Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1752/23.5T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
RATIFICAÇÃO JUDICIAL DO EMBARGO
Nº do Documento: RP202302191752/23.5T8MTS.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO SINGULAR
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A causa de pedir no embargo de obra nova e na ratificação de embargo de obra nova extrajudicial é, no essencial, igual, divergindo apenas, no caso da ratificação, na autotutela exercida pelo requerente do procedimento.
II - O efeito prático é, de igual modo, coincidente, diferindo apenas, no caso do embargo extrajudicial, por os efeitos operarem desde o embargo extrajudicial, enquanto no embargo judicial os efeitos se produzem com a execução da decisão do tribunal.
II - Tendo sido requerido no âmbito de embargo judicial de obra nova que sejam apreciados os pressupostos da ratificação do embargo extrajudicial, por, na pendência do procedimento, o interessado ter procedido diretamente ao embargo, deve o tribunal conhecer deste pedido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 1752/23.5T8MTS.P1

Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
AA, BB e CC propuseram procedimento cautelar não especificado contra CC e DD.
Alegaram, em síntese, que os requeridos pretendem desativar os ramais de ligação a fossa séptica e respetiva caixa que serve os prédios dos requerentes, Tal colocaria em causa o direito dos mesmos, nomeadamente as condições de habitabilidade e salubridade das suas habitações e seria suscetível de provocar inundações, danificando os seus pertences.
Pediram que, sem audição dos requeridos e com inversão do contencioso, se decretasse a providência e os requeridos fossem condenados:
1 - a abster-se de praticar qualquer ato que impeça ou limite o uso do ramal de ligação à fossa séptica e respetiva caixa que se localiza em prédio misto que identificam, composto por parte rústica e urbana, sito na Rua ..., em ...; e
2 - que a obra que os requeridos estão a levar a cabo seja embargada, notificando-se estes para a não continuar e para que procedam à reposição do prédio no estado que existia anteriormente.
O tribunal de 1.ª instância determinou a audição prévia dos requeridos.
Os requeridos terão dado continuidade à obra em curso, pelo que os requerentes procederam, perante duas testemunhas, ao embargo extrajudicial da obra. Dão conta de que em 6-4-2023 notificaram verbalmente e por escrito EE, a quem mandaram que fossem imediatamente suspensos os trabalhos da obra a decorrer no local que identificam como “prédio urbano sito na Rua ..., em ..., o qual é composto por casa de dois pavimentos e quintal com 4 vãos, uma área total de 127,17m2 e uma área coberta de 36,40 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., antigo ..., antigo ...”.
Em seguida, requereram a ratificação judicial nos presentes autos e que se operasse a convolação do pedido inicialmente formulado.
Em 16-5-2023 foi proferido despacho cujas decisões são as seguintes:
Do embargo extrajudicial
Face ao exposto, porque o embargo de obra nova já foi realizado extrajudicialmente pelos Autores declaro extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao 2º pedido formulado pelos Requerentes: “que a obra suprarreferida nos pontos 23 a 42 seja embargada, notificando-se os ora requeridos para a não continuar e, para que procedam à reposição do prédio ao estado que existia anteriormente”.
(…)
Do pedido de ratificação do embargo extrajudicial: por inadmissibilidade legal, não admito o pedido de ratificação de embargo extrajudicial conforme requerido pelos Requerentes.
(…)
Os autos prosseguem para apreciação do primeiro pedido formulado pelos Requerentes.
Assim, notifique as partes para, no prazo de 5 dias, dizerem que meios de prova mantêm face ao prosseguimento do procedimento cautelar apenas quanto ao primeiro pedido.
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Inconformados, os requerentes interpuseram o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
Do pedido de convolação do embargo judicial no pedido de ratificação de embargo extrajudicial
1. Os requerentes deram início aos presentes autos, na forma de procedimento cautelar não especificado, no passado dia 29/3/2023, pedindo que, sem audição dos requeridos e com o decretamento da inversão do contencioso, se decretasse a providência e os requeridos fossem condenados ao seguinte:
“1. Sejam condenados a abster-se de praticar qualquer ato que impeça ou limite o uso do ramal de ligação à fossa séptica e respetiva caixa que se localiza no prédio misto, composto por parte rústica e urbana, sito na Rua ..., em ...; e
2. A obra que os requeridos estão a levar a cabo seja a embargada, notificando-se os requeridos para a não continuar e, para que procedam à reposição do prédio ao estado que existia anteriormente.”
2. Ou seja, os requerentes optaram por uma providência cautelar não especificada uma vez que, em causa, não estaria apenas a obra que estava em curso, mas também a ligação à fossa séptica que está afeta às habitações dos recorrentes e requeridos.
3. Após o requerimento de início do processo, o Tribunal a quo entendeu que não estava em condições de proferir qualquer Decisão e proferiu despacho, a 11/4/2023, determinando a audição prévia dos requeridos e a sua citação nos termos do art.º 366.º, n.º 2 do CPC.
4. Porém, os requeridos, mesmo após a citação, deram continuidade à obra, ofendendo de forma ainda mais explícita (já que concluíram de forma rápida os trabalhos de remoção e iniciaram a construção do muro) os direitos dos requerentes e expostos no embargo de obra pretendido.
5. Certo é que, perante o comportamento dos requeridos e porque a continuidade da obra estava a pôr em causa – e pôs, como se veio a verificar agora recentemente com a alteração das condições climatéricas – as condições de habitabilidade e salubridade da habitação dos requerentes, a 06/4/2023, os requerentes procederam, perante duas testemunhas, já que o encarregado de obra e o dono da obra não se encontravam, ao embargo extrajudicial da obra, requerendo a sua ratificação judicial nos presentes autos e requerendo, naturalmente, que se operasse a necessária convolação do pedido formulado inicialmente.
6. Porém, perante este requerimento apresentado pelos requerentes, o Tribunal a quo, não se pronunciou logo e ordenou a notificação dos requeridos para se pronunciarem e, a 16/5/2023, o Tribunal a quo proferiu o Despacho, que aqui se coloca em causa, referindo o seguinte:
7. Quanto ao pedido inicialmente formulado, de embargo judicial da obra, em resumo, o Tribunal a quo referiu que, “tendo os requerentes, em 06/04/2023, procedido ao embargo extrajudicial da obra em questão nos presentes autos, alcançaram nessa data o efeito que pretendiam com o embargo judicial deduzido no requerimento inicial do presente procedimento, que era o decretamento a título cautelar da integridade do direito de que alegam ser titulares. Nesta conformidade, com o embargo extrajudicial que os requerentes efetuaram a 06/04/2023, torna-se inútil o pedido judicial para acautelar a lesão do seu direito de propriedade, outro direito real de gozo ou da posse, gerado por obra, trabalho ou serviço.”
8. E, quanto ao pedido de ratificação de embargo extrajudicial, em resumo, o Tribunal a quo referiu que: “Sucede que, muito embora a lei permita implicitamente a cumulação de providências (artigo 376º nº 3 do C.P.Civil), essa cumulação tem de ser inicial, não se apresentando como lícita a cumulação sucessiva e subsequente alicerçada em factos novos. Assim, não é lícito aos Requerentes socorrerem-se de articulado superveniente para cumular o pedido de ratificação de embargo extrajudicial já efetuado, isto não obstante o princípio da adequação formal consignado no artigo 376º nº 3 do C.P. Civil conceder ao juiz a possibilidade de adequar e compatibilizar a tramitação processual de modo a poder decretar as providências cautelares que tiver por adequadas, sem estar adstrito à que lhe tiver sido requerida, irrelevando, assim, o princípio do pedido. A aceitar-se o pedido formulado pelos Requerentes estar-se-ia a aceitar a cumulação sucessiva, subsequente, de pretensões no âmbito da tramitação processual do mesmo procedimento cautelar, quando a lei, tão só, prevê a possibilidade da cumulação inicial de pretensões, mesmo que lhes corresponda forma procedimental diferente, mas que não se mostre manifestamente incompatível, por razões de economia processual.”
9. Certo é que, perante o pedido de convolação do pedido de embargo judicial em ratificação de embargo extrajudicial, o Tribunal a quo acabou por referir o seguinte: “Tão pouco é possível convolar o pedido de embargo formulado nestes autos no pedido de ratificação do embargo extrajudicial, como pretendem os Requerentes, sendo que tal consiste numa alteração do pedido e da causa de pedir, não sendo esta alteração do pedido consequência ou desenvolvimento do pedido inicialmente formulado, pelo que é legalmente inadmissível - art. 265º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.”.
10. O que culminou com a Decisão/Despacho, por parte do Tribunal a quo, da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, alínea e) do CPC, quanto ao pedido de embargo judicial da obra, uma vez que, o Tribunal a quo, considerou que “o embargo da obra nova já foi realizado extrajudicialmente pelos autores” e com a improcedência do pedido de ratificação de embargo extrajudicial por inadmissibilidade legal.
11. Ora, face ao exposto, não podem os recorrentes se conformarem com a Decisão/Despacho proferido, uma vez que, no entender dos recorrentes, mostram-se preenchidos os pressupostos para a convolação do pedido de embargo judicial em pedido de ratificação de embargo extrajudicial, pelo que a decisão proferida está em clara violação dos artigos 265.º, n.º 1 e 2, 376.º, n.º 3 e 397.º, todos do CPC, pelo que, tais normas, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas em sentido distinto como se passa a expor.
12. Os requerentes recorreram ao procedimento cautelar não especificado, uma vez que, nos autos, não estava em causa apenas a obra, e, acreditando que, face às provas carreadas no processo pelos requerentes, o Tribunal a quo se encontraria em condições de decretar que os requeridos não praticassem qualquer ato que impedisse ou limitasse o uso do ramal de ligação à fossa séptica e respetiva caixa, assim como, decretasse o embargo da obra aqui em causa e violadora dos direitos dos requentes, tudo isto sem a prévia audição dos requeridos.
13. Porém, o Tribunal a quo tomou uma Decisão contrária, pretendendo ouvir os requeridos antes de tomar qualquer Decisão e, tal Decisão, acarretou consequências graves para os requerentes, já que os recorridos deram continuidade à obra, mesmo após terem sido citados, deram logo início à construção do muro na propriedade dos requerentes e ofendendo os direitos, de propriedade e de servidão de vistas, dos requerentes.
14. Aliás, neste momento, face à última tempestade que tem assolado o país, os requerentes viram a sua habitação ser inundada com vários prejuízos materiais, na sequência da obra que continuou e não foi embargada pelo Tribunal a quo, conforme fotografias que se juntam para os devidos e legais efeitos e cuja junção se requer nos termos do art. 651.º do CPC – DOC. 1.
15. Perante o comportamento desafiador e desrespeitador dos requeridos que, mesmo após a citação do Tribunal deram continuidade à obra, os requerentes optaram por proceder ao embargo extrajudicial da obra, tendo realizado o mesmo perante duas testemunhas, nos termos do artigo 400.º do CPC, e requereram a ratificação do mesmo perante o Tribunal a quo, já que, no processo aqui em causa, uma das providencias seria o embargo da obra dos requeridos.
16. Certo é que, perante este pedido, o Tribunal a quo entendeu que, primeiro, o embargo judicial peticionado inicialmente, fosse considerado sem efeito já que os requerentes procederam ao embargo extrajudicial, extinguindo a instância, e que o pedido de ratificação de embargo extrajudicial fosse considerado sem efeito já que, tal pedido, nos presentes autos era inadmissível e, no entender do Tribunal a quo, convolar o pedido de embargo judicial no pedido de ratificação de embargo extrajudicial consiste numa alteração do pedido e da causa de pedir e tal alteração não é “consequência ou desenvolvimento do pedido inicialmente formulado, pelo que é legalmente inadmissível”.
17. Salvo melhor opinião, desde já não se concordando com tal posição, entendem os requerentes que, nos pedidos por estes formulados, estão preenchidos os pressupostos para que o Tribunal a quo altere o pedido inicialmente formulado pelos requerentes, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 265.º do CPC, e convole o pedido de embargo judicial em pedido de ratificação de embargo extrajudicial.
18. Ora, começando pela análise da causa de pedir, tanto no embargo judicial como na ratificação de embargo judicial, salvo melhor opinião e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a causa de pedir é a mesma e é constituída pela “titularidade de um direito de propriedade ou de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse; pela ofensa neste direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo e pela ameaça de que tal obra, trabalho ou serviço venha a causar prejuízos.”
19. Passando agora para o pedido formulado pelos requerentes, os requerentes entendem que, também aqui, o Tribunal a quo não esteve bem, porque, salvo melhor opinião, estamos perante o mesmo pedido, uma vez que, aquilo que os requerentes pretendem é o embargo da obra dos requeridos que está a ofender os seus direitos de propriedade e de servidão de vistas.
20. Ou seja, seja através do embargo judicial de obra ou da ratificação judicial do embargo extrajudicial de obra, o resultado e o pedido dos requerentes é que, a obra dos requeridos, que está a ofender os direitos dos requerentes, seja embargada para os devidos e legais efeitos, pelo que, salvo melhor opinião, cremos que não há dúvidas que estamos perante o mesmo pedido.
21. Certo é que, caso assim não se entenda, face ao supra exposto, cremos que não há dúvidas que o pedido de ratificação de embargo extrajudicial surge como desenvolvimento e consequência direta do pedido primitivo, pois, o pedido de ratificação de embargo extrajudicial apenas surge porque, após a citação dos requeridos pelos Tribunal a quo da propositura da ação pelos requerentes onde era peticionado o embargo judicial da obra, estes, adotando uma postura de má-fé, decidem dar continuidade à obra, mais precisamente na construção do muro que viola o direito de propriedade e a servidão de vistas dos requerentes, pelo que, perante isto, os requerentes desesperados, tentaram impedir a continuidade da obra, através do embargo extrajudicial, cuja ratificação peticionaram então ao Tribunal a quo.
22. Porém, o Tribunal a quo além de não ter adotado uma postura preventiva e antecipatória face aquilo que foi alegado no requerimento inicial, tal como era expectável neste tipo de processo, acabou por motivar a continuidade da obra quando deu oportunidade aos requeridos se pronunciarem antes de qualquer decisão judicial.
23. Certo é que, no entendimento dos requerentes, face ao supra exposto, estão reunidos os pressupostos para que o Tribunal a quo, no mínimo, considerasse que o pedido de ratificação de embargo formulado pelos requerentes configurava uma alteração do pedido na sequência do desenvolvimento do pedido inicialmente formulado e, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 265.º do CPC, ordenasse a convolação do pedido de embargo judicial de obra em ratificação de embargo extrajudicial de obra, com o natural prosseguimento dos autos.
24. Sem prejuízo, caso assim não se entendesse, em última hipótese, cremos que o Tribunal a quo, perante o supra exposto, e nos termos do n.º 3 do art. 376.º do CPC, deveria ter compatibilizado a tramitação processual de modo a decretar a providência cautelar adequada perante os factos carreados nos autos.
25. Aliás, se a Lei permite que a cumulação de providências, os articulados supervenientes e que o Tribunal decrete a providência que julgue mais adequada perante o caso concreto, não se compreende como, no caso dos presentes autos, o Tribunal a quo simplesmente se demita dessa função, alegando a inadmissibilidade legal do pedido subsequentemente formulado pelos requerentes de pedido de ratificação de embargo extrajudicial.
26. Certo é que, perante o exposto, cremos que não restam dúvidas que o Tribunal a quo não esteve bem, não tendo feito uma correta aplicação e interpretação dos artigos 265.º, n.º 1 e 2, 376.º, n.º 3 e 397.º, uma vez que, em vez de ter posto fim ao processo quanto a estes pedidos, por inutilidade superveniente da lide e inadmissibilidade legal, deveria ter convolado o pedido inicial de embargo judicial de obra em pedido de ratificação de embargo extrajudicial, já que além de existir a identidade da causa de pedir, existe também a identidade do pedido ou, caso assim não se entenda, no mínimo, estavam reunidos os pressupostos para a alteração do pedido e isto, sem prejuízo, do princípio de adequação formal, que impende sobre o Tribunal, no âmbito dos procedimentos cautelares.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e em consequência seja proferido acórdão que revogue a decisão recorrida e ordene prosseguimento dos presentes autos nos termos supra expostos.
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Os requeridos contra-alegaram, rematando da forma que se segue.
I - Nos presentes autos, os Recorrentes (AA, BB e CC) apresentaram providência cautelar não especificada contra os ora Recorridos (FF e DD) de forma a obter embargo de obra nova (seja na questão da fossa séptica, seja quanto a obra a realizar na propriedade dos mesmos).
II - Os Recorridos, notificados para tanto, apresentaram oposição à providência cautelar não especificada apresentada pelos Recorrentes, inclusive com matéria de exceção.
III - Acontece que, os Recorrentes, na data de 10 de Abril de 2023, nestes mesmos autos, apresentaram novo articulado onde requererem a ratificação de “embargo extra-judicial”, dando início a uma nova causa de pedir e um novo pedido - maxime, a ratificação do “embargo extra-judicial”.
IV Por douto Despacho, o Tribunal a quo pronunciou-se, e bem, no nosso entendimento, no sentido de não ser possível a cumulação sucessiva e subsequente de providências.
V Os Recorrentes, não se conformando, recorreram do douto Despacho, mas com a junção de documentos que não tem valor probatório para qualquer facto previamente alegado, pelos que os Recorridos vêm requerer que o doc. n.º 1 junto com as alegações dos Recorrentes seja desentranhado dos presentes autos, por não haver fundamento legal para os mesmos.
VI Os Recorrentes recorrem a embargo extrajudicial, artigo 397º, do CPC. No nosso entendimento, o mesmo deve ser apreciado em sede de providência cautelar especificada, fazendo parte da mesma, e não cumulando o pedido numa providência cautelar não especificada, como aconteceu in casu.
VII Por esse motivo, com o devido respeito, esteve bem o Tribunal a quo, ao julgar como julgou.
VIII Bem como, no nosso entendimento, esteve bem a decisão do Tribunal a quo quanto à interpretação dada ao disposto no n.º 2, do artigo 265º, do CPC,
IX Pois os Recorrentes não reduziram ou ampliaram o pedido (e a causa de pedir), e, sem que esse novo pedido tivesse qualquer consequência ou desenvolvimento do pedido inicial.
X Bem como, na nossa opinião, decidiu corretamente o Tribunal a quo ao não permitir uma cumulação sucessiva e subsequente de pretensões, aplicando o disposto no n.º 3, do artigo 376º, do CPC, de forma a ir de encontro à letra da lei, e ao espírito do preceito legal.
XI Atento ainda o facto de a cumulação ser, nos termos do preceito legal acima referido, através do disposto no n.º 2, do artigo 37º, do CPC, um poder, e não um dever, do Juiz autorizar a cumulação, no cumprimento de determinados pressupostos.
XII Pelo que se conclui, atento todo o supra alegado e concluído, pela manutenção da decisão recorrida posta em crise pelos Recorrentes, exatamente nos termos proferidos.
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Tendo o processo prosseguido os seus termos para apreciação do primeiro dos pedidos formulados pelos requerentes, na ata de 6-10-2023 consta, assinaladamente, o seguinte:
Seguidamente, pelos ilustres mandatários aqui presentes foi pedida a palavra e, no seu uso, declararam pretender pôr termo à presente providência cautelar, mediante acordo celebrado nos seguintes termos e com as seguintes cláusulas:
Primeira
Requerentes e Requeridos acordam em manter o uso do ramal de ligação à fossa séptica e respetiva caixa que se localiza no prédio composto por parte rústica e urbana, sito na Rua ... em ..., descrito na CRP Matosinhos sob o nº ... e inscrito na matriz sob o nº ... rústico e ... urbano, até ao dia 30/04/2024.
Segunda
Os Requerentes obrigam-se a comunicar aos Requeridos, no prazo máximo de 3 dias úteis, assim que for concretizada a ligação de ambos os Requerentes à rede de saneamento público.
Terceira
Após a data referida na cláusula primeira, e sem prejuízo do acordado na cláusula segunda, os Requeridos podem efetuar sem qualquer comunicação futura a desativação da ligação à fossa séptica mantendo-a em funcionamento até essa data.
Quarta
Custas em partes iguais prescindindo de custas de parte.
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Tendo-se pressuposto que o acordo alcançado e homologado por sentença abarcaria os termos do embargo, advertiu-se as partes de que era entendimento do tribunal não conhecer do objeto do recurso. Explicitada que foi a posição dos requerentes, tendo-se entendido que estes mantinham interesse no conhecimento da questão, procedeu-se à análise da mesma, em juízo sumário, conforme prevê o art.º 652.º/1/c do C.P.C..
Nos termos do disposto no art.º 652.º/3 do C.P.C., os apelados requereram que sobre a matéria da decisão recaísse um acórdão.
Mais invocaram que aquela decisão padecia de nulidades.
Os apelantes foram ouvidos, pronunciando-se pela manutenção da decisão proferida e pela condenação dos apelados como litigantes de má-fé.
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II - Questões a dirimir:
a - da nulidade da decisão sumária por deficiente fundamentação de direito;
b - da prossecução de procedimento cautelar de embargo de obra nova na circunstância de, na pendência daquele, os requerentes terem procedido diretamente ao embargo.
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III - Fundamentação de facto
Os factos a atender são os constantes do relatório que antecede.
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IV - Subsunção jurídica
a - Da nulidade da decisão sumária por deficiente fundamentação de direito
Os apelados arguem a nulidade da decisão proferida por falta de fundamentação de direito.
Alegam que o despacho não fundamenta de direito qual a norma, ou normas, jurídica(s) que permitem a análise e decisão da questão no âmbito e objeto do presente recurso, existindo prévia Sentença, com trânsito em julgado, que põe termo ao processo.
Nos termos do disposto no art.º 615.º/1/b do C.P.C. é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito, que justificam a decisão.
A arguição de nulidade pressupõe que o tribunal deveria ter justificado os motivos pelos quais conheceria dos termos do recurso existindo sentença com trânsito em julgado. Ora conhecer dos termos do recurso é precisamente aquilo que é pedido ao tribunal para o qual se recorre. Por outro lado, anteriormente não fora suscitada exceção de caso julgado. É certo que se trata de exceção dilatória de conhecimento oficioso (arts. 577.º/i e 578.º do C.P.C.). Mas não se entrevendo que os respetivos pressupostos estivessem reunidos, como não estão, não haveria como nem porquê debruçar-se o tribunal sobre a mesma.
Salvaguardando-se, porém, que a questão tenha sido explicitada de forma deficiente, passa-se a suprir a nulidade.
Tendo-se pressuposto que o acordo alcançado e homologado por sentença abarcaria os termos do embargo de obra nova, advertiu-se as partes de que era entendimento do tribunal não conhecer do objeto do recurso. Explicitada que foi a posição dos requerentes, consignou-se que estes mantinham interesse no conhecimento da questão sob recurso, pelo que se passaria à análise da mesma.
No procedimento foram formulados dois pedidos, consistindo o primeiro na condenação dos requeridos na abstenção da prática de qualquer ato que impedisse ou limitasse o uso do ramal de ligação à fossa séptica e respetiva caixa em prédio identificado e o segundo no embargo da obra que os requeridos levam a cabo.
Embora não tenha sido ressalvado que o acordo alcançado se destinava apenas a dirimir a primeira das questões suscitadas, o que é facto é que não contempla o segundo dos efeitos visados no procedimento e que não houve desistência do recurso anteriormente formulado. Pelo contrário, ficou ressalvado em ata o interesse dos requerentes na manutenção do recurso, inexistindo decisão transitada em julgado a salvaguardar.
Eis por que se conheceu dos termos do recurso.
b - Da prossecução de procedimento cautelar de embargo de obra nova na circunstância de, na pendência daquele, os requerentes terem procedido diretamente ao embargo.
O tribunal recorrido considerou que a convolação de embargo de obra nova em ratificação extrajudicial de embargo é inadmissível por se verificar uma alteração do pedido e da causa de pedir, não sendo esta alteração do pedido consequência ou desenvolvimento do pedido inicialmente formulado, o que seria inadmissível à luz do preceituado no art.º 265.º/1/2 do C.P.C..
Os pressupostos do decretamento da providência cautelar de embargo judicial de obra nova (art.º 397.º/1 do C.P.C.) consistem na alegação e prova de factos dos quais resulte a ofensa do direito de propriedade, singular ou comum, ou de qualquer outro direito, real ou pessoal de gozo ou da posse, em razão da execução de uma obra, trabalho ou serviço novo e ainda não concluído e que esta cause ou ameace causar prejuízo.
Tratando-se de ratificação judicial de embargo extrajudicial de obra nova (art.º 397.º/2/3 do C.P.C.), acrescem os seguintes requisitos: a notificação verbal ao dono da obra ou, na sua falta, ao encarregado ou quem o substituir para que não continue a obra, que essa notificação seja feita perante duas testemunhas e que o pedido de ratificação judicial do embargo extrajudicial realizado no prazo de cinco dias.
Nos termos do preceituado no art.º 376.º/3 do C.P.C., o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, sendo aplicável à cumulação de providências cautelares a que caibam formas de procedimento diversas o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do art.º 37.º. Este dispositivo refere-se aos obstáculos à coligação.
O disposto no n.º 3 do art.º 376.º do C.P.C. permite o aproveitamento do procedimento cautelar para decretamento de uma providência diferente da requerida, mediante o exercício pelo juiz de um poder de adequação material, com base nos factos alegados pelo requerente e no conteúdo do direito por ele invocado. Não está em causa a convolação de um procedimento para um outro com objeto diferente do requerido, mas a supressão da inadequação da providência requerida face aos factos alegados e ao direito invocado.
No caso vertente, os requerentes não pretendem alterar o procedimento cautelar por si intentado, nem o seu objeto se modificou. A causa de pedir no embargo de obra nova e na ratificação de embargo de obra nova extrajudicial é, no essencial, igual. Diverge apenas, no segundo caso, pela autotutela exercida pelo requerente do procedimento. O efeito prático é, de igual modo, coincidente, diferindo apenas, no caso do embargo extrajudicial, por os efeitos do embargo operarem desde o embargo extrajudicial, enquanto no embargo os efeitos se produzem com a execução da decisão judicial.
Conforme com clareza se lê no ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2011 (proc. 8997/11.9T2SNT-A.L1-7, Luís Lameiras), o procedimento cautelar de embargo de obra nova é um apenas, com duas derivações, consoante o nível de premência de cada situação concreta e a avaliação que a essa luz faça o respetivo interessado; porém, substancialmente, e no essencial, o interesse material acautelado não diverge.
O embargo de obra nova constitui o procedimento cautelar tipicamente vocacionado à proteção de afrontas, de ofensas, ao direito de propriedade de alguém, ou a outro direito real de gozo; que sejam geradas pela execução de qualquer tarefa de intervenção, que outrem empreenda; e que produzam ou, no mínimo, mostrem consistente risco de produzir, naquele direito, alguma afetação. É portanto uma intervenção que seja desencadeada, criadora de um reflexo perturbador sobre o direito real de uma pessoa, a situação que há de sustentar o embargo (…) Esta realidade de base é comum, quer o embargo seja pedido como judicial, quer o seja na ótica (apenas) da sua ratificação extrajudicial; a diferença é meramente de opção do interessado que, na avaliação da lesiva situação concreta, ou escolherá suscitar ao tribunal que diretamente faça suster a obra, ou escolherá ser ele próprio a retê-la, só depois seguindo com a necessária ratificação (…). Mas sendo, em qualquer caso, sempre a mesma tutela (…).
Entende-se, pois, não existir cumulação de providências, nem sequer convolação de um procedimento para um outro de natureza diversa. Está em causa uma mesma providência. Os factos a apreciar são precisamente os mesmos. O pedido mantém-se também inalterado, com a única nuance de que, num primeiro momento, se pediu ao tribunal que este ordenasse o embargo e, num segundo momento, que este ratificasse o embargo. Isto por, segundo os requerentes, a premência da questão ter exigido a antecipação do embargo. A realidade continua, porém, a carecer de apreciação judicial: num primeiro momento processual com vista a que o tribunal ordenasse o embargo; num segundo momento em ordem a que o tribunal o ratifique.
Assim, tendo sido requerido no âmbito de embargo judicial de obra nova que sejam apreciados os pressupostos da ratificação do embargo extrajudicial, por, na pendência do procedimento, o interessado ter procedido diretamente ao embargo, deve o tribunal conhecer deste pedido.
Nada obstaculizando a que o tribunal aprecie do bem fundado da pretensão dos requerentes, deve a decisão proferida ser revogada, prosseguindo o procedimento para apreciação dos pressupostos da ratificação do embargo extrajudicial de obra nova.
No que se refere ao pedido de condenação dos apelados enquanto litigantes de má-fé, entende-se estar em causa apreciação que só a final deverá ter lugar. Só nesse momento se poderá levar em linha de conta toda a conduta das partes. Assim, não se conhece de tal pedido.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em conferência em manter a decisão sumária, devendo os autos prosseguir os seus termos para conhecimento dos termos do procedimento que ainda remanescem.
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Custas pelos apelados, por terem decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 19-2-2024
Teresa Fonseca
Carlos Gil
Miguel Baldaia de Morais