Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4706/18.0T8VNG.P3
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
MEIO DE PROVA
VERIFICAÇÃO NÃO JUDICIAL QUALIFICADA
Nº do Documento: RP202402084706/18.0T8VNG.P3
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - nulidade da sentença a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil apenas se verifica quando se constate que os fundamentos de facto e/ou de direito da sentença não podiam logicamente conduzir à decisão que veio a ser tomada no segmento decisório da sentença ou quando neste se verifica uma obscuridade ou ambiguidade que torna a própria decisão ininteligível, não se estando aqui o legislador a referir à decisão da matéria de facto.
II - Com efeito, quando esta última seja deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando se mostre indispensável a sua ampliação quanto a determinados factos ou quando não esteja tal decisão devidamente fundamentada sobre factos essenciais para o julgamento da causa, não é caso para arguição da nulidade da sentença, antes para a impugnação da decisão da matéria de facto e sua modificação, que até pode ser oficiosamente determinada em certas situações, nos termos previstos nos artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil.
III - Ou seja, não determinam a nulidade da sentença as objecções que se traduzem na invocação de erros de julgamento de facto e de direito que, a verificarem-se, poderão determinar a modificação da decisão da matéria de facto e/ou a revogação (total ou parcial) da sentença.
IV - A linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes,
V - A verificação não judicial qualificada é um novo meio de prova, autónomo e diferenciado, sendo que a razão da sua existência é evitar a perda de tempo do juiz e de todo o séquito que o acompanha, e, assim e outrossim, evitar acrescidas despesas, por virtude da realização da inspecção judicial
VI - Permite-se, deste modo, que sejam averiguados com acrescida eficácia e fiabilidade factos que, não implicando o juízo científico que subjaz à prova pericial, possam ser melhor fixados ou esclarecidos por entidade isenta e imparcial e tecnicamente apetrechada, sendo intenção confessada a de evitar o recurso habitual à “falível prova testemunhal” e dispensar as inspecções judiciais que não sejam proporcionais ao relevo e natureza da matéria litigiosa.
VII - Atenta a sua natureza e valor, este meio probatório situa-se entre a prova pericial e a prova testemunhal, representando um misto dos dois, sendo certo que, no caso vertente, o Tribunal a quo determinou a sua realização, nomeando um técnico devidamente habilitado para o efeito, dado entender não ter conhecimento de natureza técnica que lhe permitisse percecionar a origem das infiltrações.
VIII - A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.
IX - À prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, máxime da prova testemunhal.
X - No caso vertente, a questão controvertida demanda conhecimentos especiais, envolvendo um juízo técnico, sendo que os juízos vertidos nos autos se complementam e daí a sua manifesta relevância.
XI - A nossa lei acolheu, no artigo 563.º do Código Civil, a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2023:4706/18.0T8VNG.P3

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
AA, residente na Praceta ..., Rés-do-Chão Esquerdo, ... Vila Nova de Gaia, veio instaurar acção declarativa, sob a forma de processo comum contra BB, residente na Rua ..., ... Valongo, CC, residente na Rua ..., n.º ..., 4º, Direito Frente, ... Valongo, DD, residente na Rua ..., ... Valongo, EE, residente na Rua ..., ... Valongo, onde concluiu pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de 5.675,15€ a título de danos patrimoniais, 5.000,00€ pela privação do uso e 3.000,00€ a título de danos morais, acrescido de juros legais desde a data da citação até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que é proprietária de uma fracção autónoma designada pela letra “M”, correspondente a um andar no rés-do-chão esquerdo do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, com entrada pela Praceta ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na conservatória do registo predial Vila Nova de Gaia sob o número ...-M.
Acrescentou, que as duas primeiras Rés são proprietárias de uma fracção autónoma designada pela letra “O”, localizado no primeiro andar esquerdo, com entrada pela Praceta ..., do prédio em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na conservatória do registo predial competente sob o número ...-O.
Mais alegou, que o terceiro e quarto Réus sempre se apresentaram como proprietários da fracção “O”, sendo certo que são usufrutuários.
Alegou, ainda, que no dia 1 de Outubro de 2015, apurou que o tecto da sua cozinha estava a ser alvo de infiltrações provenientes do primeiro andar esquerdo, sendo que no mesmo dia, contactou o réu DD, que se intitulava como proprietário da dita fracção, dando-lhe conta do sucedido, tendo, posteriormente, sido feitas diversas tentativas de contacto
no sentido de serem reparados os danos causados, sem sucesso.
Acrescentou, por fim, que as infiltrações ocorridas na cozinha da autora provocaram danos patrimoniais e não patrimoniais, que elenca e de que pretende ser ressarcida.
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Citados, os réus contestaram, invocando o abuso de direito e impugnando o demais alegado na petição inicial.
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Notificada, a autora respondeu.
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A audiência de discussão e julgamento realizou-se com observância do formalismo legal.
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Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou os réus a pagar à autora a quantia de € 3.900,00, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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Não se conformando com a decisão proferida, bem como com o despacho proferido na audiência de julgamento de 11/11/2019 em que foi indeferido a convocação do senhor perito para prestar esclarecimentos, os recorrentes BB, CC, DD e EE vieram interpor recurso de apelação.
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Por acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, foi revogado o despacho proferido na audiência de julgamento de 11/11/2019 em que se indeferiu a convocação do senhor perito para prestar esclarecimentos, determinando-se que a senhora Juiz a quo defira a comparência do senhor perito em audiência de julgamento para prestar os esclarecimentos solicitados, anulando-se todo o processado a partir daí, inclusive a sentença oportunamente proferida, com
as consequências legais.
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Em obediência ao determinado, o Tribunal a quo reabriu a audiência de julgamento e procedeu à diligência determinada.
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Foi proferida nova sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou os réus a pagar à autora a quantia de € 3.900,00, acrescida dos juros vencidos e dos vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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Não se conformando com a decisão proferida, os recorrentes BB, CC, DD e EE vieram interpor recurso de apelação.
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Por decisão sumária deste Tribunal da Relação foi decidido, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil, determinar a realização de uma perícia a incidir sobre a factualidade aí mencionada, anulando-se a decisão de facto e a sentença proferida.
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Realizada a perícia e após alegações foi proferida nova sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou os réus a pagar à autora a quantia de € 3.900,00, acrescida dos juros vencidos e dos vincendos desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
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Não se conformando com a decisão proferida, vieram os Réus BB, CC, DD e mulher EE interpor recurso de apelação, em cujas alegações concluem da seguinte forma:
I. Sobre os requisitos da sentença dispõe o n.º 3 e 4 do artigo 607.º do CPC, sendo que as alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC elencam as situações em que a lei comina com a nulidade da sentença

II. Na douta Sentença que ora se recorre, o Tribunal a quo colide na descrição da factualidade dada como provada, uma vez que dá como provados dois factos que são claramente contraditórios, nomeadamente, os constantes das alíneas C), G) e J)

III. A Mma Juiz a quo fez uma incorreta apreciação da prova, valorizando em demasia o teor da inspeção ao local em detrimento do relatório pericial efetuado que concluiu “a origem poderá ser em qualquer outra cozinha, ainda que com uma probabilidade muito inferior”, e não atendendo ao depoimento prestado pelas testemunhas dos Réus, que foram esclarecedoras mas não foram suficientemente valorados pelo tribunal a quo, daí o presente recurso.

IV. Deverá o Tribunal ad quem declarar nula a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos dos artigos 607.º n.º 4 e 615.º n.º 1 alínea c) do Código do Processo Civil.

V. Consideram os aqui Recorrentes que o Tribunal a quo, nos factos dados como provados, considerou factos de natureza meramente conclusiva, nomeadamente o facto provado sob as alíneas C) e J), que deverão ficar excluídos, considerando-se até como não escritos.

VI. Os aqui Recorrentes questionam a valoração dos meios de prova, nomeadamente da verificação não judicial qualificada, pois o referido meio de prova poderá ser utilizado sempre que seja legalmente admissível a inspeção judicial, desde que o juiz entenda que esta não se justifica, podendo delegar essa tarefa numa pessoa ou técnico para proceder aos atos de inspeção.

VII. Desses atos de inspeção resultará um relatório, de modo a relatar aquilo que fora inspecionado.

VIII. Fruto deste meio de prova, ficou apurado, de uma forma exaustiva, todos os problemas existentes na fração da aqui Recorrida, uma vez que o Técnico responsável pela realização do meio de prova referido identificou o problema, a causa, a solução, bem como todos os custos e tempos necessários para proceder à reparação.

IX. Ou seja, entendem os Recorrentes que o meio de prova designado pelo Tribunal a quo, foi extravasado na sua própria finalidade, que seria apenas uma mera e simples VERIFICAÇÃO.

X. Ora, as diligências levadas a cabo pelo Técnico configuram, no entender das aqui Recorrentes, uma verdadeira PROVA PERICIAL, e não apenas uma verificação não judicial qualificada.

XI. Devia assim, e de modo a cumprir com o objeto do meio de prova indicado pelo Tribunal a quo, verificar, apenas e só, se o imóvel em causa (fração dos AA.) apresentava ou não sinais de humidade.

XII. No entanto, tal não aconteceu, acabando a Mma juiz a quo por ultrapassar esse facto, acabando por decidir em função dos resultados apresentados pelo técnico, motivo pelo qual as Recorrentes se insurgem contra a Sentença proferida nestes autos.

XIII. Aliás, caso ocorresse uma inspeção ao local, naturalmente que seria efetuada por um Juiz, que apenas e só iria constatar se a fração dos Recorridos apresentava, ou não, vestígios de humidade. Sendo essa a verdadeira “missão” do Técnico designado para efetuar a verificação não judicial qualificada, isto é, verificar a existência, ou não, de sinais ou vestígios de humidade.

XIV. Como tal não aconteceu, as considerações manifestadas pelo Técnico responsável pelo meio de prova designado pelo Tribunal foram muito além disso, motivo pelo qual não devem ser consideradas, já que tal relatório extravasou a natureza do meio de prova em questão, assim como o seu objeto fundamental.

XV. no relatório pericial efetuado resultou que “a fuga ocorreu no circuito de abastecimento de água (à misturadora da cozinha e/ou das máquinas de lavar louça e/ou roupa) a uma das cozinhas sobrejacentes às visitadas”, e “a probabilidade de a fuga ter ocorrido na cozinha dos Réus é grande, mas o perito não pode afirmar perentoriamente que assim é, pois a origem poderá ser em qualquer outra cozinha, ainda que com uma probabilidade muito inferior”

XVI. Existe contradição entre os factos dados como provados sob as alíneas C), G) e J), pois se não existia qualquer infiltração na fração dos Recorrentes, como pode o mesmo Tribunal a quo dar como provado que as infiltrações na fração da Recorrida, derivam da rutura da rede hidráulica na fração dos Recorrentes?

XVII. O Tribunal a quo, limita-se a fazer uma mera reprodução daquilo que é referido
no relatório do Técnico responsável pela verificação não judicial qualificada.

XVIII. Tal relatório é contraditório em si mesmo e, além disso, extravasa a sua própria
finalidade, isto é, extravasa o fim do meio de prova a que está adstrito.

XIX. se no relatório pericial efetuado, que teve em consideração a consulta do projeto existente nos serviços da Câmara Municipal ... (o que não aconteceu aquando da realização da verificação judicial não qualificada), não foi possível ao Sr. Perito afirmar perentoriamente que a fuga ocorreu na fração dos Réus, podendo a mesma ter ocorrido em qualquer outra cozinha, não poderia a Mma Juiz a quo socorrer-se das regras da experiência e dar maior credibilidade à verificação judicial não qualificada do que ao relatório pericial elaborado nos autos.

XX. Se não foi efetuada qualquer intervenção na fração dos Recorrentes, quer antes, quer após o dia 1 de Outubro de 2015, seja de que natureza for, nenhuma justificação existe para que uma infiltração de água tão abundante que surgiu no teto da fração da Autora fosse proveniente da fração daqueles, sendo evidente que tais infiltrações surgiram de outro diferente local.

XXI. caso a infiltração em causa efetivamente tivesse origem na fração dos Recorrentes, nomeadamente numa rutura da rede de água e/ou saneamento da banca da cozinha sita no 1.º andar, nunca poderia a mesma ter sido eliminada e deixado de existir sem a realização de obras.

XXII. da conjugação dos depoimentos das testemunhas FF (que se encontra gravado no sistema de gravação h@bilus media studio no ficheiro 20190930103338_15210967_2871621: de 00:50 minutos a 04:05 minutos), GG (que se encontra gravado no sistema de gravação h@bilus media studio no ficheiro 20190930104053_15210967_2871621: de 01:12 minutos a 03:03 minutos) e HH (que se encontra gravado no sistema de gravação h@bilus media studio no ficheiro 20190930104500_15210967_2871621: 01:02 minutos a 12:15 minutos), do teor do relatório elaborado pelo perito no âmbito da verificação judicial não qualificada, e do relatório pericial, nunca deveriam ter sido dados como provados os factos constantes das alíneas C) e J)

XXIII. o tribunal fez uma errónea apreciação da prova produzida ao ter dado como provado o facto constante da alínea L), não relevando os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito II, que se encontra gravado no sistema de gravação h@bilus media studio no ficheiro 20210429091839_15210967_2871621: na audiência de julgamento realizada em 29 de Abril de 2021, de 35:31 minutos a 40:57 minutos, que referiu que poderia (e deveria) ter sido considerado um coeficiente de vetustez de 50%, e não de 40%.

XXIV. face à prova apresentada, não obteve a Mma. Juiz a quo meios probatórios claros e precisos, que lhe permitissem concluir da forma como concluiu.

XXV. Não poderia a Mma. Juiz a quo, perante as incertezas demonstradas no relatório pericial quanto à causa que provocou a infiltração, ter proferido sentença condenatória dos Réus, impondo-se a sua revogação.

XXVI. a douta sentença representa um claro erro na apreciação das provas, uma vez que a decisão proferida e aqui em discussão, surge de um meio de prova incorretamente utilizado (verificação judicial não qualificada), que motivou um relatório contraditório em si mesmo, levando a uma conclusão errada por parte do Meritíssimo Tribunal a quo com implicações diretas nos factos dados como provados aqui em evidencia, nomeadamente os constantes das alíneas C), J) e L).

XXVII. O Tribunal a quo não detinha meios probatórios claros e precisos que lhe permitissem decidir da forma como decidiu.

XXVIII. A decisão proferida surge através de um meio de prova incorretamente utilizado (verificação judicial não qualificada), que originou um relatório contraditório em si mesmo, e que levou a uma conclusão errada por parte do Meritíssimo Tribunal a quo refletindo-se diretamente nos factos dados como provados aqui em evidência, nomeadamente os constantes das alíneas C) e J).

XXIX. Os factos dados como provados e constantes das alíneas C) e J), terão que ser considerados como não provados e, consequentemente, serem os Recorrentes desresponsabilizados pelas supostas infiltrações que apareceram na fração da Recorrida;

XXX. Também no que concerne ao facto dado como provado na alínea L), nunca poderia o tribunal a quo considerar como provado que o custo da substituição dos móveis de cozinha, em novo, é de cerca de € 6.000,00, considerando que a vetustez e o uso é de € 3.600,00 pois, do depoimento do perito constatou-se ser possível considerar um coeficiente de vetustez de 50%.

XXXI. Razões pelas quais, deverá a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada pelo Tribunal ad quem, e, por conseguinte, ser proferida decisão que absolva as Recorrentes do pedido.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
a.A autora é proprietária de uma fração autónoma designada pela letra “M”, correspondente a um andar no rés-do-chão esquerdo do prédio em regime de propriedade horizontal, com entrada pela Praceta ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na conservatória do registo predial de Vila Nova de Gaia sob o número ...-M.
b. As duas primeiras rés são proprietárias de uma fração autónoma designada pela letra “O”, localizada no primeiro andar esquerdo, com entrada pela Praceta ..., do prédio em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na conservatória do registo predial competente sob o número ...... de que o terceiro e quarta ré são usufrutuários.
c. No dia 1 de Outubro de 2015, a Autora apurou que o teto da sua cozinha estava a ser alvo de infiltrações provenientes do primeiro andar esquerdo.
d. Ao réu DD foi dado conhecimento do sucedido, tendo, posteriormente, sido feitas diversas tentativas de contacto no sentido de serem reparados os danos causados, sem sucesso.
e. As infiltrações ocorridas na cozinha da Autora provocaram os seguintes danos: Tecto com manchas; Degradação do estuque do tecto; Móveis da cozinha deteriorados, com manchas de humidade.
f. As infiltrações ocorridas resultaram para a autora e desconforto visual.
g. Na fracção dos réus não existia qualquer infiltração na banca da cozinha, nas tubagens do sifão ou no próprio sifão.
h. Na data invocada pela autora como sendo a data da infiltração, a fração dos réus encontrava-se arrendada a FF, desde o dia 1 de Julho de 2015, sendo que esta não reportou aos réus a existência de quaisquer infiltrações, inundações ou entupimentos na fração destes.
i. Há cerca de 10 anos, HH, fez intervenção na canalização da fracção dos réus, tendo então mudado uma torneira na banca.
Mais se provou:
j. As infiltrações que ocorreram no tecto da cozinha da fracção M tiveram como causa a ruptura da rede de água e/ou saneamento da banca da cozinha sita no primeiro andar.
k. A limpeza e reparação do tecto da cozinha da fracção M, numa área de cerca de 10m2, com aplicação de duas demãos de tinta tem um custo unitário aproximado de €30,00/m2, sendo o valor total de €300,00, incluindo a deslocação.
l. O custo da substituição dos móveis da cozinha, em novo, é de cerca de €6.000,00 e, considerando a vetustez e o uso é de €3.600,00.
m. Com um tempo de execução de obra de 30 dias (acautelando neste a possibilidade de reparação ou substituição dos móveis, reservando-se para a pintura dois meios dias).
n. A rede predial de abastecimento de água e na rede predial de saneamento foram intervencionadas, há aproximadamente 2 a 3 anos.

2.2 Factos não provados
O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:
- Relativamente ao Facto Provado em E) «e bolor» no tecto e nos móveis.
- Relativamente ao Facto Provado em F) a «inexistência de condições de salubridade, higiene».
- A autora para proceder à reparação do teto danificado necessitara de despender a quantia de 380,00€.
- Tendo em conta a extensão dos danos na mobília de cozinha não é possível a sua reparação, sendo necessário a substituição do mobiliário, necessitando a autora de despender a quantia de 5.295,15€.
- Desde 1 de Outubro de 2015 até ao presente momento a autora viu-se privada do uso pleno da sua fração.
- A insalubridade e as manchas causadas pela humidade e bolor, provocaram e continuam a provocar na autora estado de ansiedade, perturbações no sono e mal-estar.
- por referência ao Facto Provado em J), antes de arrendarem a fração em causa.
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pelos recorrentes as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Da nulidade da decisão;
- Dos factos conclusivos;
- Impugnação da matéria de facto;
- Do mérito da decisão.
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4. Conhecendo do mérito do recurso:
4.1 Da nulidade da decisão
Invocam os Apelantes que a decisão recorrida padece do vício de nulidade por existir clara contradição quanto à matéria de facto dada como provada nas alíneas c), g) e j), a saber:
“C) No dia 1 de Outubro de 2015, a Autora apurou que o teto da sua cozinha estava a ser alvo de infiltrações provenientes do primeiro andar esquerdo.”
“G) Na fracção dos réus não existia qualquer infiltração na banca da cozinha, nas tubagens do sifão ou no próprio sifão.”
“J) As infiltrações que ocorreram no tecto da cozinha da fracção M tiveram como causa a ruptura da rede de água e/ou saneamento da banca da cozinha sita no primeiro andar.”.
Vejamos, então, se a decisão sob recurso é nula.
É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.4.2019, processo nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1, disponível, como os demais, em www.dgsi.pt ou em sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça -: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.3.2017, proferido no processo nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1 -; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei - cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.10.2017, proferido no processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1. e de 10.9.2019, proferido no processo nº 800/10.3TBOLH-8.E1.S2 -, consiste num desvio à realidade factual (nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma) ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
E, como salienta o Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.
As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) - cf. neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2017, proferido no processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.
Como é sabido, as causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece que é nula a sentença:
- Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)).
- Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).
- Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).
- Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).
- Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).
O Prof. Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pág. 297, na análise dos vícios da sentença enumera cinco tipos: vícios de essência; vícios de formação; vícios de conteúdo; vícios de forma e vícios de limites.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem, assim, a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.
No caso vertente, os Apelantes invocam que o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, o que é desprovido de fundamento.
Com efeito, a nulidade da sentença/acórdão prevista no 1º. segmento da alínea c) do nº. 1 do citado artigo 615º - fundamentos em oposição com a decisão - ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão, existindo, pois, uma contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e conclusão/decisão final.
Assim, a contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão - artigo 668º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente»
Reportando-nos ao caso vertente, resulta da leitura da sentença que a decisão recorrida encontra-se em decorrência lógica da fundamentação de facto e de direito. É certo poder existir alguma contradição na forma como foi descrita a factualidade em causa a qual, porém, não tem a consequência pretendida pelos Apelantes.
Com efeito, a nulidade da sentença a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil apenas se verifica quando se constate que os fundamentos de facto e/ou de direito da sentença não podiam logicamente conduzir à decisão que veio a ser tomada no segmento decisório da sentença ou quando neste se verifica uma obscuridade ou ambiguidade que torna a própria decisão ininteligível, não se estando aqui o legislador a referir à decisão da matéria de facto. Com efeito, quando esta última seja deficiente, obscura ou contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando se mostre indispensável a sua ampliação quanto a determinados factos ou quando não esteja tal decisão devidamente fundamentada sobre factos essenciais para o julgamento da causa, não é caso para arguição da nulidade da sentença, antes para a impugnação da decisão da matéria de facto e sua modificação, que até pode ser oficiosamente determinada em certas situações, nos termos previstos nos artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil.
Ou seja, não determinam a nulidade da sentença as objecções que se traduzem na invocação de erros de julgamento de facto e de direito que, a verificarem-se, poderão determinar a modificação da decisão da matéria de facto e/ou a revogação (total ou parcial) da sentença.
Do exposto, resulta não ocorrer a nulidade invocada.
Improcede, pois, a nulidade invocada pelos recorrentes.

4.2 Da eliminação de factos conclusivos
Defendem, ainda, os réus/apelantes que os factos constantes das alíneas C) e J) encerram matéria conclusiva devendo, como tal, e por legalmente inadmissíveis, ser eliminados.
Consta das referidas alíneas C) e J) que:
“C. No dia 1 de Outubro de 2015, a Autora apurou que o teto da sua cozinha estava a ser alvo de infiltrações provenientes do primeiro andar esquerdo.”
(…)
“J) As infiltrações que ocorreram no tecto da cozinha da fracção M tiveram como causa a ruptura da rede de água e/ou saneamento da banca da cozinha sita no primeiro andar.”.
Cumpre apreciar e decidir:
Como é consabido não é linear traçar uma linha divisória entre facto e direito, impondo-se agir, nesta matéria, com cautela e circunspeção.
Como nos ensina o Prof. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, página 270, “(…) a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.”.
Salienta-se, a este propósito, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2007, in www.dgsi.pt., “torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos.
Aliás, não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas”.
No seguimento do exposto, defendemos que os factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis.
No caso em apreço, entendemos que as expressões constantes da alínea C) (quando refere «estava a ser alvo») e da alínea J) (quando refere «tiveram como causa») foram utilizadas no seu sentido corrente.
Por essa razão, embora se reconheça que não corresponde à melhor técnica jurídica a inclusão de tais expressões nos factos provados, no referido circunstancialismo, não merece reparo a sua utilização. Com efeito, os referidos factos, mesmo com uma componente conclusiva, têm ainda um substracto relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa.
Na realidade, não pode considerado conclusivo todo o facto que é genérico, insuficientemente alegado ou “tendencioso”. Tal entendimento do que seja um facto conclusivo afigura-se claramente excessivo.
Assim sendo, soçobra, igualmente, a referida argumentação dos Apelantes.

4.3. Da impugnação da Matéria de facto
Os apelantes em sede recursiva manifestam-se, ainda, discordantes da decisão que apreciou a matéria de facto, pretendendo que a matéria constante das alíneas C), G) e J) seja considerada não provada.
Consta das referidas alíneas que:
“C) No dia 1 de Outubro de 2015, a Autora apurou que o teto da sua cozinha estava a ser alvo de infiltrações provenientes do primeiro andar esquerdo.”
“G) Na fracção dos réus não existia qualquer infiltração na banca da cozinha, nas tubagens do sifão ou no próprio sifão.”
“J) As infiltrações que ocorreram no tecto da cozinha da fracção M tiveram como causa a ruptura da rede de água e/ou saneamento da banca da cozinha sita no primeiro andar.”.
Pugnam, ainda, que o Tribunal a quo não poderia considerar como provado que o custo da substituição dos móveis de cozinha, em novo, é de cerca de € 6.000,00, considerando que a vetustez e o uso é de € 3.600,00 uma vez que, do depoimento do perito constatou-se ser possível considerar um coeficiente de vetustez de 50%.
Consta da referida alínea que “L) O custo da substituição dos móveis da cozinha, em novo, é de cerca de € 6.000,00 e, considerando a vetustez e o uso é de € 3.600,00”.
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma quanto à factualidade vertida nas alíneas C), G) e J).
Porém, relativamente ao facto vertido na alínea L) os Apelantes não especificam a resposta que entendem dever ser dada, pelo que neste segmento deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto, o que sucede, quando o recorrente não especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quanto não especifica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – cfr. artigo 640.º, n.º 1, als. a) e c) do Código de Processo Civil.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelos recorrentes e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Reportando-nos ao caso vertente constata-se que a Senhora Juiz a quo, após a audiência e em sede de sentença, motivou a sua decisão sobre os factos nos seguintes meios de prova:
“Na motivação da matéria de facto teve-se em conta o teor do disposto no artigo 412º e 414º, do Código de Processo Civil, conjugado com o disposto no artigo conjugado com o disposto no artigo 342º, do Código Civil e, bem assim, o artigo 413º, do Código de Processo Civil.
Estão juntos aos autos as certidões prediais e matriciais das fracções em causa nos autos que se valoraram.
Datada de 09.11.2015 está junta aos autos a fls. 16/v e ss. a carta enviada pela autora à administração do condomínio. A valoração deste documento foi concertada com o depoimento da testemunha JJ, que se valorou, que era o administrador do condomínio entre 2009/2010 e até 2017 e referiu que teve conhecimento das referidas infiltrações e que das mesmas deu participação ao seguro que veio a declinar a responsabilidade por entender que a causa não provinha das partes comuns. O Tribunal da conjugação destes dois meios de prova o Tribunal concluiu que o condomínio foi comunicado pela autora das infiltrações. Esta testemunha também referiu que não viu a cozinha e que se limitou a «servir de ponte» entre a autora e os réus. Mais, está a fls. 21/v (fls. 71) missiva para o condomínio da seguradora de onde resulta que, em 18.02.2016, a seguradora não conseguia contactar o réu DD para proceder à pesquisa da origem das infiltrações, estando a aguardar pela disponibilização da fracção para conclusão do processo.
A fls. 18/v e ss. está junta aos autos, datada de 09.11.2015 a missiva enviada pela autora ao réu DD, cujo AR se não mostra assinado. E, a fls. 22/v, datada de 27.02.2018, fls. 24/v, de 22.03.2018, missivas ao réu DD cujos AR (mencionados na carta) não foram juntos aos autos. Estes documentos servem a prova do facto de que foram feitas tentativas de contacto por parte da autora.
O documento de fls. 32 e ss. (que o réu impugnou) - tendo a autora, na audiência de julgamento, prescindido da testemunha seu subscritor - ora, deste resulta que foram detectadas infiltrações de água em tectos, em paredes e móveis de cozinha com manchas de humidade e indícios de água em abundância; resultando que foram detectadas as seguintes deficiências «infiltração pela banca da cozinha situada no piso superior; ou infiltração pelas tubagens do sifão situado no piso superior; ou infiltração pelo sifão situado no piso superior.»; e que o relatório pericial foi elaborado tendo por base uma visita ao local. Ora, deste, fica o Tribunal sem saber se a referência a visita ao local se refere também à fracção dos réus, sendo que como o relatório não concluiu em concreto pelas causas, antes as fornece em alternativa, quer parecer ao Tribunal que o documento foi elaborado apenas com a visita à fracção da autora.
Portanto, à míngua (a autora entendeu prescindir do depoimento da testemunha que o elaborou) de outra prova que sustente aquelas asserções este documento não foi valorado. O mesmo resultando para os documentos de fls. 36/v e 37/v que, tendo sido impugnados pelos réus, não tiveram outra sustentação probatória que permitisse a sua valoração.
A fls. 60 e ss. está junto aos autos o contrato de arrendamento celebrado entre os réus e FF. Documento que se valorou. Na valoração deste concorreu o depoimento da testemunha FF que referiu que no arrendado viviam três pessoas e que durante o período em que esteve no arrendado de Julho 2015 a finais de 2016 não só não teve na fracção arrendada nenhum indício de infiltrações ou ruptura de canos de água ou em que circule água, como não foram realizadas obras na fracção de nenhuma espécie.
A fls. 63/v e ss. está junto aos autos o contrato de arrendamento celebrado entre os réus e GG. Documento que se valorou. Na valoração deste concorreu o depoimento da testemunha GG que respondeu que mora no locado há cerca de dois anos e quatro meses mais ou menos e que são duas pessoas a habitá-lo. Referiu que não teve na fracção arrendada nenhum indício de infiltrações ou ruptura de canos de água ou em que circule água, como não foram realizadas obras na fracção de nenhuma espécie durante este período, sendo que do contrato de arrendamento celebrado consta o anexo de onde resulta que o «soalho – bom estado».
Está junta aos autos a fls. 71/v e ss. correspondência electrónica trocada entre KK e a A.... Estes documentos não se valoraram na medida em que nem KK é parte (ou foi indicada como testemunha para que pudesse explicar, por exemplo, a afirmação no email de 13.03.2017 m que se refere a «minha cozinha». Nem a seguradora A... teve qualquer referência nos autos, nomeadamente, na PI.
Ouviram-se as testemunhas LL e MM, filhos da autora. Ambas as testemunhas referem a data em que ocorreram as infiltrações e, por reporte a esta, referem que por cerca de um mês a água esteve a cair, concretizando a testemunha MM que por 2/3 dias de modo intenso e que depois foi diminuindo, concluindo ambos que ao fim de um mês a água deixou de cair. Também referiram ambos que a mãe só não usou a cozinha enquanto caia água. E que ambos tiveram contacto com o condomínio e com o proprietário (conceito usado aqui nos moldes usados pelas testemunhas - à esfera do leigo -) da fracção superior. Referiram os móveis estragados e os transtornos da autora. O que o Tribunal recolhe destes depoimentos é que na cozinha da autora em início de Outubro de 2015 houve uma infiltração que ocorreu de modo intenso por 2/3 dias e que ao fim de um mês havia parado. Destes depoimentos não se retira que a cozinha tenha ficado inutilizada, que a autora tivesse deixado de nela fazer o que normalmente se faz numa cozinha. Portanto, o Tribunal não considera que a autora tenha ficado privada do uso da sua cozinha.
Também se ouviu a testemunha HH, canalizador que referiu que há cerca de 10 anos ou mais que fez a intervenção na canalização na fracção dos réus, tendo então mudado uma torneira na banca. Portanto, pelo menos há cerca de 10 anos os réus fizeram a manutenção da canalização.
E, foi esta a prova que as partes carrearam para os autos. Tendo sido indeferida a prova por declarações de parte por o Tribunal, a final da produção da prova. Este meio de prova não pode ser entendido como qualquer outra prova, tendo uma natureza subsidiária ou supletiva devendo ser usada quando se «pressinta que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz, i.e., perante a necessidade sentida pela parte de oferecer o depoimento próprio, como meio de prova, mormente perante o fracasso da produção de outros meios»1. Face à prova produzida considerou o Tribunal desnecessária a produção deste meio de prova.
Por despachos com as referências 400783760 e 400836819, nos termos do disposto nos artigos 411º e 494º, do Código de Processo Civil, determinou-se a realização de uma verificação não judicial qualificada. Esta foi realizada e, como se constata do relatório elaborado, ao acto assistiram a Mandatária da autora e o filho da autora, o réu DD e a arrendatária da fracção, a testemunha GG.
Deste resulta que
- na fracção da autora existem vestígios no tecto e nos móveis de madeira instalados na cozinha que indiciam a ocorrência de infiltrações de águas das redes hidráulicas da cozinha sobrejacente do 1º andar, sendo que tais infiltrações já não existiam;
- na verificação da fracção do primeiro andar verifica-se «pela diferença de tonalidades da tubagem da rede de saneamento (esgoto) que há vestígios de intervenção recente na rede (de saneamento) afigurando-se que também foi realizada obra na rede de abastecimento de água, facto que também se identifica pela diferença de materiais nas zonas de ligações»;
- conclui-se que as infiltrações que ocorreram no tecto da cozinha da fracção M tiveram como causa a ruptura da rede de água e/ou saneamento da banca da cozinha sita no primeiro andar;
- a limpeza e reparação do tecto da cozinha da fracção M, numa área de cerca de 10m2, com aplicação de duas demãos de tinta tem um custo unitário aproximado de €30,00/m2, sendo o valor total de €300,00, incluindo a deslocação;
- o custo da substituição dos móveis da cozinha em novo é de cerca de €6.000,00 e considerando a vetustez e o uso é de €3.600,00;
- com um tempo de execução de obra de 30 dias (acautelando neste a possibilidade de reparação ou substituição dos móveis, reservando-se para a pintura dois meios dias).
Os réus solicitaram esclarecimentos que foram prestados:
- não é possível determinar se a ruptura ocorreu na rede predial de abastecimento de água ou na rede predial de saneamento, porque ambas foram intervencionadas
- as manchas identificadas no tecto da cozinha da autora têm características de águas limpas, por isso, afigura-se que as infiltrações ocorreram por ruptura da rede de abastecimento de água
- as tubagens e acessórios reparados situam-se debaixo da banca da cozinha e são acessíveis apenas pelo interior da fracção dos réus
- a intervenção recente terá aproximadamente 2 a 3 anos
- entende-se que existe uma forte probabilidade de ter ocorrido ruptura da tubagem da rede predial de abastecimento de água entre o tubo de ligação à torneira e o acessório embutido na parede
- exclui-se a possibilidade das infiltrações resultarem das fachadas do edifício
Da análise deste relatório resulta concretizada a causa das infiltrações e mercê desta a origem dos danos e o eu quantum que está devidamente fundamentado. E que se valorou. Mais considera-se que o tempo indicado de 30 dias para a realização da obra não implica que a autora não possa utilizar em absoluto a sua cozinha, por isso, não se considera que haja privação nem durante este período.
Realizou-se a perícia nos termos ordenados pelo Tribunal da Relação. Porém, esta é menos concretizadora que o relatório vindo de referir, não obstante admitir que de acordo com as regras da experiência a origem das infiltrações só pode se a mesma que já resulta daquele supra referido relatório. Portanto, em face da maior concretização o relatório que se valorou na tomada de posição sobre a matéria de facto foi a que resulta da verificação judicial não qualificada.
Os danos não patrimoniais que a autora invoca é que se não consideram como provados. A sua cozinha não ficou inutilizada. Ao fim de 4 dias (de acordo com o depoimento dos seus filhos) a água deixou de cair em profusão e ao fim de um mês deixou de haver escorrência. Se a autora não usa a cozinha é porque não quer. O desfeiamento da cozinha não é impeditivo do seu uso. Aliás, do relatório resulta que as manchas são de água clara, portanto, não insalubre. É apenas feio. Não é impeditivo do uso normal de uma cozinha.
Os factos não provados resultaram da ausência de prova que permitisse de modo diferente e da aplicação das regras do ónus da prova, nomeadamente, não fizeram os réus a prova de que nenhuma culpa houve da sua parte na produção dos danos ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua (sendo que não eram as suas declarações de parte que serviriam para fazer tal prova, dada a natureza essencial dos factos que permitem estas conclusões).”.
Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, ouvida que foi a gravação dos depoimentos prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos apelantes.
Insurgem-se os Recorrentes contra tal decisão por entenderem que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova oferecida nos segmentos fácticos em causa.
Afigura-se-nos, no entanto, que a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas e os demais elementos dos autos lhe revela.
Não esqueçamos que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.
De resto, a actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos.
Conforme atrás referimos, no caso ajuizado, considerou o Tribunal a quo que da prova produzida, em sede de audiência de julgamento, resultavam, designadamente, provados os factos por si elencados como provados, o que não merece a concordância dos recorrentes, designadamente, quanto aos factos elencados nas alíneas C), G) e J).
Entendem os apelantes ter havido erro na valoração dos meios de prova, nomeadamente no que respeita à verificação não judicial qualificada, contradição nos factos elencados como provados sob as alíneas C), G) e J), que deverão, segundo o seu entendimento, ser dados como não provados, bem como alterada a resposta dada ao facto dado como provado na alínea L).
Como é sabido, foi com o intuito de propiciar a averiguação da verdade material dos factos que o Código de Processo Civil introduziu um novo meio de prova, que designou por “verificações não judiciais qualificadas” e a sua génese ficou assim explicada na Exposição de Motivos: “sempre que seja legalmente admissível a inspecção judicial, mas o juiz entenda que se não justifica, face à natureza da matéria ou à relevância do litígio, a percepção directa dos factos pelo tribunal, pode ser incumbido técnico ou pessoa qualificada de proceder aos actos de inspecção de coisas ou locais ou de reconstituição de factos e de apresentar o seu relatório”, e depois acrescenta-se: “Permite-se, deste modo, que sejam averiguados com acrescida eficácia e fiabilidade factos que, não implicando o juízo científico que subjaz à prova pericial, possam ser melhor fixados ou esclarecidos por entidade isenta e imparcial e tecnicamente apetrechada”, sendo intenção confessada a de evitar o recurso habitual à “falível prova testemunhal” e dispensar as inspecções judiciais que não sejam proporcionais ao relevo e natureza da matéria litigiosa.
A verificação não judicial qualificada é, assim, um novo meio de prova, autónomo e diferenciado, sendo que a razão da sua existência é evitar a perda de tempo do juiz e de todo o séquito que o acompanha, e, assim e outrossim, evitar acrescidas despesas, por virtude da realização da inspecção judicial.
Com o referido meio de prova permite-se que sejam averiguados, com acrescida eficácia e fiabilidade, factos que não implicando um juízo científico que subjaz à prova pericial possam evitar o habitual recurso à falível prova testemunhal e dispensando inspecções judiciais que não sejam proporcionais ao relevo e natureza da matéria litigiosa.
Atenta a sua natureza e valor, este meio probatório situa-se entre a prova pericial e a prova testemunhal, representando um misto dos dois, sendo certo que o Tribunal a quo determinou a sua realização, nomeando um técnico devidamente habilitado para o efeito, dado entender não ter conhecimento de natureza técnica que lhe permitisse percecionar a origem das infiltrações.
Pois que, ainda que, eventualmente, não reúna a exigível fiabilidade da prova pericial - e aqui se conexionando com a prova testemunhal - encerra, por reporte a esta prova, e por virtude da suposta especial qualificação e apetrechamento técnico da pessoa convocada, uma dignidade/fiabilidade/acreditação, acrescidas.
Por sua vez, no caso vertente, do auto da verificação não judicial qualificada, elaborado pelo técnico Engº II, perito da lista oficial do Ministério da Justiça – Tribunal da Relação do Porto, resulta que:
“- na fracção da autora existem vestígios no tecto e nos móveis de madeira instalados na cozinha que indiciam a ocorrência de infiltrações de águas das redes hidráulicas da cozinha sobrejacente do 1º andar, sendo que tais infiltrações já não existiam;
- na verificação da fracção do primeiro andar verifica-se «pela diferença de tonalidades da tubagem da rede de saneamento (esgoto) que há vestígios de intervenção recente na rede (de saneamento) afigurando-se que também foi realizada obra na rede de abastecimento de água, facto que também se identifica pela diferença de materiais nas zonas de ligações»;
- conclui-se que as infiltrações que ocorreram no tecto da cozinha da fracção M tiveram como causa a ruptura da rede de água e/ou saneamento da banca da cozinha sita no primeiro andar;
- a limpeza e reparação do tecto da cozinha da fracção M, numa área de cerca de 10m2, com aplicação de duas demãos de tinta tem um custo unitário aproximado de €30,00/m2, sendo o valor total de €300,00, incluindo a deslocação;
- o custo da substituição dos móveis da cozinha em novo é de cerca de €6.000,00 e considerando a vetustez e o uso é de €3.600,00;
- com um tempo de execução de obra de 30 dias (acautelando neste a possibilidade de reparação ou substituição dos móveis, reservando-se para a pintura dois meios dias).”.
De resto, os Apelantes solicitaram esclarecimentos que foram prestados nos seguintes termos:
- não é possível determinar se a ruptura ocorreu na rede predial de abastecimento de água ou na rede predial de saneamento, porque ambas foram intervencionadas;
- as manchas identificadas no tecto da cozinha da autora têm características de águas limpas, por isso, afigura-se que as infiltrações ocorreram por ruptura da rede de abastecimento de água;
- as tubagens e acessórios reparados situam-se debaixo da banca da cozinha e são acessíveis apenas pelo interior da fracção dos réus;
- a intervenção recente terá aproximadamente 2 a 3 anos;
- entende-se que existe uma forte probabilidade de ter ocorrido ruptura da tubagem da rede predial de abastecimento de água entre o tubo de ligação à torneira e o acessório embutido na parede;
- exclui-se a possibilidade das infiltrações resultarem das fachadas do edifício.
Assim, da análise do relatório resulta concretizada a causa das infiltrações e mercê desta a origem dos danos e o quantum que está devidamente fundamentado.
Além disso, no caso vertente, este Tribunal ordenou e o Tribunal a quo determinou, ainda, a realização de prova pericial para superar as dúvidas existentes, bem como a aparente ou real contradição quanto à matéria de facto elencada sob as alíneas C), G) e J).
Tal perícia teve por objecto apurar se as infiltrações são provenientes do 1.º andar esquerdo, como alega a autora/apelada, quais as consequências das infiltrações, bem como o modo, tempo custo da reparação.
Consta, designadamente, do relatório pericial, elaborado pelo Sr. Perito Engº NN quanto às causas prováveis das infiltrações que:
“4. A probabilidade de a fuga ter ocorrida na cozinha dos Réus, é grande, mas o perito não pode afirmar perentoriamente que assim é, pois a origem poderá ser em qualquer outra cozinha, ainda que com uma probabilidade muito inferior;”.
Consta, ainda, do relatório pericial, em sintonia com o auto de verificação judicial não verificada que o custo da reparação efetivo (tecto, móveis de cozinha e electrodomésticos) se aproxima do valor que consta do auto de verificação judicial não qualificada.
Assim, apesar do relatório pericial ser menos concretizador que o auto de verificação judicial não qualificada, o certo é que admite, com um grau de probabilidade significativo, que, de acordo com as regras da experiência, a origem das infiltrações só pode ser a mesma que já resulta daquele auto.
Como é sabido, a perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.
Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito.
Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponto de vista da juridicidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas.
No caso vertente, atento o teor do auto de verificação judicial não qualificada e dadas as conclusões do relatório pericial afigura-se-nos ser de concluir em conformidade com o Juiz do Tribunal a quo relativamente à referida factualidade, por constituir uma apreciação razoável e equilibrada.
Com efeito, concatenando o auto da verificação judicial não verificada com o relatório pericial conclui-se que os mesmos se complementam e não se contradizem.
De resto, tal conclusão não é minimizada pelos depoimentos transcritos pelos Apelantes, que não nos levam a concluir em sentido diverso.
Com efeito, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, máxime da prova testemunhal. Na realidade, a questão controvertida demanda conhecimentos especiais, envolvendo um juízo técnico, sendo que tais juízos vertidos nos autos se complementam e daí a sua manifesta relevância.
Afigura-se-nos, no entanto, que o facto constante da alínea G) deve merecer uma correcção temporal para evitar a aparente contradição com as demais alíneas.
Assim, deve aditar-se à referida alínea a expressão “À data da vistoria ao local”, passando a mesma a ter a seguinte redacção “À data da vistoria ao local, na fracção dos réus não existia qualquer infiltração na banca da cozinha, nas tubagens do sifão ou no próprio sifão”.
Afigura-se-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração da matéria de facto propugnada pelos Apelantes, devendo manter-se as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto provada, com a referida correcção da alínea G).
Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto, com a referida correcção da alínea G), rejeitando-se, ainda, a impugnação no que se reporta à factualidade vertida na alínea L).
*
4.4 Do mérito da decisão
Os apelantes clamam pela revogação da sentença de que recorrem.
Sustenta, desde logo, tal pretensão na modificação da decisão sobre a matéria de facto que, pela via recursiva, reclama.
Mantendo-se, todavia e na essência, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, em consequência da improcedência do recurso impugnativo da mesma, afigura-se-nos que, à luz da mesma, se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Conforme se defende na sentença em crise, a reparação não abrange, indiscriminadamente, todos e quaisquer danos, mas tão-somente os que se encontrem em determinada relação causal com o evento que fundamenta a obrigação de ressarcir.
Com efeito, estipula o artigo 563º do Código Civil que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
A nossa lei acolheu, nesta matéria, a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente: considera-se causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequada a produzi-lo.
No caso vertente, resultou provado que o tecto da cozinha tem manchas, há degradação do estuque do tecto e os móveis da cozinha estão deteriorados, com manchas de humidade.
Mais se provou que no dia 1 de Outubro de 2015, a Autora/Apelada apurou que o tecto da sua cozinha estava a ser alvo de infiltrações provenientes do primeiro andar esquerdo. Provou-se, ainda, que as infiltrações que ocorreram no tecto da cozinha da fracção M tiveram como causa a ruptura da rede de água e/ou saneamento da banca da cozinha sita no primeiro andar.
E, resultou, também, provado que a limpeza e reparação do tecto da cozinha da fracção M, numa área de cerca de 10m2, com aplicação de duas demãos de tinta tem um custo unitário aproximado de € 30,00/m2, sendo o valor total de € 300,00, incluindo a deslocação; que o custo da substituição dos móveis da cozinha, em novo, é de cerca de € 6.000,00 e, considerando a vetustez e o uso é de € 3.600,00.
À luz da referida factualidade deverá manter-se o montante fixado a título de indemnização na quantia de € 3.900,00, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Afigura-se-nos, assim, também não merecer censura quanto a este ponto a sentença proferida pelo Tribunal recorrido.
Pelo que se impõe confirmar a decisão recorrida.
Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo dos apelantes.
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Notifique.

Porto, 08 de Fevereiro de 2024
Paulo Dias da Silva
Aristides Rodrigues de Almeida
João Venade

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)