Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
712/19.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
IVA
Nº do Documento: RP20210421712/19.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Constando do acórdão que constitui título executivo, a condenação da executada, com trânsito em julgado, no pagamento de determinada quantia “acrescida de IVA à taxa legal”, deverá a execução prosseguir, também relativamente ao valor do imposto, não sendo exigível para o efeito a prévia apresentação da fatura emitida, constituindo o acórdão título executivo bastante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 712/19.5T8PRT-A.P1

Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Correu termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, ação declarativa, sob a forma de processo comum, instaurada por “B…, RL”, contra “C…, S.A.”, com o n.º 1618/14.0T8VNG-C, na qual, em 20.11.2017, foi proferida sentença que condenou a ré no pagamento à ora exequente da quantia de € 19.500,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, bem como no pagamento de juros de mora, contados desde citação até efetivo e integral pagamento.
Ambas as partes recorreram, tendo sido proferido acórdão nesta Relação, em 25.10.2018, que condenou a ré no pagamento, à autora, da quantia de € 17.500,00 acrescida de IVA à taxa legal e juros de mora até efetivo e integral pagamento[1].
A autora [aqui embargada] deu à execução o referido acórdão, tendo a ré [aqui embargante] deduzido oposição por embargos,
Na oposição, alegou em síntese a embargante: não podem os exequentes exigir o pagamento de IVA no montante de € 4.025,00 quando não foi emitida a respetiva fatura; não poderão ser cobrados juros de mora sobre valores que não são devidos, uma vez que a competente fatura não foi emitida, pelo que só são devidos juros de mora sobre o valor de capital de € 17.500,00 e não sobre € 21.525,00; não tem sentido o valor dos juros peticionados pelos exequentes, sem indicação da taxa que efetivamente está a ser aplicada; o montante reclamado a título de juros compulsórios terá de ser calculado à taxa de 5% sobre o valor devido (€ 17.500,00).
Notificada para contestar, a exequente pugnou pela improcedência parcial dos presentes embargos de executado, referindo admitir que a taxa de juro devida incida apenas sobre o capital.
Em 14.12.2020 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decido julgar os presentes embargos de executado procedentes, e, em consequência, determino a prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso relativamente à quantia exequenda de € 17.500,00, acrescida de juros de mora legais peticionados apenas sobre este montante, absolvendo a executada quanto ao demais (quantia referente ao IVA e juros de mora respectivos)».
Não se conformou a embargante e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
A- A decisão recorrida julgou procedentes os embargos de executado dos autos, na parte em que absolve a executada do pagamento da “quantia referente ao IVA”.
B- Nesse segmento, a sentença viola clamorosamente a autoridade de caso julgado formada, ao abrigo do art.º 619.º do CPC, no âmbito da acção declarativa que lhe precedeu.
C- A decisão judicial proferida pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo 1618/14.0T8VNG, transitada em julgado em 25 de Outubro de 2018, que serve de título executivo à presente execução, condena a executada no pagamento à ora exequente da quantia de €17.500,00 acrescida de IVA à taxa legal e juros de mora até efectivo e integral pagamento”; “[que,] no dia 3 de Dezembro de 2018, transitou em julgado (…)” (cfr. factos dados por assentes na sentença recorrida, com os n.ºs 2 e 3);
D- No entanto, apesar do que expressamente consagra a parte dispositiva da decisão proferida na acção declarativa, e que serve de base à presente execução, a decisão recorrida absolve a executada de parte da quantia a que havia sido condenada, a saber, do pagamento do IVA à taxa legal em vigor.
E- O efeito preclusivo do caso julgado determina, nos termos previstos no art.º 619.º/1 do CPC, a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva.
F- Nessa conformidade, ao absolver a executada do pagamento de quantias a que esta fora condenada na acção declarativa cuja decisão final lhe serve de título, a sentença recorrida viola ostensivamente o disposto no aludido art.º 619.º/1 do CPC.
Termos em que:
Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, julgando improcedentes os embargos, determine a prossecução da execução relativamente à totalidade da quantia exequenda, incluindo a referente ao IVA, e apenas expurgada dos juros de mora que recaiam sobre o respectivo valor.
Assim se fazendo JUSTIÇA!
Não foi apresentada resposta às alegações de recurso.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se numa única questão: saber se a execução deverá prosseguir, também relativamente ao IVA.

2. Fundamentos de facto
A factualidade relevante provada é a que consta da sentença recorrida, que se transcreve nesse segmento:
1. No dia 20 de novembro de 2017, foi proferida sentença final no âmbito dos autos de processo declarativo, a qual condenou a ré ora executada no pagamento à ora exequente da quantia de €19.500,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, bem como no pagamento de juros de mora, contados desde citação até efetivo e integral pagamento;
2. Ambas as partes recorreram, tendo em 25 de outubro de 2018 sido proferido acórdão no Tribunal da relação do Porto, que condenou a ora executada no pagamento, à ora exequente, da quantia de € 17.500,00 acrescida de IVA à taxa legal e juros de mora até efetivo e integral pagamento.

3. Fundamentos de direito
Consta da fundamentação jurídica da sentença recorrida:
«A acção executiva só pode exercer-se se o exequente dispuser do chamado título executivo, como determina o artigo 10º, n.º 5, do CPC: “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
O título executivo é, pois, uma peça necessária à instauração da acção executiva.
Ou seja, o título executivo é um requisito formal, um requisito de exequibilidade extrínseca da pretensão executiva.
O título executivo apresenta-se, assim, como requisito essencial da acção executiva, sendo “o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respectiva execução – citando Castro Mendes, “Direito Processual Civil”, Volume I, página 333.
Neste caso, o título executivo é uma sentença, pelo que os fundamentos de oposição à execução são os que se encontram previstos no artigo 729.º do C.P.C.
Insurge-se a executada contra o pedido executivo no que concerne à exigibilidade do pagamento de IVA no montante de € 4.025,00 quando não foi emitida a respectiva factura.
Efetivamente, a emissão obrigatória duma factura, respeitante a um serviço prestado, funciona como uma condição que, enquanto não preenchida, determina não poder considerar-se vencida e exigível a obrigação – toda ela, remuneração efectiva do serviço e imposto IVA – não havendo assim lugar a juros e havendo, isso sim, lugar à aplicação do art. 610.º/1 e 2/a) do CPC (ou seja, ao pagamento da obrigação apenas e só contra a apresentação da competente factura) – vide a título exemplificativo o Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 6/12/2015, www.dgsi.pt., acedido no dia 14-12-2020, que aqui se segue.
Assim, não é exigível o pagamento do IVA neste caso, procedendo os embargos de executado nesta parte.
Relativamente à questão dos juros já foi a mesma admitida pelo exequente, sendo a taxa em causa a referida na sentença que se executa.».
Alega a recorrente que a sentença “viola clamorosamente a autoridade de caso julgado, formada ao abrigo do art.º 619.º do CPC, no âmbito da acção declarativa que lhe precedeu.”.
Vejamos.
O título executivo – acórdão deste Tribunal – é transparente e unívoco no seu dispositivo, que se transcreve: «Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta secção cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação interposta pelos AA. e parcialmente procedente a interposta pela R. e, consequentemente, alterando a sentença recorrida, em fixar em €23.000,00 os honorários devidos aos AA., acrescidos de IVA à taxa legal, descontando o montante recebido de €5.500,00 + IVA, e de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento».
A condenação da executada – ora embargante – na ação declarativa, inclui assim o pagamento à exequente da quantia de € 19.500,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
E não poderia ser de outra forma, considerando que o IVA [Imposto Sobre o Valor Acrescentado] incide, nomeadamente, sobre as prestações de serviço (art.º 1.º do CIVA), sendo para o consumidor final um custo incluído no preço devido ao prestador do serviço.
Constando expressamente do acórdão (título executivo) a condenação da ré (executada/embargante) no pagamento do IVA à taxa legal, incidente sobre o valor do serviço prestado pela autora[2], não vislumbramos, salvo todo o respeito devido, fundamento jurídico válido para afastar tal condenação, em sede executiva.
E não se diga que é necessária a emissão prévia da fatura referente aos serviços prestados.
Tendo decidido este Tribunal, com trânsito em julgado, condenar a ora embargante no pagamento da “quantia de € 17.500,00 acrescida de IVA à taxa legal”, obviamente deverá ser emitida uma fatura e entregue o respetivo recibo de quitação no momento do pagamento, mas tais documentos de natureza fiscal não constituem título executivo, o qual, como se reitera, se consubstancia numa decisão judicial.
Em acórdão de 4.06.2009 [processo n.º 13712/06.6YYPRT], este Tribunal foi mesmo mais longe, considerando que em execução de sentença, em cujo dispositivo se refere a obrigação de um pagamento sobre que incida IVA (não condenando o devedor expressamente no pagamento do imposto), “a eficácia do título executivo abrange também as quantias referentes a IVA”.
Face à sua manifesta pertinência, permitimo-nos transcrever parcialmente a fundamentação jurídica do aresto citado:
«[…] Quanto à exigibilidade em execução, do pagamento do IVA.
É facto que, nos termos do disposto no arº 45º, º1 do CPC, é pelo título executivo que se determinam o fim e os limites da execução.
No entanto, e como em várias ocasiões tem sido entendido, esta afirmação não inviabiliza que, fundando-se o pressuposto processual específico da acção executiva - o título executivo - na presunção da existência do direito que lhe subjaz, a eficácia executiva deste abranja, igualmente prestações cuja obrigatoriedade resulta directamente da lei, no confronto com o conteúdo do título executivo.
É o que se entende em face do que se prevê para os juros compulsórios, já que, de acordo com o disposto no art. 829º-A, nº 4, do CC, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente são devidos automaticamente juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado. Ora atentos os pressupostos da sua constituição, logicamente esses juros não constam da sentença condenatória, estando no entanto implícito na referida disposição legal a exigibilidade de tais juros em processo executivo subsequente ao trânsito em julgado da sentença condenatória.
É também o que se verifica em relação às letras livranças e cheques, em que a lei é expressa em considerar a exigibilidade dos juros em sede executiva com base nestes títulos apesar de deles não constar referência a juros - art. 48º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças e o art. 45º da Lei Uniforme Sobre Cheques.
Pelas mesmas razões não vemos fundamento válido, para que, em execução de sentença em que seja referida a obrigação de um pagamento sobre que incida IVA, a eficácia do título executivo não abranja também as quantas referentes a IVA. E isso porquanto aqui como nas situações antes referidas, a obrigação do pagamento do IVA sobre as prestações peticionadas, ser uma imposição que deriva directamente da lei. […]».
Na sentença recorrida, o Mº Juiz invoca um acórdão da Relação de Coimbra, de 16.12.2015 [processo n.º 162/12.4TBMDA.C1].
No entanto, tal aresto reporta-se a uma ação declarativa e à discussão sobre a necessidade de emissão da fatura do serviço prestado, com vista à condenação do devedor no respetivo imposto.
A situação sub judice nada tem a ver com esta temática, porque estamos em sede executiva, perante um acórdão transitado em julgado que condena expressamente no pagamento do valor correspondente ao IVA.
Decorre do exposto a manifesta procedência do recurso, devendo em consequência, ser revogada a sentença recorrida.
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III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, em revogar a sentença recorrida, determinando o prosseguimento da execução, também relativamente à condenação referente ao IVA.
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Custas pela recorrida.
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Porto, 13.04.2021
Carlos Querido
José Igreja Matos
Rui Moreira
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[1] Consta do dispositivo do referido acórdão: “Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta secção cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação interposta pelos AA. e parcialmente procedente a interposta pela R. e, consequentemente, alterando a sentença recorrida, em fixar em €23.000,00 os honorários devidos aos AA., acrescidos de IVA à taxa legal, descontando o montante recebido de €5.500,00 + IVA, e de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento”.
[2] Descontando o pagamento parcial entretanto efetuado, como se refere no dispositivo do acórdão. Resta assim para pagamento o montante exequendo de € 17.500,00, acrescido de IVA.