na área de competência do tribunal da Relação do Porto, conforme resulta do disposto no art. 6.º-b) da Lei n.º 112/2019, de 10. 09 e arts. 19.º, 21.º e 264.º-1-2 do CPP.
2. A segunda questão invocada pelo recorrente consiste em apurar se a violação das regras de competência do tribunal constitui ou não nulidade insanável. O art. 119º-e) do CPP comina com a nulidade insanável a violação das regras de competência do tribunal, estabelecendo de forma expressa uma exceção prevista no art. 32.º-2 do mesmo diploma legal, ou seja, o caso da incompetência territorial. As consequências/efeitos da declaração de incompetência territorial estão previstas no art. 33.º do CPP. Assim, e ao contrário de outras causas de incompetência, a violação das regras da competência territorial tem como único efeito a remessa dos autos ao tribunal territorialmente competente (com a limitação temporal decorrente do art. 32.º-2), não ocasionando qualquer nulidade (cfr. art. 31.º-1 do CPP). Face ao exposto, e contrariamente ao alegado pelo recorrente a eventual declaração da incompetência territorial não implica a anulação de todos os atos praticados por quem não tinha competência para os mesmos, mas tem apenas como efeito a remessa dos autos ao tribunal territorialmente competente.
3. A terceira questão suscitada pelo recorrente consiste em apurar se a decisão proferida pela Mm.ª Juiz de Instrução de 24.03.2023 “enferma de erro de julgamento de direito” por total ausência de suporte fático, de bom senso e razoabilidade por ter decidido que havia fundamento indiciário para afirmar que o arguido/recorrente tinha conhecimento profundo do mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis.
A decisão proferida pela Mm.ª Juiz de Instrução em 24.03.2023 não enferma de erro de qualquer erro de julgamento e foi suportada nos seguintes factos:
a) O arguido está indiciado juntamente com os arguidos GG, HH e FF de terem decido pelo menos desde 2020 organizar-se em grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português ao não proceder à liquidação e pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto de Espanha para Portugal, obtendo vantagem económica e patrimonial calculada, até á presente data no valor global de € 26.364.611.12.
b) No que concerne aos atos praticados pelo arguido AA enquanto advogado, resulta das declarações do próprio, prestadas perante magistrado do Ministério Público (fls. 1120 a 1127) que o mesmo afirmou que é advogado das sociedades “D..., Lda” e “E... há cerca de 10 anos.
c) Relativamente à constituição da sociedade “A... S.A.R.L. Sucursal em Portugal”, o arguido quando prestou declarações disse que o arguido HH foi ter consigo porque pretendia abrir uma sociedade dedicada á compra e venda de combustíveis. Acrescentou ainda que foi ele quem tratou da documentação referente à sociedade “A... SARL Sucursal em Portugal” e posteriormente passou o caso à advogada Dr.ª JJ, a qual tratou de proceder ao registo da sociedade.
d) Foi ainda questionado sobre o motivo e em que qualidade teve intervenção na reunião que ocorreu em 2019 na Alfândega ... destinada a resolver assuntos referentes à concessão do estatuto de destinatário registado a favor da sociedade “A... SARL Sucursal em Portugal”, sendo que nessa reunião também estiveram presentes os arguidos HH e FF. O arguido AA referiu que teve intervenção na qualidade de mandatário do arguido HH e da “A...” e informou que as sociedades “F... Lda.” “A... Comércio de Combustíveis Unipessoal Lda.” “B... Unipessoal Lda.” “G... Unipessoal Lda.” foram todas constituídas no seu escritório de advogados, não se recordando se a sociedade “H... Lda.” também ali tinha sido constituída.
e) O arguido foi advogado e representou o arguido GG no processo n.º200/04.4IDAVR em que este foi condenado pela prática de um crime de branqueamento e de abuso de confiança fiscal por via da atividade comercial de aquisição intracomunitária e subsequente introdução no consumo de combustíveis através das suas sociedades, conforme resulta do CRC de fls. 160 a 162.
f) Estes factos foram comprovados pelo arguido AA nas declarações que prestou perante o Ministério Público em 15.12.2022 (cfr. fls. 1120 a 1127).
4. A quarta questão invocada pelo recorrente consiste em apurar se o Tribunal “a quo” tinha ou não fundamentação séria para determinar buscas a casa de BB por não constar do despacho do MP, dos factos indiciados, a situação de coabitação. Em relação a esta matéria importa antes de mais referir que o arguido/recorrente não está em tempo para recorrer da busca domiciliária realizada no apartamento de BB entre as 08,10 horas do dia 7.12.2022 e as 00,40 horas do dia 8.12.2022. Nessa diligência a buscada esteve representada pela sua Ilustre Mandatária (com procuração forense outorgada em 2.12.2022), a quem foi entregue o duplicado do mandado de busca e apreensão (cfr. art. 176.º-1 do CPP). O prazo de 30 dias para interpor recurso conta-se a partir da entrega do mandado de busca à Ilustre Mandatária da buscada, conforme resulta do disposto no art. 411.º-1-a) do CPP. Assim sendo, o prazo para recorrer desta decisão terminou em janeiro de 2023, pelo que o recurso intentado pelo arguido/recorrente em relação a esta matéria é extemporâneo (data do recurso 10.05.2023). Mas mesmo que assim não se entenda, situação que se coloca apenas sob o ponto de vista académico, não é verdade que o Tribunal não tivesse fundamentação séria para determinar busca a casa de BB por não constar do despacho do MP dos factos indiciados a situação de coabitação. Os fundamentos invocados pela Mm.ª Juiz de Instrução para decretar a busca em apreço foram o facto de ser imprescindível para a investigação, por forma a melhor sustentar o real envolvimento do advogado AA nos factos e crimes indiciados e eventualmente também da sua sócia, também advogada e companheira BB, recolher elementos de prova, nomeadamente documentos e objetos que poderão ter sido utilizados no cometimento dos crimes em investigação, bem como dos objetos produto dos crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento, que se afigurassem impossíveis de obter de outro modo que não fosse através da realização desta busca. A busca teve por finalidade apurar o real envolvimento do advogado/arguido/recorrente AA nos factos e crimes indiciados, mas também da sua sócia/advogada e companheira BB, recolher elementos de prova, nomeadamente documentos e objetos que poderão ter sido utilizados no cometimento dos crimes em investigação, bem como dos objetos produto dos crimes de fraude fiscal e branqueamento, que se afiguravam impossíveis de obter de outro modo que não fosse através da realização de buscas à sua morada profissional e à sua residência, que também é utilizada como morada profissional. Concluindo, existia um interesse processual objetivo relacionado com o local buscado, que transcendia o facto de o arguido AA aí residir (coabitação) e que permitia a prossecução da busca mesmo que tal não se verificasse, como não se verificou. Veja-se a este propósito, que a diligência permitiu a apreensão de uma pintura original de Paula Rego, adquirida pela sociedade “B... Unipessoal, Lda.”, que mais não é do que uma sociedade de fachada constituída pelo arguido AA em nome do seu idoso Pai e controlada, mediante procuração, por si.
5. A quinta questão suscitada pelo recorrente consiste em apurar se resulta da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto que a Procuradoria Europeia terá fundamentado as buscas à sociedade de advogados também com o facto de a Senhora Dr.ª BB ter constituído a sociedade e registado o mandato da sociedade arguida “B...”. Importa referir que em parte alguma da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto consta que a Procuradoria Europeia fundamentou as buscas à sociedade de advogados também com o facto de a Senhora Dra. BB ter constituído a sociedade e registado o mandato da sociedade arguida “B...”. E não consta, nem podia constar da decisão do Tribunal da Relação do Porto o facto alegado pelo recorrente porque no despacho da Procuradoria Europeia de 30.11.2022, que fundamentou esta busca, este facto não é referido em parte alguma.
6. A sexta questão invocada pelo recorrente consiste em saber se a decisão do Tribunal da Relação do Porto se reporta ou não a valores recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença. Ora e salvo o devido respeito por opinião contrária não é verdade que a decisão do Tribunal da Relação do Porto não se tenha reportado a valores recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença. Assim o arguido reclamou para o Tribunal da Relação do Porto arguindo, entre outros, que as sociedades “A..., Lda.” e “A... SARL-Sucursal em Portugal” transferiam para a conta bancária da sociedade “C... e Associados, SP” valores no montante de €18.450,00, a título de avença. O Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se sobre estes factos alegados pelo arguido/recorrente AA, ou seja, se estes valores foram ou não recebidos pela sociedade de advogados, a título de avença.
7. A sétima questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se foram realizadas buscas nas instalações da sociedade de advogados “C...-Sociedade de Advogados, SP, RL” em gabinetes de uso exclusivo usado por advogados, sem que nenhum deles tenha sido constituído arguido. Em relação a esta matéria importa antes de mais referir que o arguido/recorrente não está em tempo para recorrer da busca efetuada no dia 7.12.2022 às instalações onde funciona a sociedade de advogados “C...-Sociedade de Advogados, SP, RL”. Esta diligência foi presidida pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal e esteve presente na mesma a Ilustre representante da Ordem dos Advogados. O arguido AA não esteve presente nessa diligência em virtude de se encontrar de férias no estrangeiro, mas foi representado nessa diligência pela Ilustre Advogada, Dr.ª KK, a quem foi entregue o duplicado do mandado de busca e apreensão (cfr. art. 176.º-1 do CPP). A Ilustre mandatária do arguido AA apresentou nessa diligência reclamação ao abrigo do disposto no art. 77.º-2-3 do EOA. Ora o prazo de 30 dias para interpor recurso conta-se a partir da entrega do mandado de busca à Ilustre Mandatária do buscado, conforme resulta do disposto no art. 411.º-1-a) do CPP. Assim sendo, o prazo para recorrer desta decisão terminou em janeiro de 2023, pelo que o recurso intentado pelo arguido/recorrente em relação a esta matéria é extemporâneo (data do recurso 10.05.2023). Mas mesmo que assim não se entenda, situação que se coloca apenas sob o ponto de vista académico, importa referir que para a realização da busca e apreensão em escritório de advogados não é necessária a constituição de advogado como arguido, quando este não é suspeito da prática do crime. Acresce que o arguido/recorrente não juntou aos autos qualquer prova documental a comprovar que os advogados por ele identificados tivessem gabinetes de uso exclusivo na sua sociedade e nada foi alegado a este respeito na fase de apresentação das reclamações (cfr. arts. 75.º a 77.º do EOA). Finalmente as buscas e apreensões realizadas no escritório de advogados já foram objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação do Porto de 23.01.2023 que decidiu que as mesmas constituem prova dos crimes indiciados e prendem-se com a ilícita apropriação de montantes sonegados ao Estado e apossados pelo arguido AA, através de transferências para sociedades de responsabilidade limitada por si efetivamente detidas e controladas.
8. A oitava questão invocada pelo recorrente consiste em saber se constitui nulidade o facto de o arguido/recorrente apenas ter sido constituído arguido vários dias depois de terem sido realizadas as buscas, em evidente violação do art. 76.º-4 do Estatuto da Ordem dos Advogados. Ora o facto de o ora recorrente não ter sido constituído arguido previamente à realização das buscas não constituí qualquer nulidade ou irregularidade dado que o mesmo esteve representado nesta diligência pela sua mandatária, tendo inclusive colaborado na realização da mesma.
9. A nona questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se o IVA liquidado pela “A...” foi na sua totalidade entregue nos cofres do Estado, não se verificando os elementos objetivos do crime de fraude fiscal.
Ora e salvo o devido respeito por opinião contrária não é verdade que não se verifiquem os elementos objetivos do tipo legal do crime de fraude fiscal qualificada. Concretizando, no caso “sub judice” o crime de fraude fiscal qualificada consubstancia-se nos seguintes factos: Os arguidos GG, AA, HH, FF decidiram, pelo menos desde 2020, organizar-se em grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português, ao não proceder à liquidação – leia se correta -, nem pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto em Espanha, obtendo uma vantagem económica e patrimonial no valor global de €26.364.611,12.
Para concretizar tal plano contaram com a colaboração da contabilista certificada da “A..., SARL-Sucursal em Portugal”, II, que ocultou das declarações periódica do IVA o imposto devido. Concretizando, apesar de a “A... SARL-Sucursal em Portugal” ter emitido as correspondentes faturas por cada transmissão onerosa de combustível, procedendo à liquidação do IVA sobre o valor tributável determinado com inclusão do ISP, a arguida/contabilista II não procedeu ao lançamento correto nas declarações periódicas de IVA, aproveitando-se do facto dos dois impostos serem controlados por serviços diferentes da AT e não serem liquidados simultaneamente. Este plano só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade “D..., Lda.”, gerida pelo arguido GG, que financiou antecipadamente as aquisições dos combustíveis adquiridos aos fornecedores espanhóis, transferindo para as contas bancárias da sociedade “A..., SARLSucursal em Portugal” as quantias necessárias para o efeito. Parte desse valor foi posteriormente devolvido à “D..., Lda, Lda.” em virtude de o devido IVA não ter sido liquidado, nem pago ao Estado. Assim, contrariamente ao invocado, estes factos preenchem os requisitos objetivos e subjetivos do tipo legal do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º-1-a)-b)-c) e 104.º-1-d)-e)-3 da Lei n.º 15/2001, de 5.06, alterada pela Lei n.º 7/2021, de 26.02 (RGIT).
10. A décima questão invocada pelo recorrente consiste em saber se o sujeito passivo “A...” é um revendedor de combustíveis e se face ao regime dos combustíveis tal significa que terá de liquidar o IVA pela margem.
A “A... SARL-Sucursal em Portugal” usou o estatuto de destinatário registado temporário (cfr. art. 30.º-1 do CIEC). Ora e conforme resulta do disposto no art. 30.º-2-b) do CIEC o destinatário registado temporário tem, no termo da circulação das mercadorias, de cumprir as formalidades de introdução no consumo em território nacional o que o torna um distribuidor, afastando-se do conceito de revendedor de combustíveis líquidos e da aplicação do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicáveis aos revendedores, tendo assim que aplicar às suas operações o regime geral do IVA. E através da análise à situação declarativa do sujeito passivo foi possível concluir que, de facto, não foi liquidado o IVA exigível às operações realizadas pela “A... SARL - SUCURSAL EM PORTUGAL”, essencialmente por esta, enquadrar incorretamente as suas operações no âmbito do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores, através do qual incide IVA apenas sobre a margem obtida entre o valor das transmissões de combustíveis realizadas e o valor das aquisições dos mesmos combustíveis. Por conjunção das disposições previstas no ofício circulado n.º 30068/2004, de 19 de janeiro da DSIVA e do Decreto-Lei n.º 10/2001, de 23 de janeiro, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 165/2013 de 16 de dezembro, que definem o conceito de distribuidor, concluiu-se que a “A... SARL - SUCURSAL EM PORTUGAL” se enquadra nesse conceito, uma vez que faz a introdução no consumo dos combustíveis no território nacional, encontrando-se por tal facto excluída do âmbito de aplicação do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores e sujeita ao regime geral do IVA no que diz respeito às suas operações. Mas ainda que assim não fosse, hipótese que apenas se coloca sob o ponto de vista académico, e fosse aplicável no caso vertente o IVA da MARGEM, o sujeito passivo teria sempre de liquidar o IVA devido nas aquisições intracomunitárias de combustível o qual não confere direito à dedução, de acordo com o que se encontra previsto no art.º 71.º do CIVA. Quanto ao valor tributável nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a impostos especiais de consumo é, nos termos do nº 3 do Artigo 17.º RITI, determinado com inclusão destes impostos, ainda que não liquidados simultaneamente.
11. Finalmente a décima primeira questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se existiu ou não falta de comunicação entre os serviços da AT que tenha impedido a deteção atempada dos crimes em causa. A explicação para os crimes em causa não terem sido detetados mais cedo pela AT resulta do facto de os dois impostos em causa, ou seja, o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e o imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) serem controlados por serviços diferentes da Autoridade Tributária e não serem liquidados simultaneamente. Estas circunstâncias inviabilizam que estes serviços da AT consigam atempadamente cruzar dados entre si, dificultando a deteção célere e eficaz dos factos indiciadores da prática de crimes fiscais e conexos (cfr. art. 26.º - fls. 609 v.º). Foi através do cruzamento de dados intracomunitários VIES (VAT Information Exchange System) que a AT detetou a omissão nas Declarações Periódicas de IVA dos valores das Aquisições Intracomunitárias de combustíveis da A... SARL SUCURSAL em Portugal efetuadas com Espanha, valores esses inscritos e comunicados pelo fornecedor Espanhol à respetiva autoridade tributária. E não é verdade que os serviços da AT não tenham efetuado diligências para tentar recolher toda a documentação contabilística que pudesse esclarecer cabalmente a atividade da empresa e detetado atempadamente que o IVA não foi liquidado corretamente correspondente às aquisições intracomunitárias de combustíveis e subsequente introdução no consumo. Sucede que quando os serviços tributários tentaram obter legítimos esclarecimentos, os representantes sociais da “A... SARL-Sucursal em Portugal” trataram ou passaram mandato para encerrar a atividade da empresa, fecharam a sede, nunca apresentaram a sua contabilidade oficial e passaram a sua representação para um terceiro não residente em Portugal.
Tal é o teor do meu parecer.
*
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais se acrescentou e, após exame preliminar, colheram-se os vistos e foram os autos à conferência.
*
Delimitação do objeto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Conforme dessas conclusões se colhe, as matérias neste caso relevantes são as seguintes:

O recurso é composto por:
- arguição de incompetência do juiz de instrução criminal do Porto;
- Impugna a inexistência de indícios quanto aos crimes que lhe são imputados; não se encontrarem factos respeitantes aos elementos objetivos e subjetivos do crime de fraude fiscal, sustentando existir contradição de matéria que lhe é imputada, e que os montantes recebidos pelo escritório de advogado apenas respeitam ao pagamento de uma avença mensal.
- sustenta a nulidade das buscas, assim como a quebra do princípio da proporcionalidade na determinação da buscas e no material que veio a ser apreendido.
- Mais sustenta a ilegalidade da busca determinada num domicilio que se afirma ser seu, quando não reside no mesmo; assim como a ilegalidade das apreensões de documentação na busca realizada no escritório de advogado, por não estar constituído advogado; e igualmente a busca no escritório de advogado que abrangeu os espaços de uso exclusivo de outros advogados não visados no processo.
*
O despacho recorrido:
“Por ter legitimidade, estar em tempo, e ter sido interposto na forma legalmente exigida, admito o recurso interposto a fls. 1706 e s.s.o qual sobe de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
(artsº 399º, 401º nº1 b), 406º nº2, 407º nº1 e 408º “a contrario sensu”, todos do C.P.P.)
*
Cumpra o disposto no artº 411º nº6 do C.P.P.
*
Junta a resposta e devidamente instruído com os elementos indicados a fls.1716, resposta do M.P. e deste despacho, subam os autos ao Tribunal da Relação do Porto.
*
Requerimento de fls.1515 a 1524.
Quanto à falta de fundamento indiciário pressuposto do mandado:
Contrariamente ao alegado pelo arguido de que não teve qualquer intervenção material em qualquer dos atos a título pessoal ou enquanto mandatário, o arguido está indiciado juntamente com os arguidos GG, HH e FF de terem decido pelo menos desde 2020 organizar-se em grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português ao não proceder à liquidação e pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto de Espanha para Portugal, obtendo vantagem económica e patrimonial calculada, até á presente data no valor global de € 26.364.611.12.
No que concerne aos atos praticados pelo arguido AA enquanto advogado, resulta das declarações do próprio, prestadas perante magistrado do Ministério Público (fls. 1120 a 1127) que o mesmo afirmou que é advogado das sociedades “D..., Lda” e “E... há cerca de 10 anos. No que concerne á constituição da sociedade “A... S.A.R.L. Sucursal em Portugal”, o arguido disse que o arguido HH foi ter consigo porque pretendia abrir uma sociedade dedicada á compra e venda de combustíveis. Acrescentou ainda que foi ele quem tratou da documentação referente à sociedade “A... SARL Sucursal em Portugal” e posteriormente passou o caso à advogada Drª JJ, a qual tratou de proceder ao registo da sociedade. Foi ainda questionado sobre o motivo e em que qualidade teve intervenção na reunião que ocorreu em 2019 na Alfândega ... destinada a resolver assuntos referentes à concessão do estatuto de destinatário registado a favor da sociedade “A... SARL Sucursal em Portugal”, sendo que nessa reunião também estiveram presentes os arguidos HH e FF e o arguido referiu que teve intervenção na qualidade de mandatário do arguido HH e da “A...” e informou que as sociedades “F... Ldª” “A... Comércio de Combustíveis Unipessoal Ldª” “B... Unipessoal Ldª” “G... Unipessoal Ldª” foram todas constituídas no seu escritório de advogados não se recordando apenas da sociedade “ H... Ldª” também ali tinha sido constituída.
Não assiste assim, razão ao arguido nessa parte.

O arguido alegou ainda que resulta do enunciado indiciário que o IVA foi efetivamente liquidado e os correspondentes valores totais foram transferidos, o que se configurar crime não é certamente o de fraude fiscal (arts. 25.º a 27.º).
Concretizando, o art 103.º do RGIT dispõe o seguinte.
1-Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
Ora no caso “sub judice” o crime de fraude fiscal qualificada consubstancia-se nos seguintes factos:
Os arguidos GG, AA, HH, FF decidiram, pelo menos desde 2020, organizar-se em grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português, ao não proceder à liquidação – leia-se correta -, nem pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto em Espanha, obtendo uma vantagem económica e patrimonial no valor global de €26.364.611,12.
Para concretizar tal plano contaram com a colaboração da contabilista certificada da “A..., SARL-Sucursal em Portugal”, II, que ocultou das declarações periódica do IVA o imposto devido.
Concretizando, apesar de a “A... SARL-Sucursal em Portugal” ter emitido as correspondentes faturas por cada transmissão onerosa de combustível, procedendo à liquidação do IVA sobre o valor tributável determinado com inclusão do ISP, a arguida/contabilista II não procedeu ao lançamento correto nas declarações periódicas de IVA, aproveitando-se do facto dos dois impostos serem controlados por serviços diferentes da AT e não serem liquidados simultaneamente.
Este plano só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade “D..., Lda.”, gerida pelo arguido GG, que financiou antecipadamente as aquisições dos combustíveis adquiridos aos fornecedores espanhóis, transferindo para as contas bancárias da sociedade “A..., SARL-Sucursal em Portugal” as quantias necessárias para o efeito. Parte desse valor foi posteriormente devolvido à D..., Lda, Lda. em virtude de o devido IVA não ter sido liquidado, nem pago ao Estado.
Assim, contrariamente ao invocado, estes factos preenchem os requisitos objetivos e subjetivos do tipo legal do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103.º-1-a)-b)-c) e 104.º-1-d)-e)-3 da Lei n.º 15/2001, de 5.06, alterada pela Lei n.º 7/2021, de 26.02 (RGIT).
O arguido referiu que a Autoridade Tributária teve sempre conhecimento- até por via do ISP – durante quase dois anos do volume de combustíveis transacionados, tempo mais do que suficiente para ter detetado e interpelado quem de direito por qualquer eventual e alegado erro de lançamento.
A explicação para os crimes em causa não terem sido detetados mais cedo pela Autoridade Tributária resulta do facto de os dois impostos em causa, ou seja, o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e o imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) serem controlados por serviços diferentes da Autoridade Tributária e não serem liquidados simultaneamente.
Estas circunstâncias inviabilizam que estes serviços da Autoridades Tributária consigam atempadamente cruzar dados entre si, dificultando a deteção célere e eficaz dos factos indiciadores da prática de crimes fiscais e conexos (cfr. art. 26.º - fls. 609 v.º).
*
O arguido nega que tivesse conhecimento profundo de todo o mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis ou mesmo de qualquer relação ou situação de coabitação que lhe pretenda ser imputada são falsas.
O arguido tem conhecimento profundo do mecanismo de aquisições intracomunitárias de combustíveis uma vez que foi advogado e representou o arguido GG no processo n.º 200/04.4IDAVR em que este foi condenado pela prática de um crime de branqueamento e de abuso de confiança fiscal por via da atividade comercial de aquisição intracomunitária e subsequente introdução no consumo de combustíveis através das suas sociedades, conforme resulta do CRC de fls. 160 a 162.
Estes factos foram comprovados pelo arguido AA nas declarações que prestou perante do Ministério Público em 15.12.2022, tendo afirmado que é advogado da “D..., Lda” e da “E...” há cerca de 10 anos (cfr. fls. 1120 a 1127).
No que concerne à situação de coabitação que o Ministério Público pretenda imputar importa referir que em parte consta do despacho do Ministério Público – dos factos indiciados - tal alegação.
O Ministério Público referiu apenas que são sócios da sociedade “C...-Sociedade de Advogados, SP,RL” o arguido AA e a sua companheira, BB.
*
O arguido alegou ainda violação do princípio da proporcionalidade do mandado pois quanto à necessidade, exigibilidade ou indispensabilidade da busca e apreensão para a verificação de eventual e alegada ação ou omissão de liquidação, inscrição incorreta por contabilista, contabilidade adequada, pagamento e a eventual qualificação do crime em causa, pode ser prosseguido por diligências probatórias alternativas, nomeadamente junto da Autoridade Tributária.
Sobre esse ponto, sempre se dirá que a realização da busca e apreensão é o meio legal e apropriado neste tipo de criminalidade de obtenção de prova pelo que nenhum princípio de proporcionalidade e/ou necessidade foi violado.
O arguido invocou ainda a violação do princípio da proporcionalidade na medida em que a imposição de apreensão de computadores, tabletes e telefones, suporte da sua atividade profissional e diretamente acessíveis a toda a sua correspondência profissional e sob sigilo profissional constitui violação flagrante quer das garantias institucionais associadas à administração da justiça, quer de direitos pessoais e profissionais seus e de terceiros.
Sobre tal questão já veio o arguido, ao abrigo do disposto no art. 77.º do EOA, deduzir reclamação sobre as buscas e apreensões efetuadas, arguindo a nulidade das mesmas.
Sobre tal questão pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto em 23.01.2023, decisão esta já transitada em julgado na qual foi decidido que as buscas, apreensões e documentação apreendidas nada têm a ver com a atividade do arguido enquanto advogado ou com a sua relação com o cliente; antes se prendem com a ilícita apropriação dos montantes sonegados ao Estado e apossados por si próprios, através de transferências para sociedades de responsabilidade limitada por si efetivamente detidas e controladas.
Pelo exposto a questão agora suscitada já se mostra apreciada e decidida.
O arguido afirmou que é advogado há muitos anos com especial incidência em matéria tributária em centenas de processos ativos em que litiga diretamente contra a AT, pelo que é manifestamente desnecessário, impróprio e excessivo deixar à guarda da AT, manter ou permitir à mesma o acesso a qualquer destes instrumentos descritos nos autos de busca e apreensão que lhe facilite ou permita o acesso a toda a correspondência ou documentos cobertos pelo sigilo profissional.
Sobre esta matéria, cumpre referir que o art. 20º-1-2-j) da Portaria n.º 320-A/2011, de 30.12, alterada pela Portaria n.º 98/2020, de 20.04 refere que compete à Direção de Serviços Anti-Fraude Aduaneira (DSAFA), assegurar a execução de diligências de investigação no quadro dos atos de inquérito, nos termos dos arts. 40º e 41º do RGIT.
E no caso em apreço e por despacho proferido em 13.06.2022 foi delegada a competência para a investigação na Direção de Serviços Antifraude Aduaneira – Divisão Operacional do Norte.
Assim sendo, a AT tem competência para investigar os crimes em causa nos presentes autos, designadamente aceder à prova recolhida nas buscas e apreensões realizadas até ao momento.
Acresce que o arguido não indica em parte alguma os processos em que litiga diretamente contra a AT, nem esclarece em que medida os factos em investigação no âmbito dos presentes autos têm relação/repercussão com os processos em que litiga diretamente com a AT.
Assim sendo, e nesta parte o requerimento apresentado pelo arguido não tem qualquer fundamento de facto e de direito que o sustente, pelo que se indefere o mesmo por falta de fundamento legal.
O arguido alegou que é prática comum nos escritórios dos advogados existem espaços comuns e espaços adstritos ao uso exclusivo de advogados. E pese embora a presença de um representante da Ordem dos Advogados tais buscas foram realizadas em gabinetes de uso exclusivo de advogadas que não foram constituídas arguidas.
O arguido referiu ainda que os documentos foram apreendidos sem que o mesmo tenha sido constituído advogado, constituição essa que apenas foi realizada posteriormente (cfr. art. 71.º-1-4 do EOA).
Dispõe , o art. 177.º-5 do CPP que tratando-se de busca em escritório de advogado, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente.
No dia 7.12.2022 foi realizada busca ao apartamento sito na Avenida ... e direito, Lisboa, na disponibilidade do arguido AA, BB, sociedade de advogados “C..., SP, RL” (cfr. fls. 1012 a 1019).
Essa diligência foi presidida por Juiz de Instrução Criminal e esteve presente na mesma a Ilustre representante da Ordem dos Advogados.
O arguido AA não esteve presente nessa diligência em virtude de se encontrar de férias no estrangeiro, mas foi representado nessa diligência pela Ilustre Advogada, Dr.ª KK.
Nessa diligência “…foi estabelecido contacto telefónico entre a Ilustre Defensora, a Ilustre representante da Ordem dos Advogados e o Procurador Europeu Delegado, com pessoa que se identificou como o Buscado AA e que a Defensora identificou como sendo o mesmo, em cujo decurso informou que pretendia colaborar na realização da presente diligência, só não o fazendo pessoalmente por se encontrar no estrangeiro. Questionado, referiu ser sua vontade fornecer os códigos de acesso ao seu computador e aos dois cofres existentes no interior das instalações, bem como ser constituído arguido e ser interrogado nessa qualidade assim que para tanto for convocado” (cfr. fls. 1014).
A Ilustre mandatária do arguido AA apresentou nessa diligência reclamação ao abrigo do disposto no art. 77.º-2-3 do EOA.
Decorre do exposto, que o arguido AA não foi constituído arguido no decurso destas buscas em virtude de se encontrar de férias no estrangeiro, tendo sido representado nessa diligência pela sua mandatária.
Face ao exposto, e uma vez que o arguido esteve representado nesta diligência pela sua mandatária, tendo inclusive colaborado na realização da mesma, não se verifica qualquer irregularidade/nulidade pelo facto de o mesmo não ter sido constituído neste ato arguido.
*
O arguido alegou ainda que as buscas foram realizadas em gabinetes de uso exclusivo de advogadas, sendo certo que na fase da apresentação das reclamações nada foi alegado a este respeito (cfr. arts. 75.º a 77º do EOA).
Acresce que a documentação apreendida está relacionada com as sociedades em investigação no âmbito dos presentes autos e constitui prova dos crimes em investigação no âmbito dos presentes autos.
No âmbito do processo de reclamação apresentado pelo arguido AA foi decidido que as buscas, apreensões, documentações apreendidas nada têm a ver com a atividade do arguido enquanto advogado ou com a sua relação com o cliente; antes se prendem com a ilícita apropriação de montantes sonegados ao Estado e apossados por si próprios, através de transferências para sociedades de responsabilidade limitada por si efetivamente detidas e controladas.
A documentação apreendida no decurso destas buscas foi aberta no dia 14.03.2023 por mim (JIC) , nos termos do art. 179.º-3 do CPP e determinada a sua junção aos autos (cfr. fls. 1565 e 1566) respeitando-se desse modo o citado preceito legal.
*
O arguido alegou que a sociedade de avogados recebeu da sociedade “A..., Lda.” o montante de €20.295,00 no período compreendido entre 26.01.2022 e 29.11.2022 mas esse montante corresponde a uma avença mensal sujeita ao regime do IVA faturado e oportuna e tempestivamente declarado junto da AT.
O Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo de reclamação apresentado pelo arguido AA já se pronunciou em relação a esta matéria nos seguintes termos:
“À luz do indiciado nos autos, sem prejuízo de uma indagação posterior e daquilo que se venha a demonstrar em sede de julgamento, a documentação apreendida em nada se confunde com qualquer situação de segredo profissional por força do exercício da advocacia pelo reclamante. Na verdade, o que está em causa é a sonegação de valores, bastante elevados, à Fazenda Nacional os quais surgem transferidos para sociedades alegadamente controladas pelo próprio reclamante, recorrendo a expedientes como a nomeação do seu pai como sócio gerente mas mantendo o próprio através de mandato, o controlo das mesmas. Estando em causa valores superiores a três milhões de euros que terão sido apropriados pelo arguido em causa, não se pode inferir que a documentação apreendidas e as buscas feitas apenas se traduziram na deteção de transferências relativas ao pagamento de uma avença por serviços jurídicos ou para o pagamento de despesas com a atividade forense. Basta consultar a própria documentação invocada pelo reclamante presente a fls. 1402 e 1403 onde as transferências surgem como protagonizadas pela Africa Oil a qual seria aquela que não liquidaria, nem pagaria, os impostos, em particular o IVA, que eram devidos” (cfr. fls. 163 vº e 164 do Apenso Reclamação).
Pelo exposto, indefere-se o requerido por falta de fundamento legal.
Notifique »

Cumpre apreciar.
Primeiramente caberá apreciar a questão da incompetência suscitada pelo recorrente.
Quanto à incompetência suscitada, que, contrariamente ao que é sustentado pelo recorrente, é no essencial territorial e não material, dado que a dúvida colocada entre os juízes de instrução criminal do Porto ou de Lisboa, ou do Tribunal Central de Instrução deriva apenas de critérios de aferição territorial (pois, muito embora a competência territorial dos Juízes de instrução criminal resulte do disposto no art.120º nº3 da Lei Orgânica do Sistema judiciário, contudo, face à matéria em investigação nos autos, estando em causa a competência da Procuradoria europeia nos termos do Regulamento EU 2017/1939 conforme o disposto nos arts.22º nº1 25º (em consonância com a Diretiva EU 2017/1371), que veio a ser adaptada para a ordem jurídica interna pela Lei nº112/2019, no seu art.6º, distribui pelos juízos de instrução criminal de Lisboa e do Porto a competência para prática dos atos jurisdicionais relativos ao inquérito quanto aos crimes que, nos termos do Regulamento da Procuradoria Europeia lhe compita. Tudo isto, a par todas as questões relativas aos delitos de fraude fiscal agravada, onde o uso de faturas falsas consuma-se com a incorporação dessas faturas na contabilidade do contribuinte e sua sede; a par da circulação dos vastos montantes pelas sociedades e suas contas bancárias, com localização diversa quanto ao delito de branqueamento de capitais).
Pese embora a competência territorial seja de conhecimento oficioso, essa circunstância não pode desvirtuar a condição deste Tribunal de recurso, devendo, por isso, essa questão ser primeiramente suscitada ao Tribunal de primeira instância, sob pena de se estar a subtrair um grau de jurisdição a todos os sujeitos processuais no processo. O Tribunal de recurso não pode decidir “ex novo” questões que não foram apreciadas pelo Tribunal de 1ª instância, independentemente da mesma ser, ou não, de conhecimento oficioso. Esta possibilidade de conhecimento oficioso, não altera a natureza e condição deste Tribunal superior, que reaprecia as decisões tomadas em 1ª instância. Repare-se que a incompetência invocada é para o ato ordenatório das buscas, não para o próprio despacho ora impugnado.
As decisões em primeira instância sobre a incompetência do Tribunal, a par de muitas outras questões, como a validade de atos; a arguição de nulidades, constituem o objeto do recurso para os tribunais superiores, sem prejuízo, obviamente, da arguição de nulidade por omissão de pronúncia de questões que suscitadas perante a 1ª instância, este Tribunal devia conhecer e não conheceu.
Não pode é o recorrente impugnar uma decisão interlocutória e nesse mesmo recurso suscitar a apreciação de outras questões novas ao Tribunal da Relação, como se este fosse primeira instância, sobretudo quando o recorrente não só, pôde, como devia suscita-la ao juiz de instrução. Com efeito, as decisões dos Tribunais da Relação proferidas em primeira instância cfr.art.432º nº1 alínea a) do CPP têm universo completamente distinto, e respeitam aos casos taxativos que se encontram previstos nas alíneas b), c) e g) do art.73º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (e para essas decisões é possível o recurso para o STJ, cfr.art.432º nº1 alínea a) do CPP), não sendo o caso dos presentes autos, onde este Tribunal profere decisão como instância de Recurso.
Claro está que, em sede de recurso, o recorrente poderá invocar vícios e nulidades da própria decisão de que recorre (que não foram apreciados pelo Tribunal de 1ª instância); pode até discutir o direito da questão apreciada, noutras vertentes jurídicas não abordadas pelo Tribunal “A Quo”, cfr.art.428ºdo CPP; mas se teve oportunidade para suscitar uma questão nova, com autonomia na produção de efeitos na instância, como é o caso da incompetência territorial perante o Tribunal de 1ª instancia, não pode, subtraindo um grau de jurisdição, apresentar “ex novo” essa questão ao Tribunal de recurso, sobretudo, porque sobre a mesma não existe decisão de 1ª instância de que se possa recorrer, e assim, é total, a falta de objeto de recurso cfr.art.427º, 2ª parte do CPP e alínea a) do art.73º da Lei de Organização do Sistema Judiciário.
Este núcleo de questões novas que exigem a apreciação prévia do Tribunal de 1ª instância (que constitui o objeto do recurso), não se confunde com a oportunidade de apreciar a prescrição apenas suscitada no Tribunal Superior, em particular quando o período de tempo e seu termo intersecione a instância de recurso, podendo e devendo ser apreciada em sede de recurso, mesmo que não haja sido apreciada na 1ª instância. Se não for esse o caso, se a prescrição arguida se reportar a um tempo decorrido em 1ª instância, deve a questão ser previamente suscitada, ou conhecida oficiosamente em 1ª instância.
Deste modo, não se toma conhecimento da questão da incompetência por falta de objeto, o que não preclude que a mesma seja oportunamente suscitada ou conhecida oficiosamente pelo Tribunal de 1ª instância, se for o caso.
*

O recorrente vem ainda sustentar a ilegalidade da apreensão de documentos com violação do segredo profissional. A par da regulação do processo penal sobre as buscas em escritório de advogado, prevista pelos arts.174º, 176º, 177º nº5 e restantes números, todos do CPP, e particularmente quanto à apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, regem as disposições conjugadas dos artigos 180º nºs1, 2 e 3 e arts.177º nº5, e 179º nº3 todos do CPP, dotadas do respetivo regime de nulidades se houver quebra dessas regras. A este respeito cumpre referir que, concretamente nos autos, o aludido formalismo do processo penal na apreensão de documentos se mostra cumprido, pois esses documentos contém elementos dos delitos indiciados. Com efeito, no regime processual penal das buscas e apreensões no escritório de advogado não se exige a prévia constituição de arguido ao advogado suspeito (contrariamente ao que sucede na tutela do sigilo profissional prevista no art.76º nº4 do EOA), cuja apreensão de documentação abrangida por segredo profissional, sem prévia constituição de arguido, não é tutelada com nulidade, exceto se essa documentação não constituir objeto ou elemento do crime cfr.art.180 nº2 “in fine” a contrario sensu, do CPP.
Outrossim e paralelamente, existem regras e tutelas especificas no Estatuto da Ordem dos Advogados, cuja proteção não se sobrepondo ou confundido com o regime processual penal das buscas, é uma tutela expressamente prevista para o segredo profissional e que têm assento respetivamente na apreensão de correspondência nos termos do art.76º nºs1 a 3 e nº4 do EOA, a qual prevê a tutela especial jurisdicional de poder reclamar perante o Presidente do Tribunal da Relação nos termos do art.77º do EOA.
Sobre a importância do segredo profissional associado à apreensão de correspondência, dispunha o recorrente dessa tutela jurisdicional específica de reclamação prevista no aludido estatuto, e que lhe permitia suspender a abertura dessa documentação (não podendo o juiz de instrução ler ou examinar, antes devendo acondiciona-la em volume selado até decisão do Mmº Sr Presidente da Relação), tutela jurisdicional que aliás exerceu, e que veio a merecer a decisão de indeferimento proferida por aquele Tribunal Superior, a qual transitando, tornou-se definitiva, possibilitando ao juiz de instrução a abertura dos documentos e suportes apreendidos, sem que seja permitido ao recorrente, duplicar agora a tutela, tornando a questionar a violação do segredo profissional de correspondência como se aquela decisão não tivesse sido proferida, tanto mais que o Mmº Juiz Presidente do Tribunal da Relação veio a considerar que a “documentação apreendida em nada se confunde com qualquer situação de segredo profissional por força do exercício da advocacia pelo reclamante. Na verdade, o que está em causa é a sonegação de valores, bastante elevados, à Fazenda Nacional os quais surgem transferidos para sociedades alegadamente controladas pelo próprio reclamante, recorrendo a expedientes como a nomeação do seu pai como sócio gerente mas mantendo o próprio, através de mandato, o controlo das mesmas. Estando em causa valores superiores a três milhões de euros que terão sido apropriados pelo arguido em causa, não se pode inferir que a documentação apreendida e as buscas feitas apenas se traduziram na deteção de transferências relativas ao pagamento de uma avença por serviços jurídicos ou para o pagamento de despesas com a atividade forense. Basta consultar a própria documentação invocada pelo reclamante presente a fls.1042 e 1043 onde as transferências surgem como protagonizadas pela A... a qual seria aquela que não liquidaria, nem pagaria, os impostos, em particular o IVA, que eram devidos. Ou seja, as buscas, as apreensões, as documentações apreendidas nada têm que ver com a atividade do arguido enquanto advogado ou com a sua relação com o cliente; antes se prendem com a ilícita apropriação de montantes sonegados ao Estado e apossados por si próprio, através de transferências para as sociedades de responsabilidade limitada por si efetivamente detidas e controladas. Note-se que não foi invocada qualquer comunicação, correspondência ou troca de informação diretamente entre advogado e cliente.”.
A arguição de nulidade da apreensão da documentação nos termos processo penal, ocorre no ambiente e nos pressupostos previstos nos aludidos arts.180º nºs2 e 3, “ex vi” art.179º nº3, ambos do CPP, a qual improcede, porquanto não existiu quebra de qualquer formalismo ou fundamento legal no regime aí previsto, concretamente a documentação apreendida versa sobre as imputações delituais que a Procuradoria Europeia realizou, assim improcedendo as conclusões do recurso a este respeito.
*

O arguido ainda ensaia uma impugnação sobre uma busca realizada no domicílio de uma terceira pessoa, segundo refere, com base na notícia de que o arguido aí residia com sua companheira (conclusão I) e seguintes do recurso), contudo, como não são impugnados elementos que hajam sido apreendidos nessa busca domiciliária, só essas provas poderiam estar feridas de nulidade em caso de ilegalidade da busca cfr.art.126º nº3 do CPP, a qual também só sucederia acaso se confirmasse a completa falta de fundamento, o que não ocorre perante os fundamentos apresentados no requerimento perante o juiz de instrução (pois o facto de o recorrente agora em sede de recurso referir ter uma residência, com documentação oficial que comprove, não invalida que tenha a disponibilidade de outra habitação). Depois, quanto à busca em si (sem que se questionem os documentos aí apreendidos), acaso a mesma falecesse nos seus fundamentos, seria a própria terceira pessoa quem teria legitimidade processual em suscitar a sua impugnação, o que não ocorre, motivo porque soçobram as conclusões a este respeito.
*

Sobre a alegada extensão das buscas a “espaços de uso privativo” de outros advogados no escritório de advogados em causa, cuja validade o recorrente impugna, também o mesmo coloca em crise as buscas nos arquivos comuns do escritório. Em substância, deve referir-se que o mandado de busca incide sobre o escritório de advogado e não apenas sobre o espaço exclusivo do advogado suspeito recorrente. O processo penal no âmbito das buscas a escritórios de advogado, sendo prática comum serem espaços partilhados por vários advogados, o legislador não fez destrinças, e apesar do evidente melindre, em particular para o segredo profissional (de que adiante se apreciará), o recorrente não precisa o conceito de espaço de uso exclusivo de outros advogados (nem o demonstra indiciariamente), concretamente se estaria divididos em “gabinetes” fechados, a ponto de se exigir um tratamento autónomo e concorrente das formalidades expressas no art.177ºnº5 do CPP para cada um desses espaços, tanto mais que consta do auto de busca que na sala da Srª Advogada EE foram apreendidos documentos de dentro de um armário identificado como do Dr AA (ora recorrente), assim como documentos respeitantes às sociedades que são expressamente referidas no despacho de indiciação por onde foram distribuídos milhões de euros provenientes dos montantes não liquidados no IVA, tal como também veio a suceder na sala da Srª Advogada CC.
A este respeito deve referir-se que o processo penal nas apreensões em escritório de advogado no art.180º nº2 do CPP é particularmente enfático quando classifica de nula a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, porém a parte final do referido art.180º nº2 legitima esse procedimento, quando esses documentos constituem “objeto ou elemento de um crime” (independentemente de o advogado estar ou não constituído como arguido), pois, como resulta auto de busca, mesmo nos espaços afetos a outros advogados, existiam documentos respeitantes ao ora recorrente, circunstância que associado ao facto de estarem cumpridas as formalidades da busca ao escritório de advogado em causa, e face à proporcionalidade evidenciada pela gravidade e proporção dos ilícitos indiciados e necessidades de investigação com especial incidência na vertente documental, torna admissíveis as apreensões concretizadas. Seja como for, e no centro da discussão, deve referir-se que, a apreensão de documentação no escritório de advogado, em espaços afetos a outros advogados que não o visado, reveste o seu melindre, em particular em matéria de proteção do segredo profissional, circunstância à qual o legislador não deixou de atender, no aludido art.76º nº4 do Estatuto da Ordem dos Advogados, o qual não possibilita a apreensão de documentação se o advogado em causa não estiver constituir arguido, podendo esse advogado, quanto à documentação que lhe foi apreendida, deduzir a reclamação prevista no art.77º desse estatuto, apelando ao presidente da Relação que impeça o visionamento desse documentos apreendidos, entretanto selados por força da reclamação, e assim determine a sua devolução ao escritório. Porém, nenhuma dessas senhoras advogadas cujos espaços foram alvo de apreensões de documentos, veio deduzir a referida reclamação quanto a documentação apreendida, alegadamente a si respeitante e para salvaguarda do sigilo profissional (e a reclamação que foi deduzida pelo ora recorrente, foi indeferida), pelo que, não tendo o ora recorrente legitimidade ou interesse em agir por conta dessas advogadas, fica precludida essa tutela quanto ao segredo profissional, dado que o disposto no processo penal, em particular o art.180º nº2 “in fine” do CPP legitima as apreensões realizadas por respeitarem ao “objeto ou elemento de um crime”, aqui também improcedendo as conclusões do recurso.
*

O recorrente nega a existência de indícios que justifiquem a imputação do crime de fraude fiscal nos seus elementos objetivos e subjetivos, sustentando que a realização da busca foi desproporcional, assim como considera excessiva a apreensão de equipamentos informáticos seus, mais considerando que tudo se reconduz a um incumprimento ou falta de pagamento do IVA reconduzível a um ilícito de mera ordenação social, ou ainda, referindo que penas está em causa um pagamento mensal de uma avença ao escritório.
Mas a realidade enunciada nos autos, é bem diversa daquela que o recorrente pretende limitar, sobretudo porque, para a determinação das buscas e sua proporcionalidade, não se impõe um suporte indiciário similar ao que deve sustentar uma acusação, tanto mais que, a diligência em causa constitui um meio de obtenção de prova, que embora exija mais do que suspeitas, deve ter fundamentos razoáveis que tornem admissível a busca, na ponderação dos interesses a sacrificar, designadamente o segredo profissional, e nessa ponderação a par dos movimentos astronómicos de somas para empresas, sem atividade que o justifique, as incongruências da faturação da A... sustentam os indícios de não pagamento do IVA nas aquisições intracomunitárias.
Como bem é sustentado na resposta ao recurso, redigida pela Procuradora Europeia, consistindo “em saber se o sujeito passivo "A... Oü" é um revendedor de combustíveis e se face ao regime dos combustíveis tal significa que terá de liquidar o IVA pela margem. A "A... SARL-Sucursal em Portugal" usou o estatuto de destinatário registado temporário (cfr. art. 30.°-1 do CIEC). Ora e conforme resulta do disposto no art. 30.°-2-b) do CIEC o destinatário registado temporário tem, no termo da circulação das mercadorias, de cumprir as formalidades de introdução no consumo em território nacional o que o torna um distribuidor, afastando-se do conceito de revendedor de combustíveis líquidos e da aplicação do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicáveis aos revendedores, tendo assim que aplicar às suas operações o regime geral do IVA. E através da análise à situação declarativa do sujeito passivo foi possível concluir que, de facto, não foi liquidado o IVA exigível às operações realizadas pela A... SARL - SUCURSAL EM PORTUGAL, essencialmente por esta, enquadrar incorretamente as suas operações no âmbito do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores, através do qual incide IVA apenas sobre a margem obtida entre o valor das transmissões de combustíveis realizadas e o valor das aquisições dos mesmos combustíveis. Por conjunção das disposições previstas no ofício circulado n.° 30068/2004, de 19 de janeiro da DSIVA e do Decreto-Lei n.° 10/2001, de 23 de janeiro, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.° 165/2013 de 16 de dezembro, que definem o conceito de distribuidor, concluiu-se que a A... SARL - SUCURSAL EM PORTUGAL se enquadra nesse conceito, uma vez que faz a introdução no consumo dos combustíveis no território nacional, encontrando-se por tal facto excluída do âmbito de aplicação do Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores e sujeita ao regime geral do IVA no que diz respeito às suas operações.”
A participação do arguido, ora recorrente é quase permanente, seja no processo de constituição das sociedades em causa, com as ligações e transferências indiciadas, resultando do despacho de indiciação que o arguido/recorrente AA, juntamente com os arguidos FF, GG, AA e HH desde pelo menos 2020, organizaram um grupo com vista a delinear e executar um plano conjunto a fim de obterem vantagens patrimoniais e financeiras à custa do empobrecimento do Estado Português, ao não proceder à liquidação, nem pagamento do IVA decorrente de aquisições intracomunitárias de produtos petrolíferos em regime suspensivo de imposto de Espanha para Portugal, obtendo uma vantagem económica e patrimonial que se calcula até ao momento, no valor global de €26.364.611,12 Euros. Para concretizar tal plano contaram com a colaboração da contabilista certificada da “A..., SARL-Sucursal em Portugal”, II, que ocultou das declarações periódicas do IVA o imposto devido. Este plano só foi possível concretizar com a intervenção da sociedade “D..., Lda.”
Resulta também que o arguido recorrente em declarações que prestou “afirmou que é advogado das sociedades “D..., Lda” e “E... há cerca de 10 anos. No que concerne á constituição da sociedade “A... S.A.R.L. Sucursal em Portugal”, o arguido disse que o arguido HH foi ter consigo porque pretendia abrir uma sociedade dedicada á compra e venda de combustíveis. Acrescentou ainda que foi ele quem tratou da documentação referente à sociedade “A... SARL Sucursal em Portugal” e posteriormente passou o caso à advogada Drª JJ, a qual tratou de proceder ao registo da sociedade. Foi ainda questionado sobre o motivo e em que qualidade teve intervenção na reunião que ocorreu em 2019 na Alfândega ... destinada a resolver assuntos referentes à concessão do estatuto de destinatário registado a favor da sociedade “A... SARL Sucursal em Portugal”, sendo que nessa reunião também estiveram presentes os arguidos HH e FF e o arguido referiu que teve intervenção na qualidade de mandatário do arguido HH e da “A...” e informou que as sociedades “F... Ldª” “A... Comércio de Combustíveis Unipessoal Ldª” “B... Unipessoal Ldª” “G... Unipessoal Ldª” foram todas constituídas no seu escritório de advogados não se recordando apenas da sociedade “ H... Ldª” também ali tinha sido constituída”.
A AT concluiu que apesar da A... ter emitido as correspondentes faturas por cada transmissão onerosa de combustível, procedendo à liquidação do IVA sobre o valor tributável determinado com inclusão do ISP, não procedeu posteriormente ao seu lançamento correto nas declarações periódicas de IVA, aproveitando-se do facto dos dois impostos serem controlados por serviços diferentes da AT e não serem liquidados simultaneamente (não está em causa a falta completa de pagamento do IVA, mas apenas de uma parte, ainda que substancial). Resultou da análise das contas bancárias e dos extratos dos ficheiros comunicados à AT que posteriormente, parte substancial do valor creditado na conta da A... foi devolvido à D..., Lda e que o preço de venda alegadamente praticado teria forçosamente de ser inferior ao preço mínimo possível de praticar, constando que o IVA ficou por liquidar.
Depois, de vários elementos documentais dos autos, assim como da análise que decorre do relatório junto no processo, elucidam indiciariamente que os arguidos, incluindo o arguido AA, em co-autoria obtendo elevada liquidez com as quantias monetárias não entregues ao Estado Português pelo IVA devido, determinaram a transferência de quantias muito vultuosas, algumas de vários milhões de euros da A... (a qual, por sua vez, foi financiada pela D..., Lda ponto 22 do despacho de indiciação para a aquisição dos produtos petrolíferos) para sociedades que os arguidos criaram (ponto 17º do despacho de indiciação), mas as mesmas sem atividade ou património, como resulta dos pontos 33º e 34º (D..., Lda); 63º e 64º (I...), 77º a 82º (“A...-Comércio de Combustíveis, Ldª”), 84º, 94º (Parábolas); 100º a 108º (H...), 131º, 134º, 143º, 150º, 153º (Parábolas), 165º e 170º (B...), entre muitos outros montantes que circularam por outros fundos e destinados à aquisição de veículos, imóveis, e contas bancárias que se descrevem, e que se detetam pelos movimentos bancários das respetivas contas bancárias, montantes esses ascendendo a 26.369.611,12€, as quais derivam dos montantes obtidos da não entrega do IVA devido, o que torna a questão suscitada pelo recorrente, sobre a importância dos valores recebidos a título de avença, de ínfima importância na magnitude de valores distribuídos.
E as proporções dos montantes indiciados são de tal ordem na sua ilicitude, com as inerentes necessidades de investigação com especial incidência na prova documental em todos os suportes, que está justificada a proporcionalidade de meios que resultam da busca ordenada, assim como a apreensão dos suportes, tablets, computadores, telefones, e documentação em causa (sobre a proporcionalidade das busca no escritório de advogado ver Ac Rel.P de 9/05/2008 no processo nº79/12.2ZRPRT-A.P1 (desembargador Dr Vitor Morgado) publicado no ITIJ.
Acresce que, a par desses indícios (que subsistem), a pretendida produção de outros contra-indícios respeitantes à tese invocada pelo recorrente atinentes ao alegado pagamento de quantias a título de avença, a par de respeitarem a montantes muito inferiores aos que estão em causa nos autos, nunca poderiam, por si só, justificar o levantamento da apreensão da documentação, porquanto somente, a jusante na fase processual adequada (se for o caso), poderá o arguido discutir e contraditar esta parte objeto do processo e que tem que ver com a verificação dos delitos que agora se investigam, e, com eventual e inerente produção de prova. O contrário, ou seja, impor agora nesta fase do processo, uma decisão interlocutória, sobretudo com os indícios subsistentes, seria permitir ao arguido a antecipação de decisões antes do despacho final do inquérito, ou mesmo antes da eventual instrução, perante um objeto de processo que se encontre sustentado com base indiciária suficiente a esse respeito.
*
Como resulta dos fundamentos expostos, o recurso não poderá merecer provimento.



DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso não provido, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo,

Custas do recurso pelo arguido, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta.

Notifique.





Sumário:
…………………………
…………………………
……………………….


Porto, 6 de Março de 2024.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Maria Joana Grácio
Paula Guerreiro