Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18018/22.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL FERREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
ISENÇÃO DE PENHORA
REDUÇÃO DA PENHORA
Nº do Documento: RP2024030718018/22.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Só faz sentido aplicar a isenção de penhora, na medida em que apenas pode ter lugar durante um ano, quando se está perante uma situação temporária, de insuficiência económica transitória, que seja previsível que ao fim daquele ano esteja debelada.
II – Na ponderação da redução da penhora há que ter em conta que se trata de acautelar a subsistência do executado e já não proporcionar-lhe o estilo de vida que teria se não fosse a penhora, bem como a compatibilização do direito do credor ao recebimento do seu crédito com o direito do devedor ao recebimento de um rendimento que lhe garanta e ao seu agregado familiar uma sobrevivência condigna.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 18018/22.0T8PRT-A.P1
(Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – Juiz 5)


Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1º Adjunto: António Paulo Vasconcelos
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva



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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I AA apresentou, no âmbito da Execução Ordinária nº 18018/22.0T8PRT, do Juízo de Execução do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em que é exequente “Banco 1..., S.A.”, e na sequência da penhora de 1/3 do seu vencimento, requerimento (21/03/2023) para que lhe fosse concedida isenção de penhora por um ano ou, caso assim não se entenda, redução da penhora para 1/6.
O exequente pronunciou-se nos termos do requerimento de 17/04/2023, no sentido do indeferimento do requerido.
Por despacho de 29/05/2023, com a rectificação efectuada no despacho de 12/07/2023, decidiu-se reduzir a penhora no vencimento do executado para 1/5, pelo período de dois anos.
Desta decisão veio o executado interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«A. O douto despacho recorrido decidiu: “Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 738º, n. 6 do Código de Processo Civil, reduzo, pelo período de um ano, para 1/5 (um quinto), a penhora efetuada no rendimento mensal do Executado.”
B. Não obstante, na fundamentação refere-se que a redução deverá ocorrer [ep][pe]lo período de 2 anos, pelo que a fundamentação está em contradição com a decisão, o que gera nulidade nos termos do disposto no 615º, nº 1, alínea c) do CPC.
C. O Executado formulou pedido ao abrigo do disposto no artigo 738º, nº 6 do CPC, normativo que é um corolário do princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de direito que resulta das disposições conjugadas dos artigos 1º, 59º, nº 2, alínea a) e 63º, nºs 1 e 2, da CRP.
D. Perante o direito do credor privilegia-se o direito do devedor e o seu agregado familiar a manter disponível um rendimento que lhe proporcione e garanta uma sobrevivência condigna.
E. São relevantes todas as despesas essenciais à sobrevivência do executado, mesmo que não comprovadas, uma vez que há um conjunto de despesas comuns a qualquer agregado familiar, como sejam as de alimentação, saúde, vestuário e de higiene básica, cuja existência é de difícil quantificação e prova (Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/06/2012, de 13/07/2021 e de 03/12/2009.
F. O Executado tem como única fonte de rendimento o salário líquido de 1.528,50€, tendo como despesas: 675,00€ de renda de casa, 170,00€ de alimentos ao seu filho menor; 140,74€ de eletricidade, internet e água; 150,00€ de transportes casa-trabalho; e tem as despesas normais de alimentação, vestuário, saúde, medicamentos, educação escolar do filho.
G. O Executado paga de renda cerca de metade do valor por metro quadrado praticado na zona onde se situa o apartamento.
H. Subtraídas as suas despesas fixas, o Executado tem rendimento mensal disponível de €392,76 com que tem que suportar as despesas de alimentação, educação, médicas e medicamentosas, e vestuário do agregado familiar.
I. A quantia de €392,76 é claramente insuficiente para estas despesas, pelo que se encontram reunidos os pressupostos para isentar o salário do Recorrente de penhora pelo prazo de 1 ano.
J. Requer ainda o Recorrente que V.ªs Ex.ªs se dignem ordenar, sucedaneamente ou em alternativa, a redução da parte penhorável dos rendimentos a 1/6 do seu valor, pelo prazo de duração da penhora ou, pelo menos, pelo prazo de 2 anos.
K. Este pedido é feito com base nos mesmos argumentos e na ausência de perspectivas de melhoria sensível do nível de rendimento do Recorrente nos anos vindouros.
L. Só a redução do valor da penhora para 1/6 durante o período necessário para o pagamento da quantia exequenda, ou seja, durante o período de manutenção da penhora, cumprirá o escopo da norma.
M. O douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 738º, nº 6 do CPC.

Termos pelos quais deve o presente recurso ser julgado procedente, ordenando-se a sanação da nulidade, a isenção da penhora pelo prazo de um ano e a redução da penhora a 1/6 do salário do Recorrente pelo tempo integral de duração da penhora.
Assim se fará Justiça.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), é uma única a questão a tratar (uma vez que a questão invocada como nulidade ficou sanada com a rectificação efectuada no despacho de 12/07/2023):
a) averiguar se há lugar à isenção de penhora ou à sua redução nos termos propugnados pelo recorrente.
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Apreciemos então, considerando a seguinte factualidade, que resulta da análise do processo de execução e dos documentos juntos pelo executado (não impugnados pelo exequente):
1. No seu requerimento de 21/03/2023, o executado alegou, além do mais:
«(…) Assim com as várias despesas correntes, relativas a encargos com a habitação, pensão de alimentos com o meu filho no valor de 170,00€, a presente penhora de 1/3 do vencimento não me vai permitir viver condignamente, conforme os documentos comprovativos que aqui envio para V. Exa. analisar.
Tenho o valor de 2.202,00€ a título de vencimento base, conforme poderá ver pelo recibo que também junto.
Mas o valor atrás referido que recebo, não é líquido, pois ainda terá que se ter em conta os descontos efectuados de segurança social no valor de 225,50€, mais os descontos de retenção na fonte no valor de 448,00€ e ainda outras despesas mensais fixas tais como o transporte para o local de trabalho no valor mensal aproximado que gasto de gasóleo, porque não há transportes, de 150,00€.
(…)
O meu agregado familiar vive numa habitação e estou a pagar a Renda no valor de 675,00€ estando a ser muitas das vezes ajudado por familiares e amigos, já que [que] por vezes os rendimentos não chegam para pagar as despesas mensais, conforme V. Exa. poderá verificar através dos documentos.
(…)
Além de que mensalmente acrescem as despesas fixas (luz, internet, e água), 140,74€, para além de alimentação num valor aproximado de 400,00€, como decerto deve compreender.
(…)
Assim, a penhora em 1/3 no meu vencimento é extremamente penoso para o meu agregado familiar e nem mesmo, reduzindo a penhora actual para 1/6, minimizará os efeitos graves que pode vir a ter no meu agregado, pois só com a isenção me poderei sustentar a mim e aos meus.»;
2. Com esse requerimento, o executado ofereceu como prova os seguintes documentos: recibo de vencimento de Fevereiro de 2023, factura de Janeiro de 2023 da EDP, factura de Fevereiro de 2023 das “Águas de ...”, acta de conferência de progenitores de 29/10/2012, recibo de renda de Fevereiro de 2021 e factura da Vodafone de Fevereiro de 2023;
3. O exequente (no requerimento de 17/04/2023) aceitou as invocadas despesas de electricidade no valor de € 84,67, de água no valor de € 22,86, de telecomunicações no valor de € 33,21, de renda no valor de € 675,00 e com o descendente do executado no valor de € 170,00, impugnando as demais;
4. O executado juntou ainda as declarações de IRS de 2021 e de 2022 (em 24/03 e 27/04/2023);
5. É o seguinte o teor do despacho recorrido:
«O Executado AA veio, requerer a isenção da penhora do seu vencimento ou a sua redução para 1/6.
Juntou documentos.
Notificado, o Exequente opôs-se ao requerido, por considerar, em suma, que o seu direito de crédito não deve ser sacrificado, exceto nos casos em que esteja posta em causa a sobrevivência do executado - o que não é o caso.
Cumpre apreciar e decidir.
A remuneração mensal líquida auferida pelo executado é de 1.528,50€€.
Vive sozinho. Paga 675€ de renda de casa, tem a obrigação de alimentos para com o seu filho menor no valor de 170€. Paga 140,74€ de eletricidade, internet e água.
Para além das despesas normais que toda a gente tem – alimentação, vestuário e transportes - outras há que variam de acordo com a qualidade do benefício, como é o caso, por exemplo, da renda de uma casa.
Não é razoável, na verdade, que o executado, sabendo que tem dívidas para pagar, arrende uma casa por 675€ mensais, quando existem no mercado, apartamentos muito mais baratos.
De acordo com o disposto no art. 738º, n. 1, alínea a) do Código de Processo Civil, são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
Para efeitos de apuramento da parte líquida, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios – n. 2 do mesmo preceito legal.
A impenhorabilidade tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data da apreensão, e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional – n.º 3 do mesmo preceito legal.
Ora, o Executado dispõe de uma remuneração mensal líquida para os efeitos supra referidos de 1.528,50€.
Considerando que a composição monofamiliar do seu agregado e os referidos encargos, afigura-se-nos adequado reduzir para 1/5 (um quinto) a penhora que incide sobre o seu rendimento mensal pelo período de 2 anos, assim se garantindo, por um lado o pagamento da quantia exequenda, ainda que de forma gradual e, por outro, evitando-se também colocar o Executado, de momento, em situação suscetível de o privar de bens de primeira necessidade.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 738º, n. 6 do Código de Processo Civil, reduzo, pelo período de um ano, para 1/5 (um quinto), a penhora efetuada no rendimento mensal do Executado.
Notifique e informe-se a respetiva entidade patronal e a Srª. Solicitadora de Execução.»;
6. Por despacho de 12/07/2023 foi rectificado o despacho recorrido, passando a ler-se, no dispositivo, “... reduzo, pelo período de dois anos, para 1/5 (um quinto), a penhora efetuada no rendimento mensal do Executado”, onde se lia “… reduzo, pelo período de um ano (…)”;
7. Em 29/10/2012 foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais relativo ao menor BB, filho do executado, acordo composto, além do mais, pelas seguintes cláusulas:
«Cláusula 1ª
- 1.1. – Fixa-se a residência do menor, a de cada um dos progenitores, alternadamente, nos seguintes termos:
- O menor passará uma semana em casa de cada progenitor, alternadamente, desde as 19.00h de domingo até às 19.00h do domingo seguinte.
- Na semana em que está com um progenitor, jantará e pernoitará à quarta-feira com o outro progenitor.
- 1.2. – A residência do menor, para os efeitos legais/oficiais, será a do progenitor.
(…)
Cláusula 6ª (Alimentos e forma de os prestar)
- 6.1. – O progenitor contribuirá com a quantia mensal de 170,00€ (cento e setenta Euros), a título de pensão de alimentos, a favor do menor, até ao dia 08 de cada mês, por meio de transferência bancária para a conta com o NIB que a progenitora indicar.
- 6.2. – O valor da pensão de alimentos será actualizado anualmente, no mês de janeiro, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE, com início em 2014.
- 6.3. – As despesas com o ATL do menor, que actualmente se cifram em €166,00 (cento e sessenta e seis euros mensais), serão suportadas pelo progenitor.
- 6.4. – As despesas médicas e medicamentosas, bem como as despesas escolares (livros e material escolar) do menor serão suportadas integralmente pelo progenitor.
- 6.5. – Logo que a progenitora se consiga empregar, as despesas médicas, medicamentosas e escolares serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais.
(…)»;
8. Em 2023 o executado auferia o vencimento base de €2.050,00, acrescido de subsídio de alimentação diário no valor de €8,00, descontando € 448,00 a título de retenção na fonte de IRS e €225,50 para a Segurança Social;
9. Após o desconto do valor penhorado, no montante de €509,50, o valor a receber efectivamente pelo executado no mês de Fevereiro de 2023 foi de €1.019,00;
10. Em 2021 o valor da renda da casa da habitação do executado era de €675,00;
11. No ano de 2021 o executado declarou, em sede de IRS, o pagamento de pensões de alimentos no valor de € 4.032,00, de rendas de casa no valor de € 8.100,00 e despesas de saúde no valor de € 282,37;
12. No ano de 2022 o executado declarou, em sede de IRS, o pagamento de pensões de alimentos no valor de € 4.032,00, de rendas de casa no valor de € 8.100,00 e despesas de saúde no valor de € 1.119,64;
13. Em 2023 o executado tinha despesas mensais com a electricidade de € 84,67, com a água de € 22,86 e com internet, televisão e telefone de € 33,21;
14. A execução tem como título executivo uma livrança no montante de €26.614,53, sendo o crédito exequendo peticionado de €26.712,95 (capital e juros moratórios vencidos até 12/09/2022), mais juros moratórios vincendos;
15. Para além da penhora de 1/3 do vencimento do executado, encontra-se também penhorado nos autos o direito de crédito de reembolso de IRS do executado perante a AT-Autoridade Tributária Aduaneira, no valor de € 1.173,96 (auto de penhora de 16/05/2023).
Vejamos.
Nos termos do art. 738º, nº 6, do C.P.C., ponderados o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do executado e do seu agregado familiar, pode o juiz, excepcionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a um ano, isentá-los de penhora.
Constitui esta norma uma cláusula de salvaguarda, destinada a acautelar as necessidades básicas, a subsistência, do executado e das pessoas que compõem o seu agregado familiar. E já não “proporcionar ao executado o estilo de vida que teria se não fosse a penhora”, posto que o objectivo é “obviar a situações em que a adequação legal” da norma geral do nº 1 do mesmo artigo “não salvaguarda a sua sobrevivência digna” (cfr. Ac. da R.C. de 14/02/2006, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 3550/05).
“O tribunal deve proceder a um juízo de ponderação entre o interesse do credor na satisfação do seu crédito e as necessidades de subsistência do executado e do seu agregado familiar, sendo certo que, nesse juízo de ponderação, só deverá decidir pela redução ou pela isenção de penhora quando conclua pela existência de circunstâncias “excecionais” que justifiquem essa decisão. Isto porque o processo executivo encontra-se formatado para permitir, de forma célere e eficaz, a “realização coativa” de uma prestação que é devida ao credor, tendo por base um título executivo do qual resulta o reconhecimento da obrigação pelo devedor. Daí que, no confronto entre os interesses conflituantes do exequente e do executado, quanto à maior ou menor celeridade na realização coativa da prestação devida, só em casos excecionais o interesse do exequente deverá ceder perante o interesse do executado” (Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 5ª ed., págs. 352 e 353) – deve, pois, resultar que as necessidades do executado e do seu agregado familiar “merecem sobrepor-se ao interesse do credor na satisfação do seu crédito” (Ac. da R.G. de 11/07/2017, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 17/14.8TBCBT-C.G1).
Assim, há que tentar “alcançar-se um equilíbrio justo entre o direito do credor à satisfação do seu crédito e o direito do devedor à garantia de um mínimo de subsistência própria e do seu agregado familiar” (Ac. da R.P. de 17/12/2008, publicado no mesmo sítio da Internet, com o nº de proc. 0826372), até porque “a satisfação do interesse do credor (embora mitigado ou o possa ser, com a possibilidade conferida ao devedor, pelo dispositivo em análise), também tem guarida constitucional, ao fazer parte da tutela da propriedade privada, tal como decorre do disposto no artigo 62.º, n.º 1, da CRP” (Ac. da R.C. de 20/10/2015, publicado no mesmo local, com o nº de proc. 160/08.2TBCTB-A.C1).
Portanto, além do direito fundamental ao recebimento de um rendimento que garanta uma sobrevivência condigna, “há que ter em consideração também o direito do credor exequente a ver realizado o seu direito (…). Dessa colisão ou conflito entre os dois direitos, o legislador só optou pelo sacrifício do direito do credor na medida do necessário, isto é, quando a realização do mesmo ponha em causa a sobrevivência ou subsistência do devedor”, ao qual “também compete o dever de fazer o sacrifício de cortar nas suas despesas e o dever de procurar aumentar as suas receitas, tanto quanto possível, por forma a poder honrar os seus compromissos, que é algo que também está contemplado no âmbito da dignidade humana, que não se rege, apenas, por critérios materialistas ou economicistas” (Ac. da R.L. de 18/05/2010, publicado no mesmo sítio da Internet, com o nº de proc. 316-D/199.L1-7).
Além do mais, “dado a natureza excepcional desta intervenção correctiva, as necessidades do executado devem ser ponderadas por um critério que apele ao “padrão de consumo normal” de um homem comum em idênticas circunstâncias (de rendimento, agregado, local de habitação, etc…). Gastos em vício ou que extravasem desse padrão normal de consumo, demonstrativos de um excessivo consumo para os rendimentos disponíveis (Ex: excessivo e injustificado consumo de serviços telefónicos) exigem antes do executado que adapte o seu padrão de consumo de molde a poder cumprir com a obrigações assumidas, designadamente as exequendas” (Ac. da R.G. de 31/01/2008, com o nº de proc. 2721/07-1, publicado no mesmo local).
No caso concreto, verifica-se que o crédito exequendo é no valor de € 26.712,95, a que acrescem os juros moratórios vincendos (de acordo com o cálculo efectuado pelo agente de execução, ascende a € 29.384,25, o montante da dívida exequenda mais despesas prováveis – cfr. cálculo constante dos autos de penhora de 03/03/2023 e de 16/05/2023), e que o título executivo é uma livrança, tratando-se, pois, de uma obrigação cambiária, nada mais se sabendo acerca da dívida exequenda – numa situação semelhante, aduziu-se no Ac. da R.L. de 03/12/2009, publicado no mesmo sítio da Internet, com o nº de proc. 4028/09.7TVLSB-A.L1-2, que “nada se provou quanto à dívida exequenda (que é uma obrigação cambiária) que determine uma especial protecção do interesse da exequente”.
Por outro lado, quanto às necessidades do executado e do seu agregado familiar resulta, dos factos elencados, que o mesmo tem a guarda partilhada do seu filho menor, que reside semana sim, semana não, em casa do pai, sendo até a residência deste a residência do menor para os efeitos legais/oficiais (portanto, não se trata de um agregado “monofamiliar”, ao contrário do referido na decisão recorrida), que, para além disso, aquele ainda paga à mãe do menor, a título de alimentos para este, a quantia mensal de € 170,00, para além de suportar despesas com ATL e pelo menos metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares.
Resulta ainda que a título de renda de casa da habitação onde reside (que o executado refere ser um apartamento T2 nas alegações de recurso) o executado paga a quantia mensal de € 675,00, a qual não se pode considerar elevada, considerando os actuais preços dos arrendamentos na cidade de Vila Nova de Gaia, não se afigurando razoável exigir que aquele considerasse arrendar um apartamento mais barato. Desde logo porque não existirão apartamentos mais baratos no mercado de arrendamento em Vila Nova de Gaia (ao contrário do que se afirma na decisão recorrida) – basta uma consulta ao site “idealista” para verificar que na mesma freguesia onde reside o executado são muito poucos os apartamentos T2 com renda mensal inferior a € 1.000,00 e a renda mais barata que se encontra é de € 780,00/mês – e, por outro lado, porque tendo o executado a guarda partilhada do seu filho, que reside com ele semana sim, semana não, sendo actualmente adolescente/jovem (a regulação das responsabilidades parentais remonta ao ano de 2012), é de todo conveniente que o menor tenha um quarto só para ele, ou seja que o apartamento onde residem seja um T2.
E que as despesas mensais com electricidade, com água e com internet, televisão e telefone são de € 140,74, a que acrescem as normais despesas correntes com alimentação, vestuário e saúde (as “despesas mensais, comuns a qualquer agregado familiar, como sendo o gás, alimentação, vestuário, despesas de saúde e medicamentosas”, “muito embora não se encontrem suportadas por documentos, qualquer cidadão sabe que têm de forçosamente existir e, como tal, serem consideradas” – cfr. Ac. da R.L. de 26/06/2012, com o nº de proc. 3306/05.9YYLSB-B.L1-7, publicado no mesmo local) – note-se que também não se pode exigir que o executado deixe de usar a internet, porque as exigências da vida actual não permitem dela prescindir, incluindo para tarefas escolares do seu filho.
Ou seja, considerando o rendimento líquido do executado, o montante a que corresponde a penhora de 1/3 no vencimento e as despesas quantificadas daquele, verifica-se que o rendimento mensal que lhe resta é de cerca de € 33,00, o que é obviamente insuficiente para as restantes despesas correntes referidas, desde logo com alimentação.
Justifica-se, pois, a redução da penhora no caso.
Já assim se não entende quanto à isenção de penhora, na medida em que esta apenas pode ter lugar durante um ano, pelo que apenas faz sentido a sua aplicação quando se está perante uma situação temporária, de insuficiência económica transitória, que seja previsível que ao fim daquele ano esteja debelada. Não sendo esse o caso, mostrando-se “relativamente estável (sem perspectiva de mudança no período de um ano)”, não há razão para a referida isenção (Ac. da R.G. de 31/01/2008, já citado), devendo, nesse caso, “preferir-se a redução por período considerado razoável da parte penhorável” (Ac. da R.L. de 13/07/2021, com o nº de proc. 1556/18.7T8SNT-B.L1-7, publicado no mesmo local).
Ademais, a isenção de penhora “justifica-se em situações limite de sobrevivência com dignidade” (Ac. da R.L. de 14/05/2009, com o nº de proc. 7137/04.5YYLSB-D.L1-8, publicado no mesmo local), “quando da penhora do vencimento, mesmo em montante inferior a 1/6, resulte um rendimento disponível inferior ao salário mínimo nacional” (Ac. da R.L. de 03/12/2009, com o nº de proc. 4028/09.7TVLSB-A.L1-2, publicado no mesmo local), o que não é o caso, posto que, como se viu, o rendimento disponível do executado, após a penhora, é superior (embora não muito) ao salário mínimo nacional (quer ao valor de 2023, quer ao valor de 2024) e aquele consegue manter o pagamento da renda de casa, da prestação de alimentos do filho e das despesas fixas da habitação, ainda que com maior sacrifício (mas justificado pelo seu dever de solver a dívida que contraiu).
Portanto, é de reduzir a penhora no caso. Na decisão recorrida entendeu-se reduzir a penhora para 1/5 pelo período de dois anos. O executado defende que a redução deve ser para 1/6 pelo período que durar a penhora.
Perante tudo quanto se disse supra, afigura-se-nos razoável que a penhora seja reduzida para 1/6, como pretende o recorrente. Com efeito, nesse caso, o rendimento mensal que lhe resta, após o pagamento das despesas quantificadas, passa a cerca de € 288,00, o que já se mostra mais consentâneo para assegurar as despesas de alimentação, vestuário e saúde, bem como as restantes despesas do menor que o recorrente suporta para além da prestação alimentar.
Quanto ao período durante o qual se há-de manter a redução da penhora, afigura-se excessivo fixar o pretendido pelo recorrente, uma vez que, nesse caso, mesmo considerando o montante penhorado a título de crédito de reembolso de IRS do executado, tal implicaria que a totalidade do pagamento da quantia exequenda demoraria cerca de nove anos e seis meses (com a penhora de 1/3, essa demora seria de cerca de quatro anos e oito meses). Assim, ponderando todas as circunstâncias e considerando um período intermédio de demora do pagamento total, conciliando desta forma os interesses de credor e devedor, entendemos como adequado que a redução ocorra pelo período de três anos (o que, em circunstâncias normais, voltando a penhora a ser de 1/3 após esse período, determina um total de cerca de seis anos e dois meses para o crédito ser pago na totalidade).
Em jeito de conclusão, e como se diz no Ac. da R.L. de 08/02/2018, com o nº de proc. 666/14.4T8ALM-C.L1, publicado em https://www.pgdlisboa.pt/jurel, “se a apelante tem uma dívida é porque a contraiu sendo que o seu credor tem de ver satisfeito o seu crédito”, não obstante, “ao devedor não se pode impor uma luta diária para sobreviver, e mal, e dos credores espera-se que sejam ponderados na concessão dos créditos”.
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Em face do resultado do tratamento da questão analisada, é de concluir pela obtenção parcial de provimento do recurso interposto pelo executado e pela consequente alteração da decisão recorrida na parte em que reduziu a penhora a 1/5 pelo período de dois anos, determinando-se a redução da penhora para 1/6 pelo período de três anos.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em:
- conceder parcial provimento ao recurso, alterando-se a decisão recorrida na parte em que reduz, pelo período de dois anos, para um quinto, a penhora efetuada no rendimento mensal do executado, determinando-se a redução dessa mesma penhora para um sexto, pelo período de três anos;
- no mais, negar provimento ao recurso.
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Custas da apelação pelo recorrente na proporção do seu decaimento, que, tendo em conta o resultado do recurso, se considera ter ocorrido na proporção de 1/3 (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente


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Porto, 7/3/2024
Isabel Ferreira
António Paulo Vasconcelos
Paulo Dias da Silva