Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14488/22.5T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP2024021914488/22.5T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Em caso de vencimento antecipado de quotas de amortização, o prazo de prescrição de cinco anos do art. 310.º, alínea e), do Código Civil conta-se desde a data do vencimento antecipado e em relação a todas as prestações/a todas as quotas antecipadamente vencidas, tal como se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 30 de Junho de 2022, proc. n.º 1736719.8T8AGD-B.P1.S1.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 14488/22.5T8PRT-A.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Execução do Porto-J1
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Drª Maria Fernandes de Almeida
2º Adjunto Des. Drª Eugénia Marinho da Cunha
Sumário:
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I-RELATÓRIO
Por apenso à execução que lhe move a A..., S.A. veio a embargante executada, AA, deduzir os presentes embargos de executado, invocando, para alem do mais, a prescrição, da divida exequenda.
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Recebidos liminarmente os embargos foi a exequente notificada para os contestar o que fez, pugnando pela sua improcedência.
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Porque os autos já continham todos os elementos para o conhecimento do seu mérito foi proferido o despacho saneador sentença que, julgando procedente a exceção da prescrição invocada pela embargante, julgou extinta a execução.
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Não se conformando com o assim decidido veio a embargante interpor recurso, rematando com as seguintes conclusões:
I. O tribunal a quo julgou procedente a exceção perentória da prescrição da dívida exequenda.
II. No dia 27-08-2010, foi celebrado o contrato de mútuo, em que foi concedido à Executada, a título de empréstimo, a quantia €17.000,00 (dezassete mil euros).
III. Porém, apenas foram pagas pelos Executados as prestações que se venceram até 09-05-2012, deixando de ser pagas as prestações vencidas, posteriormente, o que resultou no vencimento imediato da dívida, nos termos do artigo 781.º do Código Civil.
IV. Materializando-se o incumprimento definitivo do contrato, pode o credor considerar vencida a totalidade da dívida e, subsequentemente, resolver o contrato.
V. Assim e resolvido o contrato subjacente, com base no incumprimento definitivo já não estamos perante pagamentos de capitais e juros fracionados no tempo, mas sim na exigência da totalidade do valor em dívida.
VI. Neste sentido, veja-se o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 6195/06.2TVLSB.C1, de 01/04/2009, disponível em www.dgsi.pt, “Quanto à exigibilidade imediata de todas as prestações, ela pode verificar-se logo que uma delas não seja cumprida.”
VII. Conforme dispõe o artigo 781.º do CC, no caso sub judice, não estamos perante quotas de amortização de capital pagáveis com juros, na medida em que o contrato já não se encontra em mora, mas sim incumprido definitivamente.
VIII. Nesta esteira de pensamento, diz-nos o Acórdão da Relação do Porto de 21-01-2022, Processo nº 22815/19.6T8PRT-A.P1: “II -Resolvido o contrato de mútuo, o mutuante podia exigir à mutuária a restituição do capital que lhe entregou por força desse contrato, mais exatamente, o montante do capital que estivesse em dívida nesse momento, bem como os juros de mora e os encargos. III –Deixando de existir o plano de pagamento escalonado que mutuante e mutuária ajustaram entre si, não pode já falar-se em prestações periodicamente renováveis de capital e juros, a pagar conjuntamente, que justifica o, regime prescricional do artigo 310.º, al. e), do Código Civil; IV -O crédito de capital mutuado (o valor que está em dívida) assume, então, a sua natureza original (obrigação unitária de restituição do tantundem) e fica sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos.”
IX. Desmanchada a união anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de dívida de juros ao mesmo prazo de prescrição.
X. Veja-se ainda neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do Processo N.º 525/14.0TBMGR-A.C1, Relator Maria João Areias, (…)“No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objeto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º, do CC. Se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos (…)”
XI. Note-se que, o caso dos autos é um contrato de mútuo e não um contrato que obrigue a uma prestação que regularmente se renova, como é o caso, por exemplo, dos pagamentos de rendas locatárias.
XII. Contrariamente ao exposto na douta sentença, não estamos aqui perante quotas de amortização do capital pagável com juros, na medida em que o contrato já não se encontra em mora, mas sim incumprido definitivamente.
XIII. Citando Ana Filipa Antunes: “anotando o art. 310º, refere que o prazo curto de prescrição se justifica por estarem em causa prestações periódicas, mas “este prazo vale para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo” (Prescrição e Caducidade, pág.79).
XIV. Assim, “o vencimento imediato das prestações restantes, significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações: desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. Desfeita a ligação anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional: os juros que se forem vencendo prescreverão no prazo de cinco anos, e o capital, (…) encontrar-se-á sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.” – vide Acórdão da Relação de Guimarães, Processo nº 589/15.0T8VNF-A.G1, de 16/3/2017.
XV. Escreve ainda I. Galvão Telles que as «prestações periódicas resolvem-se em atos sucessivos (…) como a obrigação do inquilino de pagar as rendas ou a do fornecedor de fazer entregas à medida que forem solicitadas. Não se confunde com esta última categoria o caso de uma obrigação única dividida ou fracionada em parcelas. Existe então uma prestação global que é efetuada por partes, escalonadas no tempo, as quais se dizem “prestações” num sentido especial da palavra. Pode apontar-se como exemplo uma venda a prestações ou um empréstimo de dinheiro em que se convencione o pagamento parcelado» (Direito das Obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pp. 39-40).
XVI. Nestes termos, a prestação periódica e o pagamento em prestações são coisas distintas sendo diferentes os regimes de incumprimento em cada uma delas.
XVII. Sendo que, em caso de incumprimento das prestações periódicas, se o devedor não cumprir, o credor pode pedir a sua condenação no pagamento das prestações já vencidas assim como as que, entretanto, se vencerem, enquanto perdurar ou subsistir a relação subjacente.
XVIII. Ao contrário das prestações fracionadas, como é o caso, em que o credor poderá exigir o pagamento de todas as restantes, conforme dispõe o artigo 781.º do CC, sendo que a falta de realização de uma prestação importa o vencimento das demais.
XIX. Assim e no caso sub judice, foi peticionado o pagamento do capital acrescido de juros moratórios.
XX. Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2018, Processo 627/16.9T8ABT-A.E1 (disponível em http://www.dgsi.pt): “A circunstância do não pagamento de uma prestação origina o imediato vencimento das demais, nos termos do art.º 781.º. A partir do momento em que uma prestação não é paga, não podemos mais falar em prestações; apenas podemos falar em dívida. É que já não há prestações a pagar.
O citado preceito legal é fundamental para permitir distinguir as (1.º) prestações (2.º) da dívida resultante do incumprimento de uma delas. A falta de pagamento de uma implica o vencimento imediato de todas. A partir do momento em que o devedor falha o pagamento de uma, ele não deve mais prestações-seja com juros ou sem juros. A partir do dito momento, o devedor só deve o capital, acrescido dos respetivos juros moratórios. O caso não é, pois, de prestações em dívida.”
XXI. Assim sendo, entende-se que à dívida dos autos se aplica o art.º 309.º - prazo ordinário de 20 anos - e não o art.º 310.º do CC, uma vez que o que está aqui em causa é apenas uma dívida de capital (assim convertida pela perda do benefício do prazo).
XXII. Ainda neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12-04-2018, Processo 2483/15.5T8ENT-A.E1, (disponível em http://www.dgsi.pt): “No entanto, constituindo cada uma dessas prestações uma obrigação autónoma, que se vence num determinado termo, tal implica, tão só, que o prazo curto de prescrição é aplicável a cada uma delas, e não à dívida global – de resto, nem faria sentido ponderar a prescrição de prestações nem sequer vencidas, como sucede no caso dos autos, em que o plano de pagamento em prestações acordado abrange um período de 40 anos, i.e., até ao ano de 2045.
XXIII. Acresce ainda, que o art.º 306.º, n.º 2, do Código Civil estipula que a prescrição de direitos sujeitos a termo inicial só começa depois do termo se vencer, acrescentando o art.º 307.º, quanto às prestações periódicas, que a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.
O vencimento imediato das prestações restantes imposto pelo art.º 781.º do Código Civil, tornando o capital imediatamente exigível e assim fazendo cessar o regime de pagamentos conjuntos de capital e juros que justificava o prazo curto de prescrição a que se refere o artº. 310.º, al. e), implica que a dívida de capital fique sujeita, apenas, ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.”
XXIV. Assim, entende-se que a dívida em apreço não se encontra prescrita, por não terem decorrido 20 anos desde a data do incumprimento do contrato (2012).
XXV. E, seguramente por tudo o que vai exposto em todos os pontos das presentes Alegações, não deixará este Venerando Tribunal de deliberar pela alteração decisão recorrida, e assim concedendo provimento ao presente Recurso.
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Devidamente notificada contra-alegou a embargante concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se se verifica, ou não, a exceção da prescrição do crédito exequendo.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provada pelo tribunal recorrido:
1.A. exequente, A..., S.A. intentou a execução a que estes autos se encontram apensos contra a executada, em 19.8.2022, arrogando-se portadora de uma livrança, que apresentou à execução, e que é a seguinte:


2. E no requerimento executivo invocou o seguinte:
I – Da Cessão de Créditos:
1. A B..., S.A.R.L., sociedade de responsabilidade limitada (société à responsabilité limitée), constituída ao abrigo das leis do Luxemburgo, com sede em Rue ..., ... Luxemburgo, registada no Registo Comercial e das Sociedades do Luxemburgo sob o n.º ..., ora Exequente, celebrou com o Banco 1..., S.A. um Contrato de Cessão de Créditos, em 22 de Dezembro de 2018, mediante o qual a referida entidade cedeu diversos créditos, bem como, todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os ora Executados;
2. O Banco 1..., S.A. foi constituído por deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal lavradas em atas de reuniões extraordinárias de 3 e 11 de Agosto de 2014, nos termos do n.º 5 do artigo 145º-G do RGICSF, usando número de pessoa coletiva ..., registado na Conservatória de Registo Comercial conforme certidão permanente com o código de acesso ..., e cujo objeto social consiste na "Administração de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco 2..., S.A. para o Banco 1..., S.A., e desenvolvimento das atividades transferidas enunciadas no artigo 145º - A do RGICSF e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito";
3. Operou-se a favor do Banco 1..., S.A., nos termos da supras referidas atas, a transferência de direitos (e ativos) e obrigações do Banco 2..., S.A. a favor deste banco de transição que, para os devidos efeitos legais e contratuais, sucedeu ex lege nos direitos (e ativos) e obrigações daquele mais ficando investido na posição de credor de cada um dos créditos anteriormente detidos pelo Banco 2..., S.A.
4. Por sua vez, por contrato de cessão de créditos celebrado em 03 de abril de 2020, a Sociedade B..., S.À.R.L cedeu à Sociedade A.., S.A., diversos créditos, bem como todas as garantias e acessórios a ele inerentes, cfr. Doc. n.º 1 que se junta e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
II – Dos Créditos:
Livrança subscrita no âmbito do contrato de Crédito ao Consumo Banco 2... n.º ... - N.º ...;
4. O Exequente é dono e legítimo portador de uma livrança preenchida pelo montante de €45.818,95 (quarenta e cinco mil e oitocentos e dezoito euros e noventa e cinco cêntimos) quarenta e cinco mil e oitocentos e dezoito euros e noventa e cinco cêntimos) que se junta como DOC. N.º 2 e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido para todos efeitos legais;
5. A referida livrança subscrita por AA, ora Executada, vencida em 03.08.2022;
6. Tal livrança foi subscrita para garantia da boa execução do contrato de Crédito ao Consumo Banco 2... n.º ...-N.º ..., celebrado entre o então Banco 2..., S.A. e o Executado em 27.08.2010, com a finalidade de crédito ao consumo;
7. Atendendo ao vencimento do contrato por incumprimento definitivo e respetiva mora, o Exequente procedeu ao preenchimento da livrança, no montante total de € 45.818,95, e com data de vencimento em 03.08.2022;
8. Desse preenchimento e da data de vencimento foi dado conhecimento ao Executado, através de cartas de interpelação datadas de 19.07.2022 (cf. DOC. N.º 3 que ora se junta e se tem por integralmente reproduzido);
9. No entanto, o Exequente não obteve qualquer resposta do Executado, no sentido de ser a dívida liquidada;
10. Acrescendo que, apresentado a pagamento na data e local do seu vencimento, o título em causa não foi pago pelo Executado, como era seu dever e obrigação, não obstante todas as diligências do Exequente;
11. E o pagamento não se presume;
12. Assim, é a ora Executada devedor do Exequente do montante vencido de € 45.818,95, ao qual acrescem juros de mora à taxa de 4% contabilizados, desde a data de apresentação da livrança a pagamento até à presente data e ainda juros legais vincendos até integral e efetivo pagamento;
13. Tudo perfazendo um total em dívida de € 45.900,41 de que é credor o Exequente;
14. A referida livrança constitui título executivo bastante, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, sendo certo, líquida e exigível a dívida dele constante;
3. Em 27-08-2010, a Embargante e o então credor Banco 2..., S.A, celebraram um contrato de crédito ao consumo no valor total de € 17.000,00 (dezassete mil euros) nos termos constantes do documento junto com a contestação como documento n.º 1, e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
4. Sendo que nos termos desse contrato, para garantia do bom cumprimento das responsabilidades assumidas, a Embargante subscreveu e entregou ao Banco uma livrança, cujo montante e data de vencimento se encontravam em branco, para que o Banco os fixasse na data que julgasse conveniente e pelo montante correspondente ao saldo em divida, pois assim foi dada autorização pela Embargada a “(...) preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o cliente lhe deva ao abrigo do contrato.”
5. Invoca ainda a exequente, que a livrança foi preenchia e dada à execução, porque a mutuária, aqui executado, não pagou a prestação a que respeita a esse credito, que se venceu a 9.5.2012, nem as que se venceram posteriormente.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se se verifica, ou não, a prescrição do crédito exequendo.
Importa, porém, antes de avançarmos na apreciação da referida exceção sublinhar que, não obstante o título dado à execução seja um titulo cambiário (livrança), a executada é subscritora da livrança e, como tal, encontrando-se no âmbito das relações imediatas é-lhe legitimo invocar a prescrição do crédito que integra a relação subjacente.
E por assim ser a questão da exceção da prescrição invocada pela embargante diz respeito da obrigação subjacente à emissão da livrança dada à execução (e não a prescrição da livrança), o contrato de mútuo.
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Isto dito, vejamos então se está prescrito o crédito exequendo como se decidiu na decisão recorrida, ou se pelo contrário, como defende a exequente, tal prescrição ainda não ocorreu.
A executada excecionou a prescrição, posição que o tribunal recorrido acolheu, por ter considerado aplicável o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do CCivil, o qual já tinha decorrido quando a execução foi instaurada.
No recurso a exequente/embargada defende que vencida a totalidade da dívida na sequência da interpelação dos devedores para efetuarem o pagamento–depois de terem deixado de pagar as prestações (art. 781.º do Código Civil)–ficou desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado tendo os valores em dívida voltado a assumir a sua natureza original de capital e juros. Assim, acrescenta, o crédito exequendo não é relativo a qualquer quota de amortização, mas sim à globalidade do capital em dívida, acrescida dos juros de mora.
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Em geral, a controvérsia em torno da aplicação do art.º 310.º, alínea e), do Código Civil polarizou-se em torno de duas teses fundamentais: da tese de que, em consequência do vencimento imediato de todas as prestações, deve continuar a aplicar-se o prazo de cinco anos do art.º 310.º do Código Civil a todas as quotas vencidas; da tese de que, em consequência do vencimento imediato de todas as prestações, deve deixar-se de lado o prazo de cinco anos do art.º 310.º e aplicar-se o prazo ordinário de prescrição de 20 anos do art.º 309.º .[1]
O Supremo Tribunal de Justiça tem adotado, constantemente, o critério proposto pela primeira tese-pela tese de que, em consequência do vencimento imediato de todas as prestações, deve continuar a aplicar-se o prazo de cinco anos do art.º 310.º do Código Civil a todas as quotas vencidas: “—apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fracionado em prestações,—a circunstância de a amortização fracionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição”.[2]
Explicando por que é que deve continuar a aplicar-se o prazo de cinco anos do art.º 310.º do Código Civil a todas as quotas vencidas, diz-se que o vencimento antecipado de todas as prestações, em consequência de “patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato[3], não deve alterar o prazo de prescrição[4]-e, em particular, não deve fazer com que o prazo de prescrição deixe de ser de cinco anos e passe a ser de 20 anos.
Como se diz, no acórdão do STJ de 26 de janeiro de 2021-processo n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2:[5]
II. — […] o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do art. 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital.
III. — De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do art. 310.º, als. d) e) do CC-de cinco anos a contar do respetivo vencimento.
IV. — O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em ‘nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”.
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Acontece que, o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça[6], chamado a pronunciar-se sobre a questão em sede de julgamento ampliado de revista, uniformizou a jurisprudência no sentido de que:
I. — No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II. — Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”.
Orientação jurisprudencial que veio a corresponder à que era largamente dominante no STJ e que atrás se deu nota, tendo sido também esse o sentido da decisão recorrida, o que significa a total improcedência do recurso.
Efetivamente, tal como se diz na decisão recorrida, as prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir maio de 2012 (cfr. ponto 5. os factos provados).
Assim, a partir desta data venceram-se todas as prestações acordadas, nos termos do art.º 781º, do C. Civil, uma vez que não foi acordado regime diferente do referido neste preceito.
Ora, tendo a execução a que estes autos estão apensos dado entrada em juízo em 22/07/2022, nessa data, já haviam decorrido mais de 5 anos sobre o vencimento da última prestação que a recorrida/embargante e mutuária se obrigara a pagar, pelo que o crédito relativo a todas as prestações que integravam esse crédito se encontravam  prescritas.[7]
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Reitera-se, assim, o entendimento definido no acórdão de uniformização de jurisprudência de 30 de junho do corrente ano.
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Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pelo apelante/embargada e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela embargada/exequente (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 19 de fevereiro de 2024.
Manuel Domingos Fernandes
Fernandes Almeida
Eugénia Cunha
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[1] Como preconiza, aparentemente, António Menezes Cordeiro, anotação ao art.º 310.º, in: António Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil comentado, vol. I-Parte geral, cit., págs. 892-893: “pode suceder que, por força do contrato, o não pagamento de uma prestação provoque o vencimento das restantes; pois bem: a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamentos inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que, na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de… quotas de amortização”.
[2] Cf. acórdão do STJ de 29 de setembro de 2016-processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1.
[3] Expressão do acórdão do STJ de 12 de novembro de 2020-processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1.
[4] Cf. acórdãos do STJ de 25 de maio de 2017-processo n.º 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2-, de 18 de outubro de 2018-processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1-, de 23 de janeiro de 2020-processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 -, de 10 de setembro de 2020-processo n.º 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1-, de 3 de novembro de 2020- processo n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1-, de 12 de novembro de 2020- processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1-, de 14 de janeiro de 2021-processo n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1-ou de 26 de janeiro de 2021- processo n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2.
[5] Consultável em www.dgsi.pt..
[6] Acórdão do STJ de 30 de junho de 2022-processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, publicado no DR nº 128/2022, série 1, de 2022/09/22.
[7] Tal como se decidiu, nos acórdãos de 12 de julho de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 373/20.T8OVR-A.P1.S1, já citado, de 15 de setembro de 2022, www.dgsi.pt, pro. n.º 83/21.0T8PDL-A.L1.S1. de 29 de setembro de 2022, www.dgsi.pt, proc. 1895/20.7T8OVR-A.P1.S1, de 11 de outubro de 2022, ww.dgsi.pt, proc. n.º 27376/18.0T8LSB-A.L1.S1.