Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
319/23.3YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO
ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
PRAZO JUDICIAL
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL
Nº do Documento: RP20240305319/23.3YRPRT
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O termo a quo de contagem do prazo de 60 dias para a dedução de ação de impugnação/anulação de sentença arbitral, previsto no nº. 6, do artº. 46.º, da Lei nº. 63/2011, de 14/12, é sempre a notificação duma decisão dos árbitros, seja ela a sentença que decidiu o litígio arbitral, seja a decisão (despacho) de retificação, esclarecimento, aclaração ou completamento daquela, proferida a requerimento de uma parte, nos termos do artº. 45.º, do mesmo diploma.
II - Estando-se perante um prazo diretamente relacionado com outra ação, cujo decurso tem fundamentalmente um efeito de natureza processual, impossibilidade de questionar a integridade do decidido quanto ao tribunal arbitral, processo por este adotado e a integridade da decisão por ele proferida, em confronto com os princípios, regras e valores fundamentais do ordenamento jurídico, e não o efeito extintivo de um direito material, tal prazo deve considerar-se de natureza processual ou judicial, suspendendo-se durante as férias judiciais.
III - Estabelece-se no art.º 42.º, nº 3 da LAV que “a sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do art.º 41.º”, pelo que, tal como sucede com a decisão judicial, também aqui se exige que o Tribunal Arbitral fundamente a sua decisão em termos de facto e de direito.
IV - Nesta conformidade, não obstante a amplitude do dever de fundamentação das decisões arbitrais não possa ser definida por decalque do dever sinónimo aplicável às sentenças dos tribunais estaduais, devendo ter em conta as especificidades do processo arbitral e os seus objetivos de celeridade, simplicidade e informalidade, ainda assim a fundamentação deve, em qualquer caso, ter o conteúdo mínimo exigível que permita apreender o sentido, as razões e o percurso racional seguido pelo árbitro na interpretação dos meios de prova.
V - Por assim ser o vício de nulidade por falta de fundamentação [art.º 46º, nº 3, al. a), vi) da LAV] da sentença arbitral-invocável através da ação de anulação-só pode ser declarado nos casos em que exista a falta absoluta de motivação. Sempre que a motivação seja deficiente deve essa deficiência ser suprida através de recurso.
VI - Está suficientemente fundamentada a decisão arbitral que enuncia, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos respetivos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, tornando percetível o iter lógico jurídico seguido na resolução do litígio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 319/23.2YRPRT.P1-Apelação
Origem: Tribunal da Relação do Porto
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. António Mendes Coelho
2º Adjunto Des. Drª Maria Teresa Sena Fonseca
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
AA, residente na Praceta ..., Porto, intentou a presente ação contra A..., S.A., com sede Rua ..., ..., Matosinhos, pedindo a anulação da sentença arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral de Consumo do Porto, em 27/06/2023, no processo n.º 1124/22, na qual se concluiu pela caducidade o direito de ação do Requerente e consequente absolvição do Requerido.
Alegou em síntese que a sentença arbitral não conhece as razões de direito alegadas pelo Requerente em favor da tempestividade da ação e, mais concretamente, omite qualquer pronúncia sobre a suspensão dos prazos de caducidade/prescrição por via da COVID19, expressamente invocados/alegados por si em sede de audiência de julgamento, que a ter sido considerada (a suspensão de prazos), necessariamente teria resultado na conclusão de que a ação é tempestiva violando, assim, a falta de fundamentação a que se referem os artigos art.º 42.º, nº 3 da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 63/2012, de 14 de Dezembro), à luz do disposto no art.º 46.º, nº 3 al. a)-vi), do mesmo diploma.
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Citada, a requerida opôs-se ao pedido, alegando que o direito do Requerente em pedir a anulação da decisão se encontra caduco e ainda que a mesma não padece do vício da falta de fundamentação.
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Após, foi solicitada e junta aos autos cópia da ata da audiência de julgamento do referido processo.
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O Tribunal é competente para conhecer da causa em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, encontrando-se a requerente devidamente representadas em juízo.
O processo é o próprio e não existem outras exceções, nulidades ou questões prévias que ora cumpra conhecer.
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Não existe prova a produzir.
Com feito, a tomada de declarações de parte ao Requerente nos termos impetrados na petição inicial revela-se inadmissível além de ser um ato completamente inócuo.
Analisando.
Como já supra se referiu o Requerente alegou que a sentença arbitral não conheceu as razões de direito em favor da tempestividade da ação e, mais concretamente, omitiu qualquer pronúncia sobre a suspensão dos prazos de caducidade/prescrição por via da COVID19, expressamente invocados/alegados por si em sede de audiência de julgamento.
Ora, como decorre da ata de julgamento mandada juntar aos autos, nela não está documentada qualquer alegação que o Requerente tivesse feito no sentido que vem vertido nos termos constantes dos artigos 3º e 6º a 9º da petição inicial, como devia constar se assim tivesse procedido.
Repare-se que o início da audiência teve lugar com a audição do Requerente e, perante a alegação da exceção da caducidade por banda da Requerida, não estava ele impedido de contrapor os argumentos que agora refere na petição inicial.
Importa ter em consideração que, tal como preceitua o artigo 19.º, nº 3 do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto de 15/05/2016,
(…).
Para além dos diplomas legais referidos nos números anteriores, em tudo o que não estiver previsto no presente Regulamento aplica-se, com as devidas adaptações, a Lei da Arbitragem Voluntária, a Lei da Mediação e o Código do Processo Civil.”
Ora, assim sendo, ao processo n.º 1124/22 que correu termos pelo Tribunal Arbitral de Consumo do Porto, e no que se refere à documentação dos atos presididos pelo arbitro é aplicável o artigo 155.º do CPCivil cujo nº 7 estatui o seguinte:
(…)
“A realização e o conteúdo dos demais atos processuais presididos pelo juiz são documentados em ata, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e atos decisórios orais que tiverem ocorrido”.
Concordante com tal norma está também o nº 2 do artigo 14.º do citado Regulamento que refere:
(…)
“O Árbitro conduz os trabalhos, dá a palavra às partes, pode mandar realizar diligências, inquire as testemunhas, ou autoriza que as partes o façam diretamente, e supervisiona a redação da ata”.
Daqui resulta que não estando documentado em ata qualquer alegação do Requerente no sentido por ele afirmado não pode agora, por via da prestação das suas declarações de parte, fazer prova de que tal alegação ocorreu.
É que as atas de audiência de julgamento ou de qualquer diligência judicial são documentos públicos, qualificáveis como documentos autênticos, por mor das disposições legais dos artigos 369.º e ss. do C.Civil, pelo que a sua força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (cfr. artigo 372.º do CCivil).
Aliás, diga-se, sempre as declarações de parte não passariam de meras afirmações sem, portanto, qualquer efeito confessório, provindas de um sujeito processual claramente interessado no objeto do litígio e que se limitariam a corroborar o que o mesmo já tinha afirmado no seu articulado.
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Nos termos do artigo 46.º, n.º 2, al. e) da LAV, os presentes autos seguem nesta fase a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações, tendo sido colhidos os vistos legais.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto da presente ação circunscreve-se às seguintes questões:
a)- saber se o direito de ação de pedir a anulação da decisão arbitral se encontra, ou não, caduco;
b)- saber se a decisão arbitral em apreciação enferma do vício de falta de fundamentação.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual a ter em contar para decidir a questão enunciada é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida e ainda a seguinte.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que cumpre apreciar a decidir consiste em:
a)- saber se o direito de ação de pedir a anulação da decisão arbitral se encontra, ou não, caduco.
A Requerida  na sua contestação conclui pela (alegada) caducidade da presente ação de anulação, invocando, a esse propósito, o art.º 46.º, nº 6 da LAV (Lei de Arbitragem Voluntária), o qual prevê que o pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença, para logo concluir que, o dito prazo de 60 dias teria a seu termo em 28/08/2023 e, tendo a presente ação de anulação dado entrada em 13/10/2023, estaria largamente ultrapassado o dito prazo de 60 dias para a sua propositura e, portanto, resultava caduco o respetivo direito de ação.
Será que é assim?
Analisando.
Preceitua o n.º 6, do artigo. 46.º, da LAV) que: “o pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento nos termos do artigo 45º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento”.
A questão que se coloca, face ao alegado pela Requerida, é como deve ser contado o citado prazo.
Ora, a resposta a tal questão passa pela definição da natureza do prazo, nomeadamente na determinação se estamos perante um prazo processual ou judicial, ou antes perante um prazo substantivo ou de caducidade.
A doutrina não é unânime acerca da natureza deste prazo.
Refere António Sampaio Caramelo[1] que: “Armindo Ribeiro Mendes defendeu que este prazo é de qualificar como processual, louvando-se no entendimento acolhido, na vigência da anterior LAV, por Luís de Lima Pinheiro que, por sua vez, se apoiava num acórdão do STJ. Pelo contrário, Mariana França Gouveia, opinou que se trata de um prazo substantivo, de caducidade, não se lhe aplicando, por isso, as regras dos prazos processuais, nomeadamente a suspensão nas férias judiciais”.[2]
A citada Autora adere a esta última posição–considerando o prazo substantivo ou de caducidade -, referindo que: “uma vez que a visão contrária implica conceber a ação de anulação (que sucede à arbitragem) como a última fase de um continuum processual cuja natureza essencial se mantém. Ora, a verdade é que a ação de anulação é um meio processual com uma finalidade claramente diferente da arbitragem precedente–nesta busca-se a decisão de um litígio, enquanto aquela tem por objetivo controlar a integridade do tribunal arbitral, a integridade do processo por este adotado e a integridade da decisão por ele proferida, verificando a sua compatibilidade com princípios, regras e valores fundamentais do ordenamento jurídico. Entendemos, por isso, que o prazo para a propositura da ação de anulação de sentença arbitral tem a mesma natureza (substantiva) que o prazo fixado por lei para se impugnar a validade de uma transação privada”.
Em sentido diferenciado, refere José Robin de Andrade[3] tratar-se “de um prazo processual ou judicial, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 6 de setembro de 2016 já que está “diretamente, relacionado com uma outra ação (a ação arbitral) e o seu decurso tem um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material”.
O citado aresto do STJ de 06/09/2016[4], refere-se a esta questão nos seguintes moldes: “III.1. Sustenta a requerida, a este propósito, que a presente ação é intempestiva, porquanto deu entrada, no Tribunal da Relação de Coimbra, em 23 de setembro de 2015, e não em 17 de setembro de 2015, como considerou o acórdão recorrido, mas, igualmente, porque contende com o prazo para a propositura de uma ação que respeita à anulação de decisão de providência cautelar-Providência Cautelar nº 1/2015 do Tribunal Arbitral da AICCOPN)-que não se suspende durante as férias, por revestir carater urgente, nos termos do artigo 363.º, nº 1, o que constitui e integra a exceção prevista, na parte final do artigo 138.°, nº 1, ambos do CPC.
Prescreve o artigo 46º, nº 1, da LAV, que, “salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do nº 4 do artigo 39º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo”, prosseguindo o seu nº 6, ao afirmar que “o pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento nos termos do artigo 45º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento”.
Tendo o acórdão arbitral sido proferido, em 30 de junho de 2015, e considerado notificado às partes, em 20 de julho de 2015, a presente ação deu entrada em juízo, no dia 17 de setembro de 2015, data que consta do comprovativo do correio oficial eletrónico do Tribunal da Relação de Coimbra, a folhas 82, sendo, para tanto, irrelevante a data aposta no articulado inicial de folhas 2, ou seja, 23 de setembro de 2015, que resulta do carimbo mecânico realizado pelo oficial de justiça que subscreveu o respetivo termo.
III.2. Os prazos judiciais destinam-se a determinar o período de tempo “para se produzir um determinado efeito processual”, ou seja, a “regular a distância entre os atos do processo”, e, dada essa sua função específica, pressupõem, necessariamente, a prévia propositura de uma ação, a existência de um processo.
Por sua vez, os prazos substantivos “respeitam ao período de tempo exigido para exercício de direitos materiais, sendo-lhes “aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”, de acordo com o preceituado pelo artigo 298º, nº 2, do Código Civil, tendo o seu decurso, em princípio, sem prejuízo das regras respeitantes à necessidade da sua invocação em juízo, a consequência da extinção do respetivo direito.
Por outro lado, a natureza de um prazo, designadamente, para a propositura de uma ação, deve resultar da análise da correspondente norma jurídica e não, simplesmente, da sua inclusão física em determinado diploma, sendo que, se a caducidade é, em regra, prevista na lei substantiva, admite-se que o possa ser, igualmente, na lei processual.
No que respeita aos prazos de propositura de ação, em particular, por via de regra, qualificados como prazos substantivos de caducidade, ou, excecionalmente, de prescrição, atento o já citado artigo 298º, nº 2, do Código Civil, por estas causas do não exercício do direito se reconduzirem a elemento integrante do regime jurídico da respetiva relação material, os mesmos podem ser, também, prazos judiciais, o que ocorrerá sempre que o prazo esteja, diretamente, relacionado com uma outra ação e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material, como será, seguramente, a situação contemplada, entre outros, nos artigos 92º, nº 2, 279º, nº 2, e 840º, nº 2, todos do CPC.
Reveste, pois, seguramente, natureza judicial, o prazo previsto no citado artigo 382º, nº 1, a), do CPC, uma vez que funciona como simples condição de subsistência da providência cautelar, sem qualquer interferência no direito que constitua o fundamento da respetiva ação.
Trata-se, pois, de um prazo judicial de propositura de ação, ponto em que, aliás, são conformes os dois acórdãos em causa.
Trata-se, pois, de um prazo judicial de propositura de ação, ponto em que, aliás, são conformes os dois acórdãos em causa.
Assim sendo, a presente ação de anulação de sentença arbitral foi proposta, dentro do prazo de sessenta dias, contados da data em que a requerente teve conhecimento do seu teor, a que se reporta o artigo 46º, nº 6, da LAV, e, portanto, tempestivamente, improcedendo, consequentemente, a exceção perentória da caducidade.
Ora, não obstante o citado acórdão não decida de forma concludente e direta que o prazo em equação tem natureza processual ou judicial, acaba por a admitir.
Também no sentido de se estar perante um prazo de natureza processual ou judicial, acerca de impugnação de decisão arbitral no âmbito da arbitragem tributária, pronunciou-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul[5] de 26/06/2014, aí se afirmando que “o prazo para deduzir a presente impugnação de decisão arbitral é um prazo de natureza judicial e aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil (cfr. artº.29, nº.1, al. a), do Dec. Lei 10/2011, de 20/1; artº.20, nº.2, do C.P.P.T.), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr. art.º 138.º, nºs 1, 2 e 3, do C.P.C.)”.
Da mesma forma que no acórdão desta Relação de 15/09/1994[6] se sumariou: “a ação para anulação de sentença arbitral tem de ser proposta em juízo nos 30 dias subsequentes à notificação da respetiva decisão” e que “terminados os 30 dias em período de férias judiciais, não se verifica a caducidade  da ação se a mesma der entrada em tribunal no 1º dia útil após o termo daquelas”.
É claro que do sumário deste aresto (única parte publicada) também não é possível concluir sobre qual a natureza do prazo em equação, pois que, terminando o prazo em férias judiciais, mesmo considerando-o de natureza substantiva, sempre se transferiria para o 1º dia útil após o termo daquelas férias, conforme resulta da alínea e), do artigo 279.º, ex vi artigo 296.º, ambos do Cód. Civil, todavia, também ele parece admitir, de forma implícita, a natureza processual do mencionado prazo.
Isto dito, somos de entendimento que se está perante um prazo diretamente relacionado com outra ação, cujo decurso tem fundamentalmente um efeito de natureza processual.
Efetivamente, ao contrário, do defendido por Mariana França Gouveia, a nossa ver a ação de anulação da decisão arbitral configura-se como a última fase de um continuum processual.
Com efeito, em retas contas, trata-se de controlar a integridade do tribunal arbitral, a integridade do processo por este adotado e a integridade da decisão por ele proferida, verificando a sua compatibilidade com princípios, regras e valores fundamentais do ordenamento jurídico tudo, pois, na decorrência da decisão antes proferida.
Isto dito, se a contagem do dito prazo processual de 60 dias tiver em consideração a devida suspensão durante o período de férias judiciais, como é próprio dos prazos processuais que não se enquadrem nas exceções a essa regra previstas na lei), é de concluir que o dito prazo de 60 dias teve o seu término em 13/10/2023, que foi, precisamente, o dia em que a presente ação deu entrada em tribunal, o que O que determina, a improcedência da invocada exceção perentória de caducidade do direito da ação.
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A segunda questão que vem colocada na ação consiste:
b)- saber se a decisão arbitral em apreciação enferma do vício de falta de fundamentação.  
Preceitua o artigo 42.º, n.º 3, da Lei da Arbitragem Voluntária que a sentença arbitral “deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º”.
Por sua vez o artigo 15.º do Regulamento do Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto, estabelece que a “sentença arbitral deve conter um sumário, ser fundamentada e conter a identificação das partes, a exposição do litígio e os factos dados como provados”.
Ora, nenhum destes incisos densifica aquilo sobre o que se deve entender por fundamentação da sentença arbitral.
Segundo as regras processuais estaduais, constantes do Código de Processo Civil, a fundamentação da decisão é de facto ou de direito.
A fundamentação de facto consiste na especificação dos factos que o tribunal julgou provados e aos quais vai de seguida aplicar o direito para concluir pelo dispositivo. A fundamentação de direito consiste na indicação, interpretação e aplicação das normas e princípios de direito aos factos provados e na formulação ao silogismo judiciário que há de conduzir ao dispositivo.
O artigo 154.º do Código de Processo Civil estabelece o “dever de fundamentar a decisão”, prescrevendo que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. O n.º 2 da mesma norma, sem concretizar o modo como essa fundamentação deverá ser feita estabelece, pela via negativa, que a fundamentação “não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
É, depois, o artigo 607.º desse diploma que ao definir o conteúdo da sentença nos dá mais indicações sobre o âmbito da fundamentação.
Nos termos do n.º 3 do citado preceito, a sentença deve apresentar os respetivos “fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicaras normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
Por sua vez o n.º 4, na parte dedicada à fundamentação da sentença estatui que o juiz deve declarar os factos que julga provados e os que julga não provados, “analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Constitui entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico que só a absoluta falta de fundamentação produz a nulidade da sentença, devendo distinguir-se as situações em que a fundamentação existe, mas é insuficiente, lacunosa ou errada, e as situações em que a fundamentação foi pura e simplesmente suprimida (ou cujas deficiências atingem um nível tal que a situação deve ser tratada como falta de fundamentação) e que são as únicas que podem conduzir à nulidade da sentença.
De todo o modo, a Constituição da República Portuguesa consagra no artigo 205.º, n.º 1, o dever de fundamentação das decisões decorre ao estabelecer que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
O Prof. Gomes Canotilho[7], afirma que esta exigência constitucional é justificada pela necessidade de exercer o controlo da administração da justiça, excluir o carácter voluntarístico e subjetivo do exercício da atividade jurisdicional, permitir o conhecimento da racionalidade e da coerência argumentativa dos juízes, permitir o melhor exercício do direito ao recurso ao dar às partes um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.[8]
É discutível se o dever de fundamentação deve ter a mesma densidade na sentença arbitral que na sentença de um tribunal estadual.
Ora, importa desde logo, salientar que a LAV não exige uma fundamentação idêntica à do artigo 607.º do CPCivil-não se exige qualquer tipo específico de fundamentação nem se impõe que sejam expressamente considerados todos os argumentos jurídicos invocados pelas partes.
Portanto, “a tendência jurisprudencial claramente dominante é no sentido de que o grau de fundamentação exigido seja menor do que é a prática corrente nas sentenças judiciais (...). É prudente inserir alguma fundamentação para evitar riscos de anulação ou de recusa de exequátur[9] (negrito e sublinhados nossos).
A nosso ver, a definição da amplitude do dever de fundamentação das decisões arbitrais não pode ser feito de modo absolutamente decalcado do dever sinónimo aplicável às sentenças dos tribunais estaduais; importa ter em conta as especificidades do processo arbitral e os seus objetivos de celeridade, simplicidade e informalidade, ou seja, tudo se reconduz a que a invocação do citado vício deve ser visto caso a caso, isto é, verificando-se se a fundamentação tem no caso o conteúdo mínimo exigível aferido em função da necessidade de apreensão do sentido, das razões e do percurso racional seguido pelo árbitro na interpretação dos meios de prova, mas também da complexidade dos factos em discussão e do volume de prova produzida.
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Apliquemos agora esta interpretação jurídica ao caso concreto.
Como decorre da decisão arbitral nela foram especificados os factos concretos integradores da exceção da caducidade do direito de ação invocada pela Reclamada e feito o respetivo enquadramento jurídico.
Portanto, analisada a dita sentença, não parece que se possa considerar verificada a invocada nulidade.
A decisão proferida e cujo mérito não cabe sindicar nos presentes autos[10] é perfeitamente clara e inteligível e encontra-se suficientemente fundamentada, nos planos factual e jurídico, sendo integralmente percetível o iter lógico jurídico que nela se seguiu para apreciação da invocada exceção da caducidade do direito de ação, cumprindo consequentemente, em termos satisfatórios, as exigências legais e constitucionais do dever de fundamentação das decisões judiciais (cfr. artigos 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 154.º do CPCivil).
Do mesmo modo, a operada indicação dos factos provados e dos meios de prova que lhes serviram de sustentáculo, satisfaz o imperativo constitucional e processual da fundamentação da decisão (artigos 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 154.º do CPC).
E, por isso, não se mostrando violadas as normas da LAV, especificadas pelo Requerente como fundamento da pretensão anulatória, nem a exigência constitucional (e da lei ordinária) de fundamentação das decisões judiciais, tem de improceder a peticionada anulação da decisão arbitral.
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Aliás, importa enfatizar que o fundamento da pretendida anulação com base na falta de fundamentação radicava apenas e só na circunstância de que a sentença impugnada omitia qualquer pronúncia sobre a questão da interrupção dos prazos de caducidade/prescrição resultante da COVID19, expressamente invocados/alegados pelo Requerente em sede de audiência de julgamento o que, como se evidencia da respetiva ata tal não sucedeu.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o pedido de anulação da sentença arbitral.
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Custas pela Requerente (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 05 de fevereiro de 2024.
Manuel Domingos Fernandes
Mendes Coelho
Teresa Fonseca
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[1] In A Impugnação da Sentença Arbitral, 2ª Edição Revista e Aumentada, Almedina, 2018, pág. 31/32
[2] Conforme notas de rodapé 54 e 55, o acórdão do STJ data de 18/05/1995 – BMJ, nº. 447, pág. 455. No sentido de estarmos perante um prazo processual, pronunciou-se, igualmente, António Menezes Cordeiro-Tratado de Arbitragem, pág. 457, sendo do entendimento de que será um prazo substantivo os autores da obra coletiva coordenada por Mário Esteves de Oliveira–Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, pág. 575.
[3] Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 3ª Edição Revista e Atualizada, Almedina–Associação Portuguesa de Arbitragem, 2018, pág. 153.
[4] Processo nº 158/15.4YRCBR.S1, in www.dgsi.pt..
[5] Processo nº. 07084/13, in www.dgsi.pt..
[6] In www.dgsi.pt..
[7] In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 4.ª Edição, 2000, pág. 65.
[8] Alguns autores acentuam, e bem, que “mais do que uma imposição constitucional, a exigência de fundamentação das decisões integra o elenco de princípios concretizadores do processo justo (muitas vezes designado “due process of law”), que tem como conteúdo fundamental a conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional efetiva” (cfr. Diogo Cunha, in Da forma, conteúdo e eficácia da sentença arbitral, Themis, ano XV, n.ºs 26/27, 2014, pág. 218, Patrícia Pereira, in Fundamentos de anulação da sentença arbitral, O Direito, 142, 2010, V, pág. 1081).
[9] Vide Dário Moura Vicente, Armindo Ribeiro Mendes, e Outros, in Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 2º edição, 2015, Almedina, pág. 111.
[10] A impugnação da decisão arbitral somente se pode fazer “através do pedido da sua anulação, e nos estritos e taxativos fundamentos do artigo 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária, os quais se assumem como vícios ou irregularidades “a latere” do objeto/mérito do litígio, deste modo, em sede de impugnação da sentença arbitral, está vedada a apreciação do mérito, não comportando a presente ação de anulação a reapreciação da prova produzida com vista à alteração da decisão sobre a matéria de facto.