Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2670/20.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO DO RECURSO
RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CONCURSO APARENTE
RESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO
Nº do Documento: RP202205042670/20.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não cumpre os ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, com a, inerente, consequência da imediata rejeição do recurso, nessa parte, a recorrente que se limita a impugnar em termos latos, genéricos e em bloco sem fazer concreta, especificada e contextualizada análise crítica das provas que impõem decisão diversa de cada questão de facto impugnada (v. nº1, al. b) e nº2, al. a), do art. 640º, do CPC).
II - A responsabilidade civil comporta a contratual (obrigacional), fundada em violação do contrato (falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, estando em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e pode resultar do não cumprimento de deveres principais/essenciais ou de deveres acessórios/secundários) e a extracontratual (delitual/aquiliana) que emerge não de violação de contratos mas sim da violação de normas que impõem deveres de ordem geral e correlativamente de direitos absolutos do lesado (violação de normas gerais que tutelam interesses alheios, de deveres genéricos de respeito).
III - É violadora de obrigação concretamente assumida, logo se desenhando, por isso, ilicitude contratual, a qual sempre, inevitavelmente, decorreria do próprio princípio da boa fé no cumprimento das obrigações (nº2, do art. 762º), a atuação da empreiteira que estando obrigada à vigilância do andaime que colocou na fachada do prédio, para reabilitação desta, por efetiva vigilância ao mesmo não executar, facilitando a entrada, pelas janelas, dos desconhecidos que se apropriaram de bens dos Autores, entrando, para o efeito, nas suas habitações, no 2º, 6º e 9º andares, e a saída dos mesmos pelos andaimes com os objetos de que se apropriaram, incorrendo em responsabilidade contratual por violação de deveres contratuais, quer principais quer secundários e acessórios de conduta, como o de proteção e de consideração pelos interesses dos condóminos, por si colocados em situação de maior vulnerabilidade e expostos a perigos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2670/20.4T8PRT.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível do Porto - Juiz 1

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Maria José Simões

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: O..., Lda
Recorridos: AA, BB, CC e DD,

AA, com domicílio na Rua ..., ..., ....-... PORTO, BB e esposa EE, com domicílio na Rua ..., ..., ....-... PORTO, CC, com domicílio na Rua ..., ..., ....-... PORTO e DD, com domicílio na Rua ..., ..., ....-... PORTO propuseram ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra CONDOMÍNIO ..., sito na Rua ..., ....-... PORTO e O..., Lda, com sede na Rua ..., ..., ....-... SANTO TIRSO, pedindo a condenação, solidária, dos Réus a pagar:
- à 1ª A., a título de indemnização, a quantia de 52.250,00€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
- aos 2ºs AA., a título de indemnização, a quantia de 12.043,00€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
- ao 3º A., a título de indemnização, a quantia de 250,00€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
- à 4ª A., a título de indemnização, a quantia de 6.260,00€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alegam, para tanto e resumidamente, o furto, ocorrido no dia 15/2/2018, entre as 18.30 e as 22.30 h, nas suas residências, de bens de sua propriedade, naquele valor, causado pelos Réus que, estando obrigados à vigilância, incluindo dos andaimes colocados pela Ré para obras que estava a realizar na fachada no edifício, sito na Rua ..., Porto, contratadas entre o condomínio (dono da obra) e a Ré (empreiteira), andaimes esses colocados na fachada do prédio e a permitirem o acesso às janelas das habitações, criando perigo para pessoas e bens, facilitaram a entrada, para andares elevados (2º, 6º e 9º) a desconhecidos que se introduziram nas referidas residências dos Autores, pelos andaimes, e de lá retiraram os bens que referem, que levaram consigo.
Contestaram os Réus, impugnando factos alegados a densificar a causa de pedir.
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Foi proferido despacho saneador, definido o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente por provada e consequentemente condena-se a 2ª no pedido formulado pela 1ª autora e ainda no pagamento de uma indemnização aos demais autores, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor dos bens furtados (identificados nos itens 18º, 19º e 20º)
Mais se absolve a 1ª Ré dos pedidos formulados pelos autores.
Custas a cargo da 2ºRé quanto à parte liquida da sentença, fixando-se as custas [provisoriamente] em partes iguais a suportar pela 2ª Ré e os autores BB; FF; CC e DD quanto à parte ilíquida”.
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A Ré O..., Lda apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja concedido provimento ao recurso, formulando, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES:
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Responderam os Autores pretendendo:
- a rejeição do recurso, na parte em que impugnada vem a matéria de facto, por não cumprimento do disposto no art. 640º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do CPC;
- seja o demais julgado improcedente dado não se verificar a arguida nulidade da sentença, nenhuma contradição ocorrendo, e por existir nexo de causalidade entre a conduta da Ré/Apelante e o dano, resultando ele de o acesso às habitações dos Recorridos (nos 9º, 6º e 2º andares), pelos andaimes colocados na fachada, ter advindo de a Recorrente não ter assegurado efetiva vigilância dos andaimes que colocou e se obrigou a vigiar para impedir o acesso de terceiros, nenhuma culpa dos Recorridos resultando.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da nulidade da sentença por oposição/contradição entre os fundamentos e a decisão;
2. Da impugnação da decisão da matéria de facto:
2.1. Do incumprimento dos ónus impostos (falta de indicação especificada, por a impugnação ter sido efetuada em bloco - “pontos 9º, 10º, 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º e 25º” -, sem indicação especificada da prova em que se fundamenta o erro sobre cada concreto ponto).
3. Do erro da decisão de mérito:
3.1. – Da verificação de responsabilidade civil da Ré Apelante: natureza, pressupostos e limites.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
1.º - A 1ª A. tem residência na Rua ..., ..., ....-... PORTO, correspondente à fração autónoma “AZ” do prédio constituído em propriedade horizontal, descrito na competente conservatória do registo predial sob o n.º ...;
2.º - Os segundos AA. têm residência na Rua ..., ..., ....-... PORTO, correspondente à fração autónoma “AA” do prédio constituído em propriedade horizontal, descrito na competente conservatória do registo predial sob o n.º ...;
3.º - Os terceiro e quarta AA. têm residência na Rua ..., ..., ....-... PORTO, correspondente à fração autónoma “NA” do prédio constituído em propriedade horizontal, descrito na competente conservatória do registo predial sob o n.º...;
4.º - Todos os AA. residem nas moradas indicadas desde data anterior a 15/02/2018.
5.º - Aí centrando toda a sua vida pessoal, pernoitando, recebendo correspondência, recebendo amigos e familiares, fazendo refeições, recolhendo-se, tendo os seus haveres e pertences, etc.
6.º - As residências dos AA. correspondem a frações autónomas do prédio constituído em propriedade horizontal, descrito na competente conservatória do registo predial sob o n.º ..., respetivamente, frações “AZ”, “AA” e “NA”.
7.º - O 1º R. é o condomínio do prédio onde se integram as frações correspondentes às habitações dos AA..
8.º - No dia 15/02/2018, entre as 18:30h e as 22:30h, as residências dos AA. foram assaltadas, por desconhecidos, tendo-lhes sido subtraídos diversos objetos, sua propriedade.
9.º - Os assaltantes introduziram-se nas residências dos AA. pelas janelas existentes nas mesmas, localizadas na fachada do edifício integrante das frações.
10.º - Os assaltantes acederam às referidas janelas utilizando andaimes que se encontravam montados na fachada onde as mesmas se situam.
11.º - Esses andaimes haviam sido ali colocados pela 2ª R. para realizar uma obra na fachada.
12.º - Essa obra havia sido contratada entre as RR., sendo o 1º R. o dono da obra, e a 2ª R. empreiteira na mesma.
13.º - Os RR. sabiam que a colocação de andaimes junto à fachada do edifício, facilitava e permitia o acesso às janelas das habitações, e a introdução nas mesmas de pessoas estranhas.
14º - Em resultado do assalto, foram subtraídos à propriedade dos AA. diversos bens.
16.º - Alguns desses bens são os que a seguir se discriminam com os respetivos valores:
15.º - À 1º A.: a. Um camafeu forrado a ouro, no valor de 975,00€; b. Uma medalha da Nª Srª da Conceição esmaltada, no valor de 70,00€; c. Uma medalha da Nª Srª da Conceição toda em ouro, recortada, no valor de 450,00€; d. Uma medalha redonda, com L desenhado, no valor de 260,00€; e. Uma cruz em ouro branco e amarelo, no valor de 300,00€; f. Uma cruz esmaltada azul, com desenhos muito miudinhos, no valor de 320,00€; g. Uma cruz em contas de Viana, no valor de 325,00€; h. Uma moeda antiga, metida em aro de ouro, no valor de 1.500,00€; i. Uma moeda “krugerrand” em ouro, de África do Sul, com aro em ouro, no valor de 1.460,00€. j. Três conjuntos de brinco de pérolas verdadeiras (um par de brincos rentes à orelha, com pérolas pequenas, um par de brincos rentes à orelha com pérolas grande e um par de brincos, em ouro, com a pérola em baixo), no valor de 400,00€; k. Um par de brincos pendentes, com pedra rosa, no valor de 270,00€; l. Um par de brincos pendentes com pérolas pequenas brancas, no valor de 200,00€; m. Um par de argolas em ouro, no valor de 225,00€; n. Um par de brincos com contas de Viana, no valor de 150,00€; o. Uma pulseira em ouro, com três fiadas de malha de cordão, presas com aros de brilhantes, no valor de 2.000,00€; p. Uma pulseira, grossa, trabalhada, com pérolas brancas, no valor de 1.200,00€; q. Duas pulseiras, com pérolas pequeninas iguais aos fios furtados, no valor de 600,00€. r. Um anel antigo, com três brilhantes, no valor de 2.500,00€; s. Um anel solitário com um brilhante, no valor de 1.250,00€; t. Um anel de joalharia, antigo, no valor de 500,00€; u. Um anel de joalharia, com três pérolas, no valor de 400,00€; v. Quatro alianças (duas em ouro amarelo e duas em ouro branco), no valor de 900,00€. w. Um fio corda, no valor de 375,00€; x. Um fio rabo de boi, no valor de 450,00€; y. Dois fios com pérolas pequeninas iguais às pulseiras, no valor de 900,00€; z. Um fio liso barbela, no valor de 300,00€; aa. Um colar com contas de Viana (com brincos e cruz iguais), no valor de 1.650,00€; bb. Um fio em malha rabo de boi e pérolas (iguais aos brincos), no valor de 520,00€; cc. Um fio em couro, com topos em ouro, no valor de 75,00€. dd. Um laço com medalha antiga em joalharia, com brilhantes e gravações M e L, no valor de 1.125,00€; ee. Um alfinete com três pérolas, no valor de 225,00€; ff. Um alfinete em forma de trevo com três pérolas, no valor de 225,00€. gg. Dois relógios em ouro, no valor de 2.000,00€; hh. Um relógio da Gucci, no valor de 250,00€. ii. Um colar de duas voltas, com fecho em ouro, com pérolas brancas e pedrasrubis, no valor de 3.000,00€; jj. Um colar de tamanho médio, com fecho em ouro (bebé vestido à lavradeira), com brilhantes à volta, no valor de 1.500,00€; kk. Um colar de pérolas rosadas, com fecho em ouro, no valor de 1.500,00€ ll. Castiçais - artigos de decoração, no valor de 1.000,00€; mm. Dois castiçais lisos, no valor de 1.500,00€; nn. Um serviço de chá, com quatro peças e tabuleiro, no valor de 10.000,00€; oo. Uma floreira de centro de mesa, no valor de 800,00€; pp. Nove paliteiros, todos diferentes, no valor de 3.600,00€; qq. Três cestos, com decoração igual (recortes de frutos), de tamanhos diferentes, no valor de 1.500,00€; rr. Três salvas grandes antigas, no valor de 2.000,00€; ss. Uma salva em forma de trevo de quatro folhas, com lavabo igual (com contas), no valor de 500,00€; tt. Uma molheira antiga (marca javali), no valor de 600,00€; uu. Uma salva (bilheteira) com motivos de flores e três pés, no valor de 400,00€.
17º - Perfazendo o valor global de 52.250,00€.
18º - Aos 2ºs AA.: a. Colar contas Viana; b. Medalha grande; c. Carniceiras em ouro; d. Uma libra; e. Uma libra com aro em ouro; f. Fios em ouro (todos de malha diferente); g. Brincos coração Viana h. Uma figa i. Um trevo 4 folhas j. Um coração aberto; k. Um coração fechado; l. Uma caneta Montblanc aparo em ouro; m. Um par de brincos diamantes (igual a anel); n. Um par de brincos médios; o. Umas argolas grossas em ouro; p. Uma pulseira em ouro grossa e larga; q. Um relógio Tous; r. Dinheiro em envelope na gaveta;
19.º - Ao 3º A.: a. Um relógio Empório Armani,
20.º - À 4ª A.: a. Um colar de contas de Viana em ouro amarelo; b. Um brinco (contas de Viana) em ouro amarelo; c. Fios em ouro amarelo; d. Cinco ½ libras em ouro; e. Três fios em ouro amarelo; f. Seis pulseiras em ouro amarelo; g. Um par de brincos e um par de argolas em ouro; h. Um colar de pérolas; i. Um par de brincos de ouro com pérolas; j. Um par de brincos em ouro (antigos); k. Um porta-moedas em prata; l. Cinco bonecas/os em prata (pingentes/medalhas); m. Doze colheres em prata; n. Um colar Bvlgari,; o. Um conjunto de colar em ouro amarelo com contas azuis com pulseira igual;
21.º - Cada um dos AA. era proprietário e tinha na sua posse os bens que lhes foram furtados, encontrando-se os mesmos nas respetivas residências.
22.º - Usavam e gozavam esses bens a seu belo prazer, cuidavam dos mesmos e guardavam-nos.
23.º - E fazia-o na ignorância de ao adquirir a posse lesavam o direito de outrem;
24.º - Tendo adquirido a posse sem violência.
25º - Os AA. exerciam a posse sobre os bens furtados de forma pública, de modo a poder ser conhecida pelos interessados, designadamente usando-os.
26.º - A 1 Ré, na qualidade de órgão administrador do condomínio, e quanto à execução de obras no prédio, deu integral cumprimento às deliberações da Assembleia-Geral Extraordinária de Condóminos realizada em 15 de Setembro de 2016 (acta nº 84).
27º - Para o efeito e na concretização das sobreditas deliberações, em 16 de Março de 2017, formalizou a celebração do contrato de empreitada com a aqui 2ª Ré “O..., Lda.”, cuja cópia aqui se junta.
28º - Tal contrato de empreitada, constituído por 26 Cláusulas reguladoras, inclui toda a matéria respeitante aos direitos e obrigações dos contraentes.
29º - Tendo sido necessária para a realização da empreitada a colocação de andaimes para esse efeito.
30º - Contratou e mobilizou, para o período entre as 17h e as 8h do dia seguinte, horário correspondente à ausência dos funcionários de obra, vigilantes.
31º - Que, de forma permanente e contínua, dias úteis e fins-de-semana, aí se encontraram, cabendo-lhes a vigilância do espaço e materiais de obra e andaime.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram mais alegados com relevo para a boa decisão da causa, nomeadamente o valor dos bens subtraídos aos autores BB; FF; CC e DD.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1º - Da nulidade da sentença
Invoca a apelante nulidade da sentença por a mesma padecer de ambiguidade, obscuridade, ininteligibilidade e haver oposição entre os fundamentos e a decisão.
O nº1, do art.º 615º, do CPC, diploma a que pertencem todos os preceitos a citar sem outra referência, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:
“(…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
As nulidades de sentença, sendo vícios referentes à estrutura, aos limites e à inteligibilidade, da peça processual em causa, são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no referido nº1, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com, hipotéticos, erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito[1]. Trata-se, pois, de um error in procedendo, nada tendo a ver com os erros de julgamento - error in iudicando - seja em matéria de facto seja em matéria de direito. Como vícios intrínsecos da peça processual em causa, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nele desenvolvido, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer por essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[2]. Respeitam à estrutura ou aos limites da sentença, reportando-se àquela os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão) e a estes os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)[3].
Efetivamente as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.”.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[4].
Analisemos o apontado vício que respeita à estrutura da sentença.
Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, cumpre referir que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b)[5].
Ora, a apontada nulidade não se verifica no caso, pois o facto de a Recorrente ter contratado, para o período entre as 17h e as 8h do dia seguinte (horário correspondente à ausência dos funcionários de obra), vigilantes e de estes, de forma permanente e contínua, dias úteis e fins-de-semana, aí se encontrarem, cabendo-lhes a vigilância do espaço e materiais de obra e andaime, em nada conflitua com a decisão no sentido de a vigilância do andaime não ter, efetiva e realmente, sido efetuada, tendo sido, por nada ter sido vigiado no andaime, na altura do furto, que o mesmo se verificou.
Na verdade, diverso do que foi acordado é o que, em concreto, foi executado.
Com efeito, mesmo estando vigilantes no local, bem resulta a ocorrência do furto perpetrado através do espaço, e em concreto do andaime, que vigiado tinha de ser, não se tendo a vigilância efetuada mostrado integral e adequada, pois que entraram e saíram estranhos sem que tal fosse observado.
Concluímos, pois, não padecer a sentença da apontada nulidade, que vai indeferida, pois que nenhuma oposição entre os fundamentos e a decisão se verifica, antes os fundamentos invocados conduzem, necessariamente, à decisão, que de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível não padece, antes a mesma tem um só sentido e é clara, evidente e bem percetível, prendendo-se a questão suscitada, antes com o mérito que, adiante, será objeto de reapreciação.
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2. Da decisão da matéria de facto (fixação de tal matéria)
2.1. Ónus de impugnação da matéria de facto e do seu incumprimento pela apelante
Atendendo ao objeto do recurso, delimitado, como vimos, pelas conclusões das alegações, cumpre, agora, fixar a matéria de facto para que, de seguida, se possa entrar na apreciação da decisão de mérito. Para tal, e atenta a impugnação da matéria de facto, cabe analisar, da suscitada inobservância pela apelante, impugnante, dos ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação.
Entendem os apelados que, por não resultarem da Alegação da Recorrente os concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa sobre cada um dos factos impugnados, sendo, meramente, feita uma referência genérica aos meios probatórios sem os conexionar com cada um dos factos impugnados, o recurso tem de ser rejeitado nesta parte.
Apreciemos.
O nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º).
E o art. 640º, consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que, “1.Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (negrito nosso).
O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:
“a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (negrito nosso).
Como resulta do referido preceito, e seguindo a posição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente[6].
Com efeito, com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador impôs o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes a possibilidade de impugnar a matéria de facto, passando o Tribunal de segunda instância a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando, desse modo, um duplo grau de jurisdição em sede de impugnação da matéria de facto, como decorre do estatuído no nº1, do art. 662º, que consagra que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Verifica-se, assim, que a possibilidade de alteração da matéria de facto que, sendo excecional, passou a função normal do Tribunal da Relação, elevado a, verdadeiro, Tribunal de substituição, preenchidos que se mostrem os referidos requisitos legais, conferindo-se às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a permitir-lhes reagir contra erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas e a alcançar maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça.
O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e tal só é alcançado “perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados” por forma a permitir ao Tribunal da Relação “formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil”[7].
Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, à Relação cabe proceder a um novo julgamento, limitado, contudo, à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (nº5, do art. 607º).
Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das supra referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente[8]. Apenas se mostra consagrada a possibilidade de reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido), quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido e a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, continuando, por isso, o Tribunal da Relação, de 2ª instância, a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto[9], não podendo conhecer de matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja objeto de impugnação.
E impõe-se, desde logo, por isso, ao recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[10].
É imposição da lei e entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. nº4, do art. 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente delimite o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no nº1, do art. 640º.
Não obstante o consagrado alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos nº1 e 2, a), do art. 640º [11], impondo-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));
c) falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.) que impõem decisão diversa da impugnada;
d) falta de indicação exata, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”[12], critérios estes que têm sido aplicados pelo Supremo Tribunal de Justiça[13].
Este Tribunal Superior começou a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão, dos ónus secundários, que respeitam a requisitos formais e, quanto aos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1, do art. 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso[14].
Contudo, vem-se a assistir na Jurisprudência, principalmente na do STJ, a um decréscimo da exigência de rigor, quando razões de proporcionalidade e razoabilidade a não imponham, passando a admitir a aprciação do recurso mesmo em casos de conclusões omissas quanto aos concretos pontos impugnados desde que os mesmos se encontrem devidamente especificados no corpo das alegações[15].
Assim vem sendo entendido e decidido pelos vários Tribunais da Relação e foi-o em diversos acórdãos, designadamente em que a ora relatora foi adjunta no Tribunal da Relação de Guimarães[16] e, também, em relatados pela ora relatora[17]. E, com efeito, o “ónus de impugnação especificada”, emergente do disposto no art. 640º, n.º 1, do C. P. Civil, prende-se em especial com a definição do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida)[18].
Destarte, cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objeto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º).[19].
Como de forma elucidativa considerou o Tribunal da Relação de Guimarães, ao rejeitar o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto, “deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do tribunal ad quem, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer ex. officio e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor, claramente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1)”, mais referindo “Sabemos que o preceituado no citado artº 640 em conjugação com o que se dispõe no artº 662º do mesmo diploma legal permite a este Tribunal de instância julgar a matéria de facto.
Todavia a redacção de tais normativos não permite a repetição por este Tribunal do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas as divergências dos recorrentes - cf. neste sentido António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 124 e entre outros, os Acórdãos do STJ de 9.07.2015, P..405/09.1TMCBR.C1. S1 e de 01.10.2015, P. 6626/09.0TVLSB.L1. S1 in dgsi.pt. e Acórdão do STJ proferido no processo nº 471/10. T1 CSSC.L1. S1 com data de 09.02.2017. O acolhimento da pretensão da recorrente traduzir-se-ia numa total reapreciação da prova pela 2.ª Instância e a abertura do caminho à admissibilidade de recursos genéricos, o que não foi querido pelo legislador- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 11 de abril de 2018 e proferido no processo nº 786/16.5T8VRL.G1. S1 consulta de todos in dgsi.pt.
(…) o escrutínio da matéria de facto por parte da Relação é seletivo não se confundindo com uma mais ou menos genérica, abstrata e difusa reapreciação dos factos e das provas- ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 18.01.2018 e proferido no processo nº 668/15.3T8FAR.E1:S2 in dgsi.pt
(…)Não apontam em concreto qualquer erro de julgamento, limitando-se a indicar provas – as que vão de encontro à sua pretensão - que avaliam de um certo modo – diferente do que o tribunal efectuou e propondo a seguir, conjuntamente, a alteração das respostas de acordo com a sua versão.
Porém a impugnação da matéria de facto não pode fundar-se na simples discordância sobre a valoração de um meio de prova devendo ter por fundamento um erro de percepção desse meio de prova ou os meios de prova – por ex.: o tribunal, na fundamentação, refere que determinada testemunha afirmou este e aquele facto, e ela não produziu tais afirmações.
Na essência, os recorrentes limitam-se a fazer a sua própria apreciação de parte da prova que apresenta em sentido diferente daquele que foi sufragado pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, pretendendo por esta via impor a sua própria valoração dos factos ao tribunal e atacando a convicção que o julgador formou sobre cada um desses depoimentos.
Acontece que não compete a este Tribunal sindicar a credibilidade do Tribunal recorrido.
A credibilidade de um depoimento decorre directamente da imediação, ou seja, do contacto direto com a testemunha na audiência, da forma como a mesma encara e responde às questões que lhe são colocadas, elemento que tem uma clara dimensão subjetiva inerente à apreciação do juiz e que escapa à sindicância do tribunal de recurso, na falta de bases objetivas que lancem a dúvida sobre a razoabilidade da credibilidade inspirada- neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 04.04.2018 proferido no processo nº 462/09.0TTBRP.L2.S1 in dgsi.pt
Pelo que pretendendo os recorrentes estribarem a impugnação da decisão da matéria de facto apenas na convicção diversa que formaram sobre a credibilidade de alguns meios de prova, sem que sustentadamente mostrassem que a mesma violou qualquer regra da experiência comum, naturalmente que isso impede que dela se conheça. (…)
Sob pena de se estar a considerar a “livre convicção dos Recorrentes”, em detrimento da “livre convicção do julgador”, é inaceitável que se fundamente o ataque à matéria de facto fornecendo apenas a versão dos factos que se considera mais correta.
Desde logo porque, tratando-se em ambos os casos de “livre convicção”, com o que ela tem de pessoal, incumbiria sempre a mesma pergunta: qual delas seria a mais consentânea com a realidade material?
«Pretende-se que o advogado apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se «impunha» a formação de uma convicção no sentido pretendido pelo recorrente.
Se o não fizer, ainda que de forma deficiente, salvo se o erro na apreciação da prova for ostensivo, o tribunal de recurso não tem uma questão de facto para decidir, ou seja, à argumentação do tribunal recorrido não se opõe qualquer outra argumentação alternativa.» - Acórdão do TRP, de 17.03.2014 (processo 3785/11.5TBVFR.P1, Relator Alberto Ruço)”[20].
“Nos termos do nº1, al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinga o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente”[21].
Assim, e como decidiu o STJ, “O apelante pretendendo que o Tribunal da Relação reaprecie o julgamento da matéria de facto, para dar cabal cumprimento ao preceituado na al. c) do nº1, do art. 640º, do NCPC (2013), deve ser claro e inequívoco, afirmando que os pontos da matéria de facto impugnados deveriam ter as respostas que segundo a sua apreciação deveriam ter tido, indicando-as, de harmonia com as provas que indicou.” e “Tal ónus não se satisfaz expressando o recorrente meras apreciações discordantes do julgamento e juízos de valor críticos, referidos aos depoimentos das testemunhas indicadas”. Mais esclarece “A mera indicação de que certos pontos da matéria de facto, que são indicados, não deveriam ter tido as respostas que tiveram, sem se dizer quais as respostas que numa correta apreciação deviam merecer, não cumpre aquele ónus”[22].
Das conclusões é exigível que, no mínimo, conste, de forma clara, quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto. E não observado o ónus primário de indicação da decisão a proferir, a que respeita a al. c) do nº 1 do artigo 640º por parte do recorrente é de rejeitar a reapreciação da decisão de facto[23].
É, pois, pacífico, na Doutrina e na Jurisprudência, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter além da indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, o concreto, específico, sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).
Assim, mesmo o “Supremo Tribunal de Justiça continua, de uma forma reiterada, a decidir que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
São, assim, dois os ónus que, em sede das conclusões do Recurso, impendem sobre o Recorrente que pretende impugnar a matéria de facto.
O primeiro ónus é constituído pela indicação dos pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo Tribunal de Recurso.
O segundo ónus é constituído pela indicação da decisão alternativa que se pretende que o Tribunal de Recurso adopte.
Ora, é patente e manifesto que a Recorrente não cumpriu aqueles ónus, ao não indicar nas conclusões do Recurso, qual era a matéria de facto (provada e não provada) que pretendia, de uma forma especificada, impugnar.
Nessa medida, tem que se entender que a Recorrente, ao não cumprir esse ónus, acabou por não circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto nos termos exigidos pelo legislador.
Este não cumprimento deste ónus tornaria, assim, impossível a pronúncia do Tribunal sobre essa factualidade, pois que a consequência desse não cumprimento (imposto pela citada al. a), do nº1, do art. 640º, do CPC) é a rejeição da impugnação na parte correspondente – e caso o presente Tribunal se pronunciasse poder-se-ia até entender que incorreria no vício de excesso de pronúncia e, portanto, na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC como de uma forma precisa se conclui no recente ac. do STJ de . 19.6.2019 (Relator: Helder Almeida) atrás citado”[24].
E a delimitação tem de ser concreta e específica. O recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura da decisão impugnada. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco por referência a “factos provados” ou “factos não provados” e, menos ainda, por referência aos factos alegados – com a menção “Resultam, assim, no essencial, provados os factos constantes dos itens 1º a 12º e 18º a 22º da peça processual impetrante”, sendo “de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, se a alusão a determinados meios probatórios bem como ao quadro factual alegado é efetuada de forma genérica, sem que se estabeleça a necessária ligação entre os meios probatórios (ou as circunstâncias processuais mencionadas) e um determinado ou concreto resultado[25].
Analisando as conclusões das alegações da Apelante, constata-se que a Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, não faz referência a concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados indicando, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto, de cada concreta e especificada questão e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ter sido proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, em obediência às três alíneas do nº1, do referido art. 640º.
Na verdade, e após o que refere no corpo das alegações, formula a Ré Apelante as conclusões supra referidas, que, como se referiu, delimitam o objeto do recurso.
E, efetivamente, verifica-se que a recorrente, embora indique especificadamente os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados:
- não especifica os meios probatórios que determinam/impõem decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos impugnados, analisando criticamente as provas no contexto da análise efetuada pela decisão impugnada.
Assim, e na verdade, o referido nas alegações e conclusões da alegação não basta para que se possa considerar cumprido aquele ónus, o que obsta ao conhecimento do objeto de recurso, pois que nesta Segunda Instância não se realiza novo julgamento sendo, tão só, de reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados. A falta de indicação por parte da apelante dos elementos probatórios a imporem a alteração de cada um desses pontos nos termos por ela propugnados, relativamente a cada facto concreto, situação esta que se verifica in casu, tem, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão, pois que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no nº3, do art. 639º[26].
Acresce que a Recorrente não faz, também, qualquer apreciação crítica dos meios de prova produzidos e considerados pelo Tribunal a quo, quanto a cada concreto facto, a justificar o erro de julgamento que invocam, em termos genéricos, tendo de o fazer, pois que só assim cumpririam a exigência de obrigatória especificação imposta pelo nº1, do art. 640º.
E, como se decidiu a Relação de Lisboa “Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPC, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente – sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas” e “Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo[27].
No mesmo sentido se orienta toda a jurisprudência – v., designadamente Ac. da Relação de Guimarães de 3/3/2016, Processo 283/08 e de 4/2/2016: Processo 283/08.8TBCHV.A.G1, ambos in dgsi.net – onde se refere que “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº4, do art. 607º, do CPC, que o tribunal de 1ª instância faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Não cumpre o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto a que se refere a al. b), do nº1, do art. 640º, do NCPC, o recorrente que se limita a transcrever uma parte … do depoimento, daí partindo para a formulação da sua pretensão de modificação de diversos pontos da matéria de facto que indicou em bloco”.
Como bem referem os recorridos, a recorrente faz comentários à análise probatória vertida na sentença recorrida em termos genéricos, omitindo o que impõe a, pretendida, decisão diversa, que não indica justificadamente.
Não é efetuada análise crítica das provas nem análise contextualizada do, sobre elas, decidido, sequer são apontadas respostas que se imponham a cada um dos pontos impugnados.
Com efeito, afirma a apelante “discorda a Recorrente, da factualidade vertida na fundamentação dada como provada nos pontos 9º, 10º, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 25[28] porquanto entende que, face à prova produzida em audiência de julgamento, não resultam provados que os factos consubstanciadores, para dar a matéria como provada, e ali vertidos, tenham efetivamente acontecido”, sendo que “A razão da discordância da Recorrente, baseia-se, essencialmente, na apreciação que o Tribunal a quo, fez do depoimento dos Recorridos e das declarações das Testemunhas”, sem que, contudo, apresente a especificada análise crítica das provas, por forma a fundamentar erro de julgamento, e sem que indique o que impõe decisão diversa da dada, manifestando, sim, inconformismo, o mero não aceitar respostas dadas por ser outra a sua opinião quanto à versão das partes.
Aponta erro de apreciação da prova por parte do Tribunal a quo quanto a factos, mas não faz a análise crítica da decisão - de acordo com a livre convicção formada pelo julgador e objetivamente revelada -, não apresentando a análise crítica das provas.
No caso presente, ainda que se conceda que os apelantes, ao impugnarem, tenham cumprido o ónus da alínea a), apesar de fazerem menção, em bloco, aos concretos pontos de facto incorretamente julgados, não satisfizeram a imposição supracitada na alínea b), pois não indicaram os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. E, na verdade, a lei não se contenta com que o recorrente diga qual a matéria de facto que considera incorretamente julgada, impondo-lhe, além disso, que indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Ora, a recorrente não menciona as razões porque decisão diversa da tomada se impõe facto por facto, fazendo, até referência a “essencialmente”, por isso não na totalidade, ficando sem se saber o que é afastado.
Na verdade, para que a decisão da matéria de facto possa ser impugnada necessário é que se especifique e fundamente o que impõe decisão diversa, não bastando mera convicção, opinião ou ato da vontade do recorrente de aceitar ou não aceitar, não bastando, pois o vão inconformismo da apelante.
Analisadas as conclusões de recurso bem como o corpo alegatório e no seguimento do que se referiu, constata-se a omissão pela recorrente do cumprimento do ónus estatuído na al. b), do nº1, do art. 640º, pelo que se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto interposto pela Ré Apelante, nesta parte.
Assim, por falta de observância do disposto na alínea b), do nº1, do art. 640º, do CPC, nos termos supra expostos, rejeita-se o recurso, na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto, nenhuma alteração havendo a fazer à decisão da matéria de facto, pois que se não impõe decisão diversa, antes a matéria de facto se mostra devidamente decidida, segundo a livre convicção de julgador, e se mantem.
*
3. Do erro da decisão de mérito:

3.1 – Da responsabilidade civil da Ré Apelante pelos danos sofridos pelos Autores e da culpa dos lesados. Natureza, pressupostos e limites

Tem a ação contra o condomínio e a empreiteira, por fundamento o facto de, durante a realização de obras de reabilitação da fachada do prédio, que, para o efeito, implicaram a colocação de andaimes, não terem sido acautelados os especificados riscos, acrescidos, de introdução, pelas janelas, através dos andaimes, de estranhos nas habitações, que se vieram a materializar, levando, desconhecidos, bens dos Autores.
Insurge-se a Ré Recorrente contra a decisão de mérito que pretende ver alterada, desde logo, na sequência da procedência da sua impugnação da decisão da matéria de facto.
Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo os apelantes logrado impugnar, com sucesso, tal matéria, que, assim, se mantém inalterada, necessariamente prejudicado ficaria o seu conhecimento, o que seria a declarar, nos termos do nº2, do art. 608º, aplicável ex vi parte final, do nº2, do art. 663º e do nº 6, deste artigo.
Sempre se dirá, contudo, estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré apelante.
Vejamos.
Relativamente à questão da responsabilidade da Ré Apelante, empreiteira, pelos danos sofridos pelos Autores, considerou o Tribunal a quo, pacificamente, estarmos perante responsabilidade civil contratual, pois que se trata do incumprimento de um contrato, com imputação à apelante de desrespeito de obrigações assumidas, causadora de danos a condóminos, analisando que a responsabilidade obrigacional exige os mesmos pressupostos reclamados pela responsabilidade civil extracontratual, ou seja, o facto, a ilicitude, o nexo de imputação, o dano e o nexo de causalidade, embora a culpa se presuma nos termos do nº 1 do art. 799.º, do C. Civil, considerando que, in casu, todos eles resultam, efetivamente, verificados.
Indicam os Autores como fonte da obrigação da 1ª Ré, que se traduz num direito seu, e cujo cumprimento reclamam nos autos, a responsabilidade civil.
Responsabilidade civil é o conjunto de factos que dão origem à obrigação de indemnizar os danos sofridos por outrem[29].
Na responsabilidade civil cabe distinguir a:
1 - Responsabilidade civil contratual (obrigacional), que é a que decorre da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos;
2 - Responsabilidade civil extracontratual (delitual/aquiliana) que é a que advém da violação de direitos absolutos (violação de deveres genéricos de respeito, violação de normas gerais destinadas à proteção de outrem) ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem, sendo categorias desta: a) a emergente de atos ilícitos; b) a emergente de atos lícitos (ato consentido por lei mas que a mesma lei considera de justiça que o seu titular indemnize o terceiro pelos danos que lhe causar); c) a emergente do risco (alguém responde pelos prejuízos de outrem em atenção ao risco criado pelo primeiro).
Assim, a “responsabilidade extracontratual surge como consequência da violação de direitos absolutos, que se encontram desligados de qualquer relação pré-existente entre o lesante e o lesado (obrigação de indemnizar em consequência de um acidente de viação, por exemplo)” e a “responsabilidade contratual pressupõe a existência duma relação inter-subjectiva, que atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa mesma relação (caso típico da violação de um contrato)”[30].
O Código Civil, abreviadamente CC, diploma a que doravante nos passamos a referir na falta de outra indicação, ocupa-se da matéria da responsabilidade civil:
- no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º;
- no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 5620 a 5720;
- e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 798° a 812º).
Alicerçam os Autores a sua pretensão no incumprimento do contrato celebrado com a Ré, ora apelante, fundamentado estando o direito à indemnização de que se arrogam em responsabilidade civil contratual.
Na verdade, a responsabilidade civil contratual distingue-se da extracontratual ou aquiliana pelo facto de naquela estar em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e esta emergir da violação de deveres de ordem geral e correlativamente de direitos absolutos do lesado.
Estas duas categorias de responsabilidade civil - porque diferentes - foram tratadas pelo Código Civil em secções distintas quanto à regulação da sua fonte (nos artigos 483.º ss para a responsabilidade civil extracontratual e nos artigos 798.º e ss para a responsabilidade contratual), ainda que seja hoje dominante uma corrente que considera não ser esta repartição estanque, existindo normas no sector reservado à responsabilidade delitual que se aplicam, manifestamente, à responsabilidade contratual, como é o caso das referentes à obrigação de indemnizar, que foi objeto de um tratamento unitário pelo legislador nos artigos 562.º e seguintes do Código Civil.
A responsabilidade civil obrigacional deve ser considerada como sendo uma fonte de obrigações, tal como a delitual, e não como uma mera modificação da obrigação inicialmente constituída. A sua especialidade resulta da circunstância de a sua fonte ser a frustração ilícita de um direito de crédito, o qual era primariamente tutelado através da ação de cumprimento. No entanto, o dever de prestar, violado, não se confunde com o dever de indemnizar originado em consequência dessa violação tendo antes uma fonte autónoma: a responsabilidade obrigacional. A diferença entre a responsabilidade delitual e a responsabilidade obrigacional é que, enquanto aquela surge como consequência da violação de direitos absolutos, que aparecem desligados de qualquer relação inter-subjetiva previamente existente entre lesante e lesado, esta pressupõe a existência de uma relação inter-subjetiva, que primariamente atribua ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica [31].
E há, ainda, “situações em que não existe um direito primário de crédito, por meio do qual alguém possa exigir de outrem uma prestação, mas a responsabilidade surge em consequência da violação de deveres específicos e não apenas dos deveres genéricos de respeito, que se apresentam como contrapostos aos direitos absolutos. Fala-se, por isso, de uma terceira via da responsabilidade civil, onde se poderão incluir situações como a violação dos deveres de boa fé, geradoras de responsabilidade pré-contratual e pós-contratual. Efetivamente esses deveres não possuem uma tutela primária, através da ação de cumprimento, mas surgem no âmbito de ligações específicas entre as partes que instituem deveres que constituem um plus relativamente ao dever geral de respeito” [32] [33].
Surgem, também, situações de concurso entre responsabilidade contratual e aquiliana, casos em que estas responsabilidades se misturam e em que difícil é desenhar os campos de aplicação de cada uma delas, sequer separar as suas fronteiras, tendo tal “especial acuidade no domínio do cumprimento defeituoso, na medida em que neste tipo de violação contratual se verifica uma maior propensão para ocasionar diferentes prejuízos, em simultâneo, no domínio contratual e delitual”[34] havendo situações em que há uma só pretensão – a indemnização – com um duplo fundamento, existindo um concurso de normas e não um concurso de acções”[35].
Vaz Serra esclarece “não pode negar-se que o mesmo facto pode, ao mesmo tempo, representar uma violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual” – “Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual”, in BMJ, 85, 115-239 e, no mesmo sentido, Rui de Alarcão afirma que “o mesmo facto humano pode provocar um dano simultaneamente contratual e extracontratual” – “Direito das Obrigações” (Lições Policopiadas – 1983), pág. 210, daí falar-se em “cúmulo de responsabilidades”, em “concurso de normas” que fundamentam a mesma pretensão, sendo que como bem analisa Almeida Costa, o concurso das responsabilidades, contratual e extracontratual, reconduz-se à figura do concurso aparente, legal ou de normas, consumindo o regime de responsabilidade contratual o da extracontratual, sempre que “perante uma situação concreta, sejam aplicáveis paralelamente as duas espécies de responsabilidade civil”. - Almeida Costa, “Direito da Obrigações”, 6ª edição, págs. 455- 461[36].
Analisou a Relação de Lisboa que na questão do concurso da responsabilidade contratual e extracontratual têm vindo a ser praticados dois sistemas: o do cúmulo e o do não cúmulo, surgindo, no primeiro três entendimentos: a possibilidade de o lesado se socorrer, numa única ação, das normas da responsabilidade contratual e extracontratual; a de se lhe conceder a opção entre os procedimentos fundados apenas numa ou noutra dessas responsabilidades; e a de admitir, em ações autónomas, ao lado da responsabilidade contratual, a responsabilidade extracontratual e o, a excluir o cúmulo, consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual, em decorrência de um princípio de subsunção. Para quem seja adepto do concurso das duas responsabilidades, será ainda possível configurar esse concurso como de ações, ou de normas (ou pretensões). Aceitando-se um concurso de ações, será diferente a causa de pedir: por um lado, o contrato, por outro, o dever jurídico de neminem laedere, isto é, a regra geral de não lesar outrém. Sendo única a ação, haverá um concurso de pretensões, surgindo o dever contratual e o dever geral de não ofender direitos e bens alheios como deveres jurídicos independentes, colocados ao lado um do outro, não sendo proibido ao autor invocar em grau posterior do processo, uma norma diversa da que alegara, e sem que se possa dizer que o juiz decide ultra petita se aplicar uma norma diversa da invocada pelo autor. Quando o mesmo facto causa danos de diversa natureza, não se pode considerar que estejam fundamentadas pretensões distintas, havendo uma única causa petendi: o dano e a qualificação de contratual ou delitual não altera a identidade do pedido[37].
Entendeu o STJ que existindo concurso de títulos de imputação ou concurso de pretensões, o lesado pode escolher o regime mais favorável, não sendo de aceitar a existência de duas ações, pois que existe uma única conduta ilícita, uma unidade de pedido indemnizatório e de indemnização, tudo se reconduzindo à figura do concurso aparente[38].
Aprofundando e sintetizando a doutrina mais avisada e a jurisprudência, bem decidiu em recente acórdão a Relação de Lisboa: É aparente o concurso entre a responsabilidade civil contratual e extracontratual, matéria no âmbito da qual, as diversas orientações se dividem em dois grupos: - os denominados sistemas do cúmulo; e, - o sistema do não cúmulo. Na primeira orientação cabem três perspectivas: - a de o lesado se socorrer, numa única acção, das normas da responsabilidade contratual e extracontratual, amparando-se nas que entenda mais favorável; - a de conceder-se-lhe opção entre os procedimentos fundados apenas numa ou noutra dessas responsabilidades; e, - a de admitir, em acções autónomas, ao lado da responsabilidade contratual, a responsabilidade extracontratual. A segunda orientação, a do sistema que exclui o cúmulo, consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual, em decorrência de um princípio de consunção.
A lei portuguesa omitiu preceito expresso decisor da controvérsia, pelo que a solução há-de procurar-se no seu quadro se apresente mais adequada, ponderando, sobretudo, os interesses e valores contrapostos.
Sendo certo que o Código Civil vigente consagra regimes sem diferenças essenciais para a responsabilidade contratual e a extracontratual, as poucas diferenças entre ambas permitem concluir que a disciplina da primeira, globalmente encarada, confere maior protecção ao lesado.
Se, de um vínculo negocial, resultarem danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual, a mesma solução se impondo quando o facto que produz a violação do negócio, ou melhor, da relação que dele deriva, simultaneamente preenche os requisitos da responsabilidade aquiliana.
Trata-se da solução que se mostra mais correcta no plano sistemático e no da justiça material, razão pela qual se adere à ideia da exclusão do cúmulo entre ambos os tipos de responsabilidade, pois que acautela devidamente todos os interesses atendíveis do lesado, sem sacrifício injusto da posição do responsável, só não sendo de adotar em face de preceito legal que estipule o contrário[39].
Não podendo, na verdade, em caso de concurso ou concorrência das duas mencionadas modalidades de responsabilidade civil, pelas razões referidas, ser efetuado o cúmulo dos seus regimes, impondo-se a exclusão do mesmo, o pedido de indemnização por danos deve alicerçar-se, tão só, nas regras da responsabilidade contratual, pois que, vigorando o princípio da autonomia privada e da liberdade contratual, compete às partes fixar a disciplina que rege as suas relações, não podendo, atendo o referido e o espírito do sistema, deixar de continuar a imperar este regime, aplicável na sua globalidade e como um todo, a reger a relação das partes contratantes, consumindo o específico regime da responsabilidade contratual o da extracontratual[40].
Cumpre, pois, analisar se estamos perante responsabilidade contratual, cujo regime, a verificar-se esse enquadramento legal, tenha, como vimos, de imperar sobre o regime da responsabilidade extracontratual.
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Ora, conforme decorre do disposto no artigo 798.º, os pressupostos da responsabilidade civil contratual em pouco ou nada diferem dos da responsabilidade extracontratual (art. 483º).
São eles:
a) o facto voluntário do agente a que a lei (artigo 798.º) faz menção quando na estatuição se refere ao "devedor que", ou seja, quando estabelece que o incumprimento é consequência de um comportamento do obrigado;
b) a ilicitude traduzida na utilização do verbo faltar como sinónimo de violar não o direito absoluto de outrem, mas um direito de crédito ou relativo: "falta ao cumprimento da obrigação";
c) a imputação subjetiva, ou seja, a culpa a que o artigo 798.º se refere expressamente quando utiliza o advérbio de modo "culposamente";
d) o dano, uma vez que a lei fala em responsabilidade pelos prejuízos; e
e) a imputação objetiva, isto é, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que no texto do artigo 798.º decorre da fórmula " que causa ao credor".
As diferenças residem essencialmente no facto de na responsabilidade contratual, a culpa do lesante se presumir – v. nº1, do artigo 799.º.
E, com efeito, na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado o ónus de provar todos os referidos pressupostos consagrados no nº1 do art. 483º, do Código Civil, entre eles, como vimos, a culpa do autor da lesão, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos daquele Código, salvo existindo presunção especial de culpa, já que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos especificados na lei - v. nº 2 do artigo 483º do Código Civil, contando-se, entre tais casos o consagrado no artigo nº2, do art. 493º, do Código Civil.
Assim, “a responsabilidade civil pressupõe, em regra, a culpa do agente por dolo ou mera negligência, incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa (artigos 483º e 487º do Código Civil).
Ciente de que em muitos casos essa prova pode ser difícil, o legislador estabeleceu situações de inversão do ónus da prova, em que a responsabilidade continua a depender da culpa do agente, mas essa culpa se presume.
Um desses casos é precisamente o exercício de atividade tida por perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados (artigo 493º, n.º 2, do Código Civil)”.
Nos termos do disposto no nº2, do artigo 493º, do CC, “quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
Este preceito constitui uma das exceções ao princípio geral enunciado no n.º 1 do artigo 487.º, do Código Civil, prevendo a inversão do ónus da prova, ou seja, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma atividade perigosa, em consequência da qual ocorre o dano. A lei presume a culpa, impondo ao agente que demonstre ter empregado todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, ou seja, por outras palavras, ter actuado com a devida diligência[41].
Consagra uma presunção de culpa quanto aos danos decorrentes de atividades perigosas seja “por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados”.
Como refere Ana Prata Não se foi além disto, isto é, a um princípio geral de responsabilidade pelo risco quanto a estas atividades. Tratou-se, contudo, dentro da sua limitação, do acolhimento de uma conceção do risco/atividade, em detrimento da de risco/proveito, que é de aplaudir… Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 495, opinam que “este preceito (…) é dos que mais claramente revelam o caráter excecional da responsabilidade pelo risco, na medida em que, mesmo quanto às actividades dessa natureza, onde a teoria do risco mais tende a afirmar-se, a lei admite a prova da falta de culpa como causa de exclusão da responsabilidade do agente”.[42]
A lei não fornece “um elenco de actividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos dessa norma e também não fornece um critério em função do qual se deva afirmar a perigosidade da actividade, esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria actividade como a natureza dos meios utilizados.
A perigosidade é apurada caso a caso, em função das características casuísticas da actividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base a «directriz genérica» indicada pelo legislador.
Deve ser considerada perigosa a actividade que possui uma especial aptidão produtora de danos, um perigo especial, uma maior susceptibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes”[43].
E se é certo que o n.º 2, do artigo 493.º, do Código Civil, não indica o que deve entender-se por “atividade perigosa”, admitindo apenas, ainda que de forma genérica, que a perigosidade deriva da própria natureza da atividade, ou da natureza dos meios utilizados, revela-se pacífico na jurisprudência o entendimento de que a atividade de pirotecnia é, inquestionavelmente, uma atividade perigosa pela sua própria natureza[44], sendo a atividade aqui em causa, de reabilitação de um edifício com colocação de andaimes, também perigosa para efeitos deste preceito, criando uma situação de especial perigo para pessoas e bens.
Não definindo a lei o que deve entender-se por atividade perigosa, apenas conexiona, genericamente, essa perigosidade com a própria natureza da atividade ou dos meios utilizados pelo agente, como acontece com o lançamento e queima do fogo-de-artifício, a que é aplicável o disposto no artigo 493.°, n.° 2, do CC, ou seja, o da responsabilidade assente na culpa, embora presumida, não se regendo pelos princípios da responsabilidade objetiva ou independentemente de culpa, em que o agente suportaria sempre as consequências do facto ilícito, independentemente de culpa.
A inversão do ónus da prova, ou seja, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma atividade perigosa, consagrada pelo art. 493.°, n.° 2, do CC, não altera o princípio matricial de que a responsabilidade depende da culpa, salvo nos casos especificados na lei, portanto se trata de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objetiva, agravando o dever normal de diligência, não bastando, para afastar a responsabilidade, a prova de ter agido sem culpa, sendo necessário demonstrar que se adotaram todas as providências destinadas a evitar o dano.
As providências a adotar pelo agente, idóneas a evitar os danos são ditadas pelas particulares normas técnicas ou legislativas inerentes às especiais atividades, ou as regras da experiência comum[45].
Estando-se perante o exercício de uma atividade perigosa, o lesante só poderia exonerar-se da responsabilidade pelos danos causados a outrem no contexto desta atividade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar.
Ora, in casu, movemo-nos no âmbito da responsabilidade contratual, em causa estando, como bem decidiu o Tribunal a quo, a violação de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários.
Analisemos, pois, da violação de obrigações contratualmente assumidas pela Ré Apelante, causadora de danos aos Autores e da medida da responsabilidade decorrente de tal violação.
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O “Cumprimento e não cumprimento das obrigações” vem regulado no Capítulo VII, arts 762º e seguintes do Código Civil, sendo que o princípio da pontualidade no cumprimento das obrigações que tenham por fonte contratos se encontra materializado quer no nº1, do art. 763º, quer no nº1, do art. 406º.
O cumprimento de acordo com o nº1, do art. 762º, consiste na realização da prestação debitória. É a realização voluntária da prestação pelo devedor, que ela se vinculou[46], impondo o nº 2 que a conduta de ambas as partes na relação obrigacional se paute pelas regras da boa fé. E atuar de boa fé no cumprimento da obrigação é agir com o maior empenho, lealdade e correção na realização da prestação a que o devedor se encontra adstrito[47].
Assim, o vínculo obrigacional é uma realidade composta ou complexa, que não se reconduz ao mero dever de prestar a cargo do devedor, englobando deveres acessórios de conduta, baseados na boa fé: deveres de lealdade, de esclarecimento, de colaboração, de protecção[48].
O nº2 enuncia o princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações contratuais e no exercício do direito de crédito correspondente, revelando-se a aceção objetiva da boa-fé, enquanto norma de conduta ou critério do agir humano[49]. Tal princípio desdobra-se numa série interminável de deveres secundários da prestação e principalmente de deveres acessórios da conduta que recaem, por igual, sobre ambos os sujeitos da relação jurídica (RLJ, 106º, 52)[50]. Resulta, pois, que da boa fé no cumprimento decorrem, para o devedor, variados deveres acessórios e secundários, impondo-se-lhe, que omita todos os atos que possam por em causa um comportamento pontual e que empreenda todos os comportamentos que se mostrem necessários para que aquele tenha lugar[51].
No cumprimento vigora o princípio da autonomia da vontade (art.405º), devendo, por isso, atender-se em primeiro lugar ao que as partes estipularam, de forma expressa ou tácita e no próprio contrato ou em convenção posterior, a respeito do cumprimento, apresentando as normas legais natureza supletiva[52].
A boa fé, imposta pelo nº2, do art. 762º, ilumina e reflete-se em toda a economia do contrato e durante todo o período da sua execução vinculando os contraentes não ao mero cumprimento formal dos deveres da prestação que recaem sobre eles, mas à observância do comportamento que não destoe da ideia fundamental da leal cooperação que está na base do contrato[53] e refere-se tanto aos deveres principais ou típicos da prestação e aos deveres secundários ou acidentais, como também aos deveres acessórios de conduta quer do lado do devedor quer do do credor[54], sendo inadmissível e fortemente atentatório da boa fé na realização da prestação de vigilância de uma obra de reabilitação da fachada com colocação, para tanto, de andaime não realizar efetiva vigilância a entrada e saída de pessoas pelos andaimes.
As obrigações laterais ou acessórias surgem como o resultado do comprometimento das partes, ligadas ao cumprimento das obrigações principais, com estas coenvolvidas, estando muitas vezes, na base de todo o desenvolvimento negocial e, até, o determinando[55] , impondo-se, no cumprimento das obrigações, o dever de agir com honestidade e consideração pelos interesses da outra parte[56].
O artigo 798º, ao estatuir “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, enuncia o “princípio geral da responsabilidade obrigacional subjetiva”, que, “tal como a delitual (art. 483º), supõe um ilícito (o incumprimento), a culpa, um dano e uma relação causal entre aquele e este”[57], sendo que neste regime há uma presunção geral de culpa do devedor (nº1, do art. 799º), e na responsabilidade extracontratual a regra é a de que o credor da indemnização a tem de provar (art. 487º, nº1).
Do nº1, do art. 799º decorre uma presunção de culpa do devedor pelo não cumprimento, tendo, contudo este de ser, efetivamente, provado, bem como os demais requisitos, seja qual for a modalidade, pelo credor[58], sendo a culpa, nos termos do nº2, “apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”, remetendo-se, assim, para o nº2, do art. 487º, sendo esta “o não cumprimento de um dever jurídico: o dever de diligência e este dever legal de conteúdo indeterminado (diligência juridicamente devida) é a que teria tido um bom pai de família colocado nas circunstâncias do agente, daí decorrendo que tal diligência tem uma medida diversa para o mesmo ato se o agente for um profissional ou não, exigindo-se àquele uma perícia, conhecimento, qualificações não esperáveis deste [59].
E o não cumprimento/cumprimento defeituoso pode resultar do não cumprimento de deveres principais, essenciais ou de deveres acessórios e secundários.
O princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações contratuais, que funciona em termos bidirecionais, impõe às partes outorgantes que atuem “na realização do direito e no cumprimento das obrigações correspondentes, de forma reta, leal e honesta, observando elevados padrões de lisura e de probidade, e em termos que contemplem o interesse da contraparte. A boa-fé conforma, nesta medida, os termos da execução da prestação debitória, impondo um cumprimento, não meramente formal, mas também (…) em termos adequados à realização do interesse do credor. O princípio da boa fé tem uma importância genética, na medida em que fundamenta a constituição de deveres acessórios ou laterais de conduta, não diretamente explicitados num preceito da lei nem no conteúdo contratual. Neste sentido, o cumprimento (integral e pontual – cfr. artigos 406º, nº1 e 763º) da prestação tem de ser acompanhado, sempre que as circunstâncias do caso o reclamem (v.g., o tipo de negócio, a natureza do bem ou do serviço contratado, as condicionantes objetivas e materiais do local ou do modo do cumprimento) pela observância de deveres de cuidado (v.g. a adequada embalagem do bem; o transporte cuidado do bem), de proteção, de informação e de lealdade. A boa-fé reclama dos contraentes, pois, estritos deveres de cooperação. (…)
Entre os deveres acessórios, fundamentados – direta ou indiretamente – na boa fé, cumpre relevar deveres de proteção, certos deveres de lealdade e deveres de informação”[60], sendo abordados pela doutrina como, padrões de conduta, deveres laterais e deveres acessórios a observar os de proteção, de informação e de lealdade[61].
A boa-fé no cumprimento da obrigação abrange “os atos preparatórios e instrumentais quanto ao cumprimento, assim como os comportamentos subsequentes à entrega do bem ou à realização da prestação. Numa palavra, o cumprimento da obrigação deve pautar-se por exigências de informação e de esclarecimento, de proteção e de cuidado, e de diligência” e verificando-se a sua inobservância “há fundamento de responsabilidade civil obrigacional – v. Menezes Cordeiro, 2017:420. Por conseguinte, a responsabilidade obrigacional pode ancorar-se no incumprimento de deveres principais, secundários ou laterais – vd. Brandão Proença, 2017: 280.Vd., ainda, Almeida Costa, 2009:76-80”[62].
Cumpre, pois, analisar se o contrato foi incumprido e, em caso afirmativo, a indemnização a que os Autores têm direito.
São três as formas/modalidades de não cumprimento do contrato:
1- O incumprimento definitivo, que, resumidamente, ocorre quando:
a) no momento da prestação, esta não seja acatada pelo devedor, impossibilitando-se de seguida;
b) por força da não realização da prestação ou do atraso na mesma, o credor perde o interesse objetivo na sua efetivação;
c) havendo mora do devedor, este não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor;
d) o devedor manifeste que não quer cumprir ou que não cumprirá, podendo esta manifestação resultar de declaração expressa ou de atos concludentes;
2- A mora, que é um não cumprimento temporário - a prestação, ainda possível, não foi realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor;
3- O cumprimento defeituoso, que consiste em a prestação realizada pelo devedor não cumprir as condições de integridade e identidade do cumprimento, abrangendo os vícios e defeitos que pode ter o objeto da prestação, não ser esta oferecida às pessoas que a deviam receber ou em circunstâncias de lugar e tempo de cumprimento acordadas[63].
O incumprimento em sentido amplo, no qual se inclui o cumprimento defeituoso, vem previsto nos artigos 798° e 799°, sendo que apesar da referência que vem feita no artigo 799°, 1, todos do C.C., ao cumprimento defeituoso ele não vem regulado especialmente[64].
Consagra o referido nº1, do art. 799º, que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
In casu, a existir incumprimento culposo pela 1ª Ré, estaríamos, na verdade, perante responsabilidade contratual regulada no art.º 798º, do C.C., consagrando este artigo que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Porém, para que o devedor incorra em responsabilidade contratual e em obrigação de indemnizar é necessário que se encontrem preenchidos os referidos pressupostos, cuja verificação, cumpre aferir.
À analise do requisito da ilicitude é essencial determinar quais as obrigações das partes, decorrentes do contrato celebrado, e comparar o conteúdo das mesmas com os comportamentos efetivamente empreendidos (alegados e provados), a fim de aferir se estes traduzem violações daquelas.
E o devedor está obrigado não só ao que expressamente se estipulou, quer inicialmente quer em convenção posterior, mas também ao que do convencionado decorra das regras da boa fé, como resulta do referido nº2, do art. 762º.
O credor tem de provar a ilicitude bem como o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, presumindo-se, contudo, a culpa (cfr. nº1, do art.º 799.º).
Bem concluiu o Tribunal a quo, face aos factos provados, estarem in casu verificados os requisitos a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação subjetiva (culpa) e a imputação objetiva (nexo de causalidade) e d) os danos.
E, efetivamente, da factualidade provada resulta a ilicitude da atuação da Ré Apelante, pois que não foi integralmente realizada a prestação de vigilância, sendo, assim, a conduta da Ré ilícita, presumindo-se a culpa, nos termos do nº1, do art.º 799.º, do CC.
Com efeito, provou-se que:
- Os assaltantes se introduziram nas residências dos AA. pelas janelas existentes nas mesmas, localizadas na fachada do edifício integrante das frações;
- Os assaltantes acederam às referidas janelas utilizando os andaimes que se encontravam montados na fachada onde as mesmas se situam;
- Esses andaimes haviam sido ali colocados pela 2ª R. para realizar uma obra na fachada (obra essa que havia sido contratada entre o condomínio e a empreiteira)
- A Apelante sabia que a colocação de andaimes junto à fachada do edifício, facilitava e permitia o acesso às janelas das habitações, e a introdução nas mesmas de pessoas estranhas (cfr. fps 9 a 13).
E, não obstante isso e apesar de caber à apelante a vigilância dos andaimes (cfr. f,p. nº31) a mesma não efetuou, de modo integral, a vigilância dos referidos andaimes, pois que não obstou à entrada de quem levou os bens consigo.
Assim, é violadora de obrigação expressamente assumida e do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações - logo ilícita - a atuação da empreiteira que obrigada à vigilância dos andaimes, deixa, para eles, entrar pessoas e, posteriormente, permite que saiam levando consigo toda uma quantidade de objetos, como referido nos factos provados, furtados das habitações dos condóminos autores, incorrendo em responsabilidade contratual por violação do dever efetiva vigilância e de proteção e de consideração pelos interesses dos condóminos em risco.
E, para além da ilicitude, que demonstrada ficou, pois que incumprida foi obrigação, expressamente, assumida e dever decorrente da boa fé no cumprimento da prestação, presume-se a culpa e mais resultou provado que todos os supra referidos danos patrimoniais revelados foram consequência da deficiente execução da vigilância pela Ré Apelante. Resulta, na verdade, que o concreto processo factual supra descrito foi causa adequada do dano.
Incumpriu, pois, a Ré Empreiteira, ao não assegurar efetiva vigilância dos andaimes, obrigações que contratualmente assumiu, e que para si sempre decorreriam da boa fé, constituindo-se na obrigação de indemnizar os Autores pelos danos patrimoniais que lhes causou.
Provaram, pois, os Autores atuação da Ré/Apelante incumpridora quer de deveres principais quer de deveres acessórios, daí a ilicitude, causadora dos invocados danos. E, mesmo o requisito da culpa - que na responsabilidade contratual se presume e que apenas é de equacionar demonstrada que esteja a ilicitude, sendo que esta, como vimos, está presente no caso - bem como os restantes requisitos da responsabilidade civil contratual, resultaram efetivamente provados, tendo os Autores cumprido o ónus da prova que sobre si impendia nos termos do nº1, do artigo 342º, do C. Civil.
Neste conspecto, violando a Apelante obrigação, que contratualmente assumiu (daí a ilicitude do facto), de efetuar a vigilância dos andaimes, causou danos aos Apelados, constituindo-se na obrigação de os indemnizar.
E não podem os danos deixar de advir da conduta da apelante que, ao não cumprir a sua obrigação de impedir a entrada de terceiros desconhecidos e ao deixar livre a saída dos mesmos com os bens dos Autores que levavam, efetiva vigilância dos andaimes colocados na fachada não estava a realizar no dia 15/02/2018, no momento do assalto (entre as 18:30h e as 22:30h).
Com efeito, provado se encontra que, no referido dia, e no momento do assalto (entre as 18:30h e as 22:30h), nada no local onde o mesmo se realizou foi vigiado e observado pela apelante, não impedindo a mesma o acesso de estranhos, sequer evitando que levassem consigo, andaimes fora e para fora do local vigiado, os inúmeros bens identificados nos factos provados, resultando ter o acesso dos autores do furto às habitações dos Recorridos, localizadas nos 9º, 6º e 2º andares, sido efetuado e, concretamente, possibilitado através dos andaimes. E caso a Recorrente tivesse, efetivamente, vigiado os andaimes, impedindo a entrada neles de pessoas estranhas, os furtos em causa não teriam ocorrido.
Foi a omissão da vigilância dos andaimes, no concreto momento em que ocorreram os furtos, a causa dos danos dos Autores, demonstrada estando a ilicitude.
Nenhuma culpa dos lesados resultou existir e a da lesante, como vimos, presume-se.
E, na verdade, causa adequada dos danos foi o não cumprimento do dever de vigilância no específico momento dos furtos por quem de tal dever estava incumbido (cfr. factos provados), dada a fragilidade de segurança a que o imóvel foi, por si, votado, com a colocação de andaimes na fachada, a permitir a subida, pela zona da parede de fachada, para andares superiores, por isso de não fácil acesso, não fora os andaimes, que motivaram a necessidade da vigilância acordada com a apelante.
Com efeito, analisando a questão da responsabilidade civil da apelante pelos prejuízos sofridos pelos Autores, por incumprimento do dever de vigilância, fundamenta o Tribunal a quo que o Réu Condomínio na concretização das sobreditas deliberações, em 16 de Março de 2017, formalizou a celebração de um contrato de empreitada com a aqui 2ª Ré, contrato esse a regular as obrigações desta no que respeito à segurança e vigilância do espaço e materiais de obra e andaime [Cláusulas “Primeira”, nº 2 “Décima Terceira” nº 2 e “Décima Oitava”, nº 5, alíneas b) e d)], tendo a 2ª ré assumido a obrigação de assegurar “a prestação de serviços de protecção de pessoas e bens em período pós-laboral, fins de semana e feriado, a prestar por entidade de segurança privada ou através do EMPREITEIRO, devidamente identificados para o efeito” e resultando dos autos que a Ré Apelante contratou para o período entre as 17h e as 8h do dia seguinte, horário correspondente à ausência dos funcionários de obra, vigilantes para efetuarem a vigilância do andaime, certo sendo que não obstante isso no dia 15/02/2018, entre as 18:30h e as 22:30h, ocorreu um assalto às residências dos AA., tendo-lhes sido subtraídos os descritos objetos, sua propriedade.
Resulta terem-se os assaltantes introduzido nas residências dos AA. pelas janelas, localizadas na fachada do edifício integrante das frações onde estavam colocados andaimes.
Ora, tendo-se a Apelante obrigado a prestar serviços de vigilância, verifica-se que os serviços não foram integralmente prestados, pois que, como decorre dos factos provados, se não encontrava a ser realmente efetuada a vigilância do espaço durante o período de tempo em que decorreu o assalto.
Entendeu o Tribunal a quo ter a omissão de vigilância verificada sido causa adequada dos danos, pois a que a consequência provável do andaime instalado sem vigilância é a ocorrência de assaltos. E considerando a concreta violação contratual verificada, por omissão de vigilância, bem entendendo presumir-se a culpa, considerou, por verificados, também, os danos referidos nos factos provados e o nexo de causalidade adequada entre o facto (ilícito e culposo) e os danos, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil e, consequentemente a obrigação de indemnizar.
O facto de terem sido furtadas as joias e os demais objetos dos residentes no prédio, permite, efetivamente, concluir que tal se deveu a cumprimento defeituoso da obrigação de vigilância (ilicitude), pois que se constatou o furto durante o período em que a vigilância devia estar a ser exercida, sem que, efetiva e realmente, vigiada estivesse a ser durante todo o lapso de tempo em que decorreu a entrada e a saída dos assaltantes. Com efeito, a entrada dos mesmos não foi impedida, sequer o foi a saída dos autores do furto com os objetos, daí a ilicitude do facto. E, presumindo-se a culpa, bem resulta, também, o nexo de causalidade adequada entre o modo como foi feita a vigilância por parte da aqui Recorrente (que não deu por nada) e a subtração dos bens aos Réus por terceiros que os levaram consigo.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/4/2009, processo 09A0449, relatado pelo Ilustre Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos, citado vem o Acórdão do S.T.J. de 17.4.2007 – Proc. 07A701 – in www.dgsi.pt, de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Dr. Azevedo Ramos, onde pode ler-se: “A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa. Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa do dano, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como consequência natural ou como efeito provável dessa verificação. Na formulação negativa (mais ampla), o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Por mais criteriosa, deve reputar-se adoptada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 9ª ed., págs 921, 922 e 930; Pedro Nunes de Carvalho, “Omissão e Dever de Agir em Direito Civil”, pág. 61; Ac. S.T.J. de 15-1-02, CJ Ac. S.T.J., X, 1º, 36: Ac. S.T.J. de 1-7-03, proferido na revista nº 1902/03, da 6ª secção, também relatado pelo mesmo Relator, entre outros)”.
Nenhum facto dos Autores resultando ter existido e tendo o assalto ocorrido em período de vigilância sem que notado fosse pelo vigilante que a efetuava, a Ré responde pela omissão de efetiva vigilância, que, no momento, incumpriu, tendo em termos de causalidade adequada de se concluir que o assalto resultou da, concreta, omissão de vigilância (integral) verificada, único fator que se provou existir.
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Quanto à questão da culpa dos lesados, cumpre referir que estatui o nº1, do artigo 570º, do CC, que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Ora, não é qualquer comportamento do lesado que faz desencadear a consequência jurídica a que alude o referido preceito. “Exige-se que o mesmo seja, em sede de concausalidade adequada, idóneo à produção ou agravamento dos danos, aferido o ato em caso de negligência, sendo inoperantes “imprudências de relevo diminuto” por parte do lesado[65].
No caso sub judice, com a culpa da devedora nenhuma culpa dos Autores resultou provada concorrer. A prestadora do serviço era a Ré, sendo ela que tinha de se munir dos meios e adotar os cuidados e técnicas devidas para realizar, de modo integral, o serviço a que se obrigou, nunca podendo descurar aquele que sabia ser de relevo, bem conhecendo que a colocação de andaimes junto à fachada do edifício, facilitava e permitia o acesso às janelas das habitações, e a introdução nas mesmas de pessoas estranhas (cfr f.p. nº13).
Atendendo a todo o contexto fáctico, certo é que era à Ré empreiteira, que tinha de estar dotada dos conhecimentos técnicos para a adequada realização da prestação, que cabia dotar-se dos meios necessários à sua realização em condições de segurança para pessoas e bens.
Não o tendo feito, como decorre dos factos provados, é inteiramente responsável pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, que provocou, causados pela sua atuação ilícita e culposa.
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Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Porto, 4 de maio de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Maria José Simões
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[1] Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.
[2] Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
[3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735
[4] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
[5] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736-737
[6] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, págs 155 e seg.
[7] Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
[8] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017, pag. 153
[9] Ibidem, pág. 153.
[10] Ibidem, pags 155 e seg e 159
[11] Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net
[12] Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156
[13] Acs. do STJ 12/5/2016: Proc. 324/10.9TTALM..L1.S1 e de 31/5/2016: Proc. 1184/10.5TTMTS.P1:S1, (Relatora: Ana Luísa Geraldes), ambos acessíveis in dgsi.net, onde, em ambos, se considerou: “No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe”, “ Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso” e “O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado”.
[14] Acs. do STJ de 27/10/2016, proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1 (Relator: Ribeiro Cardoso) e proc. 3176/11.8TBBCL.G1.S1 (Relator: José Rainho), este onde se decidiu “Omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado na alínea c) do nº 1 do art. 640º do CPCivil, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões”, “A rejeição da impugnação da matéria de facto não está dependente da observância prévia do contraditório no quadro dos art.s 655º e 3º do CPCivil” e “A interpretação dos art.s 639º e 640º do CPCivil no sentido de a rejeição da impugnação da matéria de facto não dever ser precedida de um despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões não viola o art. 20º da Constituição da República Portuguesa”, ambos acessíveis in dgsi.net
[15] Acs. do STJ de 8/2/2018, proc. 8440/14.1T8PRT.P1.S1 (Relatora: Maria da Graça Trigo), onde se entendeu “De acordo com a orientação reiterada do STJ, a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal” e “Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, o ponto da matéria de facto que considera incorrectamente julgado, identificando e transcrevendo o depoimento testemunhal que, no seu entender, impõe decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações, ainda que de forma menos clara, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação referida em III, o ónus de impugnação previsto no art. 640.º do CPC.” e de 6/6/2018, proc. 1474/16.3T8CLD.C1.S1 (Relator: Ferreira Pinto), onde se decidiu: “Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” e “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640º, do CPC”, ambos acessíveis in dgsi.pt.
[16] Acs. RG de 31/10/2018, proc. 5151/16.7T8GMR-B.G1 e de 23/5/2019, proc.234/15.3T8AVV.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias), que seguimos.
[17] Ac da RG de 21/9/2017, proc. 8834/12.7TBBRG-A.G1, de 18/12/2017, proc. 4601/13.9TBBRG.G1, de 1/2/2018, proc. 1045/16.4T8BRG.G1 e Acs da RP de 13/1/2020, Proc. 2494/18.9T8VLG.P1 e de 18/11/2019, proc. 1592/13.0TBMTS-A.P1, este in dgsi, onde se decidiu “1-O apelante deve, nos termos do art. 639º, do CPC, apresentar a sua alegação concluindo, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão, por forma a que as conclusões sejam um resumo preciso do que alegou e pretende seja apreciado, delimitando elas o objeto do recurso. 2- Ao impugnar a decisão de facto, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, definir o objeto fáctico da impugnação, não podendo deixar de indicar quais os concretos factos que deixa impugnados. As referidas faltas de indicação especificada por parte do apelante, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso”.
[18] Ac. RG de 24/4/2019, proc. 3966/17.8T8GMR.G1 (Relator: António Penha).
[19] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág.770
[20] Ac. RG de 14/3/2019, proc. 491/17.0T8BGC.G1 (Relatora: Maria Purificação Carvalho), in dgsi.pt
[21] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 770
[22] Ac. do STJ proferido em 3/5/2016, Processo 17482/13: Sumários, Maio/2016, p 2
[23] Acs da RP de 27/1/2020, proc. 192/17.0T8BAO.P1 e de 11/5/2020, proc. 4435/17.1T8VNG.P1 (Relatora M. Fátima Andrade, que a ora relatora subscreveu como adjunta), este onde se escreve “Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas.
Fazendo uma resenha alargada desta temática vide:
- Ac. TRG de 07/04/2016, Relator José Amaral in www.dgsi.pt/jtrg;
- Acs. STJ de 01/10/2015, Relatora Ana Luísa Geraldes, de 22/09/2015, Relator Pinto de Almeida, de 29/10/2015 Relator Lopes do Rego, de 06/12/2016 Relator Garcia Calejo (todos in www.dgsi.pt/jstj);
- Ac. STJ de 27/09/2018 Relator José Sousa Lameira, onde se afirma “Como decorre do artigo 640 supra citado o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objeto do recurso”;
- e mais recentemente, Ac. STJ de 21/03/2019, Relatora Rosa Tching, no qual e após se ter feito uma distinção entre ónus primários e secundários de alegação e concretização para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º do CPC (nos seguintes termos e tal como ali sumariado)
“I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.”,
se concluiu, para o efeito convocando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aferição do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º no que concerne aos aspetos de ordem formal
“III. (…) enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.””.
[24] Acs da RP de 18/11/2019, proc. 796/14.2T8VNG.P2 (Relator: Pedro Damião e Cunha, que subscrevemos como adjunta), onde se refere “Em cumprimento da obrigação de proceder à análise crítica da prova produzida, o Juiz, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda de liberdade de julgamento garantida pela manutenção da livre apreciação das provas (art. 607º, nº 5 do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.
IV- Tal como se impõe que o tribunal faça esta análise critica das provas, também o Recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos, sendo que, quando isso suceda, deve tal conduta processual constituir motivo de rejeição da Impugnação da matéria de facto” e de 18/11/2019, processo151/14.4TBBAO.P1 onde se decidiu “Deve ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelos Recorrentes quando não se deixa expressa a decisão que, no entender dos mesmos, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
[25] Acs. RG de 9/4/2019, proc. n.º 673/17.5T8PTL.G1 e de 13/6/2019, proc. n.º 12903/17.9YIPRT.G1 (Relator: Paulo Reis), acessíveis in dgsi.pt, onde se refere “tal como resulta do sumário do Ac. STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza) , «A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
(…) Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado»”.
[26] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 770
[27] Ac. da Relação de Lisboa de 13/3/2014, Processo 569/12.7TVLSB.L1-6 (Relator: Vitor Amaral), acessível in dgsi.Net
[28] Tais factos são os seguintes: “9.º Os assaltantes introduziram-se nas residências dos AA. pelas janelas existentes nas mesmas, localizadas na fachada do edifício integrante das fracções.
10.º Os assaltantes acederam às referidas janelas utilizando andaimes que se encontravam montados na fachada onde as mesmas se situam.
14º Em resultado do assalto, foram subtraídos à propriedade dos AA. diversos bens.
15.º À 1º A.: a. Um camafeu forrado a ouro, no valor de 975,00€; b. Uma medalha da Nª Srª da Conceição esmaltada, no valor de 70,00€; c. Uma medalha da Nª Srª da Conceição toda em ouro, recortada, no valor de 450,00€; d. Uma medalha redonda, com L desenhado, no valor de 260,00€; e. Uma cruz em ouro branco e amarelo, no valor de 300,00€; f. Uma cruz esmaltada azul, com desenhos muito miudinhos, no valor de 320,00€; g. Uma cruz em contas de Viana, no valor de 325,00€; h. Uma moeda antiga, metida em aro de ouro, no valor de 1.500,00€; i. Uma moeda “krugerrand” em ouro, de África do Sul, com aro em ouro, no valor de 1.460,00€. j. Três conjuntos de brinco de pérolas verdadeiras (um par de brincos rentes à orelha, com pérolas pequenas, um par de brincos rentes à orelha com pérolas grande e um par de brincos, em ouro, com a pérola em baixo), no valor de 400,00€; k. Um par de brincos pendentes, com pedra rosa, no valor de 270,00€; l. Um par de brincos pendentes com pérolas pequenas brancas, no valor de 200,00€; m. Um par de argolas em ouro, no valor de 225,00€; n. Um par de brincos com contas de Viana, no valor de 150,00€; o. Uma pulseira em ouro, com três fiadas de malha de cordão, presas com aros de brilhantes, no valor de 2.000,00€;
p. Uma pulseira, grossa, trabalhada, com pérolas brancas, no valor de 1.200,00€; q. Duas pulseiras, com pérolas pequeninas iguais aos fios furtados, no valor de 600,00€. r. Um anel antigo, com três brilhantes, no valor de 2.500,00€; s. Um anel solitário com um brilhante, no valor de 1.250,00€; t. Um anel de joalharia, antigo, no valor de 500,00€; u. Um anel de joalharia, com três pérolas, no valor de 400,00€; v. Quatro alianças (duas em ouro amarelo e duas em ouro branco), no valor de 900,00€. w. Um fio corda, no valor de 375,00€; x. Um fio rabo de boi, no valor de 450,00€; y. Dois fios com pérolas pequeninas iguais às pulseiras, no valor de 900,00€; z. Um fio liso barbela, no valor de 300,00€; aa. Um colar com contas de Viana (com brincos e cruz iguais), no valor de 1.650,00€; bb. Um fio em malha rabo de boi e pérolas (iguais aos brincos), no valor de 520,00€; cc. Um fio em couro, com topos em ouro, no valor de 75,00€. dd. Um laço com medalha antiga em joalharia, com brilhantes e gravações M e L, no valor de 1.125,00€; ee. Um alfinete com três pérolas, no valor de 225,00€; ff. Um alfinete em forma de trevo com três pérolas, no valor de 225,00€. gg. Dois relógios em ouro, no valor de 2.000,00€; hh. Um relógio da Gucci, no valor de 250,00€. ii. Um colar de duas voltas, com fecho em ouro, com pérolas brancas e pedras rubis, no valor de 3.000,00€; jj. Um colar de tamanho médio, com fecho em ouro (bebé vestido à lavradeira), com brilhantes à volta, no valor de 1.500,00€; kk. Um colar de pérolas rosadas, com fecho em ouro, no valor de 1.500,00€ ll. Castiçais - artigos de decoração, no valor de 1.000,00€; mm. Dois castiçais lisos, no valor de 1.500,00€; nn. Um serviço de chá, com quatro peças e tabuleiro, no valor de 10.000,00€; oo. Uma floreira de centro de mesa, no valor de 800,00€; pp. Nove paliteiros, todos diferentes, no valor de 3.600,00€; qq. Três cestos, com decoração igual (recortes de frutos), de tamanhos diferentes, no valor de 1.500,00€; rr. Três salvas grandes antigas, no valor de 2.000,00€; ss. Uma salva em forma de trevo de quatro folhas, com lavabo igual (com contas), no valor de 500,00€; tt. Uma molheira antiga (marca javali), no valor de 600,00€; uu. Uma salva (bilheteira) com motivos de flores e três pés, no valor de 400,00€.
17º Perfazendo o valor global de 52.250,00€.
18º Aos 2ºs AA.: a. Colar contas Viana; b. Medalha grande; c. Carniceiras em ouro; d. Uma libra; e. Uma libra com aro em ouro;
f. Fios em ouro (todos de malha diferente); g. Brincos coração Viana h. Uma figa i. Um trevo 4 folhas j. Um coração aberto; k. Um coração fechado; l. Uma caneta Montblanc aparo em ouro;m. Um par de brincos diamantes (igual a anel); n. Um par de brincos médios; o. Umas argolas grossas em ouro; p. Uma pulseira em ouro grossa e larga; q. Um relógio Tous; r. Dinheiro em envelope na gaveta;
19.ºAo 3º A.: a. Um relógio Empório Armani, 20.º À 4ª A.: a. Um colar de contas de Viana em ouro amarelo; b. Um brinco (contas de Viana) em ouro amarelo; c. Fios em ouro amarelo; d. Cinco ½ libras em ouro; e. Três fios em ouro amarelo; f. Seis pulseiras em ouro amarelo; g. Um par de brincos e um par de argolas em ouro; h. Um colar de pérolas; i. Um par de brincos de ouro com pérolas; j. Um par de brincos em ouro (antigos); k. Um porta-moedas em prata; l. Cinco bonecas/os em prata (pingentes/medalhas); m. Doze colheres em prata; n. Um colar Bvlgari; o. Um conjunto de colar em ouro amarelo com contas azuis com pulseira igual;
21.º - Cada um dos AA. era proprietário e tinha na sua posse os bens que lhes foram furtados, encontrando-se os mesmos nas respetivas residências.
22.º - Usavam e gozavam esses bens a seu belo prazer, cuidavam dos mesmos e guardavam-nos.
23.º - E fazia-o na ignorância de ao adquirir a posse lesavam o direito de outrem;
25º - Os AA. exerciam a posse sobre os bens furtados de forma pública, de modo a poder ser conhecida pelos interessados, designadamente usando-os”.
[29] Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, Direito das obrigações, vol. I, 2017, 14ª edição, Almedina, pág. 275
[30] Ac. da RL de 19/4/2005, proc. 10341/2004-7 (Relator: Pimentel Marcos), acessível in dgsi
[31] Ibidem, pág. 278
[32] Ibidem, pág. 278
[33] Ac. do STJ de 12/9/2019, proc. 2604/15.8T8LRA.C1.S1 (Relatora: Rosa Ribeiro Coelho), acessível in dgsi
[34] Pedro Romano Martinez, O direito das obrigações (Parte Especial) , 2ª Edição, Almedina, pág. 473
[35] Ibidem, pág 475
[36] Ac. do STJ de 20/11/2012, proc. 176/06.3TBMTJ.L1.S2 (Relator: Fonseca Ramos), acessível in dgsi, onde se entendeu “Classicamente, a responsabilidade civil coenvolve a responsabilidade contratual (a violação do contrato) e a extracontratual (a que não se filia na violação de deveres contratuais, mas em normas que tutelam interesses alheios, ou direitos absolutos) e ainda a responsabilidade objectiva: em não poucos casos, a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual miscigenam-se, mal se destrinçando os campos de aplicação e nem sequer a nitidez das fronteiras”.
[37] Ac. da RL de 27/9/2012, proc. 512/10.8TCFUN.L1-2 (Relatora: Teresa Albuquerque), acessível in dgsi
[38] Ac. do STJ de 7/2/2017, proc. 4444/03.8TBVIS.C1.S1 (Relator: Hélder Roque), acessível in dgsi
[39] Ac. da RL de 24/9/2019, proc. (Relator: José Capacete), acessível in dgsi.
[40] Ac. da Rel de Lisboa de 24/10/2019, proc. 2069/13.9TCLRS.L1-6 (Relator: Nuno Ribeiro), acessível in dgsi
[41] Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pág. 88
[42] Ana Prata (Coord.) Código Civil Anotado, vol I, Almedina, 2017, Pág 439 e seg.
[43] Acórdão do STJ de 17/5/2017, processo 1506/11.1TBOAZ.P1.S1, in dgsi.net
[44] Neste sentido podem ver-se os Acórdãos do STJ de 4.11.2003, processo n.º 03A3038, de 9.10.2008, processo n.º 08A2669, de 5.07.2012, proc. 1451/07.5TBGRD.C1.S1, de 19/1/2017, Processo 167/07.7TBVNC.G1.S1, todos in dgsi.net
[45] Acórdão do STJ de 7/3/2017, proc. 6091/03.5TVLSB.L1.S1, in dgsi.net
[46] “Strito sensu, o cumprimento da obrigação é a realização voluntária da prestação debitória. É a actuação da relação obrigacional, no que toca ao dever de prestar (A. Varela, Obrigações, 2º-7)”, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 766
[47] A. Varela, CJ, 1987, 4º, 21
[48] Ac. do STJ de 12/6/2003, proc. 03B573.dgsi.net, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 768
[49] Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, pág 1030
[50] Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 767
[51] Ana Prata, Código Civil Anotado, volume I, 2017, Almedina, pág 960
[52] Almeida Costa, Introdução, 152, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 767
[53] A. Varela, Obrigações, 187, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 767
[54] Cunha de Sá, Abuso de Direito, 173, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 767
[55] Ac. do STJ de 14/7/2009, Proc. 2406/06.2TVSLB.S1.dgsi.net, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 769
[56] Ac. do STJ de 17/9/2009, Proc. 841/2002.S1.dgsi.net, in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição, Ediforum pág. 769
[57] Ana Prata, Idem, pág 997
[58] Ibidem, pág 998
[59] Ibidem, pág 633
[60] Ana Filipa Morais Antunes, idem, pág 1030
[61] Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado, I-1, p. 407 e Obrigações, 1º, págs 149 e segs e Da Boa Fé, págs.586 e segs e Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2017, 14ª Edição, Almedina pág. 55
[62] Ana Filipa Morais Antunes, idem, pág 1031 e seg
[63] Francisco Manuel Pereira Coelho, Obrigações, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra, pp. 218 e 219; Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. II, 7ª Ed, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 62 e 118 e segs e AC. do STJ., de 26-11-2009, www.dgsi.pt.
[64] Vaz Serra, R.L.J., 1080, p. 144 e 147;
Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1968, p. 26.
[65] Ac. RL de 28 de junho de 2012, in www.dgsi.pt.