Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
26936/15.6T8PRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
CONSENTIMENTO INFORMADO
Nº do Documento: RP20240226936/15.6T8PRT.P2
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos casos de responsabilidade médica, o sistema da responsabilidade civil, tal qual está formulado e conjugado com as regras da distribuição do ónus probatório, não opera uma justa distribuição dos danos pelas esferas do lesante e do lesado, onerando o lesado com a prova de factos – o erro médico – de difícil demonstração.
II - Por isso, a inversão do ónus da prova é uma prática sedimentada nas ações de responsabilidade civil por erro médico.
III - Ocorre, desde logo, quando o médico omite a documentação de toda a atividade clínica e no caso de não realização de exames complementares de diagnóstico.
IV - Exigem-se dois requisitos para a inversão do ónus: o comportamento culposo da parte não onerada com a demonstração do facto lesivo e a impossibilidade, daí resultante, da respetiva prova.
V - O respeito pelo livre desenvolvimento do sujeito e, por conseguinte, pela sua autonomia é uma questão fundamental em todas as relações interpessoais e tem particular incidência na relação médico-paciente, atingindo o seu ponto fulcral no consentimento informado pelo qual se expressa a última palavra deste último no que respeita aos tratamentos ou opções propostas pelo profissional.
VI - A prova da transmissão das informações adequadas cabe ao prestador dos cuidados de saúde, sendo tais informações essenciais para que se considere existir consentimento informado. Significa isto que se nenhum facto se demonstrar no tocante à prestação de informação e à existência de consentimento informado não pode considerar-se ter este existido.
VII - Quando se afirma “foram-me explicadas as implicações, os riscos e as consequências (mais frequentes e previsíveis) destes procedimentos, bem como as alternativas a eles existentes” não está demonstrado ter o paciente sido cabalmente informado dos riscos (e quais) e das alternativas terapêuticas (e quais).
VIII - Os riscos dos procedimentos médicos que o médico deve transmitir ao paciente são os riscos previsíveis, os quais dizem respeito à frequência da concretização dos mesmos, mas também à sua gravidade. A gravidade de um risco, mesmo não frequente, conduz à obrigação da sua comunicação. Graves são os riscos de natureza adequada a ter consequências mortais, invalidantes ou mesmo estéticas graves tendo em conta as suas repercussões psicológicas e sociais.
IX - Para as cirurgias que tenham por objeto a coluna vertebral, acompanhadas por riscos neurológicos, a questão do consentimento e da informação adequada é essencial.
X - A informação a fornecer pelo cirurgião deve incluir, desde logo, a menção aos tratamentos alternativos, mas também a indicação dos benefícios e dos riscos, aqueles que, uma vez conhecidos pelo paciente, influenciam a sua decisão de se submeter à cirurgia, o que inclui os riscos comuns e pouco importantes, como hematoma, mas também os riscos raros e sérios, tal como as lesões medulares e suas consequências.
XI - Em caso de violação do consentimento informado, tendo havido danos corporais, a indemnização inclui os danos patrimoniais e não patrimoniais e não só o dano não patrimonial pela violação do direito de autodeterminação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 26936/15.6T8PRT.P2

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:

…………………………..

…………………………..

…………………………..


*


Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

Constituindo este o segundo recurso apresentado nestes autos, na sequência do acórdão proferido a 8.3.2019, que então alterou alguns dos factos apurados em sentença e procedeu à anulação desta para mais profusa indagação probatória, o presente RELATÓRIO segue de perto aquela primeira decisão desta Relação.

AUTORA: AA, com domicílio na Av. ..., ....

RÉUS: BB, médico neurocirurgião, com domicílio profissional no Hospital ..., sito na ..., Porto

A... – Companhia de Seguros, SA (atualmente B...), com sede na Av. ..., ..., Lisboa.

Por via da presente ação declarativa pretende a A. obter a condenação dos RR. a pagarem-lhe o valor global de € 255.519, 45, a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais que alega ter sofrido mercê de lesão causada pelo primeiro R. aquando da intervenção cirúrgica que realizou à A.

Alega que da atuação do R. resultou para A. lesão traumática medular, o que sucedeu quando este médico procedia à discetomia e extirpação de duas hérnias discais cervicais de que padecia a demandante.

Invoca subsidiariamente a falta de consentimento informado.

A Ré será responsável porque para si foi transferida a responsabilidade pelos danos decorrentes da atuação profissional do facultativo.

Contestando, o R. considera não ter sido alegada na petição qual o erro por si cometido, sendo que a A. sabia não ser a cirurgia isenta de riscos, que lhe foram comunicados. Ademais, em momento algum do procedimento, o R. perdeu o domínio do gesto, não tendo exercido qualquer pressão traumática sobre a medula.

Por sua vez, a Ré seguradora, em contestação, impugna os factos constantes da pi e invoca a franquia e o art. 5.º al. j) das Condições Gerais da Apólice para se eximir ao pagamento da indemnização quanto a lucros cessantes e paralisações.

Foi apresentado segundo articulado pela A., após o que foi realizada audiência prévia que, de imediato, designou data (s) para julgamento.

Foi proferida sentença, datada de 1.6.2018, a qual julgou a ação improcedente e absolveu os RR. do pedido.

Na sequência do recurso apresentado pela A., foi proferido acórdão, nos sobreditos termos, o qual terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este coletivo em julgar parcialmente procedente o recurso e, mantendo os factos provados da sentença recorrida, considerar também provados os que acima (na fundamentação de facto) ficaram alinhados sob a numeração de 1 a 7[1].

         No mais, é anulada a sentença recorrida, nos termos do art. 662.º, n.º 2 c) CPC, determinando-se a produção da prova pericial acima indicada (pelo INML e pelo respectivo Conselho Médico-Legal e pelo Colégio da Especialidade de Neurocirurgia da Ordem dos Médicos) e por declarações de A. e R. para apuramento da matéria indicada supra sob as als. a) a f[2]).

         Mais se determina seja ordenada a junção aos autos das certidões de assento de nascimento de A. e filhos para determinação da idade de todos aquando da cirurgia (al. f) e g)[3] supra).

Os pontos das als. a) a f) sobre que deveria recair nova decisão têm o seguinte conteúdo:
a) « No caso dos autos, o que pretende saber-se é se do procedimento levado a efeito [discectomia C6-C7, extirpação de hérnia discal C6-C7, colocação de cage cervical C6-C7, discectomia C5-C6, extirpação de hérnia discal C5-C6 e colocação de cage cervical C5-C6] poderia resultar paresia dos membros direitos e foco de sofrimento medular direito em C5-C6, quadro motor neurológico e sensorial que determine incapacidade de 19%.
b) E, porque também é referido nos autos, há que apurar se a lesão descrita pela A. (que o faz por referência ao relatório médico que junta e para o qual remete) – lesão traumática sequelar da medula, causadora do quadro neurológico – é também um risco possível, mesmo que remoto, da cirurgia e se esse risco foi transmitido à doente e se esta, perante tais informações, aceitou de igual modo submeter-se ao procedimento.

            (…)

            c) De modo que se impõe apurar se:

- do procedimento que consiste discectomia C6-C7, extirpação de hérnia Odiscal C6-C7, colocação de cage cervical C6-C7, discectomia C5-C6, extirpação de hérnia discal C5-C6 e colocação de cage cervical C5-C6 pode resultar paresia dos membros direitos e foco de sofrimento medular direito em C5-C6, quadro motor neurológico e sensorial determinante de incapacidade;

- a lesão traumática sequelar da medula, causadora daquele quadro neurológico, é um risco possível, mesmo que remoto, da cirurgia;

- tal lesão pode resultar de episódio hipotensivo com distress respiratório decorrido depois da cirurgia;

- esse tipo de episódio é uma consequência possível, mesmo que remota, deste tipo de cirurgia;

- qual a percentagem de risco de ocorrência de lesões medulares;

- estes riscos foram transmitidos pelo R. à doente antes da prestação de consentimento por esta à submissão ao procedimento;

- perante tais informações, a A. aceitou submeter-se ao procedimento;

            (…)
d) Só assim se poderá afirmar, com algum grau de rigor, se durante a cirurgia foi causada lesão medular traumática à A.; se esta lesão é traumática ou isquémica; se no pós-operatório, mormente imediato, face ao episódio hipotensivo, deveria a A. ter sido submetida a uma ressonância magnética cervical como se sugere no relatório do TAC cervical; se tal exame estava contra-indicado; se tal ressonância permitira ver com clareza a origem e natureza da lesão; se da cirurgia decorre o quadro motor neurológico e sensorial incapacitante observado na A.
e) Ao Conselho Médico-Legal deverá, ainda, pedir-se que explique se tal quadro impede a A. de escrever ao computador ou à mão por períodos prolongados - como afirmou o seu marido, CC, em audiência e a fisioterapeuta, DD - e em que medida se reflete o mesmo na sua atividade de contabilista.    

(…)

f) De modo, que deverá pedir-se ao INML que esclareça o seguinte:

- a A. ficou impossibilitada de saltar e correr, tem dificuldades em subir e descer escadas, caminhar em pisos irregulares ou durante mais de 15 minutos seguidos, começando a mancar após os mesmos;

- está impossibilitada de realizar esforços com o membro superior direito, causando-lhe dor o facto de pegar em pesos superiores a 2 Kg;

- realiza movimentos de pinça fina, digito-pulpar, como vestir o soutien, apertar os botões das calças, calçar-se e outras tarefa, mas com dificuldade.

- está impossibilitada de pegar nos sacos das compras.

- tem dificuldade em dormir por sentir dor na região cervical com as almofadas.

- tem dificuldade em realizar as tarefas domésticas, como lavar louça, pela postura e por não conseguir pegar com firmeza na mesma, estender a roupa e tirar a roupa da máquina, passar o aspirador.

- tem ou teve dificuldade em mudar as fraldas e dar banho ao filho mais novo.

- apenas pode conduzir veículos com mudanças automáticas (neste segmento foi mencionado em audiência o medo da A. em conduzir por força das limitações que sente, pelo que deverá o INML avaliar a extensão das sequelas psíquicas/psicológicas produzidas ocasionadas à A. pelas lesões físicas de que é portadora, até porque se pretende no recurso se dê como provado achar-se a A. acompanhada em consultas de psiquiatria sendo relevante verificar se tal acompanhamento sucede, mas sobretudo, se se justifica face a um eventual quadro de depressão ou alteração comportamental não relatado pelo INML);

- sente formigueiro constante desde a metade medial do 3.º dedo à totalidade do 4.º e 5.º dedos da mão direita, irradiando para o cotovelo pelo bordo medial do antebraço;

- tem dificuldade em sentir a temperatura com a mão direita, nomeadamente, à água quente;

- sente contraturas da musculatura cervical, costas e tórax;

- tem espasmos musculares na perna e no 4.º e 5.º dedos da mão direita os quais se identificam com híper-reflexia;

- toma diariamente medicação (Lyrica 200, três vezes por dia) e Clonix quando sente dores mais intensas.

- o Lyrica é prescrito para o tratamento da dor neuropática (dor devido à lesão e/ou mau funcionamento dos nervos e/ou do sistema nervoso);

- o Clonix está indicado no tratamento da dor de diversas etiologias, tais como reumatismos crónicos degenerativos, algias neurológicas e neuromusculares, periartrites, tendinites, tenossinovites e bursites, posologias coerentes com o quadro de dor que sente diariamente.

            (…)


f) Deverá ser junta aos autos certidão de assento de nascimento da A. »

Tendo sido realizada a prova, mormente pericial, ordenada em segunda instância, veio a ser proferida nova sentença, datada de 17.11.2022, a qual julgou a ação improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

Deram-se aí como provados os factos seguintes:

(factos já provados na primeira sentença)

1.º

Na 1ª quinzena de Novembro de 2012, a Autora consultou o 1º R. no Consultório sito na Avenida ..., médico neurocirurgião da cidade do Porto, após ter sentido dor na omoplata direita.

2.º

A Autora apresentava um quadro de dor irradiada ao longo do membro superior direito com cerca de 7 semanas de evolução.

3.º

O quadro de dor tinha-se demonstrado resistente aos diversos tratamentos conservadores efectuados, nomeadamente, fisioterapia e prescrição medicamentosa, e interferia com a qualidade de vida da Autora.

4.º

Realizado exame neurológico, era evidente um défice motor do trícipede sem défice sensitivo.

5.º

A RMN demonstrou uma hérnia discal C6-C7 responsável pela dor e outra hérnia C5-C6.

6.º

Neste contexto de dor com boa correlação clínico-imagiológica, o 1.º R. indicou à A. o tratamento cirúrgico para a cura.

7.º

Na consulta médica que antecedeu a cirurgia, que teve lugar no dia 19 de Novembro de 2012, a Autora perguntou ao 1.º R. que tempo levaria a recuperação da cirurgia.

8.º

Ao que o 1.º R. respondeu que seriam 15 dias e que após esses 15 dias poderia retomar o trabalho de escritório, uma hora de manhã e outra de tarde, e que ao fim de um mês, teria praticamente liberdade para trabalhar a tempo inteiro.

9.º

No dia 19 de Novembro de 2012, a A. foi internada no Hospital ... e sujeita à intervenção cirúrgica proposta pelo 1.º Réu.

10.º

Os procedimentos cirúrgicos consistiram em: discectomia C6-C7, extirpação de hérnia discal C6-C7, colocação de cage cervical C6-C7, discectomia C5-C6, extirpação de hérnia discal C5-C6 e colocação de cage cervical C5-C6.

11.º

A cirurgia propriamente dita decorreu sem qualquer intercorrência aparente.

12.º

No período pós-operatório precoce, segundo lhe transmitiu o 1º R., a A. fez episódio hipotensivo severo (60-20 mm Hg) com algum distress respiratório.

13.º

 Quando acordou da anestesia, a A. apenas disse ao 1º R. “salve-me”…

14.º

A A. apresentava uma paresia dos membros direitos.

19.º

O 1.º R. havia explicado à A. da possibilidade de ter sofrido um AVC no período pós-operatório precoce, ou um edema pulmonar.

20.º

Em 25 de Janeiro de 2013, a A. foi submetida a RMN cerebral e cervical.

21.º

O exame cerebral apresentava-se normal, sem alterações de relevo.

22.º

Já o exame cervical permitiu concluir pela existência de um foco de sofrimento medular direito em C5-C6, com evidente nexo de causalidade com os sintomas de paresia dos membros direitos apresentada.

23.º

O 1º R. admitiu a existência de uma “complicação cirúrgica”.

24.º

Em 17 de Abril de 2013 e em 19 de Novembro de 2013, a A. repetiu RX cervical e o RMN cervical de controlo.

25.º

A Autora consultou o Professor Doutor EE, médico especialista em neurocirurgia, professor catedrático, de competência reconhecida nacional e internacionalmente.

26.º

 O Professor Doutor EE elaborou o relatório médico em que refere que procedimento cirúrgico realizado era o que estava indicado na situação clínica que a A. apresentava.

27.º

No caso da A., verificou-se um quadro motor neurológico e sensorial incapacitante que afectou os membros direitos

28.º

A responsabilidade civil por actos médicos praticados pelo 1.º R. encontrava-se à data transferida para a 2.ª R. por contrato de seguro com apólice nº ...40, sendo o capital seguro de €300.000,00.

29.º

O sinistro foi participado à 2.ª R. pelo 1.º R.

30.º

A autora apresenta:

Pescoço: cicatriz rosada, linear, de características cirúrgicas, não aderente aos planos profundos, não hipertrófica, sensivelmente horizontal, na transição da região cervical lateral direita com a anterior, com 5 cm de comprimento

31.º

A data da consolidação das lesões situa-se em 28 de Abril de 2014.

32.º

Foi fixado à A. um quantum doloris de grau 4 numa escala crescente de 7 graus.

33.º

E um dano estético de grau 1 numa escala crescente de 7 graus.

34.º

 Em termos de danos permanentes foram atribuídos à A. 19 pontos de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, tendo a avaliação sido efectuada com base na Tabela Nacional de Incapacidades, devido às queixas álgicas constantes da coluna cervical, com limitação funcional, e à hemiparesia de grau IV nos membros direitos.

35.º

O estado da Autora é compatível com o exercício da actividade habitual de contabilista, mas implicam esforços suplementares, nomeadamente ao escrever ao computador ou à mão por períodos prolongados.

36.º

Em termos de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, foi fixado o grau 1 numa escala crescente de 7 graus.

37.º

A Autora deslocou-se ao Porto 4 vezes ao consultório do 1º R.

38.º

A A. ficou internada no Hospital ... durante 4 dias, tendo regressado ao domicílio com indicação para usar cadeira de rodas.

39.º

Em casa necessitou desde logo da ajuda do marido.

40.º

A A. realizou sessões de fisioterapia na “Clínica ...” e na Hospital ...

41.º

Desde essa data e até ao presente, a Autora realiza sessões de fisioterapia e hidroterapia.

42.º

 Desde a cirurgia, a A. não retomou a actividade laboral.

43.º

A Autora foi acompanhada na especialidade de psiquiatria.

44.º

A Autora sente-se irritável, com menos paciência, mais triste.

45.º

Sente dores desde a metade medial do 3.º dedo e na totalidade do 4.º e 5.º dedos da mão direita, irradiando para o cotovelo pelo bordo medial do antebraço e face posterior do braço até à omoplata e coluna, cervical, sentindo agravamento com a humidade e o frio.

46.º

A Autora apresenta:

Tórax: contractura muscular do terço superior da face posterior do tórax, sendo mais acentuada à direita.

47.º

Membro superior direito: ausência de atrofia muscular ao nível bicipital e braquio-radial, força muscular ligeiramente diminuída conseguindo vencer a resistência (grau IV); hiperreflexia dos reflexos bicipital, tricipital e braquiorradial; hipersensibilidade da face posterior do braço e antebraço; parestesias do bordo cubital da mão, do 4.º e 5.º dedos e bordo medial do 3.º dedo.

48.º

Membro inferior direita apresente o: ausência de atrofia muscular; força muscular ligeiramente diminuída conseguindo vencer a resistência (grau IV); sinais de Lasegue e Braggard negativos; hiperreflexia ao nível rotuliano em comparação ao contralateral; reflexo aquiliano presente e simétrico; hipersensibilidade táctil da coxa em comparação com a contralateral, quer na face anterior, quer na face posterior; parestesias ao nível da face anterior e posterior da perna.

49.º

A A. necessitará ainda de tratamentos médicos regulares até ao fim da sua vida, designadamente, tratamento fisiátrico continuado e prescrição de medicação analgésica; assim como de tratamento psiquiátrico até melhoria da sintomatologia.

50.º

A. Autora teve necessidade de contratar uma empregada doméstica para limpar a casa, tratar das roupas e cozinhar.

51.º

A A. teve que suportar diversas despesas médicas e medicamentosas.

52.º

A Autora recebeu a A., a título de subsídio de doença, a quantia total de € 11.903,44.

53.º

Antes da cirurgia, a A. auferia um vencimento mensal de € 575,00 por mês.

54.º

Para realização de consultas médicas, exames e tratamentos, a A. teve que efectuar inúmeras deslocações.

55.º A Autora, uma vez recebida a informação, assinou declaração de consentimento informado.

56º.

Ainda nessa data foi pedida a emissão de termo de responsabilidade geral à C..., a qual veio a ser emitida com data de 19.11.2015.

(factos dados como provados no acórdão de maio de 2019)

57.º

A A. era uma pessoa saudável antes da cirurgia.

58.º

A. suportou gastos com remuneração da empregada, em valor não concretamente apurado, mas não inferior aos valores constantes dos documentos de fls. 74 a 91, que aqui se dão por reproduzidos.

59.º

Entre 26.3.2013 (data da primeira fatura) e 25.7.2015 (data da última), a A. pagou à D... Ld.ª, pela realização de serviços de contabilidade que cabia à A. realizar no âmbito da sua actividade profissional, os valores constantes das facturas de fls. 92 a 143 que aqui se dão por reproduzidos.

60.º

A. suportou despesas com consultas, tratamentos e fisioterapia os valores documentados nos docs. de fls. 144 a 272 e de fls. 339 a 346, que aqui se dão por reproduzidos

61.º

A Autora esteve de baixa médica, desde 19.11.2012 a 22.7.2015

62.º

 Na declaração de IRS relativa a 2013, a A. declarou rendimento de trabalho dependente de € 3.635, 77 (anexo A), um resultado líquido tributável corresponde a rendimentos de categoria B (profissionais, comerciais e industriais) de € 22.223, 70; na declaração de IRS de 2012, a A. declarou rendimento de trabalho dependente de € 6.059, 62 (anexo A) e um resultado líquido tributável corresponde a rendimentos de categoria B (profissionais, comerciais e industriais) de € 16.074, 50; no ano de 2013 , a A. não declarou rendimento de trabalho dependente e declarou um resultado líquido tributável corresponde a rendimentos de categoria B (profissionais, comerciais e industriais) de € 13.591,98.

63.º

AA. efectuou gastos com deslocações para tratamentos e consultas em valor não concretamente apurado.

(factos apurados após anulação da sentença)

 64.º

A autora sente um formigueiro constante desde a metade medial do 3.º dedo à totalidade do 4º e 5º dedos da mão direita irradiando para o cotovelo pelo bordo medial do antebraço.

65.º

A autora sente contracturas da musculatura cervical e das costas.

66.º

A autora sente “espasmos” musculares na perna e no 4.º e 5.º dedo da mão direita, aliviando ao esticar.

67.º

 A autora tem dificuldade em sentir a temperatura com a mão direita, nomeadamente, a água quente.

68.º

A autora toma diariamente medicação (Lyrica 200 três vezes por dia) e Clonix quando sente dores mais intensas.

69.º

A lesão traumática sequelar da medula, causadora daquele quadro neurológico, é um risco possível, mesmo que remoto, da cirurgia.

70.º

Tal lesão pode resultar de episódio hipotensivo com distress respiratório decorrido depois da cirurgia.

71.º

O risco de ocorrência de lesões medulares é de 0,2-3,3%.

72.º

A autora é mãe de dois filhos.

Como não provados, foram considerados os seguintes:

1. O Réu durante a cirurgia provocou uma lesão medular na Autora.

2. O risco de lesão medular foi transmitido pelo R. à doente antes da prestação de consentimento por esta à submissão ao procedimento.

3.A A. exercia a sua profissão de técnica de contas com todo o brio, empenho, dedicação, sendo muito bem-sucedida.

4. A A., depois da intervenção cirúrgica, ficou impossibilitada de saltar e correr, tem dificuldades em subir e descer escadas, caminhar em pisos irregulares ou em piso plano mais de 15 minutos seguidos, começando a mancar após os mesmos.

5. Está impossibilitada de realizar esforços com o membro superior direito, despoletando-lhe dor o facto de pegar em pesos superiores a 2 Kg; realiza a pinça fina, digito-pulpar, mas com dificuldade.

6. Tem dificuldade em escrever ao computador ou com uma caneta por períodos prolongados.

7. Quanto aos actos da vida diária, a A. tem dificuldade em vestir o soutien, apertar os botões das calças, calçar-se e realizar todas as tarefas que precisem de realizar uma pinça fina; está impossibilitada em pegar nos sacos das compras; tem dificuldade em dormir por sentir dor na região cervical, com as almofadas; tem dificuldade em realizar as tarefas domésticas, como lavar louça (pela postura e por não conseguir pegar com firmeza na mesma), estender a roupa e tirar a roupa da máquina, passar o aspirador; tem dificuldade em mudar as fraldas e dar banho ao filho mais novo; só conduz em carros de mudanças automáticas.

Desta sentença recorre a A., visando a condenação dos RR. e terminando as suas alegações, concluindo:

I. Salvo o devido respeito pelo Meritíssimo Juiz a quo, afigura-se à Recorrente que que a decisão final proferida não se encontra congruente com a prova produzida nos autos, incorrendo em erro notório na apreciação da prova e, ainda, que incorre a sentença recorrida em erro na aplicação do direito aos factos.

II. No que concerne à matéria de facto relacionada com o consentimento informado, e quanto à informação prestada pelo 1.º Recorrido à Recorrente antes da cirurgia, não só deverão ser relevadas as declarações de parte da Recorrente, merecedoras de credibilidade, como também o depoimento do 1.º Recorrido, de onde é possível presumir que o que a Recorrente alegou e confirmou em Tribunal foi precisamente aquilo que efetivamente lhe foi transmitido, na medida em que o 1.º Recorrido admite como possível que assim tenha sido e, mais importante ainda, se revê no discurso descrito pela Recorrente.

III. A doutrina e jurisprudência nacionais entendem, e bem, que o ónus da prova do consentimento e da prestação da informação ao paciente recai sobre o médico, o que bem se compreende tendo em consideração a extrema dificuldade de prova de um facto negativo; por ser causa de exclusão da ilicitude e, ainda, por uma questão de igualdade de armas, sendo muito mais fácil ao médico demonstrar que obteve o consentimento informado do paciente.

IV. Ora, tendo em consideração a prova produzida em audiência de julgamento e o facto de recair sobre o médico o ónus da prova de que prestou ao paciente as informações devidas, dúvidas não restam de que deve a sentença recorrida ser alterada de forma a dar como provado que:

FACTO 1: O 1.º Réu não transmitiu à Autora qualquer dos riscos significativos da intervenção cirúrgica que lhe propôs e que efetivamente realizou;

FACTO 2: O Réu apenas teceu considerações genéricas sobre os riscos existentes, os quais desvalorizou de forma categórica, tendo apenas feito uma estimativa do tempo de recuperação pós cirurgia;

FACTO 3: O Réu não informou a Autora dos riscos da cirurgia tendo em consideração o concreto estado da saúde da mesma, designadamente, o seu peso e índice de massa corporal;

FACTO 4: Uma lesão traumática medular constitui uma causa abstratamente possível de um quadro neurológico de parésia dos membros direitos por foco de lesão medular direita em C5-6, determinando de uma incapacidade de 19%;

FACTO 5: O Réu não informou a Autora da existência do risco de se produzir o grave dano que se verificou e que teve como sequelas corporais a paresia dos membros direitos e foco de sofrimento medular direito em C5-C6, quadro motor neurológico e sensorial que determinou uma incapacidade de 19%;

V. Com relevante interesse para os presentes autos, resultou também da discussão da causa que o 1.º Recorrido é especialista e um dos mais conceituados médicos neurocirurgiões do Norte do País a realizar a cirurgia a que a Recorrente se submeteu.

VI. Questão de facto esta de extrema importância para a boa aplicação do direito ao caso concreto, na medida em que é fundamental para se aferir se, no caso concreto, estamos perante uma obrigação de meios ou de resultado do 1.º Recorrido.

VII. Mas, além do mais, resultou também da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, designadamente do depoimento de FF.

VIII. Em virtude do que ficou exposto, forçoso é concluir que a sentença recorrida deverá ser alterada no sentido de se incluir nos factos dados como provados o seguinte:

FACTO 1: O 1.º Recorrido é especialista e um dos mais conceituados e experientes médicos neurocirurgiões do Norte do País a realizar a cirurgia a que a Recorrente se submeteu.

IX. Relativamente à matéria de facto quanto ao reduzido risco da cirurgia em causa e da reduzida probabilidade de agravamento do défice neurológico, demonstrado ficou também que, de acordo com o próprio 1.º Réu, o risco da cirurgia aqui em causa é muito reduzido.

X. Circunstância que, aliada às qualidades e à experiência do 1.º Recorrido neste tipo de cirurgias, supra referidas, importa ser levada em consideração pelo Tribunal na qualificação da obrigação do 1.º Recorrido, neste concreto caso, como sendo uma obrigação de resultado.

XI. Quanto aos riscos da cirurgia, atente-se desde logo no depoimento do 1.º Recorrido.

XII. Veja-se também, a este propósito, o depoimento da testemunha GG sobre os riscos da cirurgia a que a Recorrente se submeteu, que atesta tratar-se de uma intervenção de risco diminuto.

XIII. Ora, no que diz respeito ao risco agravamento do défice neurológico, ficou demonstrada que a sua probabilidade situa-se abaixo de 1%, o que resulta do documento de fls. 471 e ss. e foi confirmado pela testemunha GG.

XIV. Do exposto resulta, a nosso ver, que deveria a sentença recorrida ter dado como provado que:

FACTO 1: O risco das lesões medulares decorrentes de atingimento da medula por errado gesto médico situa-se na ordem dos 3%.

FACTO 2: O risco de agravamento do défice neurológico em virtude de uma cirurgia cervical é inferior a 1%.

XV. Os referidos factos revestem, a nosso ver, a maior importância para a questão de saber a que tipo de obrigação – de meios ou resultado – estava o 1.º Recorrido adstrito.

XVI. E, por outro lado, para a questão da inversão do ónus da prova quanto ao requisito da ilicitude que se abordará mais adiante.

XVII. Quanto à matéria de facto sobre o facto ilícito consubstanciado em lesão traumática decorrente de erro médico, discorda a Recorrente, em absoluto, salvo o devido respeito, com o Tribunal a quo na parte em que este considera não ter resultado provado o facto ilícito, isto é, no caso concreto, a lesão medular traumática decorrente de gesto/erro médico.

XVIII. Antes de mais, não se pode ignorar as enormes dificuldades de prova dos pacientes neste tipo de processos de responsabilidade médica em virtude da evidente desvantagem técnica que os separa dos médicos, enquanto leigos que são os pacientes nestas matérias.

XIX. Além do mais, não estão, as mais das vezes, os pacientes na posse dos elementos que permitem fazer essa prova, o que, no caso concreto, se ficou a dever, conforme se demonstrará, à não realização de um exame médico que permitiria confirmar com maior grau de certeza e evidência o tipo de lesão medular ocorrida, situação que sai completamente da esfera de controlo da Recorrente porquanto se ficou a dever a uma (má) opção do 1.º Recorrido.

XX. Por fim, no caso concreto, ficou evidente no decorrer da audiência de julgamento as dificuldades acrescidas de prova que a Recorrente enfrentou, pois em virtude do conhecido secretismo e protecção que reina entre os profissionais de saúde foi verdadeiramente impossível conseguir quem se dispusesse a prestar depoimento em Tribunal para atestar um erro médico contra um colega por saber que ele efectivamente se verificou.

XXI. Sendo que a única – mas de extrema importância por se tratar provavelmente do neurocirurgião mais experiente, conhecedor e reputado do País – que se dispôs a fazê-lo após confirmar o erro médico ocorrido, infelizmente, faleceu antes da realização do julgamento, o Prof. Doutor EE.

XXII. Mas a verdade é que os relatórios do Prof. Doutor EE juntos a fls. 51 a 53 são categóricos e dali resulta inequivocamente estarmos perante uma lesão traumática, isto é, provocada por gesto/erro médico.

XXIII. Sublinhe-se que, como resulta dos referidos relatórios, o Prof. Doutor EE teve acesso à ressonância magnética que a Recorrente fez em Janeiro de 2013.

XXIV. O que foi confirmado pelo depoimento da Recorrente e do seu marido, que confirmaram que disponibilizaram ao Prof. Doutor EE aquele exame e os demais.

XXV. Por outro lado, ao contrário do que o que o 1.º Recorrido tentou fazer crer ao Tribunal, ficou também demonstrado pelo depoimento da Recorrente e do seu marido que foi transmitido ao Prof. Doutor EE o episódio hipotensivo severo que a Recorrente sofreu no pós-operatório precoce.

XXVI. Com efeito, vejam-se os depoimentos da Recorrente, bem como o depoimento do seu marido CC.

XXVII. O Prof. Doutor EE confirma um facto que resulta da ressonância magnética da Recorrente de Janeiro de 2013: o atingimento medular por gesto médico/lesão traumática.

XXVIII. Diga-se também que a lesão traumática foi confirmada pelo depoimento da testemunha HH.

XXIX. Outras testemunhas confirmaram ter sido também essa a conclusão de outros médicos a quem foi pedida opinião sobre a situação da Recorrente e a origem da sua lesão medular, como foi o caso da testemunha II e do marido da Recorrente, a testemunha CC.

XXX. Por outro lado, nenhuma das testemunhas, médicos, indicados pelo 1.º Recorrido foi capaz de contrariar ou colocar em causa a credibilidade dos relatórios do Prof. Doutor EE, pois, não obstante o terem tentado fazer, acabaram por admitir nunca ter analisado a ressonância magnética da Recorrente que está na base dos relatórios do Prof. Doutor EE, como foi o caso das testemunhas FF e GG.

XXXI. Mais importante ainda: o próprio 1.º Recorrido não excluiu a hipótese de se tratar de uma lesão traumática.

XXXII. Sobre esta questão, importa ainda atentar no depoimento da testemunha JJ, irmão da Recorrente, que a acompanhou em algumas consultas, designadamente com o 1.º Recorrido.

XXXIII. De acordo com o próprio 1.º Recorrido, a lesão da Recorrente não é anterior à cirurgia, tendo ocorrido ou na cirurgia ou no recobro ou no pós-operatório.

XXXIV. Por outro lado, a tese que o Recorrido pretende fazer crer que aconteceu no caso concreto – apesar de, reitera-se, nunca ter negado a hipótese de a lesão ser traumática – é que a lesão da Recorrente é uma lesão isquémica medular pós-operatório, conforme decorre do seu depoimento.

XXXV. No entanto, como foi comprovado pelos relatórios periciais elaborados no âmbito dos presentes autos, a probabilidade de ocorrência de lesões isquémicas medulares pós-operatórias é raríssima, muito inferior à de ocorrência de gestos cirúrgicos errados.

XXXVI. Acresce que, a verdade é que a tese avançada pelo 1.º Recorrido resulta apenas de uma exclusão de hipóteses, como o próprio admite.

XXXVII. Sendo certo que a exclusão da hipótese de lesão traumática carece de qualquer fundamento, porquanto o 1.º Recorrido optou por não mandar realizar uma ressonância magnética à Recorrente de imediato, como a seguir melhor se explicará.

XXXVIII. Pelos motivos expostos deverá a sentença recorrida ser alterada sendo aditado à matéria de facto dada como provada os seguintes factos:

FACTO 1: Entre os riscos graves possíveis, próprios, plausíveis e previsíveis do procedimento cirúrgico realizado encontram-se as sequelas de que a Autora passou a padecer, isto é, a paresia dos membros direitos e foco de sofrimento medular direito em C5-C6, quadro motor neurológico e sensorial que determina uma incapacidade de 19%.

FACTO 2: Em nenhum dos exames imagiológicos realizados à Autora se registaram quaisquer lesões, sequelas ou outros vestígios que apontem para a verificação de um evento de natureza isquémica;

FACTO 3: A medula tem várias membranas, muito sensíveis, que durante a cirurgia foram atingidas por erróneo gesto médico praticado pelo 1.ª Réu.

FACTO 4: A ocorrência de um episódio hipotensivo, com distress respiratório, durante a cirurgia, ou de outra complicação cirúrgica com agravamento do deficit neurológico, constitui um evento cuja probabilidade de verificação inferior a 1% e, portanto, muito menos provável que a ocorrência de um gesto cirúrgico errado que envolve um traumatismo da medula.

XXXIX. Acresce que, os referidos factos sempre deverá ser considerado provado pelo Tribunal porquanto da prova produzida resultou que (i) a lesão medular da Recorrente ou tem origem traumática ou isquémica e (ii) o 1.º Recorrido omitiu a realização de exame médico que teria permitido confirmar a causa da lesão medular, conforme adiante melhor se demonstrará.

XL. Ora, como adiante também melhor se explicará, a conduta do 1.º Recorrido que, com a não realização do exame que permitiria confirmar a causa da lesão, impediu ou dificultou gravemente a prova do facto ilícito pela Recorrente impõe a inversão do ónus da prova do facto ilícito, que, em princípio, caberia à Recorrente.

XLI. O que significa que caberia aos Recorridos demonstrar que não se verificou o facto ilícito, ou seja, que a lesão medular não se ficou a dever a erro médico, o que não fizeram.

XLII. Nesta sequência, sempre deverá ser dado como provado o facto supra descrito em virtude da referida inversão do ónus da prova do facto ilícito.

XLIII. Sobretudo atendendo aos seguintes factos, que se requer que sejam julgados como provados:

FACTO 1: A realização de uma ressonância magnética cervical em pós-operatório, mediato ou imediato, não tem qualquer contraindicação para a saúde do paciente que à mesma é submetido.

FACTO 2: A ressonância magnética é um exame que é mais informativo do que um TAC, pois apresenta uma qualidade de imagem superior, com melhor resolução, permitindo uma melhor visualização das partes moles, como a medula, motivo pelo qual no relatório do TAC foi recomendada a sua realização.

FACTO 3: A ressonância magnética, mesmo em pós-operatório imediato e considerando os artefactos decorrentes da cirurgia, pode permitir distinguir lesões traumáticas de lesões isquémicas.

FACTO 4: A Autora, por indicação do 1.ºRéu, realizou TAC cervical no dia seguinte ao da operação cirúrgica, 20.11.2012, o qual se encontra autuado a fls. 69.

FACTO 5: No referido TAC cervical pode-se ler que “Em C-6 e C-7 há discreta reação osteofitária posterior, de predomínio esquerdo, mas não é possível definir o conteúdo intracanalar, devido aos artefactos de imagem; para exclusão de eventual componente hemático epidural/compromisso medular sugere-se ressonância magnética.”

FACTO 6: Em face do quadro pós-operatório apresentado pela Autora, e após ter despistado, de forma imediata, duas causas possíveis de diagnóstico, o 1.º Réu nada mais fez para descobrir as respetivas causas, tendo apenas prescrito o primeiro exame após o TAC, precisamente uma ressonância magnética, dois meses após, em 25 de janeiro de 2013.

FACTO 7: À luz das boas práticas médicas, o 1.º Réu devia ter submetido a Autora a ressonância magnética à coluna cervical nos dias seguintes à cirurgia, tendo em vista apurar o tipo de lesão medular sofrido.

FACTO 8: O 1.º Réu decidiu não seguir a recomendação do TAC e não prescreveu a ressonância magnética recomendada no TAC.

XLIV. Por sua vez, ficou efectivamente demonstrado da discussão da causa que “A lesão medular da Recorrente ou é traumática ou é isquémica”.

XLV. Facto que sempre deverá ser dado como provado, caso se entenda não ser de dar como provado que “O Réu durante a cirurgia provocou uma lesão medular traumática na Autora.”, o que não se concede, mas por mera hipótese de raciocínio se admite.

XLVI. Veja-se depoimento do 1.º Recorrido em audiência de julgamento, da testemunha FF.

XLVII. Assim, entende a Recorrente que deverá ser aditado aos factos dados como provados na sentença recorrida o seguinte:

“A lesão medular da Autora ou tem origem traumática ou isquémica.”

XLVIII. Por outro lado, sem que se perceba porquê, não resulta do elenco dos factos provados na sentença recorrida o exame que a Recorrente realizou, TAC cervical, no dia seguinte ao da operação e o respectivo teor.

XLIX. Sendo que um dos temas da prova fixados pelo Tribunal, como foi já supra referido, visa apurar também qual o acompanhamento médico proporcionado à Autora no período pós-operatório.

L. O exame supra mencionado encontra-se, desde logo, documentalmente provado a fls. 69.

LI. O próprio 1.º Recorrido confirmou a realização do referido exame, a seu pedido, e o teor do relatório daquele exame.

LII. A questão da não realização da ressonância magnética naquela oportunidade foi também matéria amplamente discutida em sede de julgamento e com relevante importância para a boa decisão da causa, conforme adiante se exporá, razão porque deverá ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto:

“No dia 20.11.2012, por indicação do 1.º Réu, a Autora realizou TAC da coluna cervical, em cujo relatório se pode ler ‘Em C-6 e C-7 há discreta reação osteofitária posterior, de predomínio esquerdo, mas não é possível definir o conteúdo intracanalar, devido aos artefactos de imagem; para exclusão de eventual componente hemático epidural/compromisso medular sugere-se ressonância magnética.”

LIII. Acresce que, evidente ficou também da prova produzida que a Autora não foi submetida a ressonância magnética cervical, conforme havia sido sugerido no relatório do TAC da coluna cervical de 20.11.2012, o que só foi feito em Janeiro de 2013, sendo esta é uma das questões verdadeiramente essenciais dos presentes autos.

LIV. Pois, de acordo com a Recorrente, e que foi confirmado pelos depoimentos prestados na audiência de julgamento, o referido exame deveria ter sido realizado também imediatamente após o episódio hipotensivo severo e teria permitido confirmar a causa da lesão medular, o que se crê que ficou demonstrado.

LV. Veja-se o depoimento do próprio 1.º Recorrido, de onde resulta claro que o 1.º Recorrente escusou-se a pedir a realização de uma ressonância magnética imediatamente após o episódio hipotensivo severo que a Recorrente sofreu porquanto com a TAC cervical já tinha excluído a necessidade de voltar a operar a Recorrente, tendo sido esta, pelos vistos, a sua única preocupação, e ainda que a referida ressonância magnética, se tivesse sido imediatamente realizada, permitisse apurar a causa da lesão da Recorrente.

LVI. O que, no mínimo, dificultou gravemente a prova pela Recorrente do facto ilícito (erro médico).

LVII. Atente-se também no depoimento da testemunha HH, que foi peremptória a afirmar que deveria ter sido de imediato pedida a realização de uma ressonância magnética para apurar a origem da lesão da Recorrente e que não havia qualquer contra-indicação na realização da ressonância magnética.

LVIII. É sabido e os próprios médicos que prestaram depoimento confirmaram que a ressonância magnética permite ver com muito maior clareza e definição do que um TAC a lesão, como foi o caso da testemunha FF.

LIX. Acresce que, a ressonância magnética foi, conforme referido, recomendada pelo médico que relatou o TAC da coluna cervical, conforme resulta do relatório junto aos autos, pelo que inexistia qualquer contraindicação ou inconveniência na sua realização.

LX. A realização do dito exame imediatamente após a cirurgia teria permitido confirmar com maior certeza a natureza ou origem da lesão medular da Autora, pois aquele mesmo exame realizado meses mais tarde, como foi, tem a desvantagem de, por um lado, já não ser possível ver a existência de sangue/hematoma sugestiva de lesão traumática – como explicou a testemunha FF - e, por outro lado, o facto de o tecido ter entretanto cicatrizado, obstáculo que não se verificaria imediatamente após a cirurgia.

LXI. Não há dúvidas que a lesão de que a Recorrente padeceu foi verdadeiramente grave e a fez incorrer em risco de vida, como confirmou a testemunha FF, o próprio 1.º Recorrido e a testemunha HH.

LXII. Portanto, apesar de se admitir, naturalmente, em tese, que muitas vezes não é efectivamente possível descobrir a causa de uma determinada lesão, o que não se compreende e muito menos se aceitar é que não tenha sido feito tudo quanto era possível para a determinar.

LXIII. A necessidade e importância de tentar descobrir a causa da lesão foi confirmada pela testemunha GG.

LXIV. O que faz com que seja ainda mais inexplicável que não tenha sido pedida a realização imediata da ressonância magnética com esse intuito.

LXV. Por outro lado, as justificações avançadas pelo 1.º Recorrido para não ter mandado realizar de imediato a ressonância magnética relacionadas com a existência de artefactos decorrentes da cirurgia que prejudicariam o exame não são de colher, na medida em que resultou demonstrado já que não havia qualquer inconveniente na realização do exame naquela ocasião.

LXVI. Resultou também provado que a ressonância magnética é muito mais esclarecedora do um TAC porque vê-se tudo melhor.

LXVII. O próprio relator do TAC cervical sugere a realização da ressonância magnética porquanto o primeiro não é conclusivo precisamente pela existência desses artefactos, o que já não interferiria com a ressonância magnética, motivo pelo qual a propôs.

LXVIII. Posto isto, deve ser a sentença recorrida alterada, sendo aditado o seguinte ponto à matéria de facto provada:

“O 1.º Réu devia ter submetido a Autora a ressonância magnética à coluna cervical, por ocasião de 20.11.2012, tendo em vista apurar o tipo de lesão medular sofrido.”

LXIX. Facto este de extrema importância para a boa decisão da causa porquanto constitui, por si só, constitui uma violação da leges artis, mas também porque justifica que deva ser considerado provado, como se disse, que “O Réu durante a cirurgia provocou uma lesão medular traumática na Autora”, na medida em que fundamenta a inversão do ónus da prova do facto ilícito.

LXX. No âmbito da matéria de facto, quanto aos danos, é facto assente, por concordância entre ambas as partes, que, decorrente do ato cirúrgico sub judice, resultaram danos graves para o estado de saúde da Recorrente.

LXXI. Tendo sido dado como provado nestes autos, que, “no caso da A., verificou-se um quadro motor neurológico e sensorial incapacitante que afectou os membros direitos”.

LXXII. Os danos sofridos pela Recorrente foram na petição inicial, entre os artigos 51.º a 122.º, para os quais se remete e dá por integralmente reproduzidos.

LXXIII. Matéria essa em relação à qual a Recorrente fez prova através de várias testemunhas, na medida do possível, atendendo ao limite de testemunhas permitido.

LXXIV. E através de vasta prova documental, tendo junto 264 documentos.

LXXV. Devendo tudo o mais ser conjeturado com recurso a presunções judiciais e às regras da experiência comum.

LXXVI. Prevê-se nos pontos 35.º e 36.º dos factos dados como provados que, alegadamente, “o estado da Autora é compatível com o exercício da atividade habitual de contabilista, mas implicam esforços suplementares, nomeadamente ao escrever ao computador ou à mão por períodos prolongados” e que “em termos de repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, foi fixado o grau 1 numa escala crescente de 7 graus”.

LXXVII. Com o que não se pode, de todo, concordar por ser incompatível com a prova produzida em audiência e, repare-se, com os restantes factos dados como provados, concretamente, nos pontos 27.º, 34.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º e 48.º.

LXXVIII. É possível a Recorrente trabalhar, sim, mas com um esforço heroico de concentração e de foco, de abstração de todas as dores e sensações adversas que a Recorrente sente e de luta, não contra a dificuldade do trabalho em si mesmo, mas sim de luta contra o seu próprio corpo e as respetivas lesões.

LXXIX. O que é evidente em função da Recorrente ter queixas álgicas constantes da coluna cervical, com limitação funcional, e hemiparesia de grau IV nos membros direitos.

LXXX. Sentindo a Recorrente dores em três dedos da mão direita, sendo a mesma dextra, sendo que em dois deles, a dor é na totalidade do dedo.

LXXXI. Dor essa que, como ficou expressamente dado como provado, se irradia para o cotovelo e omoplata até à coluna cervical e que se agrava com a humidade e o frio.

LXXXII. Por fim, é de atentar que também foi dado como provado, que a Recorrente ainda necessitará de tratamentos médicos regulares até ao fim da sua vida, designadamente, tratamento fisiátrico continuado e prescrição de medicação analgésica, assim como de tratamento psiquiátrico até melhoria da sintomatologia.

LXXXIII. Posto isto, a Sentença deverá revogada e alterada no sentido de dar como provados os seguintes factos dados como não provados:

FACTO 4: A A., depois da intervenção cirúrgica, ficou impossibilitada de saltar e correr, tem dificuldades em subir e descer escadas, caminhar em pisos irregulares ou em piso plano mais de 15 minutos seguidos, começando a mancar após os mesmos;

FACTO 5: Está impossibilitada de realizar esforços com o membro superior direito, despoletando-lhe dor o facto de pegar em pesos superiores a 2 Kg; realiza a pinça fina, digito-pulpar, mas com dificuldade;

FACTO 6: Tem dificuldade em escrever ao computador ou com uma caneta por períodos prolongados;

FACTO 7: Quanto aos actos da vida diária, a A. tem dificuldade em vestir o soutien, apertar os botões das calças, calçar-se e realizar todas as tarefas que precisem de realizar uma pinça fina; está impossibilitada em pegar nos sacos das compras; tem dificuldade em dormir por sentir dor na região cervical, com as almofadas; tem dificuldade em realizar as tarefas domésticas, como lavar louça (pela postura e por não conseguir pegar com firmeza na mesma), estender a roupa e tirar a roupa da máquina, passar o aspirador; tem dificuldade em mudar as fraldas e dar banho ao filho mais novo; só conduz em carros de mudanças automáticas.

LXXXIV. Sendo lógico que, em função deste quadro clínico, a Recorrente tenha ficado impossibilitada de saltar e correr, que tenha dificuldades em subir e descer escadas, caminhar em pisos irregulares ou durante mais de 15 minutos seguidos, começando a mancar após os mesmos.

LXXXV. Sendo também lógico concluir que a Recorrente está impossibilitada de realizar esforços com o membro superior direito, despoletando-lhe dor o facto de pegar em pesos superiores a 2 Kg; realiza a pinça fina, digito-pulpar, mas com dificuldade.

LXXXVI. Sendo evidente que a Recorrente tem dificuldade em escrever ao computador ou com uma caneta por períodos prolongados.

LXXXVII. Sendo patente que, em relação aos atos da vida diária, a Recorrente tem dificuldade em vestir o soutien, apertar os botões das calças, calçar-se e realizar todas as tarefas que precisem de realizar uma pinça fina.

LXXXVIII. Está impossibilitada em pegar nos sacos das compras.

LXXXIX. Tem dificuldade em dormir por sentir dor na região cervical, com as almofadas.

XC. Tem dificuldade em realizar as tarefas domésticas, como lavar louça (pela postura e por não conseguir pegar com firmeza na mesma), estender a roupa e tirar a roupa da máquina, passar o aspirador.

XCI. Tem dificuldade em mudar as fraldas e dar banho ao filho mais novo.

XCII. Só conduz em carros de mudanças automáticas.

XCIII. Repare-se que a expressão usada é dificuldade, não impossibilidade, não obstante não haver uma distância muito grande entre uma e outra no caso da Recorrente, pois a dificuldade é enorme.

XCIV. Sendo também patente que a Recorrente sente um formigueiro constante desde a metade medial do 3º dedo à totalidade do 4º e 5º dedos da mão direita irradiando para o cotovelo pelo bordo medial do antebraço, sendo precisamente isso que significa ter as parestesias que foram dadas como provadas.

XCV. Parestesias essas que igualmente se identificam com a dificuldade em sentir a temperatura com a mão direita, nomeadamente, a água quente.

XCVI. Tendo igualmente sido produzida prova no sentido em que a Recorrente sente contracturas da musculatura cervical e das costas, o que igual e expressamente foi dado como provado, como referente ao tórax.

XCVII. O mesmo se referindo em relação aos “espasmos” musculares que a Recorrente sente na perna e no 4º e 5º dedo da mão direita, sendo que tais espasmos se identificam com a híper-reflexia, que igualmente foi dada como provada.

XCVIII. Como vemos, portanto, o julgamento como não provados dos pontos acima referidos é incoerente, não só com a prova produzida, como também como a própria matéria dada como provada pelo Venerando Tribunal ad quo.

XCIX. Devendo tal matéria, portanto, dar-se como provada, precisamente tendo por base os meios probatórios que levaram ao julgamento dos factos dados como provados.

C. Advindo sobretudo da prova testemunhal que a Recorrente, antes da cirurgia sub judice, era uma pessoa jovem e saudável, mãe de dois filhos, em exercício pleno de todas as capacidades físicas e mentais e que exercia a sua profissão de técnica de contas com todo o brio, empenho, dedicação, sendo muito bem-sucedida.

CI. E resultando sobretudo da prova documental, mas sem prejuízo da prova testemunhal produzida a este respeito, que a Recorrente suportou todos as despesas e encargos alegados, relacionados com a ajuda de terceira pessoa, com empregada doméstica, com a contratação de serviços de contabilidade que a substituíssem na atividade do seu escritório, e, por fim, com diversas despesas médicas e medicamentosas.

CII. Para prova de tais factos e ainda outros que não foram incluídos, nem na matéria dada como provada, nem na matéria dada como provada, explicita-se em seguida a prova testemunhal e documental produzida a esse respeito, os quais, segundo se crê, foram prestados com isenção e imparcialidade, num discurso linear e coerente, e sobretudo credível.

CIII. Para prova dos danos a este título, importa atentar seguintes depoimentos da Recorrente (cfr. depoimento prestado na audiência de julgamento que teve lugar em 08.09.2017, gravado no CD único, com início em 10:27:17 e fim em 11:40:20, em concreto as passagens entre os minutos 00:20:46 e 00:23:33, 00:25:30 e 00:30:16), da testemunha KK (cfr. depoimento na audiência de julgamento de 08.09.2017, gravado no CD único, com início em 15:00:45 e fim em 15:11:20, em concreto as passagens entre os minutos 00:03:45 e 00:05:37, 00:08:52 e 00:10:14), da testemunha JJ (cfr. depoimento na audiência de julgamento de 08.09.2017, gravado no CD único, com início em 15:14:17 e fim em 15:34:21, em concreto as passagens entre os minutos 00:04:15 e 00:14:32, 00:16:22 e 00:18:41), da testemunha II (cfr. depoimento na audiência de julgamento de 08.09.2017, gravado no CD único, com início em 15:35:31 e fim em 15:51:45, em concreto as passagens entre os minutos 00:05:57 e 00:15:49), da testemunha CC (cfr. depoimento na audiência de julgamento de 08.09.2017, gravado no CD único, com início em 15:52:54 e fim em 17:19:45, em concreto as passagens entre os minutos 00:12:29 e 00:12:33, 00:26:47 e 00:39:16, 00:52:38 e 00:54:31, 01:02:12 e 01:02:37), da testemunha DD (cfr. Depoimento prestado na audiência de julgamento de 12.09.2017, gravado no CD único, com início em 09:52:41 e fim em 10:07:19, em concreto as passagens entre os minutos 00:01:49 e 00:03:21, 00:06:09 e 00:06:36).

CIV. Para prova dos danos, importa atentar nos seguintes documentos juntos aos autos:

- documentos 32 a 61, correspondentes aos danos relativos ao exercício da atividade profissional;

- documentos 62 a 193, correspondentes a despesas com consultas médicas, tratamentos, exames e fisioterapia;

- documentos 249 a 256, correspondentes a despesas com consultas médicas, tratamentos, exames e fisioterapia;

- documentos 197 a 248, correspondentes aos danos relativos ao exercício da atividade profissional;

- documentos 62 a 248, correspondentes a despesas com deslocações a consultas médicas, tratamentos, exames e fisioterapia;

CV. Aos factos dados como provados, deverão ainda acrescer outros, que o Venerando Tribunal a quo não incluiu nem na matéria dada como provada nem na matéria dada como não provada.

CVI. Conforme é possível retirar da prova produzida nestes autos, tanto documental, à qual o Venerando tribunal ad quo atribuiu total credibilidade, como testemunhal, através de depoimentos prestados com isenção e imparcialidade, num discurso linear e coerente, e sobretudo credível, foi extensa a prova produzida acerca dos danos advenientes para a Recorrente da cirurgia sub judice.

CVII. Danos esses que se refletiram, sobretudo, na grave dificuldade da Recorrente realizar os atos da vida diária e consequente necessidade de ajuda de terceira pessoa, na sua situação pessoal e, consequentemente, na sua alteração de humor e nas limitações e dores que sente, nos gastos em que a mesma incorreu com os tratamentos, consultas, sessões de fisioterapia e hidroterapia que teve que realizar, bem como nos gastos que teve com medicação e deslocações.

CVIII. Ao que acrescem os danos que a mesma suportou ao nível profissional, seja com a contratação de quem que a substituísse no seu escritório de contabilidade, seja com os lucros que a Recorrente deixou de obter por não poder voltar a trabalhar ou apenas poder trabalhar com graves limitações.

CIX. Pelo que, com base nos referidos meios de prova, deverão dar-se como provados os seguintes factos, acrescendo aos que foram já dados como provados pelo Venerando Tribunal ad quo:

FACTO 1: As sequelas da intervenção cirúrgica afetaram a capacidade funcional geral da Autora, tendo resultado num quadro crónico de dor, desconforto, rigidez muscular, paresias, parestesias diversas e tremores nos movimentos, implicando esforços suplementares para combater as dificuldades acrescidas.

FACTO 2: As sequelas da intervenção cirúrgica provocam ligeira hiperreflexia dos membros superiores à direita, mais evidente no reflexo tricipital e rotuliano).

FACTO 3: As sequelas da intervenção cirúrgica provocam hipersensibilidade na face posterior do antebraço, metade cubital do 3.º dedo, 4.º e 5.º dedos do membro superior direito, bem como a sensação de membro inferior direito "mais frio".

FACTO 4: As sequelas da intervenção cirúrgica provocam quadro de dor à rotação lateral direita, flexão lateral direita e flexão anterior.

FACTO 5: As lesões físicas de que a Autora é portadora provocaram sequelas psíquicas/psicológicas, pelas quais a mesma é acompanhada em consultas de psiquiatria.

FACTO 6: A Autora foi diagnosticada com um quadro depressivo grave, com sintomatologia major e dificuldades intelectuais.

FACTO 7: Foi instituído tratamento farmacológico com antidepressivos (Fluoxetina 20 – 1 e Cloridrato de Bupropion 150 – 1), analgésico/tranquilizante (Pregabalina 200 – 1+1+1) e psicoterapia breve.

FACTO 8: A Autora mantém os tratamentos de psicologia/psiquiatria até hoje.

FACTO 9: Ao nível de aptidão cognitiva, a Autora ainda apresenta dificuldades de concentração e memória recente.

FACTO 10: Com a ajuda de terceira pessoa, a Autora gastou até à presente data a quantia de € 10.504,12 (dez mil quinhentos e quatro euros e doze cêntimos).

FACTO 11: A Autora suportou, até à discussão e julgamento dos presentes autos, diversas despesas médicas e medicamentosas, no valor total de € 6.087,73 (seis mil e oitenta e sete euros e setenta e três cêntimos).

FACTO 12: Com vista à realização dos tratamentos e consultas médicas, a Autora fez deslocações de cerca de 11.814 kms.

FACTO 13: A Autora continuará a necessitar no futuro da empregada doméstica.

FACTO 14: Por se encontrar impossibilitada de trabalhar, a Autora teve que contratar os serviços de contabilidade da “D..., Lda.” e “E...”, para lhe prestar assessoria com vista à manutenção da carteira de clientes que tanto custou a conseguir, a quem paga € 492,00 (quatrocentos e noventa e dois euros) por mês, mais um extra de € 615 (seiscentos e quinze euros) com o gastou a quantia de € 16.851,00 (dezasseis mil oitocentos e cinquenta e um euros).

FACTO 15: A Autora passou a ser uma pessoa mais irritável, pouco tolerante, ansiosa, nervosa e sem sentido de humor, não lidando de forma normal com o facto de ser contrariada e ser confrontada com circunstâncias adversas.

FACTO 16: Na data da intervenção cirúrgica, a Autora tinha 38 anos de idade.

FACTO 17: A Autora perdeu apetite e a predisposição sexual em função do acidente.

FACTO 18: A Autora deixou de dar aos filhos a atenção que dava antes do episódio sub judice, tendo perdido disponibilidade para pegar neles ao colo e os acompanhar nas suas brincadeiras.

FACTO 19: A Autora cansa-se com facilidade, considerando pessoas com a mesma idade.

FACTO 20: A Autora por vezes tem reflexos involuntários que a levam a largar objetos que agarra.

FACTO 21: Durante os 3 ou 4 meses iniciais, a Autora realizou tratamentos de reabilitação diários (em ambulatório no Hospital ... de segunda a sexta-feira e aos fins-de-semana com a amiga).

FACTO 22: A Autora tem de fazer fisioterapia e hidroterapia até ao fim da vida com uma frequência de três vezes por semana, com um custo de 30 euros por sessão.

CX. Por tudo quanto ficou exposto, os danos invocados pela Recorrente ficaram devidamente demonstrados, pelo que que todos os pedidos indemnizatórios deduzidos com a petição inicial deveriam e deverão ser julgados procedentes, revogando-se a Douta Sentença recorrida.

CXI. Anotando-se que não se afigura de qualquer modo exagerada a atribuição de uma indemnização pelo dano não patrimonial no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), peticionada até ao encerramento da discussão e julgamento.

CXII. No que concerne à matéria de direito, concorda-se com a sentença recorrida na parte em que enquadra a presente situação no âmbito da responsabilidade civil contratual.

CXIII. Tendo em consideração tudo quanto se expôs supra em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, resulta provado o facto ilícito praticado pelo 1.º Recorrido, que, na verdade, foram vários (i) a violação do dever informação e de obtenção do consentimento informado (livre, esclarecido e completo) da Recorrente; (ii) a lesão medular traumática, isto é, o facto de a lesão na medula da Autora resultar de um gesto/erro médico provocado pelo seu toque durante o acto cirúrgico pelo 1.º Recorrido; (iii) a falta de realização da ressonância magnética cervical tendo em vista apurar a causa da lesão da Recorrente e o respectivo e adequado tratamento.

CXIV. No que concerne ao consentimento informado, resultou, à saciedade, demonstrado supra que o 1.º Recorrido não deu a conhecer devidamente à Recorrente os riscos da cirurgia a que esta se iria submeter, limitando-se a dizer-lhe que era uma cirurgia “corriqueira”.

CXV. Se a doutrina tradicional defendia que existia uma obrigação de comunicar ao paciente apenas os riscos normais e previsíveis, excluindo do dever de informar os riscos graves ou hipotéticos, a verdade é que recentemente tem vindo a defender-se – a nosso ver, bem – que o médico está também obrigado a comunicar os riscos significativos, sendo que o risco será considerado significativo, entre outos, em razão da sua gravidade.

CXVI. A não informação de riscos graves, ainda que hipotéticos ou de frequência excepcionais, merece a sanção do direito.

CXVII. Refira-se que, no caso concreto, conforme ficou demonstrado supra, apesar da reduzida probabilidade do risco que efectivamente se veio a verificar, o certo é que provado ficou ser um risco inerente à própria cirurgia em causa e consequências gravíssimas das quais podia, inclusive, ter resultado a morte da Recorrente.

CXVIII. Riscos esses, aliás, descritos na literatura da especialidade.

CXIX. Motivo pelo qual não se dúvida que se encontrava o 1.º Recorrido obrigado comunica-los à Recorrente, o que não fez, cometendo, assim, um acto ilícito.

CXX. Não obstante se ter de considerar que a referida falta de consentimento informado resultou amplamente demonstrada de toda a prova produzida, não pode deixar de sublinhar-se também que, como já se disse supra, a prova sobre o consentimento informado recai sobre o médico.

CXXI. Sendo certo que não logrou o 1.º Recorrido demonstrar que informou de forma completa e sem erros a Recorrente acerca do procedimento cirúrgico, isto é, que desta obteve o consentimento informado para a cirurgia em causa.

CXXII. Já no que diz respeito ao gesto/erro médico que provocou a lesão medular da Recorrente, em virtude da alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto em conformidade com o que supra se pugnou, dúvidas não podem subsistir de que ficou provado o facto ilícito consubstanciado no facto de a lesão medular sofrida pela Recorrente ter origem traumática, isto é, ter advindo de um erro/gesto médico em violação das leges artis.

CXXIII. No entanto, ainda que assim não se entendesse, sempre deveria o Tribunal a quo ter proferido uma sentença condenatória, considerando verificado o facto ilícito, por força da inversão do ónus da prova sobre o facto ilícito, que, no caso concreto, deverá entender-se que recaia sobre o 1.º Recorrido, e não sobre a Recorrente, por força do disposto no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.

CXXIV. O que significa que competia ao 1.º Recorrido ter demonstrado que a lesão medular não proveio de erro médico seu, e não à Recorrente provar que a lesão medular que sofreu é traumática.

CXXV. No caso concreto, ficou demonstrado que a ressonância magnética que o 1.º Recorrido optou por não mandar a Recorrente realizar imediatamente após o episódio hipotensivo severo teria permitido confirmar a origem da lesão: isquémica ou traumática.

CXXVI. Seguro é, assim, dizer que o 1.º Recorrido impediu ou, pelo menos, prejudicou gravemente a prova do ilícito pela Recorrente, já de si difícil.

CXXVII. O que fez com dolo ou culpa grave.

CXXVIII. As circunstâncias concretas de cada caso podem justificar facilitações de prova ou uma inversão do ónus da prova, designadamente quando o evento ocorrido era manifestamente improvável de acontecer e, ainda, quando o lesado é colocado numa situação de total impossibilidade de prova em virtude das reservas quanto ao sucedido no que concerne aos comportamentos médicos e da não deteção do erro médico nos exames médicos posteriores.

CXXIX. Acresce que, se é verdade que, em regra, a obrigação do médico é uma obrigação de meios, e não de resultado, outros casos há em que se deve entender que o médico se obrigou à produção de determinado resultado.

CXXX. Para saber se estamos perante uma obrigação de meios ou de resultado importa analisar, casuisticamente, a natureza e o objecto do acto médico em causa.

CXXXI. Nos casos de actividades médicas especializadas que envolvem riscos muito reduzidos, como é o caso, deverá entender-se que sobre o médico recai uma verdadeira obrigação de resultado.

CXXXII. Nesta sequência, basta que o lesado prove a não verificação do resultado pretendido, dispensando-o de demonstrar ainda que o médico incumpriu o dever objetivo de diligência ou de cuidado, nomeadamente requerido pelas leges artis.

CXXXIII. No caso concreto, evidente é que não foi alcançado o resultado pretendido pela cirurgia a que a Recorrente se submeteu.

CXXXIV. Por outro lado, estando em causa uma obrigação de resultado, justifica-se com maior acuidade a inversão do ónus da prova, devendo o médico ser responsabilizado sempre que fique demonstrado que não foi alcançado o resultado proposto, como aconteceu no presente caso.

CXXXV. No que concerne ainda ao facto ilícito, conforme referido em sede de impugnação da matéria de facto, demonstrado ficou que o 1.º Recorrido não pediu a realização de ressonância magnética cervical imediatamente após o episódio hipotensivo severo da Recorrente, o que teria sido determinante para o apuramento da causa da lesão medular e respectivo tratamento.

CXXXVI. A não realização do referido exame configura, por si só, uma violação da leges artis pelo 1.º Recorrido que estava obrigado a adoptar todos os procedimentos adequados ao diagnóstico e tratamento da Recorrente e não o fez.

CXXXVII. Verificados estão também os demais pressupostos da responsabilidade civil contratual.

CXXXVIII. Desde logo, pacífico é, e assim entendeu a sentença recorrida, que a culpa do 1.º Recorrido se presume atendendo ao vínculo contratual estabelecido com a Recorrente.

CXXXIX. Por outro lado, encontram-se devidamente demonstrados os danos sofridos pela Recorrente.

CXL. Por fim, quanto ao nexo de causalidade, no caso concreto da responsabilidade civil médica e face às dificuldades de prova que lhe são inerentes, a melhor solução é aquela que tem vindo a ser defendida por parte da doutrina e da jurisprudência, designadamente, entre nós, pela Prof. Dra. Mafalda Miranda Barbosa, de acordo com a qual não se deverá falar, em rigor, de causalidade, mas sim de um nexo de imputação objectiva.

CXLI. De acordo com este entendimento, existem duas causalidades, a primeira fundamentadora da responsabilidade e a segunda preenchedora da responsabilidade.

CXLII. Assim, entre o comportamento do médico e o dano temos a lesão (causalidade fundamentadora da responsabilidade), sendo necessário, depois, ligar a lesão aos danos subsequentes (causalidade preenchedora da responsabilidade).

CXLIII. No caso, conforme ficou demonstrado, a lesão sofrida pela Recorrente é imputável ao comportamento do 1.º Recorrido, motivo pelo qual este é responsável por todos os danos sofridos pela Recorrente.

CXLIV. Sem prescindir, de acordo com a teoria da causalidade adequada existe nexo de causalidade quando desde que em abstrato tal facto seja causa adequada do dano.

CXLV. É lícito aos nossos tribunais, no âmbito da responsabilidade civil, socorrer-se de presunções judiciais na aferição do nexo de causalidade.

CXLVI. A subsistência do nexo de causalidade entre o evento lesivo e a conduta, activa ou omissiva, do médico pode ser afirmada não só quando este seja uma consequência absolutamente certa daquela, mas também quando a causa permanece incerta e, na ausência de provas plenamente favoráveis ao próprio médico sobre a execução adequada e diligente da intervenção, seja altamente provável que um comportamento distinto do médico tivesse orientado positivamente o resultado da intervenção.

CXLVII. A causalidade não pressupõe a exclusividade da causa.

CXLVIII. É, normalmente, um juízo de probabilidade, mas de probabilidade elevada a grau tão elevado, que é quanto basta para as exigências razoáveis da segurança social.

CXLIX. A existência de uma causa alternativa que, por si mesma, tenha potencial para causar o dano será considerada causa do dano até ao limite da probabilidade de o ter causado.

CL. Ora, no caso concreto, resultou demonstrado ser normal e adequado que os danos sofridos pela Recorrente tivessem sido provocados pelo gesto/erro médico.

CLI. Sendo certo que demonstrado ficou também que em causa está uma cirurgia de risco muito reduzido.

CLII. E ainda que a probabilidade de se verificar um agravamento do défice neurológico se situa abaixo de 1%.

CLIII. O que significa que é de concluir pela elevadíssima probabilidade dos danos terem decorrido efectivamente do gesto/erro médico.

CLIV. E, consequentemente, pela verificação do nexo causal.

CLV. Sendo certo também que ainda que se considere ser possível estar em causa uma lesão isquémica, dada a sua muito reduzida probabilidade, esta nunca seria susceptível de determinar a exclusão completa de responsabilidade do 1.º Recorrido pelos danos.

CLVI. No que diz respeito ao nexo de causalidade no âmbito do consentimento informado, dir-se-á que o médico responde, em princípio, por todas as consequências da intervenção, devendo compensar os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da intervenção arbitrária.

CLVII. Assim, deveria o Tribunal recorrido ter proferido uma sentença condenatória dos Recorridos por se encontrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil contratual.

CLVIII. Em virtude de tudo quanto ficou exposto, entende a Recorrente que deverá ser julgado totalmente procedente o presente recurso, substituindo-se a sentença recorrida por outra que julgue totalmente procedentes os pedidos formulados pela Recorrente na acção, assim se fazendo, como sempre, inteira Justiça!

Os RR. apresentaram contra-alegações, opondo-se à procedência do recurso, concluindo a Ré seguradora:

1. O Tribunal da Relação do Porto anulou, por Acórdão de 08.03.2019, a douta sentença proferida, em 01.06.2018, em 1ª instância;

2. Determinando, esse mesmo Tribunal da Relação do Porto, que fossem tomadas declarações de parte à Autora e ao 1º Réu e ainda a realização de prova pericial, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e pelo Conselho Médico-Legal, e também pelo Colégio da Especialidade de Neurocirurgia da Ordem dos Médicos.

3. As questões suscitadas pelo Tribunal da Relação do Porto como carecidas de prova e tendo em conta o disposto nas alíneas a) e c) do n.º 3 do art. 662º do Código de Processo Civil, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições, traduzem em:

- saber se a lesão alegada pela A. foi produzida durante a cirurgia ou depois e se a mesma resultou de erro ou má prática médica.

- apurar se o risco da lesão se insere nos “próprios da cirurgia” e essa informação foi prestada;

4. Produzida a prova que foi ordenada, em sede de audiência de julgamento, pelo Tribunal de 1ª instância, foi proferida a douta sentença que absolveu os Réus do pedido;

5. Não conformada com a decisão, a A. interpôs recurso visando as questões atrás mencionadas, mas carecem de fundamento as suas conclusões;

6. A prestação do consentimento livre e informado, que a Recorrente pretende colocar em causa, constata-se, desde logo, da declaração de Consentimento informado junta aos autos, que foi lida e assinada pela A.;

7. Resulta, também, dos depoimentos prestados pela Autora e pelo 1º Réu, em sede de audiência de julgamento;

8. Dos quais se impõe concluir que a Autora foi detalhadamente informada pelo 1º Réu acerca da sua situação clínica, dos procedimentos cirúrgicos que lhe foram sugeridos e acerca dos riscos associados à intervenção em causa a que a A. aceitou submeter-se, apesar de a mesma já se encontrar informada destes riscos, quando recorreu ao 1º Réu quer através do Dr. LL (cirurgião a que recorreu antes de procurar 1º Réu) quer através da sua amiga fisioterapeuta;

9. A Apelante afirmou, no seu depoimento, ter questionado diretamente o 1º Réu sobre o mesmo assunto, tendo-lhe colocado as questões que entendeu, mais tendo afirmado que teve, com o 1º Réu, uma consulta que durou cerca de uma hora e meia, onde foram colocadas as questões que entendeu e prestados os respetivos esclarecimentos;

10. A Recorrente, face às informações que lhe foram prestadas pelo 1º Réu, não manifestou dúvidas nem solicitou esclarecimentos complementares para dar o seu consentimento à realização da intervenção cirúrgica a que decidiu submeter-se;

11. O 1º Réu afirmou, no seu depoimento (quer em 2017, quer na audiência 2022), de forma digna de crédito, que prestou à Autora informação detalhada sobre, quer a natureza da cirurgia a que a mesma aceitou submeter-se, quer os procedimentos e riscos;

12. Resulta evidente que a Autora prestou o seu consentimento, de forma livre e completamente esclarecida;

13. A Autora é uma pessoa letrada, contabilista e, por isso, certamente formada no ensino superior, com capacidade para entender o teor do documento que assinou ou, então, para saber que não se assina sem se saber o que se está a assinar;

14. Não pode haver dúvida de que quando a A., enquanto pessoa de formação elevada assinou a declaração do consentimento informado para a realização da cirurgia, fê-lo de forma livre e informada dos procedimentos e riscos da cirurgia;

15. Tanto mais que, como é do conhecimento geral - e sempre tendo por referência o homem médio -, não existindo cirurgias isentas de riscos, é forçoso concluir-se, no caso concreto, que a Recorrente estava, quando assinou a declaração do consentimento, devidamente informada, seja relativamente à cirurgia, seja relativamente aos riscos que a mesma comporta;

16. No caso dos autos, alega a Apelante, a ocorrência de uma lesão medular, ocorrência que os Réus não aceitam ter-se verificado por qualquer lesão traumática provocada por erro cirúrgico;

17. Tal lesão traduz-se um risco que representa, de acordo com a literatura médica, uma taxa de incidência entre os 0,2% e 3,3% (como resulta provado no facto 71) e resulta da Consulta Técnico-científica junta aos autos;

18. A doutrina e jurisprudência perfilham a tese da obrigação de comunicar os riscos que forem significativos – vide André Pereira (responsabilidade médica e consentimento informado) e Acórdão do STJ, de 08.09.2020;

19. Ou seja, os riscos que se entendam importantes para uma pessoa normal, para o homem médio, que se posicione nas mesmas circunstâncias do paciente, no momento de prestar o consentimento e conhecedor do tratamento que lhe foi proposto;

20. No caso em apreço, o risco de ocorrência de eventual lesão medular não poderá ser considerado significativo;

21. A taxa de incidência referida traduz-nos riscos pouco frequentes e que, face à prova produzida nos autos, incluindo a documental, também não serão de considerar de gravidade significativa;

22. Também por isso, sempre se encontraria afastada violação - que não existiu -, por parte do 1º Réu, do dever de informação necessária à prestação do consentimento livre e informado;

23. O consentimento prestado pela Recorrente foi, efetivamente, válido e eficaz, não se encontrando verificado o requisito da ilicitude, necessário à verificação da responsabilidade extracontratual;

24. Outra questão a apurar, em conformidade com o douto acórdão da Relação do Porto, saber se a lesão apresentada pela Autora foi produzida durante a cirurgia e em resultado de erro médico;

25. Ora, dos depoimentos das testemunhas GG e FF, MM e NN e da prova documental consubstanciada na Consulta Técico-Científica do INMLCF, de 3 de junho de 2020), no Parecer do Colégio da Especialidade de Neurologia da Ordem dos Médicos de 24.01.2020 e o artigo científico (Cervical Spinal Cord Infraction After Cervical Spine Decompressive Surgery), e também a informação clínica, resulta que

- não se verificou qualquer ocorrência de natureza traumática da medula;

- ocorreu episódio hipotensivo severo precoce, no pós-operatório da Autora;

- a atuação do 2º Réu pautou-se pelo absoluto respeito da leges artis.

26. O risco de lesão traumática da medula (recordando que os RR. não aceitam ter existido lesão traumática e recordando que da resposta dada pelo Parecer do Colégio da Especialidade de Neurocirurgia ao ponto 2 da alínea c) das questões colocadas por esse Tribunal da Relação, refere não é possível afirmar que houve lesão traumática) é um risco remoto, mas possível, e também que a lesão da medula pode resultar de um episódio de hipotensão severa prolongada.

27. Resulta da Consulta Técnico Científica e do Parecer da Especialidade, que não é possível afirmar se a lesão que se discute foi traumática ou isquémica (resposta à alínea d) pela Consulta Científica e à c) pelo Colégio da Especialidade).

28. Em resposta dada pela Consulta Técnico-científica, ao quesito 12, formulado pela própria Autora, a mesma nega, perentoriamente, ter sido, a alegada lesão, provocada por gesto cirúrgico errado contrário à leges artis,

29. Resulta, também, afirmado positivamente, através da resposta dada, na mesma Consulta Técnico-científica, ao quesito 1º do médico recorrido, que a paresia dos membros direitos e foco de sofrimento medular direito em C5 e C6, podem resultar de um acidente isquémico medular.

30. Não tem fundamento a alegada necessidade de realização de RM nos primeiros dias após a cirurgia;

31. Tal realização não é mandatória;

32. Bem pelo contrário, a RM feita nos primeiros dias após a cirurgia não permitiria provavelmente, esclarecer o tipo e a natureza da lesão, conforme resulta da resposta dada na Consulta técnico científica, ao quesito 15º formulado pela própria Autora e ao quesito 5º apresentado pelo 1º Réu ao Colégio da Especialidade;

33. A eventual realização de uma RM urgente para além de depender do nível de controle da agitação do doente e do grau de instabilidade Cardio-circulatória, os possíveis artefactos pós-operatórios precoces podem prejudicar a imagem que, geralmente, beneficia em ser feita mais tarde - veja-se resposta dada ao quesito 6º formulado pelo 1º Réu;

34. Ainda, a RM efetuada em pós-operatório precoce apresenta múltiplas interferências de imagem decorrentes do material colocado e da própria intervenção que dificultam a interpretação das imagens;

35. Não resulta ter havido, também neste capítulo, qualquer comportamento ou atitude ilícita do 1º Réu;

36. A Autora, pretende obter fundamento para, a por ela invocada inversão do ónus da prova, para onerar o 1º Réu com a prova que a ela compete sobre o facto ilícito.

37. Porém, sem fundamento. Com apoio na doutrina portuguesa, nomeadamente Ricardo Lucas Ribeiro e Henrique Gaspar, quanto à responsabilidade médica, é afirmada a posição de que, em caso de obrigação de meios, “o credor terá de alegar e provar a ilicitude…”. o que a A. não fez, nem podia fazer, já que nada resulta dos autos que traduza qualquer comportamento do 1º Réu demonstrativo dessa ilicitude;

38. Bem pelo contrário, da resposta dada pela Consulta Técnico-científica, ao quesito 12º, formulado por si própria, nega, perentoriamente, ter sido, a lesão, provocada por gesto cirúrgico errado contrário à leges artis;

39. Por referência às questões suscitadas nas alíneas e) e f), sobre as quais o Venerando Tribunal da Relação do Porto pretende ser esclarecido, verifica-se que o INML, proferiu respostas negativas, relativamente à impossibilidade alegada pela A. para a execução dos atos ali mencionados;

40. Resulta das respostas dadas aos quesitos formulados, a possibilidade e compatibilidade de realizar os atos pessoais e profissionais, embora com esforços acrescidos;

41. Sempre se dirá, contudo, que as queixas alegadas pela Apelante, são próprias da patologia cervical degenerativa anterior de que a mesma padecia, sendo também, certo que a A. não era uma pessoa saudável, tendo em conta a doença degenerativa da coluna cervical e a obesidade, conforme resultou afirmado na Consulta Técnico-científica realizada em 03.06.2020 em sede de resposta dada ao quesito 18º, formulado pelo 1º Réu;

42. No elenco dos sete factos dados como provados pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, consta, desde logo, em primeiro lugar, que “A A. era uma pessoa saudável, antes da cirurgia”;

43. Salvo o devido respeito, não pode manter-se, este facto na matéria dada como provada;

44. Tal matéria encontra-se em absoluta oposição com a que consta dos factos provados, de 1 a 6, fixados em 1ª Instância e mantidos por esse Venerando Tribunal da Relação;

45. O que, em análise aos mesmos, patenteando evidente défice motor do tricipede, com duas hérnias discais (C5/C6 e C6/C7), com indicação para cirurgia, nos leva à conclusão de que a A. não era, antes da cirurgia, uma pessoa saudável, mas sim uma pessoa doente;

46. O que traduz absoluta correspondência com o que resulta da Consulta Técnico-científica realizada em 03.06.2020 e que, em resposta ao quesito 18º, formulado pelo 1º Réu, afirma, perentoriamente que a A. não era uma pessoa saudável, tendo em conta a doença degenerativa da coluna cervical e a obesidade;

47. Por isso, entende a 2ª Ré que deve ser retirado do elenco dos factos provados aditados por esse Venerando Tribunal da Relação, o facto 1.

48. Não se verificando qualquer dos fundamentos invocados pela A., nem violação dos preceitos legais invocados, deve ser negado provimento ao presente recurso.

Por seu turno, o R. conclui:

i) A informação prestada à Autora sobre o estado clínico, proposta terapêutica, e riscos próprios da cirurgia a que aceitou submeter-se, conforme declarações da própria, evidenciam que o consentimento que prestou foi efectivamente informado não padecendo de qualquer vício;

ii) Ainda que se pudesse afirmar a etiologia traumática da lesão – e não pode – tal não significaria necessariamente que tivesse tido lugar qualquer violação das leges artis;

iii) A ocorrência de episódio hipotensivo severo no pós-operatório precoce, a informação clínica disponível, incluindo quanto à localização centro-medular da lesão, a prova testemunhal qualificada, e o teor da documentação técnico científica, incluindo Consulta do INMLCF e Parecer do Colégio de Especialidade, excluem que a lesão apresentada pela Autora seja de natureza traumática;

iv) Pelo que, agora com o respaldo da prova técnico-científica recolhida em obediência ao douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, deve ser confirmada a também douta sentença absolutória recorrida, julgando-se não provada e improcedente a acção.

Objeto do recurso:

- da impugnação da matéria de facto.

- da responsabilidade civil médica: por mal prática médica (lesão medular) e por violação do consentimento informado.

- da tutela ressarcitória.

FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentos de facto

Tratando-se da avaliação de matéria de facto sobre a qual já anteriormente esta Relação (sendo a mesma a relatora) se pronunciou, ponderando a prova então já produzida, importa verificar ter sido especificadamente fixado no primeiro acórdão o objeto concreto sobre que haveriam de incidir quer a nova prova a produzir – que também se especificou -, quer os factos sobre que a prova haveria de incidir.

Tendo sido feito esse esforço, obviamente para limitar a atividade posterior e vinculá-la a um fim definido, impunha-se que quer as partes quer o tribunal tivessem operado nos exatos limites balizados pela segunda instância, apurando o que aí se indicou estar por apurar (e, se estava por apurar, é porque no julgamento efetuado em novembro de 2016 não foi apurado), e fazendo-o através dos meios de prova que também aí ficaram rigorosamente delimitados: prova pericial pelo INML e pelo Colégio da Especialidade de Neurocirurgia da Ordem dos Médicos; declarações da A. e do R., além dos três documentos omitidos, as certidões de assento de nascimento de A. e filhos.

Sendo assim, o que ressalta de imediato é que a sentença omite a resposta cabal às questões dos pontos das als. a) e f) circunstados por este Tribunal, não constando da sentença – como provados ou não provados – pontos de facto ali mencionados.

Por outro lado, estando nós vinculados a um objeto concreto – em termos de facto – e a meios de prova definidos, únicos que ainda não haviam sido realizados, ou não se vislumbravam cabalmente explorados, é incompreensível que o recurso faça tábua-rasa do já decidido, pretendendo introduzir factos que exorbitam daquele objeto.

Do que acabamos de constatar resulta, desde logo, quanto ao ponto a), dos pretendidos ver apurados, estar demonstrado o que a sentença apenas explicita de forma vaga:

- do procedimento levado a efeito [discectomia C6-C7, extirpação de hérnia discal C6-C7, colocação de cage cervical C6-C7, discectomia C5-C6, extirpação de hérnia discal C5-C6 e colocação de cage cervical C5-C6] poderia resultar paresia dos membros direitos e foco de sofrimento medular direito em C5-C6), quadro motor neurológico e sensorial que determina incapacidade de 19% - conforme resposta pericial positiva de fls. 1193, pelo Colégio da Especialidade de Neurocirurgia da OM e pelo INML, a fls. 1199.

A sentença contém o ponto 69.º - A lesão traumática sequelar da medula, causadora daquele quadro neurológico, é um risco possível, mesmo que remoto, da cirurgia – que é já, em si, uma explicitação desta circunstância, mas a asserção supra torna os factos mais compreensíveis.

- a lesão traumática sequelar da medula, causadora do quadro neurológico, é também um risco possível, mesmo que remoto, da cirurgia sofrida pela A., embora isso não possa afirmar-se nesse caso - conforme resposta explicativa do mesmo Colégio e INML, a fls. 1200.

- tal lesão pode resultar de episódio hipotensivo com distress respiratório decorrido depois da cirurgia - situação que mereceu resposta afirmativa por parte daquele órgão e por parte do INML, a fls. 1200.

Face ao exposto, é de acrescentar aos factos provados, não propriamente o Facto 4 pretendido pela A. na conclusão IV, mas sim o que acima ficou exposto e que corresponde ao literalmente confirmado pela prova pericial recolhida:

73 - Do procedimento levado a efeito [discectomia C6-C7, extirpação de hérnia discal C6-C7, colocação de cage cervical C6-C7, discectomia C5-C6, extirpação de hérnia discal C5-C6 e colocação de cage cervical C5-C6] poderia resultar paresia dos membros direitos e foco de sofrimento medular direito em C5-C6, quadro motor neurológico e sensorial que determina incapacidade de 19%. A lesão traumática sequelar da medula, causadora do quadro neurológico, é também um risco possível, mesmo que remoto, da cirurgia sofrida pela A., embora isso não possa afirmar-se neste caso. Tal lesão pode resultar de episódio hipotensivo com distress respiratório decorrido depois da cirurgia. Esse tipo de episódio é uma consequência possível, mesmo que remota, deste tipo de cirurgia (conforme provado em 69.º a 71.º).

Quanto à demonstração de um consentimento informado, havia sido determinado, pela segunda instância, questionar o seguinte:

- estes riscos foram transmitidos pelo R. à doente antes da prestação de consentimento por esta à submissão ao procedimento;

- perante tais informações, a A. aceitou submeter-se ao procedimento.

Neste tocante, a sentença deu como não provado o seguinte:

O risco de lesão medular foi transmitido pelo R. à doente antes da prestação de consentimento por esta à submissão ao procedimento (ponto 2 dos factos não provados).

A este respeito, o recurso, embora não questione este ponto 2, acaba por colocá-lo em causa ao propor a demonstração de que o R. não transmitiu à A. qualquer dos riscos significativos da intervenção que lhe propôs e realizou, acrescentando-lhe outros que, ou constituem tautologias daquele (os factos 3 e 5 indicados na conclusão IV), ou constituem verdadeiras motivações da decisão a tomar a este respeito (facto 2 da mesma conclusão).

Recorde-se, como já anteriormente foi exposto no acórdão de maio de 2019, que a prova da transmissão das informações relevantes cabe ao prestador dos cuidados de saúde, sendo tais informações essenciais para que se considere existir consentimento informado. Com efeito, é sobre o médico que recai o dever de informar, pelo que o ónus da prova deste facto cabe-lhe por inteiro. Significa isto que se nenhum facto se demonstrar no tocante à prestação de informação e à existência de consentimento informado não pode considerar-se ter este existido.

É essa a solução consagrada nos países de Civil Law, como explicita André Dias Pereira, na tese de doutoramento, publicada em 2015, Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica: “Constituindo o tratamento uma violação à integridade física, só é justificada quando o consentimento válido for dado pelo paciente. É, portanto, o prestador de cuidados de saúde que tem de provar que as informações adequadas foram transmitidas ao paciente, para que ele pudesse dar um consentimento informado” (p. 240).

Já na sua tese de mestrado, publicada em 2004, O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, o autor referia ser o consentimento uma causa de justificação, sendo a informação adequada um pressuposto da sua validade, o que significaria ser o consentimento em termos probatórios um facto impeditivo cuja prova onera aquele contra quem a invocação é feita, isto é, o médico (art. 342.º, n.º 2 CC) – p. 199.

Densificando a forma como o facultativo haverá de efetuar tal prova, na obra de 2015, aquele autor apela a exemplos jurisprudenciais acolhidos, por ex., na Alemanha, onde se privilegia a prova testemunhal (por exemplo, médicos que tenham assistido ao diálogo do concreto esclarecimento) ou outros colegas e colaboradores que, normalmente, acompanhem a sua prática clínica. Em França admite-se o recurso às presunções, situação que a doutrina em Portugal também contempla (Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, ali citados na p. 445, que concordam caber o ónus da prova deste facto ao médico, o que também é defendido por Orlando Carvalho e Costa Andrade, citados na p. 447).

No mesmo sentido, a jurisprudência do STJ, como pode ver-se no ac. de 2.12.2020, Proc. 359/10.1TVLSB.L1.S1, em cujo sumário se lê: A prova do consentimento informado, enquanto facto impeditivo do direito da autora (paciente), compete ao réu/recorrido (médico), nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.

Deste modo, bastaria à A. alegar não ter sido informada, já recaindo sobre o R., como pré-condição da causa de justificação do consentimento daquela, o ónus da prova do dever acessório de proteção de a haver esclarecido adequadamente.

Quer isto dizer não caber à A. a prova dos pertinentes factos, o que a mesma expressamente observa no ponto III das conclusões, mas, ainda assim e incompreensivelmente, para vir a pretender ver demonstrado o contrário: que o médico não informou, quando obviamente o correto seria a prova de que o médico informou (caso essa prova tivesse sucedido).

Por este motivo, indefere-se o aditamento pretendido em IV das conclusões da A., quanto aos factos 1 a 3 e 5.

Todavia, num esforço de rigor, impõe-se se dê como provado o teor do documento assinado pela A. e junto aos autos, assim se alterando o ponto 55.º:

55 – A A. assinou a declaração de consentimento informado que constitui doc. 2 junto com a contestação, onde consta:

Face ao que acima ficou exposto quanto aos factos que importava esclarecer, segundo a definição do objeto relevante para a decisão já fixado no acórdão desta Relação, indefere-se a pretensão da A. no tocante às conclusões V a VIII, sendo absolutamente impertinente afirmar-se que dar como provado o facto de ser o R. um conceituado médico do norte do país é fundamental para aferir se estamos perante uma obrigação de meios ou de resultado (?).

O pretendido em IX a XVI, ou exorbita do que ficou exposto pelo Colégio da Especialidade – não cabendo aqui o recurso a outro meio de prova constante dos autos e já anteriormente escalpelizado – ou consta já acima provado nos factos 73 e 71, assim se indeferindo o pretendido a respeito da amplitude do risco da cirurgia.

No tocante ao dano iatrogénico e à demonstração de que, neste caso, o R. causou à A. a lesão traumática referida em 73, discorre a A. sobre a dificuldade da prova que lhe cabe (conclusões XVII a XXI), o que já se evidenciou de forma sobeja no anterior acórdão.

Nas conclusões XX a LXX pretende a A. se dê como provado um conjunto de factos relativos à imputação ao R. de mal prática médica na execução da cirurgia, nomeadamente dando causa a uma lesão medular traumática.

Foi dado como não provado o seguinte: o R., durante a cirurgia, provocou uma lesão medular na A.”

É nas conclusões XXXVIII, XLIII, XLVII, LII, LXVIII e LXIX que se pretende, afinal, se dê como provado o facto agora não provado em 1: O R., durante a cirurgia, provocou uma lesão medular traumática à A.

Naquelas conclusões deixou também enunciado a A. o seguinte:

XXXVIII:

FACTO 1: Entre os riscos graves possíveis, próprios, plausíveis e previsíveis do procedimento cirúrgico realizado encontram-se as sequelas de que a Autora passou a padecer, isto é, a paresia dos membros direitos e foco de sofrimento medular direito em C5-C6, quadro motor neurológico e sensorial que determina uma incapacidade de 19%.

FACTO 2: Em nenhum dos exames imagiológicos realizados à Autora se registaram quaisquer lesões, sequelas ou outros vestígios que apontem para a verificação de um evento de natureza isquémica;

FACTO 3: A medula tem várias membranas, muito sensíveis, que durante a cirurgia foram atingidas por erróneo gesto médico praticado pelo 1.ª Réu.

FACTO 4: A ocorrência de um episódio hipotensivo, com distress respiratório, durante a cirurgia, ou de outra complicação cirúrgica com agravamento do deficit neurológico, constitui um evento cuja probabilidade de verificação inferior a 1% e, portanto, muito menos provável que a ocorrência de um gesto cirúrgico errado que envolve um traumatismo da medula.

XLIII:

FACTO 1: A realização de uma ressonância magnética cervical em pós-operatório, mediato ou imediato, não tem qualquer contraindicação para a saúde do paciente que à mesma é submetido.

FACTO 2: A ressonância magnética é um exame que é mais informativo do que um TAC, pois apresenta uma qualidade de imagem superior, com melhor resolução, permitindo uma melhor visualização das partes moles, como a medula, motivo pelo qual no relatório do TAC foi recomendada a sua realização.

FACTO 3: A ressonância magnética, mesmo em pós-operatório imediato e considerando os artefactos decorrentes da cirurgia, pode permitir distinguir lesões traumáticas de lesões isquémicas.

FACTO 4: A Autora, por indicação do 1.ºRéu, realizou TAC cervical no dia seguinte ao da operação cirúrgica, 20.11.2012, o qual se encontra autuado a fls. 69.

FACTO 5: No referido TAC cervical pode-se ler que “Em C-6 e C-7 há discreta reação osteofitária posterior, de predomínio esquerdo, mas não é possível definir o conteúdo intracanalar, devido aos artefactos de imagem; para exclusão de eventual componente hemático epidural/compromisso medular sugere-se ressonância magnética.”

FACTO 6: Em face do quadro pós-operatório apresentado pela Autora, e após ter despistado, de forma imediata, duas causas possíveis de diagnóstico, o 1.º Réu nada mais fez para descobrir as respetivas causas, tendo apenas prescrito o primeiro exame após o TAC, precisamente uma ressonância magnética, dois meses após, em 25 de janeiro de 2013.

FACTO 7: À luz das boas práticas médicas, o 1.º Réu devia ter submetido a Autora a ressonância magnética à coluna cervical nos dias seguintes à cirurgia, tendo em vista apurar o tipo de lesão medular sofrido.

FACTO 8: O 1.º Réu decidiu não seguir a recomendação do TAC e não prescreveu a ressonância magnética recomendada no TAC.

XLVII:

A lesão medular da A. ou tem origem traumática ou isquémica.

LII

“No dia 20.11.2012, por indicação do 1.º Réu, a Autora realizou TAC da coluna cervical, em cujo relatório se pode ler ‘Em C-6 e C-7 há discreta reação osteofitária posterior, de predomínio esquerdo, mas não é possível definir o conteúdo intracanalar, devido aos artefactos de imagem; para exclusão de eventual componente hemático epidural/compromisso medular sugere-se ressonância magnética.”

LXVIII

“O 1.º Réu devia ter submetido a Autora a ressonância magnética à coluna cervical, por ocasião de 20.11.2012, tendo em vista apurar o tipo de lesão medular sofrido.”

LXIX

“O Réu durante a cirurgia provocou uma lesão medular traumática na Autora”,

No tocante ao facto 1 mencionado em XXXVIII, cremos suficiente o que já consta supra em 73, pelo que nada há a acrescentar a este respeito.

Indefere-se o pretendido quanto ao Facto 4, uma vez que o que aí se contêm não é propriamente a demonstração do ato negligente do R. – a causação traumática da lesão da medula – mas sim uma informação que, em termos de raciocínio e de encadeamento de circunstâncias, poderia levar à demonstração daquele facto: sendo a lesão isquémica menos provável, então a lesão que à A. causou o quadro atual foi provocada por atuação traumática. Este tipo de indicação não é um facto essencial, mas sim meramente acessório, que, quando muito, poderia constar na motivação da decisão de facto.

O mesmo sucedendo quanto ao Facto 2: por inexistirem exames neurológicos que evidenciem lesões isquémicas, então dar-se-ia como provado ter o R. causado a lesão traumática aquando da intervenção.

Com tudo isto o que se pretende, afinal, é a consideração como provado do facto dado como não provado em 1.

Ora, a dificuldade por parte dos pacientes da prova da ilicitude da atuação médica não pode reconduzir a responsabilidade médica a responsabilidade objetiva, mas é verdade é que os indícios recolhidos, sendo profusos e significativos, poderão concitar aquela demonstração (presunções judiciais).

Neste caso, obteve-se informação pericial prestada pelo Colégio da Especialidade de Neurocirurgia da Ordem dos Médicos, que considera não se poder afirmar serem decorrência da intervenção do R. as lesões físicas de que padece a A.

À questão colocada no acórdão de maio - tal lesão pode resultar de episódio hipotensivo com distress respiratório decorrido – e às perguntas 1. e 4.[4] postas pelo R. (fls. 1184) aquele órgão respondeu afirmativamente (fls. 1193).

Da mesma opinião foi o Instituto Nacional de Medicina Legal que, a fls. 1200, afirmou: “não é possível afirmar, em rigor, que durante a cirurgia foi causada lesão medular traumática à A. ou se esta lesão foi traumática ou isquémica, pois não há registo de intercorrências intraoperatórias, embora seja mais provável tratar-se de uma lesão traumática perante as imagens de IRM-VM e a ausência de lesões isquémicas na IRM-CE”.

Face a estes contributos periciais, poderia o tribunal dar como provado ter o R. procedido de forma negligente?

A resposta parece-nos dever ser negativa.

Em primeiro lugar, as informações escritas prestada pelo Prof. Dr. EE, ainda que pudessem ser consideradas – e não poderão sê-lo, uma vez que este não foi inquirido em audiência e, por via disso, não puderam os RR. efetuar o cross examination – não apontam inequivocamente para a verificação de lesão traumática da medula. Tal como o INML, entende que na ressonância magnética a alteração do sinal medular é sugestiva de lesão traumática sequelar (doc. 10 junto com a pi), acrescentando depois (doc. 11) que “o enquadramento do episódio neste contexto [de erro médico] é certamente delicado”, acrescentando que não pode é a lesão ser considerada uma intercorrência normal da cirurgia (expressão empregue pela companhia de seguros), mas como “algo que não deveria ter acontecido com uma execução tecnicamente perfeita da intervenção em causa. De facto, uma complicação não deve ser considerada “intercorrência normal”.

Esta informação parece-nos insuficiente para dar como provado o erro – a lesão traumática medular causada pelo R. -, porquanto a explicação é exígua e cautelosa, não assumindo de imediato a asserção de erro, preferindo a referência a sugestiva e certamente delicado.

Vejamos se outra prova, mormente a que a A. enfatiza em recurso, permite dissipar a dúvida subjacente às proposições sugestiva - proposta por aquele falecido médico – e embora seja mais provável - na narrativa do INML, a fls. 1200.

O depoimento da A, neste segmento, não é de atender, por um lado porque não é este o seu campo de expertise e por outro porque, naturalmente, está interessada no desfecho da ação.

A prestação testemunhal de HH (médico que exerce, como disse, na especialidade de toxicodependência) também se revela absolutamente imprestável, pois refere expressamente não ser a sua área a da neurocirurgia, limitando-se a emitir a opinião que lhe terá advindo de “relatórios de pessoas extremamente credenciadas dentro deste país” que logicamente corroboro. Cabia saber a que pessoas se referia e se, como parece, é ao relatório do Professor Dr. EE que se reporta, então é sobre este que deveremos debruçar-nos e não sobre o testemunho em causa.

O mesmo sucedendo com o testemunho de II, que o recurso invoca, logo após. Sendo esta assistente de consultório médico e amiga da A., não especialista na área médica, mas tendo acompanhado a A. à consulta com aquele Professor Dr., onde – disse – se deslocaram para que este passasse um relatório onde constasse a indicação de erro médico na cirurgia, volta a referir-se à opinião emitida por esse médico (bem como a de um outro médico, um tal Dr. OO que não consta entre os inquiridos), o que é insuficiente para o fim que aqui se pretende: a prova efetiva de lesão traumática.

De igual modo, o testemunho do marido da A.

Já aos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelo R., cuja credibilidade e objeto a A. coloca em causa – e pondo de lado enviesamentos corporativistas do estilo dos invocados pela A. para desvalorizar a perícia proveniente da Ordem dos Médicos (a chamada conspiração do silêncio) – têm a virtualidade de, pelo menos, deterem conhecimentos nesta área científica, tendo mesmo trabalhado com o R.

Assim, GG, médico neurocirurgião, ajudante de cirurgia que teve intervenção nesta em particular, não se recordando da mesma em concreto - embora lembrasse a intercorrência, este défice pós-operatório – afirmou não ter nunca assistido a cirurgias deste género nas quais tivesse sido produzida lesão medular, sendo certo que as acompanha sempre através de microscópio cirúrgico que lhe permite a visualização apurada do que sucede em contexto operatório. Tendo esta testemunha dito não ter nunca assistido a lesão medular causada durante as cirurgias em que participou e tendo intervindo nesta, como ajudante, o seu testemunho adensa a dúvida sobre a natureza da lesão: isquémica ou traumática? Resultante da cirurgia ou do episódio hipotensivo verificado no pós-operatório, como referido pela médica anestesista, Dr.ª NN?

Igualmente FF, médio neurocirurgião que depôs na qualidade de perito-testemunha, aludiu à possibilidade de episódios de hipotensão que podem ser causa de “enfartes medulares”, podendo daí decorrer lesão isquémica medular que, por definição, é difícil de distinguir da lesão traumática, assim tornando compreensível, mais uma vez, a dúvida que o INML bem deixou equacionada.

Do depoimento do R. BB não retiramos qualquer reconhecimento da execução deficiente ou errónea da sua parte no procedimento cirúrgico a que submeteu a A.

Por esta razão, dá-se como não provado o pretendido sob as conclusões XXXVIII e LXIX.

A A. alega ainda que do facto de não ter sido efetuada ressonância magnética, no pós-operatório, como sugerido na TAC cervical realizada no dia seguinte à cirurgia, conforme doc. de fls. 69, deverá resultar a inversão do ónus probatório, recaindo sobre o R. a demonstração de ter atuado sem erro.

Também aqui, mais uma vez, os factos que se pretendem aditar não respeitam à causa de pedir – o erro médico – mas à forma de os demonstrar.

Verificando nós ser verdade o que se alega em XLIII, XLVII, LII e LXVIII o resultado não é a verificação da existência de negligência na atuação do médico durante a cirurgia, mas a omissão de procedimentos que, a terem sido realizados, facilitariam a prova do erro pela A., prova essa que, sabemos bem, não é fácil.

Com Rute Pedro, diremos que “sob a capa da aplicação do regime geral vigente [no que tange ao ónus da prova] verifica-se, dada a impotência da cognição (judicial) dos factos relevantes para a determinação da existência dos pressupostos enunciados [os da responsabilidade civil], uma efectiva não aplicação sistémica do mesmo”, pelo que, nos casos de responsabilidade médica, “parece que o sistema da responsabilidade civil, tal qual está formulado e conjugado com as regras da distribuição do ónus probatório, não está a operar uma distribuição dos danos – pela esferas do lesante e do lesado –“ (Da tutela do doente lesado, Breves reflexões, ps. 428-429, em 38 - Pa´gs. 869 a 875.qxd (up.pt).

Por isso, a inversão do ónus da prova é uma prática sedimentada nas ações de responsabilidade civil por erro médico. Ocorre, desde logo, quando o médico omite a documentação de toda a atividade clínica, situação em que se inverte o ónus da prova caso se verifique não poder o lesado esclarecer a matéria de facto por ausência de documentação.

A solução decorre do disposto no art. 344.º, n.º 2, CC, que inverte o ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova do onerado.

O que se disse quanto à documentação, sucede no caso de não realização de exames complementares de diagnóstico (cfr. André Pereira, Direitos…, p. 784).

Na jurisprudência, esta inversão, tem sido aplicada. Veja-se o ac. RL, de 27.11.2018, Proc. 18450/16.9T8LSB.L1-7 1 - A inversão do ónus da prova, sendo uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material (art. 417º, n.º 1 do Código de Processo Civil), depende da verificação de dois pressupostos: que a prova de determinada factualidade, por acção da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer ou, pelo menos, se tenha tornado particularmente difícil de fazer; que tal comportamento, da mesma parte contrária, lhe seja imputável a título de culpa, não bastando a mera negligência.
2 – Ainda que a recusa da contraparte torne culposamente a prova impossível ou particularmente difícil tal não significa que o facto controvertido se tenha por verdadeiro, mas apenas que passa a caber à parte recusante a prova da falta de realidade desse facto.  3 – O dever do médico de registar as observações clínicas efectuadas no paciente reduz os riscos de erro e as falhas de comunicação, mas não visa directamente facilitar a prova em casos de responsabilização por danos ocorridos, ainda que constitua uma vantagem para esse efeito.  4 - A não apresentação do processo clínico pelo médico terá as consequências previstas no artigo 430.º ex vi 417.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, designadamente, a condenação em multa e a livre apreciação pelo Tribunal desta recusa, e ainda, havendo lugar a tal mecanismo, à inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º, n.º 2 do Código Civil, caso essa falta de apresentação ou a sua inexistência, tenha tornado a prova culposamente impossível ao paciente ou a tenha tornado particularmente difícil.

Exigem-se dois momentos para a inversão do ónus: o comportamento culposo da parte não onerada com a demonstração do facto lesivo e a impossibilidade, daí resultante, da respetiva prova.

Vejamos se temos reunidos estes dois requisitos.

Alega a A. que a realização da RM seria necessária e permitiria distinguir a natureza da lesão medular, isquémica ou traumática. Logo, não a tendo realizado, o R. atuou de forma culposa.

A este respeito, porém, o Colégio da Especialidade da OM refere, a fls. 1193, resposta 5 e ss. às questões colocadas pelo R., a fls. 1184: “a RM em fase aguda não permite distinguir com segurança a natureza traumática ou isquémica das lesões medulares”, acrescentando “excluídas razões pós-operatórias imediatas que impliquem revisão cirúrgica urgente, num doente com as condições clínicas descritas, a indicação para RM urgente não é mandatória”.

Por sua vez, o INML explicitou, a fls. 1201, que “os artefactos operatórios numa IRM-VM precoce limitam a visualização da lesão medular”, dizendo, a fls. 1204, que a RM teria sido desejável, para logo adiantar que esse meio de diagnóstico, “a menos que fosse uma lesão hemorrágica, não permitiria provavelmente esclarecer o tipo e a natureza da lesão”.

Esta exposição é suficiente, por si, para não dar como justificada a inversão do ónus da prova, uma vez não resultar que, realizada a RM, seria possível verificar se a lesão medular é isquémica ou traumática e, por via disso, considerar errada a opção pela sua não realização.

Termos em que se indefere o requerido a este respeito.

Segue-se a impugnação de facto quanto ao tema dos danos.

O que se pretende em LXXXIII corresponde ao que ficou fixado no acórdão, a fls. 47 e 48 do mesmo, sendo certo que já aí se avaliou a prova testemunhal efetuada, não tendo a mesma, então, sido considerada suficiente para o cabal esclarecimento destas circunstâncias.

Expôs-se aí o seguinte:
e) Ao Conselho Médico-Legal deverá, ainda, pedir-se que explique se tal quadro impede a A. de escrever ao computador ou à mão por períodos prolongados - como afirmou o seu marido, CC, em audiência e a fisioterapeuta, DD - e em que medida se reflete o mesmo na sua atividade de contabilista.

Aquelas duas testemunhas e, ainda, o irmão, JJ, e a amiga, II, descreveram um conjunto de limitações que observam à A., nomeadamente quanto à marcha e mesmo na execução de tarefas básicas como vestir-se ou tratar da lida da casa.

f) De modo, que deverá pedir-se ao INML que esclareça o seguinte:

- a A. ficou impossibilitada de saltar e correr, tem dificuldades em subir e  descer escadas, caminhar em pisos irregulares ou durante mais de 15 minutos seguidos, começando a mancar após os mesmos;

- está impossibilitada de realizar esforços com o membro superior direito, causando-lhe dor o facto de pegar em pesos superiores a 2 Kg;

- realiza movimentos de pinça fina, digito-pulpar, como vestir o soutien, apertar os botões das calças, calçar-se e outras tarefa, mas com dificuldade.

- está impossibilitada de pegar nos sacos das compras.

- tem dificuldade em dormir por sentir dor na região cervical com as almofadas.

- tem dificuldade em realizar as tarefas domésticas, como lavar louça, pela postura e por não conseguir pegar com firmeza na mesma, estender a roupa e tirar a roupa da máquina, passar o aspirador.

- tem ou teve dificuldade em mudar as fraldas e dar banho ao filho mais novo.

- apenas pode conduzir veículos com mudanças automáticas (neste segmento foi mencionado em audiência o medo da A. em conduzir por força das limitações que sente, pelo que deverá o INML avaliar a extensão das sequelas psíquicas/psicológicas produzidas ocasionadas à A. pelas lesões físicas de que é portadora, até porque se pretende no recurso se dê como provado achar-se a A. acompanhada em consultas de psiquiatria sendo relevante verificar se tal acompanhamento sucede, mas sobretudo, se se justifica face a um eventual quadro de depressão ou alteração comportamental não relatado pelo INML);

- sente formigueiro constante desde a metade medial do 3.º dedo à totalidade do 4.º e 5.º dedos da mão direita, irradiando para o cotovelo pelo bordo medial do antebraço;

- tem dificuldade em sentir a temperatura com a mão direita, nomeadamente, à água quente;

- sente contraturas da musculatura cervical, costas e tórax;

- tem espasmos musculares na perna e no 4.º e 5.º dedos da mão direita os quais se identificam com híper-reflexia;

- toma diariamente medicação (Lyrica 200, três vezes por dia) e Clonix quando sente dores mais intensas.

- o Lyrica é prescrito para o tratamento da dor neuropática (dor devido à lesão e/ou mau funcionamento dos nervos e/ou do sistema nervoso);

- o Clonix está indicado no tratamento da dor de diversas etiologias, tais como reumatismos crónicos degenerativos, algias neurológicas e neuromusculares, periartrites, tendinites, tenossinovites e bursites, posologias coerentes com o quadro de dor que sente diariamente.

Para prova destes pontos de facto, atenderemos, por isso, à perícia solicitada ao INML que foi especificamente questionado para o efeito e que, a fls. 1201 e 1202, remete para o respetivo relatório que, a fls. 1241 e ss., responde a esses pontos.

Assim, verificamos que o quadro apresentado pela A., a despeito do que afirmem as pessoas que a acompanham, não a incapacita para escrever ao computador ou à mão, embora se admite que sinta dor, desconforto e dificuldade (fls. 1248 v.º).

Elimina-se, pois, o facto 6 não provado (em si até contraditório com a parte final do ponto 35.º provado).

Não se altera a redação do ponto 35.º porque espelha o estado atual objetivo descrito pelo INML, a fls. 1249.

Face às mesmas respostas periciais (fls. 1249), eliminam-se os pontos 4, 5 e 7 não provados e adita-se aos provados o seguinte:

74 – O quadro apresentado pela A. é compatível com as atividades de saltar e correr, subir e descer escadas, caminhar em pisos irregulares ou durante mais de 15 minutos seguidos, conduzir, realizar esforços com o membro superior direito, nomeadamente pegar em pesos superiores a 2 Kg, movimentos de pinça-fina, como vestir-se e calçar-se, lavar loiça (ou outras atividades domésticas), mudar fraldas ou dar banho ao filho, mas as mesmas implicam esforços suplementares.

75 – O quadro de saúde em apreço é suscetível de impedir a A. de dormir sem dor.

Quanto ao acompanhamento psiquiátrico, face ao que consta do relatório do INML, a fls. 1249 e 1243 v.º, o facto 43.º provado passa a ter a seguinte redação:

43 – A A. foi acompanhada na especialidade de psiquiatria e diagnosticada com “Quadro Depressivo Grave com sintomatologia Major e dificuldades intelectuais, ambas decorrentes de um pós-operatório neurocirúrgico.

A referência à condução de carros automáticos não se nos afigura dever ser dada como provada, uma vez não estar demonstrada essa necessidade em função das sequelas, admitindo-se que a A. o faça por essa ser a sua opção (já o fazia antes do evento – fls. 1245, parte final).

O pretendido em CIX das conclusões respeita a factos que já acima estão contemplados e que também estão expostos na sentença, nos pontos 32.º a 68.º, sendo por isso, espúrio e incompreensível, repetindo circunstâncias sobre que já anteriormente este Tribunal se pronunciou, não se tendo demonstrado outros que ali constam como os Factos 9 a 12, 15 (com exceção do que consta em 57.º e do que adiante se consignará), 17 (o relatório médico-legal nada refere quanto a repercussão sexual das lesões), 18 (com exceção do que se expôs relativamente às dificuldades nas atividades diárias), 20, 21 (com exceção do provado em 41.º) e 22 (com exceção do já provado).

No mais, altera-se e adita-se o seguinte:

76 – A A. manteve os tratamentos de psiquiatria, apresentando ao nível da aptidão cognitiva “dificuldades de concentração e memória recente” (cfr. fls. 1243.º v.).

77 – A passou a ser uma pessoa mais ansiosa.

(circunstância que resulta da descrição relatada pelas pessoas que consigo convivem)

78 – A A. nasceu a ../../1974 (docs. de fls. 1237).

O ponto 50.º passa a ter a seguinte redação:

50.º - A. teve necessidade de contratar uma empregada doméstica para limpar a casa, tratar das roupas e cozinhar, necessitando da mesma enquanto padecer da incapacidade descrita (situação última esta não só descrita pelas testemunhas que convivem quotidianamente com a A. mas que é absolutamente compreensível face à natureza das lesões físicas descritas).

O ponto   72.º passa a ter a seguinte redação:

72 – A A. é mãe de dois filhos, nascidos a ../../2006 e ../../2011 (docs. de fls. 1238 e 1239).

Face à contestação da seguradora Ré e ao conteúdo das Condições Gerais do contrato de seguro e das condições particulares juntas aos autos – ps. 11 a 42 da contestação de 17.12.2015 -, aditaremos ao ponto 28, o seguinte:

28- A responsabilidade civil por atos médicos praticados pelo 1.º R. encontrava-se à data transferida para a 2.ª R. por contrato de seguro com apólice nº ...40, sendo o capital seguro de € 300.000,00 (com franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais), constando das condições gerais o art. 5.º j) (exclusões relativas) excluindo da garantia do contrato de seguro a responsabilidade civil emergente de perdas indiretas de qualquer natureza, lucros cessantes e paralisações.

Ao ponto 31 adita-se informação relevante, obtido do relatório do INML, segundo a qual este fixou em 526 dias (de 19.11.2012 e 28.4.2014) o período de défice funcional total (correspondente aos períodos de internamento e/ou repouso absoluto, entre outros).

A impugnação da decisão de facto é improcedente no restante.

Os RR. pretendem a ampliação da impugnação de facto no que tange ao ponto relativo à situação de saúde da A., antes da cirurgia, já antes fixado por este Tribunal. Compreende-se esta sua pretensão, uma vez que, em rigor, a A. padecia do problema de saúde que a levou a consultar o 1.º R. e seria obesa, como agora se apurou. Tanto não basta para dar como provado não ser a A. pessoa saudável, mas justifica que se elimine o ponto 57 que passa para os não provados.

Os factos provados passam, pois, a ser os seguintes:

1.º

Na primeira quinzena de novembro de 2012, após ter sentido dor na omoplata direita, a Autora consultou o 1.º R., médico neurocirurgião da cidade do Porto, no Consultório sito na Avenida ....

2.º

A Autora apresentava um quadro de dor irradiada ao longo do membro superior direito com cerca de sete semanas de evolução.

3.º

O quadro de dor tinha-se demonstrado resistente aos diversos tratamentos conservadores efetuados, nomeadamente, fisioterapia e prescrição medicamentosa, e interferia com a qualidade de vida da Autora.

4.º

Realizado exame neurológico, era evidente um défice motor do trícipede sem défice sensitivo.

5.º

A RMN demonstrou uma hérnia discal C6-C7 responsável pela dor e outra hérnia C5-C6.

6.º

Neste contexto de dor com boa correlação clínico-imagiológica, o 1.º R. indicou à A. o tratamento cirúrgico para a cura.

7.º

Na consulta médica que antecedeu a cirurgia, que teve lugar no dia 19 de novembro de 2012, a Autora perguntou ao 1.º R. que tempo levaria a recuperação da cirurgia.

8.º

Ao que o 1.º R. respondeu que seriam 15 dias e que após esses 15 dias poderia retomar o trabalho de escritório, uma hora de manhã e outra de tarde, e que ao fim de um mês, teria praticamente liberdade para trabalhar a tempo inteiro.

9.º

No dia 19 de novembro de 2012, a A. foi internada no Hospital ... e sujeita à intervenção cirúrgica proposta pelo 1.º Réu.

10.º

Os procedimentos cirúrgicos consistiram em: discectomia C6-C7, extirpação de hérnia discal C6-C7, colocação de cage cervical C6-C7, discectomia C5-C6, extirpação de hérnia discal C5-C6 e colocação de cage cervical C5-C6.

11.º

A cirurgia propriamente dita decorreu sem qualquer intercorrência aparente.

12.º

No período pós-operatório precoce, segundo lhe transmitiu o 1º R., a A. fez episódio hipotensivo severo (60-20 mm Hg) com algum distress respiratório.

13.º

 Quando acordou da anestesia, a A. apenas disse ao 1º R. “salve-me”…

14.º

A A. apresentava uma paresia dos membros direitos.

19.º

O 1.º R. havia explicado à A. da possibilidade de ter sofrido um AVC no período pós-operatório precoce, ou um edema pulmonar.

20.º

Em 25 de janeiro de 2013, a A. foi submetida a RMN cerebral e cervical.

21.º

O exame cerebral apresentava-se normal, sem alterações de relevo.

22.º

Já o exame cervical permitiu concluir pela existência de um foco de sofrimento medular direito em C5-C6, com evidente nexo de causalidade com os sintomas de paresia dos membros direitos apresentada.

23.º

O 1.º R. admitiu a existência de uma “complicação cirúrgica”.

24.º

Em 17 de abril de 2013 e em 19 de novembro de 2013, a A. repetiu RX cervical e o RMN cervical de controlo.

25.º

A Autora consultou o Professor Doutor EE, médico especialista em neurocirurgia, professor catedrático, de competência reconhecida nacional e internacionalmente.

26.º

 O Professor Doutor EE elaborou relatório médico em que refere que procedimento cirúrgico realizado era o que estava indicado na situação clínica que a A. apresentava.

27.º

No caso da A., verificou-se um quadro motor neurológico e sensorial incapacitante que afetou os membros direitos.

28.º

A responsabilidade civil por atos médicos praticados pelo 1.º R. encontrava-se à data transferida para a 2.ª R. por contrato de seguro com apólice nº ...40, sendo o capital seguro de € 300.000,00 (com franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais), constando das condições gerais o art. 5.º j) (exclusões relativas) excluindo da garantia do contrato de seguro a responsabilidade civil emergente de perdas indiretas de qualquer natureza, lucros cessantes e paralisações.

29.º

O sinistro foi participado à 2.ª R. pelo 1.º R.

30.º

A autora apresenta:

Pescoço: cicatriz rosada, linear, de características cirúrgicas, não aderente aos planos profundos, não hipertrófica, sensivelmente horizontal, na transição da região cervical lateral direita com a anterior, com 5 cm de comprimento

31.º

A data da consolidação das lesões situa-se em 28 de abril de 2014. O INML fixou em 526 dias (de 19.11.2012 e 28.4.2014) o período de défice funcional total (correspondente aos períodos de internamento e/ou repouso absoluto, entre outros).

32.º

Foi fixado à A. um quantum doloris de grau 4 numa escala crescente de 7 graus.

33.º

E um dano estético de grau 1 numa escala crescente de 7 graus.

34.º

 Em termos de danos permanentes foram atribuídos à A. 19 pontos de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, tendo a avaliação sido efetuada com base na Tabela Nacional de Incapacidades, devido às queixas álgicas constantes da coluna cervical, com limitação funcional, e à hemiparesia de grau IV nos membros direitos.

35.º

O estado da Autora é compatível com o exercício da atividade habitual de contabilista, mas implica esforços suplementares, nomeadamente ao escrever ao computador ou à mão por períodos prolongados.

36.º

Em termos de repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, foi fixado o grau 1 numa escala crescente de 7 graus.

37.º

A Autora deslocou-se ao Porto quatro vezes ao consultório do 1º R.

38.º

A A. ficou internada no Hospital ... durante quatro dias, tendo regressado ao domicílio com indicação para usar cadeira de rodas.

39.º

Em casa necessitou desde logo da ajuda do marido.

40.º

A A. realizou sessões de fisioterapia na “Clínica ...” e na Hospital ...

41.º

Desde essa data e até ao presente, a Autora realiza sessões de fisioterapia e hidroterapia.

42.º

 Desde a cirurgia, a A. não retomou a atividade laboral.

43.º

A A. foi acompanhada na especialidade de psiquiatria e diagnosticada com “Quadro Depressivo Grave com sintomatologia Major e dificuldades intelectuais, ambas decorrentes de um pós-operatório neurocirúrgico”.

44.º

A Autora sente-se irritável, com menos paciência, mais triste.

45.º

Sente dores desde a metade medial do 3.º dedo e na totalidade do 4.º e 5.º dedos da mão direita, irradiando para o cotovelo pelo bordo medial do antebraço e face posterior do braço até à omoplata e coluna, cervical, sentindo agravamento com a humidade e o frio.

46.º

A Autora apresenta:

Tórax: contractura muscular do terço superior da face posterior do tórax, sendo mais acentuada à direita.

47.º

Membro superior direito: ausência de atrofia muscular ao nível bicipital e braquio-radial, força muscular ligeiramente diminuída conseguindo vencer a resistência (grau IV); hiperreflexia dos reflexos bicipital, tricipital e braquiorradial; hipersensibilidade da face posterior do braço e antebraço; parestesias do bordo cubital da mão, do 4.º e 5.º dedos e bordo medial do 3.º dedo.

48.º

Membro inferior direito apresente: ausência de atrofia muscular; força muscular ligeiramente diminuída conseguindo vencer a resistência (grau IV); sinais de Lasegue e Braggard negativos; hiperreflexia ao nível rotuliano em comparação ao contralateral; reflexo aquiliano presente e simétrico; hipersensibilidade táctil da coxa em comparação com a contralateral, quer na face anterior, quer na face posterior; parestesias ao nível da face anterior e posterior da perna.

49.º

A A. necessitará ainda de tratamentos médicos regulares até ao fim da sua vida, designadamente, tratamento fisiátrico continuado e prescrição de medicação analgésica, assim como de tratamento psiquiátrico até melhoria da sintomatologia.

50.º

A. Autora teve necessidade de contratar uma empregada doméstica para limpar a casa, tratar das roupas e cozinhar, necessitando da mesma enquanto padecer da incapacidade descrita.

51.º

A A. teve que suportar diversas despesas médicas e medicamentosas.

52.º

A Autora recebeu, a título de subsídio de doença, a quantia total de € 11.903,44.

53.º

Antes da cirurgia, a A. auferia um vencimento mensal de € 575,00 por mês.

54.º

Para realização de consultas médicas, exames e tratamentos, a A. teve que efetuar inúmeras deslocações.

55.º

A A. assinou a declaração de consentimento informado que constitui doc. 2 junto com a contestação, onde consta:

56º.

Ainda nessa data foi pedida a emissão de termo de responsabilidade geral à C..., a qual veio a ser emitida com data de 19.11.2015.

57.º

(eliminado)

58.º

A. suportou gastos com remuneração da empregada, em valor não concretamente apurado, mas não inferior aos valores constantes dos documentos de fls. 74 a 91, que aqui se dão por reproduzidos.

59.º

Entre 26.3.2013 (data da primeira fatura) e 25.7.2015 (data da última), a A. pagou à D... Ld.ª, pela realização de serviços de contabilidade que cabia à A. realizar no âmbito da sua atividade profissional, os valores constantes das faturas de fls. 92 a 143 que aqui se dão por reproduzidos.

60.º

A. suportou despesas com consultas, tratamentos e fisioterapia os valores documentados nos docs. de fls. 144 a 272 e de fls. 339 a 346, que aqui se dão por reproduzidos

61.º

A Autora esteve de baixa médica, desde 19.11.2012 a 22.7.2015.

62.º

 Na declaração de IRS relativa a 2013, a A. declarou rendimento de trabalho dependente de € 3.635, 77 (anexo A), um resultado líquido tributável corresponde a rendimentos de categoria B (profissionais, comerciais e industriais) de € 22.223, 70; na declaração de IRS de 2012, a A. declarou rendimento de trabalho dependente de € 6.059, 62 (anexo A) e um resultado líquido tributável corresponde a rendimentos de categoria B (profissionais, comerciais e industriais) de € 16.074, 50; no ano de 2013 , a A. não declarou rendimento de trabalho dependente e declarou um resultado líquido tributável corresponde a rendimentos de categoria B (profissionais, comerciais e industriais) de € 13.591,98.

63.º

AA. efetuou gastos com deslocações para tratamentos e consultas em valor não concretamente apurado.

64.º

A autora sente um formigueiro constante desde a metade medial do 3.º dedo à totalidade do 4º e 5º dedos da mão direita irradiando para o cotovelo pelo bordo medial do antebraço.

65.º

A autora sente contraturas da musculatura cervical e das costas.

66.º

A autora sente “espasmos” musculares na perna e no 4.º e 5.º dedo da mão direita, aliviando ao esticar.

67.º

 A autora tem dificuldade em sentir a temperatura com a mão direita, nomeadamente, a água quente.

68.º

A autora toma diariamente medicação (Lyrica 200 três vezes por dia) e Clonix, quando sente dores mais intensas.

69.º

A lesão traumática sequelar da medula, causadora daquele quadro neurológico, é um risco possível, mesmo que remoto, da cirurgia.

70.º

Tal lesão pode resultar de episódio hipotensivo com distress respiratório decorrido depois da cirurgia.

71.º

O risco de ocorrência de lesões medulares é de 0,2-3,3%.

72.º

A autora é mãe de dois filhos, nascidos a ../../2006 e ../../2011.

73.º

Do procedimento levado a efeito [discectomia C6-C7, extirpação de hérnia discal C6-C7, colocação de cage cervical C6-C7, discectomia C5-C6, extirpação de hérnia discal C5-C6 e colocação de cage cervical C5-C6] poderia resultar paresia dos membros direitos e foco de sofrimento medular direito em C5-C6, quadro motor neurológico e sensorial que determina incapacidade de 19%. A lesão traumática sequelar da medula, causadora do quadro neurológico, é também um risco possível, mesmo que remoto, da cirurgia sofrida pela A., embora isso não possa afirmar-se neste caso. Tal lesão pode resultar de episódio hipotensivo com distress respiratório decorrido depois da cirurgia. Esse tipo de episódio é uma consequência possível, mesmo que remota, deste tipo de cirurgia.

74.º

O quadro apresentado pela A. é compatível com as atividades de saltar e correr, subir e descer escadas, caminhar em pisos irregulares ou durante mais de 15 minutos seguidos, conduzir, realizar esforços com o membro superior direito, nomeadamente pegar em pesos superiores a 2 Kg, movimentos de pinça-fina, como vestir-se e calçar-se, lavar loiça (ou outras atividades domésticas), mudar fraldas ou dar banho ao filho, mas as mesmas implicam esforços suplementares.

75.º

 O quadro de saúde em apreço é suscetível de impedir a A. de dormir sem dor.

76.º

 A A. manteve os tratamentos de psiquiatria, apresentando ao nível da aptidão cognitiva “dificuldades de concentração e memória recente” (cfr. fls. 1243.º v.).

77.º

 A passou a ser uma pessoa mais ansiosa.

78.º

 A A. nasceu a ../../1974 (docs. de fls. 1237).

Os factos não provados são os constantes da sentença, em 1 a 3 e o 57.º anteriormente provado.

Fundamentos de direito

Constitui um dos mais elementares princípios de justiça, já em Ulpianus, aquele que impunha ao lesante repor o statu quo ante, isto é, reconduzir o lesado à situação em que se encontrava antes da lesão infligida a qualquer um dos seus direitos.

Cada um deve assumir as consequências das suas omissões e dos seus atos e a medida de tal assunção, tradicionalmente, fez-se assentar na culpa pois “um marco importante na evolução da responsabilidade foi constituído pela introdução de uma cláusula geral de responsabilidade por culpa. “(…).

Foi uma das grandes novidades do Código Civil francês de 1804 e do seu célebre artº. 1382.º, retomada de uma maneira geral nas grandes codificações modernas. O princípio da culpa valia então como exclusivo, isto é, como fundamento exclusivo da imputação de um dano (…)”[5].

Só com o capitalismo tardio deixa de imperar o dogma da culpa, não só pelas dificuldades de prova que a mesma coloca, mas sobretudo pela evolução tecnológica e pelos acidentes causados por máquinas que colocavam especiais dúvidas sobre imputação, e, ainda, pela consideração do ubi comoda ibi incomoda, ou seja, de que se alguém tira proveito de determinada atividade é justo que suporte os riscos próprios da mesma.

Os conceitos centrais da responsabilidade são os de ilicitude e de culpa. Sendo estes, segundo Jhering, as instâncias de controlo do sistema, são também estes que fundam o instituto da responsabilidade civil no direito português.

Ora, se a responsabilidade emerge da “violação de um dever geral de conduta que a ordem jurídica impõe aos indivíduos para proteção de todas as pessoas e que, de forma típica, constituem o contrapolo de um direito subjetivo absoluto (um direito real, um direito de personalidade, um direito sobre um bem imaterial, etc)[6]”, a responsabilidade é contratual.

Com efeito, o capítulo da responsabilidade civil extracontratual tem a sua sede no art. 483.º Código Civil, onde se expõem os fundamentos basilares da obrigação de indemnizar baseada na culpa do causador do evento lesivo (responsabilidade subjetiva).

Trata-se, como se sabe, de uma causa de pedir complexa aquela em que se sustentam este tipo de ações.

De acordo com a formulação que ali se encerra, a causa de pedir é constituída pelo conjunto de factos donde promana o direito à reparação dos danos produzidos, sendo estes: facto ilícito, culposo[7], (sob a forma de dolo ou mera culpa), tendo como paradigma o padrão do homem médio (artº 487º C.C.); nexo de causalidade (teoria da causalidade adequada); dano ou prejuízo, perda sofrida pelo lesado, refletida na sua situação patrimonial (dano material) ou insuscetível de avaliação pecuniária, mostrando-se digna de satisfação (dano moral).

No que tange ao apuramento da culpa é unanimemente reconhecida a validade das regras da experiência e das presunções naturais, pois “Embora no domínio da responsabilidade delitual caiba ao lesado a prova da culpa, o tribunal deve socorrer-se de presunções naturais que ajudem aquele a vencer algumas dificuldades especiais de prova - prova “prima facie” ou da “primeira aparência”.[8]

A obrigação de indemnizar consiste no dever que impende sobre o responsável cível de repôr o lesado na situação hipotética em que o mesmo estaria se não tivesse ocorrido o evento lesivo - teoria da diferença (art. 562.º Código Civil)

Dispõe o art. 566.º, n.º 2 Código Civil que “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e na que teria nessa data se não existissem danos”.

Caso possível, haverá o obrigado de proceder à restauração natural ou reposição in natura do estado de coisas anteriormente existente. Caso tal não seja possível, cabe-lhe atribuir ao lesado o sucedâneo monetário adequado a ressarcir pecuniária e materialmente o prejuízo extinguindo-o ou minorando-o até onde for possível.

Mas, a responsabilidade civil tem a sua raiz ôntica igualmente numa obrigação, quer esta emirja de um contrato, de um negócio unilateral ou da lei, sendo, destafeita, responsabilidade obrigacional ou contratual (art. 798.º do Código Civil).

Embora existam pontos comuns entre os dois tipos de responsabilidade, há diferenças entre ambas, desde logo no que tange à extensão do dano indemnizável, aos sujeitos e aos pressupostos da obrigação ressarcitória (com relevo para o ónus de prova da culpa, como teremos ocasião de verificar), mas como se vê, a diferença essencial remonta à sua matriz criadora. A responsabilidade extracontratual surge por violação do dever geral de neminem laedere, seja por atos ilícitos, seja por atos que, embora lícitos, causem prejuízos a terceiros, e a responsabilidade contratual surge no âmbito de uma relação pré-existente, emergindo da violação de uma obrigação contratual.

Referira-se que a distinção entre ambas as responsabilidades não é radical e que há pontos de contacto, existindo situações em que não é fácil distinguir a natureza da responsabilidade em presença. São disso exemplo os casos de responsabilidade do transportador perante o passageiro, da responsabilidade do produtor, da responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações e da responsabilidade médica.

A lei portuguesa não regula diretamente a relação entre o médico e o paciente ou o conjunto de direitos e deveres que mutuamente daí emergem.

A disciplina geral há-de, assim, encontrar-se da conjugação de diplomas nacionais díspares com normas de direito internacional que, por força do sistema monista consagrado no art. 8º, n.º 2, da CRP, são recebidos com primazia sobre o direito interno.

Convocam-se, por isso, a Lei de Bases da Saúde (Base XIV da Lei 48/90, de 21, 8), o Código Penal, outras leis de saúde[9], o catálogo de direitos fundamentais ínsito na Constituição, a Convenção dos Direitos do Homem e a Biomedicina (DR, I Série A, de 31.1.01).

Numa situação como noutra – sendo que, in casu, nos situamos no campo da responsabilidade contratual[10] – para responsabilizar o médico pelo dano iatrogénico haverá que ver-se demonstrada a atuação negligente ou falha médica.

Genericamente, pode afirmar-se que o erro consiste numa falha profissional, mas no caso, do médico, tal erro é, segundo José Fragata, “uma falha, não intencional, de realização de uma sequência de actividades físicas ou mentais, previamente planeadas, e que assim falham em atingir o resultado esperado. Sempre que essa falha se não deva à intervenção do acaso”[11].

Já para Germano de Sousa, erro médico é “a conduta profissional inadequada resultante de utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida do doente”[12].

Por nós, cremos ser suficiente, no presente contexto, definir globalmente erro médico como a conduta médica negligente em consequência da qual vêm a ocorrer lesões na saúde ou vida do doente.

Atua de forma negligente quem adota um comportamento diferente do que era objetivamente devido numa situação de perigo para bens jurídicamente relevantes, a fim de evitar a violação de tais bens.

A negligência consubstancia-se, assim, na violação do dever objetivo de cuidado à qual é imputável o resultado típico quando tal resultado fosse previsível e evitável pelo homem prudente se colocado nas mesmas circunstâncias, resultado esse que tanto pode ser preenchido por ação como por omissão.

A lei não enuncia o conteúdo do chamado dever objetivo de cuidado, mas, genericamente, este dever consiste na atitude necessária para impedir o resultado típico.

Nos domínios técnicos ou especializados da vida – designadamente no sector da saúde – existe, desde logo, a obrigação de preparação por parte de quem assume ou aceita determinadas responsabilidades e é remunerado por isso e nessa medida.

Quando assim não sucede, alude-se à negligência na assunção ou na aceitação[13], isto é, a negligência a assacar é reportada não ao momento prévio ou concomitante com o resultado típico mas “ao momento anterior em que o agente assumiu ou aceitou o desempenho, sabendo todavia, ou sendo-lhe pelo menos cognoscível, que para tanto lhe faltavam os pressupostos anímicos (espirituais) e corporais objectivamente necessários”[14].

Para além deste momento inicial que reside na preparação adequada ao desempenho cuidado de uma atividade consabidamente perigosa existem, no domínio dos cuidados de saúde particulares (ou específicos) elementos típicos do dever de cuidado – são as chamadas normas corporativas e do tráfego, também elas um referente ôntico do dever jurídico de cuidado, embora a sua violação não constitua mais do que um indício da infração desse dever.

As leges artis são um exemplo de normas do tráfego ou regras pelas quais se afere a diligência devida num particular domínio de atividade, como sucede com as normas profissionais (códigos deontológicos) relativas à atividade dos médicos e dos enfermeiros.

São “normas escritas de comportamento (não jurídicas), fixadas ou aceites por certos círculos profissionais e análogos e destinadas a conformar as actividades respectivas dentro de padrões de qualidade e, nomeadamente, a evitar a concretização de perigos para bens jurídicos de que tais actividades pode resultar (…), sendo certo que (…) «a estas normas “técnicas” não poderá atribuir-se o mesmo relevo indiciador que se conferiu às normas “jurídicas”, (…) porque aquelas podem ter na sua base interesses meramente “corporativos” (…), e porque o progresso técnico pode ter facilmente determinado a ultrapassagem destas regras por outras mais perfeitas e actuais; não estando assim o tribunal dispensado, em caso algum, de comprovar a sua adequação ao caso de espécie»[15] [16].

Na ausência de regras escritas, qualquer que seja a sua natureza, o dever de cuidado objetivo é aferível pelo chamado modelo-padrão que consiste em verificar os costumes profissionais, não quaisquer costumes ou hábitos, mas os próprios de um profissional prudente ou, na sua falta, “à personificação da ordem jurídica na concreta situação”[17], isto é, ao cuidado objetivo que a comunidade vê como socialmente adequado[18].

Ora, num campo técnico tão específico, o paciente/lesado, podendo contar com a presunção de culpa do profissional de saúde, apenas terá que provar os demais pressupostos da responsabilidade, com relevo para a ilicitude, cabendo ao médico, para evitar a sua responsabilização, demonstrar que não lhe era exigível outro tipo de atuação, assim afastando de si o nexo de imputação subjetiva.

Na situação que observamos, verificamos padecer a A. de um quadro de doença, proveniente de lesão medular que lhe causa incapacidade de 19% (por dificuldades sentidas, sobretudo, ao nível dos membros superior e inferior direitos).

Foi submetida pelo R. a procedimento cirúrgico, para extirpação de hérnias cervicais, com colocação de cage e discectomia, tendo a espinal medula vindo a ser afetada.

A lesão medular pode proceder da intervenção do R. diretamente sobre a medula óssea ou pode resultar de uma ocorrência posterior, uma vez que a A. sofreu episódio hipotensivo severo com distress respiratório.

As duas hipóteses foram colocadas, permanecendo em aberto a possibilidade de a lesão medular – causa das queixas da A. – ter ocorrido por força da sua reação pós-operatória e, por via disso, não ter sido causada pelo R.

Para que os RR., por esta via, pudessem ser responsabilizados, seria necessário que tivesse sido demonstrada a má prática médica (como sucedeu, por ex., no ac. STJ, de 28.1.2016, Proc. 136/12.5TVLSB.L1.S1, onde se indemnizou lesada que ficou padecendo de 50% de incapacidade, por parésia dos membros inferiores, uma vez que aí se demonstrou que da cirurgia resultou para aquela lesão medular após anestesia epidural).

Não tendo sido efetuada essa prova, a A. propôs um segundo caminho: o da ausência de consentimento informado.

O tema do consentimento é um dos mais interessantes do âmbito da responsabilidade médica e correlaciona-se diretamente com as mais modernas visões dos direitos fundamentais[19] e dos direitos de personalidade.

Seguindo de perto o já exposto pela relatora, noutro local[20], diremos que “Como consequência da objetivação do valor vida e da dignidade do indivíduo, que pode conformar-se a si próprio e orientar a sua vida de acordo com um projeto, surge o direito ao desenvolvimento da personalidade, direito este contido no catálogo dos direitos fundamentais (art. 26.º da CRP). É recente a consagração constitucional deste direito, que é resultado da revisão de 1997. Apesar disso, a Constituição já anteriormente estabelecia, no artigo 1.º, que a República portuguesa se baseia na dignidade da pessoa humana. Este direito tem uma dupla dimensão: a tutela da personalidade, enquanto substrato da individualidade, nos seus diversos aspetos, e a tutela da liberdade geral de ação da pessoa humana.  

(…)

A autodeterminação é também um direito de personalidade, cuja tutela é abrangida pelo direito geral de personalidade do art. 70.º do CC, consistindo na capacidade de a pessoa tomar decisões livres de imposições ou condicionamentos externos, quer estes resultem de uma atividade, quer resultem de uma omissão. O respeito pelo livre desenvolvimento do sujeito e, por conseguinte, pela sua autonomia é uma questão fundamental em todas as relações interpessoais e tem particular incidência na relação médico-paciente, atingindo o seu ponto fulcral no consentimento informado pelo qual se expressa a última palavra deste último no que respeita aos tratamentos ou opções propostas pelo profissional”.

É, pois, de autodeterminação que se trata, e é a violação dessa – por omissão do dever de informação – que origina no sujeito lesado o direito à respetiva reparação deste direito de personalidade.

Por isso, quer a lei portuguesa (cfr., em especial, os arts. 70.º, 81.º e 540.º do CC, bem como o art. 157.º do CP ou o n.º 11 do art. 135.º do Estatuto da Ordem dos Médicos), quer diversos instrumentos internacionais (cfr. o art. 5.º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina – Convenção de Oviedo) exigem, como regra e como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes – por exemplo, através de uma cirurgia, como no caso presente – que estes consintam nessa ingerência; e que o consentimento seja prestado na posse das informações relevantes sobre o acto a realizar, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, sob pena de não poder valer como consentimento legitimador da intervenção (ac. STJ, de 2.11.2017, Proc. 23592/11.4T2SNT.L1.S1).

Também a Declaração dos Direitos dos Pacientes (OMS, 1994) estabelece no seu art. 2.º, quanto ao conteúdo da informação a prestar, que “Os pacientes têm o direito a ser totalmente informados do seu estado de saúde, incluindo os dados médicos que a eles dizem respeito, dos atos médicos considerados, dos riscos e das vantagens que comportam, e das possibilidades terapêuticas alternativas, incluindo os efeitos de uma ausência de tratamento; e do diagnóstico e progressos do tratamento”.

De igual modo, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia cujo art. 3.º estipula:

1. Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade física e mental.

2. No domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados, designadamente: a) O consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei.

Por sua vez, o art. 7.º da Lei n.º 15/2014, de 21 de março (que estabeleceu, já depois da situação dos autos, os direitos e deveres dos utentes dos serviços de saúde) preceitua: 1 - O utente dos serviços de saúde tem o direito a ser informado pelo prestador dos cuidados de saúde sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu estado.

2 - A informação deve ser transmitida de forma acessível, objetiva, completa e inteligível.

Como já referimos, neste caso, caberia ao R. a demonstração do cumprimento integral do dever de esclarecimento que sobre si recaía.

O R. alegou a este respeito, na contestação, o seguinte:

21. Na data de 10.11.2012, em consulta, o Réu explicou pessoalmente à Autora o

diagnóstico clínico actual de doença degenerativa cervical a dois níveis.

22. E indicou o procedimento terapêutico adequado ao estado clínico, a saber:

(1) exerese (ou extirpação) das hérnias C5-C6 e C6-C7 e (2) artrodese da coluna cervical, pela via anterior, com aplicação de cages em C5-C6 e C6-C7.

23. Explicou ainda, como sempre faz, com rigor e detalhe, as implicações, os riscos e as consequências mais frequentes e previsíveis dos procedimentos propostos, bem como as alternativas a eles existentes.

24. Na consulta o Réu explicou detalhadamente o procedimento e a técnica cirúrgica que se propôs realizar, advertindo a Autora expressamente para os riscos da cirurgia.

25. Usando um exemplo ou imagem, que sempre dá, em intervenções desta natureza, do género: a cirurgia tem risco semelhante ao de sofrer um acidente de automóvel numa viagem Porto – Lisboa pela auto-estrada.

26. Significando à Autora que o risco da cirurgia era baixo, mas real e efectivo.

Em retas contas, esta alegação, só por si, não concretiza o que terá sido mencionado à paciente relativamente a riscos e consequências mais frequentes e previsíveis e a alternativas existentes.

Quais as implicações, os riscos e as consequências mais frequentes e previsíveis dos procedimentos propostos?

Que alternativas foram propostas?

O doc. 2 junto com a contestação, subscrito pela A. e intitulado Consentimento Informado… também não responde a estas questões.

Quando aí se afirma foram-me explicadas as implicações, os riscos e as consequências (mais frequentes e previsíveis) destes procedimentos, bem como as alternativas a eles existentes não se denota ter A. sido informada nem esclarecida de modo a poder exercer a sua liberdade e autodeterminação da escolha do que entendia ser melhor para si, nas suas circunstâncias pessoais (jovem mãe de duas crianças pequenas e profissional liberal).

Como se escreve no ac. STJ, de 22.3.2018, Proc. 7053/12.7TBVNG.P1.S1, para situação semelhante de consentimento informado, Do documento de fls. 125 consta a declaração da A. a autorizar a realização do exame de colonoscopia, “estando perfeitamente informada e consciente dos riscos, complicações ou sequelas que possam surgir”. O consentimento, prestado desta forma genérica, não preenche, só por si, as condições do consentimento devidamente informado, concluindo-se que, naquele caso, a perfuração do intestino, por efeito da colonoscopia, em função da maior idade da lesada, deveria ter sido rigorosamente informada, não bastando a prova quanto aos riscos comuns de perfuração.

Ora, a informação escrita, em matéria de consentimento informado, é essencial, sendo a sua ausência, em si, um fator de demonstração da inexistência de consentimento informado: “o requisito da redução a escrito de informações a prestar ao paciente pode ser estabelecido como princípio para a generalidade das intervenções ou especificamente para algumas, em relação às quais se pretende maior rigor no processo de obtenção do consentimento informado e esclarecido. Não deixamos de relembrar aqui o que acima afirmámos relativamente aos direitos gerais dos consumidores quando confrontados com informação «ilegível ou ambígua», em violação do dever de informar «clara, objectiva e adequadamente», sobre a qual se poderá assacar uma responsabilização civil extra-contratual (cf. o citado art. 8.º, n.º 1, 4 e 5, da L 24/96, de 31.7)”[21].

Nesta situação, o documento do consentimento em apreço, única prova efetuada quanto à transmissão da informação (os RR. não impugnaram a matéria de facto dada como provada e não provada), data de 2012, sendo aquele que vimos. O seu teor é, manifestamente, vago e impreciso e, tal como sucederia no âmbito dos deveres de informação ao abrigo das normas relativas às cláusulas contratuais gerais, não cumpre requisitos mínimos de densidade e extensão de informação para que possa considerar-se válido.

Cremos que, se fosse hoje, teria certamente outro conteúdo.

Mas vejamos.

A sentença, ao efetuar a apreciação jurídica dos factos, no que ao consentimento informado respeita, limitou-se a avaliar este segmento sob o ponto de vista da transmissão da informação sobre o risco, afirmando: Levando em conta esta interpretação das normas legais, a pergunta que se coloca no caso concreto é se o réu estava obrigado a informar a autora, antes da cirurgia, do risco da ocorrência da lesão medular (p. 37), para concluir não ter sido violado o dever de informação por considerar não ter de ser transmitido ao paciente um risco de lesão decorrente de uma intervenção cirúrgica na ordem dos 0, 2% a 3%.

Esta solução é questionável por duas razões:

- não tendo sido dado como provado facto algum acerca da transmissão de qualquer informação pelo R. à A., sequer o teor do doc. 2 (a antiga redação do ponto 55 era absolutamente despicienda), que só agora foi introduzido na factualidade, como pode dar-se como demonstrado o cumprimento do dever de informação pelo médico e a existência de consentimento informado pela A.?

Dito de outro modo: sendo o fundamento da ação de responsabilidade civil (em caso de não demonstração da negligência médica), a violação do informed consent não se tendo dado como provado facto algum acerca deste e do correlativo cumprimento do dever de informação, como pode o julgador concluir ter este sido cumprido?

- também a menção à ausência do dever de informar “riscos residuais, pouco frequentes ou incomuns” não é um dado isento de dúvida.

Sobre a extensão do dever da informação relativamente aos riscos consolidaram-se diversas teorias, como a tradicional, dita dos riscos significativos, segundo a qual existe apenas a obrigação de comunicar aos pacientes os “riscos normais e previsíveis” ou “a prever razoavelmente” (A. Pereira, O Direito…, p. 425).

Mesmo para esse setor, os riscos previsíveis podiam dizer respeito à necessidade de intervenção terapêutica, à frequência da concretização do risco, ou sua gravidade (“a gravidade de um risco, mesmo não frequente, conduz à obrigação da sua comunicação”), o que levou os tribunais franceses, no final da década de 90, a impor a informação de riscos graves, ainda que hipotéticos ou de frequência excecional, como sucedeu no famoso arrêt da Cassation, de maio de 1998, tendo posteriormente o legislador francês publicado a lei de 4.3.2012 (art. 1111 – 2 do Code de la santé), que teve em vista sintetizar as evoluções jurisprudenciais nesta matéria, e que determina dever o médico informar dos riscos frequentes ou graves normalmente previsíveis, não sendo a frequência estatística do risco que importa, mas a sua gravidade. Graves são, então, os riscos de natureza adequada a ter consequências mortais, invalidantes ou mesmo estéticas graves tendo em conta as suas repercussões psicológicas e sociais, de modo que a doutrina tem aí considerado dever o médico informar o doente de riscos graves, mesmos excecionais, pois a obrigação de informação é uma “obrigação de meios”[22].
Também na Alemanha se tem considerado dever o paciente ser informado do risco mais grave relativo à intervenção a que se vai submeter.
Segundo informa A. Pereira, cit., p. 435, “Laufs defende que o médico deve informar os riscos raros, quando no caso de estes se verificarem, a vida do paciente resulte gravemente prejudicada e apesar de serem raros são específicos daquela concreta intervenção”.

No campo dos procedimentos cirúrgicos, o conteúdo da informação deverá ser, naturalmente, mais extenso do que noutro tipo de tratamentos menos invasivos.

Melissa Hanson et alt.[23] referem que, neste âmbito, se impõe ao cirurgião informar o paciente acerca da natureza da cirurgia, dos benefícios esperados, dos riscos materiais e efeitos adversos, tratamentos alternativos e consequências da não realização da cirurgia.

Se a procedimento se operar na espinal medula, essa informação deverá ser, ainda, mais detalhada.

No Reino Unido, depois da chamada decisão Montegomery, de 2015[24], mediante a qual o Supremo britânico colocou fim ao paternalismo médico, impondo que a prestação de informação sobre o risco, em procedimentos cirúrgicos, passasse a ser vista da perspetiva do doente e não do médico, tornou-se claro que para as cirurgias que tivessem por objeto a medula, sendo acompanhadas por riscos neurológicos, a questão do consentimento e da informação adequada era essencial.

Reconheceu-se, por isso, que a informação a fornecer pelo cirurgião deveria incluir, desde logo, a menção aos tratamentos alternativos, mas também a indicação dos benefícios e dos riscos, não apenas em termos de percentagem, mas “num formato que respeitasse os valores do paciente quanto ao que para o mesmo importava”, subordinando-se a extensão da informação – para o caso específico das cirurgias à espinal medula – aos seguintes aspetos[25]:
1) Os riscos que devem ser transmitidos ao paciente são aqueles que, uma vez por este conhecidos, influenciem a sua decisão de se submeter à cirurgia, o que incluiria o riscos comuns e pouco importantes, como hematoma, mas também os riscos raros e sérios, tal como as lesões medulares[26].
2) O cirurgião deverá ter em conta o paciente individual: uma mãe solteira pode ter uma visão inteiramente diferente de um polícia reformado.
A questão do consentimento em spine surgery foi também tratada na Irlanda[27], reconhecendo-se os riscos inerentes a estes procedimentos:
In spine surgery, where treatment options can involve life-altering risks, a patient’s understanding of outcomes of surgery, non-surgical options and risks will naturally influence their final decision. When a patient does not have this level of understanding, the informed consent process has not been adequate. Failure in obtaining informed consent, in particular a lack of information about risks and alternative options, is one of the most common causes for litigation within the speacialty of spine surger[28].

         Vemos, assim, que é profusa a doutrina e a jurisprudência relativa ao consentimento informado na área da cirurgia à coluna e que, no tocante à informação, estão sempre presentes dois temas: o das terapêuticas alternativas e o da transmissão dos riscos graves ou sérios, ainda que raros, como é o caso da lesão medular.

A lesão medular é, de facto, um risco conhecido e, apesar de ocorrer em situações limitadas, tem efeitos extensos e, por isso, surge tratada também extensamente na literatura, como o R. ilustrou quando juntou o artigo médico de fls. 1215, aí afirmando então: “No plano científico, e demonstrada que está a existência de um episódio hipotensivo severo no pós operatório imediato, cumpre sinalizar que são múltiplos os trabalhos científicos publicados nas mais relevantes revistas científicas que desde há muitos anos reconhecem a hipotensão como uma causa de lesões isquémicas medulares.

Servem como exemplo, entre diversos outros: • Neuroradiology (2002) 44:851-857; • J Clin Neurosciences (2015) doi.org/10.10167; • Society of General Internal Medicine (2007) 22:151-154; • Spine (2007) 12;6:197-202; • American Journal of Neuroradiology (2015) 36:825-830;• JAMA Neurology (2018) doi:10.1001/jamaneurol.2018.2734; • Neuroradiology doi: 10.1007.s00234-014-1464.6”.

Ora, no caso, a A. queixava-se de dor na omoplata, irradiando ao longo do membro superior, a qual interferia na sua qualidade de vida. Não consta que a A. tivesse, por via disso, deixado de trabalhar. Sabe-se que tinha dois filhos, um com 6 anos e outro com um ano. É de admitir que, sabendo do risco de lesão medular, a mesma tivesse ponderado mais profundamente sobre a necessidade da intervenção. Recorde-se que a consulta com o R. ocorreu na primeira quinzena de novembro, tendo a cirurgia tido lugar logo a 19.11, tendo o R. informado a A. que, em 15 dias, estaria apta a retomar o trabalho no escritório (esteve, todavia, totalmente incapacitada durante 526 dias).

Não está demonstrado ter-lhe sido explicada a existência de alternativas à cirurgia à coluna. Se as havia, não sabemos, porque nada ficou provado quanto a isso (apenas que a fisioterapia e a medicação anteriores não ajudaram).

Tendo a intervenção cirúrgica por campo a coluna vertebral e sendo a lesão da medula – traumática ou isquémica – um risco absolutamente conhecido e com consequências sérias e graves, como pode afirmar-se não caber ao cirurgião a obrigação de disso informar aquela mãe?

Como vimos, a tendência atual é a de considerar compreendida na informação a prestar pelos médicos a indicação de riscos que, mesmo raros, sejam conhecidos, desde que estes ponham em causa a vida ou a integridade física de forma séria, como sucede quando daí resulta incapacidade de 19%.

Estamos, por isso, certos não ter o R. cumprido aquela obrigação ou, pelo menos, não ter disso feito prova.

O consentimento prestado pela A. não foi assim esclarecido.

Ora, como se refere no ac. STJ, de 2.11.2017, Proc. 23592/11.4T2SNT.L1.S1, «Não estando provado que a autora só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informada quanto aos respectivos riscos, porque, se tivesse sido, não a teria aceitado, a perspectiva jurídica que se nos afigura correcta é antes a de determinar se deve ser ressarcido o concreto dano consistente na perda da oportunidade de decidir correr o risco da lesão do nervo e das suas consequências; perda de oportunidade que, em si mesma, é um dano causado pela falta de informação devida, em abstracto susceptível de ser indemnizado, e cuja protecção tem como sustentação material o direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da Constituição e artigo 70º, nº 1 do Código Civil). No seu conteúdo inclui-se, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas (cfr. nº 2 do artigo 70º e artigo 81º do Código Civil)».

Apurada está, assim, a responsabilidade médica.
Quanto aos danos a ressarcir, André Pereira (Direitos…, p. 459) explica: “Se a intervenção médica for arbitrária, porque não se obteve consentimento ou se obteve um consentimento viciado (por falta de informação adequada), devemos distinguir duas situações: na primeira, verifica-se uma intervenção médica sem consentimento (ou com consentimento viciado), mas sem quaisquer danos (corporais), ou seja, sem qualquer agravamento do estado de saúde do paciente; na segunda, a intervenção é arbitrária e não obteve êxito, ou verificaram-se riscos próprios da operação, ou provocou consequências laterais desvantajosas”.
Na primeira situação, o bem jurídico protegido é a liberdade de decisão, havendo lugar a indemnização por danos não patrimoniais (cit., ps. 459 e ss.);
Na segunda situação, os bens jurídicos protegidos são a liberdade e a integridade física e moral, pelo que “serão assim ressarcíveis não só os danos não patrimoniais causados pela violação do seu direito à autodeterminação e à liberdade, mas também por violação da sua integridade física (e, eventualmente, da vida) (arts. 70.º e 483.º CC), bem como os danos patrimoniais derivados do agravamento do estado de saúde” (cit., pág. 465);
“Assim sendo, o montante das indemnizações resultantes de um processo de responsabilidade por violação do consentimento informado pode ser tão elevado como os casos de negligência médica” (p. 465).
Esta posição foi também a adotada no ac. do STJ, de 22.3.2018, Proc. 7053/12.7TBVNG.P1.S1.
Na situação que nos ocupa, ocorre a segunda hipótese, pois a intervenção não foi devidamente consentida e teve consequências físicas graves: a lesão medular.
São, por isso, ressarcíveis os danos patrimoniais e não patrimoniais.
Os danos patrimoniais alegados e os que ficaram provados:
a) - da empregada doméstica, apurou-se o que consta do ponto 50.º, não se tendo demonstrado o gasto efetivamente tido com a mesma e o que virá a suportar a esse título.
A A. teve necessidade de contratar uma empregada doméstica, após a cirurgia, posto que as lesões de que ficou padecendo, maxime ao nível dos membros superiores, lhe trazem dificuldades acrescidas na concretização das tarefas diárias. A limitação física em causa é de 19%.
O INML fixou em 526 dias (de 19.11.2012 e 28.4.2014) o período de défice funcional total (correspondente aos períodos de internamento e/ou repouso absoluto, entre outros). A previsão do R. para recuperação da cirurgia seria de 15 dias (ponto 8.º), caso não tivesse sucedido o episódio descrito.
Sendo, assim, é devido o pagamento total da remuneração do serviço prestado por empregada doméstica, desde 4.12.2012 (15 dias após a cirurgia) a 28.4.2014.
Os doc. de fls. 74 a 91 (docs. 16 a 31 juntos com a pi) referem-se apenas às prestações pagas à segurança social e não ao salário recebido pela empregada. Daqueles valores à SS, os RR. pagarão a totalidade até abril de 2014 (inclusive) e 19% das contribuições, desde então.
A A. necessitou de empregada de empregada doméstica, desde 29.4.2014 e enquanto padecer da incapacidade apurada, face às limitações que sente. Porém, nesta altura o défice funcional já não foi, nem é, total, razão porque se impõe aos RR. indemnizar a A. em 19% do valor pago a título de retribuição salarial da empregada doméstica contratada (e contribuições à SS). Desde então, e enquanto a A. sofrer da incapacidade mencionada, é-lhe devida indemnização pelo valor correspondente a 19% do que pagar a empregada doméstica (e SS), pois é esta a incapacidade de que padece.
Nos termos dos arts. 564.º CC e 609.º CPC, esse apuramento será efetuado em incidente posterior.
b) A A., contabilista de profissão, contratou terceira empresa, à qual pagou para realizar por si o serviço de contabilidade que lhe cabia, o que sucedeu até 25.7.2015.
O serviço em apreço deverá ser suportado pelos RR., desde 26.3.2013 (data da primeira fatura paga à D...) até à data da consolidação médico-legal das lesões, 28.4.2014, não sendo devidos os valores pagos a tal título a partir daí. Assim, é devida a este título a quantia de € 6.888, 00.
Depois da data de 28.4.2014, será devida a A. a indemnização pela perda da capacidade de ganho, não se impondo qualquer indemnização pelo que eventualmente despenda com a ajuda de terceira pessoa no escritório (situação não demonstrada) por força do trabalho de contabilidade.
c) Cabe-lhe, igualmente, indemnização pelas despesas médicas e medicamentosas, no valor de € 6.087, 73, bem como com fisioterapia e hidroterapia e despesas que realizou e realizará, acima descritas em 49.º. Acrescem as despesas com deslocações (pontos 54.º e 63.º) efetuadas e aquelas que efetuará para fisioterapia.
O ainda não apurado será determinado em incidente de liquidação posterior.
d) A A. recebia, ainda, € 575, 00/mês (ponto 53.º), segundo alega, pela realização de um serviço em part-time.
Não resulta que tal valor fosse pago catorze vezes por ano, pelo que lhe é devida a quantia correspondente àquele período de incapacidade total (desde 4.12.2012 a 28.4.2014), no montante de € 9.775, 00 (17x€ 575, 0).
e) O dano biológico:
Este dano não é um dano laboral mas um dano de natureza geral, a que corresponde a denominada incapacidade permanente geral, correspondente à afetação definitiva da capacidade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussões nas atividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivo, a qual não tem sequer expressão em termos de incapacidade para o trabalho apenas exigindo ao autor esforços acrescidos nesse domínio.
Em todo o caso, no cálculo do mesmo é usual atender-se ao rendimento laboral do lesado que tenha sido apurado.
No caso, atenta a ausência de elementos para fixar o recibo pela profissão de contabilista, lançaremos mão do apurado em 62.º, quanto aos valores declarados em sede de IRS, nos anos de 2012 e 2013 (€ 3.635, 77+€ 22.223, 70+€ 6.059, 62+€ 16.074, 50:24), numa média arredondada de € 2.000, 00/mês, durante doze meses.
Conforme decisão relatada pela relatora do presente acórdão, datada de 7.12.2018, Proc. 2738/16.1T8PNF.P1:
«A valorização deste dano e os critérios de fixação da respetiva indemnização não dispensam um ponto de partida mais ou menos seguro e que consiste no apuramento dos rendimentos que o lesado recebe na sua ocupação normal ou previsível e determinar qual o período futuro de vida útil que ainda teria.
Tradicionalmente, os tribunais têm-se socorrido de diversos critérios para o cômputo desta indemnização, embora se perceba que “o cálculo destes danos é uma operação delicada, de difícil solução, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. Por isto é que este tipo de danos deve ser calculado segundo critérios de probabilidade ou de verosimilhança, de acordo com o que, em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exato, o tribunal deverá julgar, segundo a equidade.
Já se utilizou um critério de capitalização do salário, através da atribuição de um capital cujo rendimento, calculado com base na taxa média e líquida de juros dos depósitos a prazo, fosse equivalente ao rendimento perdido.
Também é vulgar elaborar-se um cálculo baseado em tabelas financeiras, método que assenta em duas condicionantes, uma relativa à duração da vida ativa do lesado e outra à taxa de juros líquida (que se aceita hoje, geralmente, de 5%).
Por vezes utilizam-se regras do direito do trabalho usadas no cálculo das pensões por acidente de trabalho ou capital por remição.
Estes critérios não devem ser aplicados mecanicamente mas podem servir como orientação geral ou elemento operativo no âmbito da tarefa da fixação da indemnização sujeita à correção imposta pelos circunstancialismos da cada caso mas sempre tendo por pressuposto que “a quantia a atribuir ao lesado o há-de ressarcir, durante a sua vida laboralmente útil, da perda sofrida e mostrar-se esgotada no fim do período considerado”.
Destarte, faremos, numa primeira fase, uma abordagem ao problema da fixação da indemnização por meio de simples cálculo matemático.
Refira-se que a tendência em termos de direito comparado é a de fixar tão apriorística e rigorosamente quanto possível os elementos de cálculo deste tipo de indemnização, não só para possibilitar soluções de consenso extrajudicial mas também para evitar casos de injustiça relativa que resultam da diversidade de critérios que se adotam nos diferentes fóruns judiciários, tendência que, quanto a nós, será inteiramente de aplaudir de iure condendo.
Lançaremos mão da equação matemática já utilizada em arestos jurisprudenciais que se expõe da seguinte forma:

C = (1+ i)N – 1 x P   (1+I)N x i

Nesta equação C representa o capital a depositar logo no primeiro ano, P, a prestação a pagar anualmente e i, a taxa de juro que se fixa em 5% e N, o número de anos de vida ativa que o sinistrado terá».
Já considerando os dados do caso presente, temos que a A. tinha 40 anos à data da consolidação das lesões.
A esperança média de vida em 2014, para indivíduos do sexo feminino, era de 83[29], assim considerando uma expetativa de vida de 43.
É esta expetativa de vida a ter em conta, uma vez que, como vimos, o dano biológico não se cifra apenas na perda da capacidade aquisitiva, abrangendo a perda funcional, a capacidade de utilizar o corpo na sua plenitude, o que pressupõe todo o percurso de vida do lesado.
Temos, pois, uma perda patrimonial anual de € 4.560, 00 [(€2.000, 00x12)x19%].
Lançando mão do cálculo decorrente da equação mencionada, teríamos o seguinte:

1 + 0.05

            C =        (1 + 0.5%)43 - 1             x € 4.560, 00

                          (1 + 0.5%)43 x 0.5%
= € 176.040, 00.

O valor que se fixa, a este título, é, assim, de € 176.040, 00, a que se subtrai o valor de €  11.903, 44, recebido pela A. a título de subsídio de doença, resultando o montante de € 164.136, 56, quantia superior ao pedido neste tocante (que foi de € 154.427,00), por o limite do pedido (art. 609.º, n.º 1, CPC) apenas operar para a totalidade deste[30].
Resta a ponderação dos danos não patrimoniais que, sendo graves (arts. 496.º, n.º 1, CC), merecem adequada compensação, que deverá ter em conta a natureza do ilícito, a extensão dos prejuízos e o facto de também por eles responder seguradora.
Assim, consideraremos ter a A. 38 anos à data dos factos, ser então mãe de dois filhos pequenos, ter ficado impossibilitada durante largo período de tempo de deles cuidar adequadamente por força da recuperação difícil em resultado das complicações cirúrgicas e da perda de força muscular no braço e na perna direitos, ter um quantum doloris de 4/7 e dano estético de 1/7, 19% de défice funcional, com repercussão de 1/7 nas atividades desportivas e de lazer, ter tido quadro depressivo major e manifestar dificuldades intelectuais e na realização de tarefas quotidianas, sentindo-se triste e irritável, continuar a sentir dores, tal como sucedia antes da cirurgia (nomeadamente nos dedos, irradiando para o cotovelo, braço, omoplata e coluna). Viu coartada a sua possibilidade de escolha pela não realização da cirurgia, ao não haver sido informada da possibilidade de lesão medular e sua consequências.
Importante é também ponderar outros valores que foram fixados em decisões judiciais a este respeito:
- Em 19-1-2012, no proc. 817/07 foi fixada a quantia de 40.000,00 para um sinistrado de 16 anos com 30% de IPG;
- Em 9-2-2012, foi fixada a quantia de 50.000,00 para um sinistrado de 37 anos com 35% de IPG;
- Em 16-2012, no proc. 1043/03 foi fixada a quantia de 200.000,00 para um sinistrado de 51 anos com 100% de IPG;
- Em 6-3-2012, no proc. 7140/03foi fixada a quantia de 40.000,00 para um sinistrado de 20 anos com 5% de IPG;
- Em 24-4-2012, no proc. 1496/04 foi fixada a quantia de 65.000,00 para um sinistrado de 43 anos com 35% de IPG;
- Em 20-11-2019, no proc. 107/17 foi fixada a quantia de 20.000,00 para um sinistrado de 17 anos com 2% de IPG;
- Em 18-10-18, no proc. 3643/13 foi fixada a quantia de 40.000,00 para um sinistrado de 29 anos com 21% de IPG;
- Em 5-7-2017, no proc. 4861/11 foi fixada a quantia de 140.000,00.000 para um sinistrado de 43 anos e uma IPG de 53%;
- Em 10-12-, no proc. 34/14 foi fixada a quantia de 60.000,00 para um sinistrado de 21 anos com 19% de IPG;
- Em 29-4-2021, no proc. 2648/18 foi fixada a quantia de 60.000,00 € para um sinistrado com 56 anos e IPG de 22%.
Por tudo quanto ficou exposto, considera-se adequada a quantia de €35.000,00, que se coaduna com os danos apreciados e valores jurisprudenciais fixados.
Acrescem juros de mora sobre os valores já liquidados, desde a citação, sendo os relativos à indemnização pelo dano biológico e pelos não patrimoniais apenas devidos desde a presente decisão porque agora atualizados (AUJ 4/2002).
Nos termos do art. 5.º das condições gerais de contrato de seguro, a Ré seguradora não responde pelos valores fixados em função da paralisação da atividade pela A. fixado supra em d) e pelo dano biológico, fixado supra em e).
Quanto aos danos materiais, haverá que contar com a franquia de 10%, esta a cargo do R.


Dispositivo
Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
- condenam-se os RR. a pagar à A. o valor pago por esta a empregada doméstica (e segurança social), desde 4.12.2012 a 28.4.2014, e desde 29.4.2014 e enquanto a mesma sofrer de incapacidade, o correspondente a 19% do que pagou e vier a pagar de salário a empregada doméstica e segurança social, valores estes a apurar em incidente de liquidação posterior. Quanto à Ré, haverá que descontar a franquia de 10%.
- condenam-se os RR. a pagar à A. a quantia de € 6.888, 00, com juros moratórios legais, desde a citação e até integral pagamento. Quanto à Ré, haverá que descontar a franquia de 10%.
- condenam-se os RR. a pagar à A. a quantia de € 6.087, 73, com juros moratórios legais, desde a citação e até integral pagamento. Quanto à Ré, haverá que descontar a franquia de 10%.
- condenam-se os RR. a pagar à A. a despesas que efetuou e venha a efetuar, relativamente ao supra provado em 49, 37.º, 54.º e 63.º, a apurar em incidente posterior de liquidação. Quanto à Ré, haverá que descontar a franquia de 10%.
- condena-se o R. a pagar à A. a quantia de € 9.775, 00, com juros moratórios legais, desde a citação e até integral pagamento.
- condena-se o R. a pagar à A. a quantia de € 164.136, 56, com juros de mora legais desde o presente momento e até integral pagamento.
- condenam-se os RR. a pagar à A. a quantia de € 35.000, 00, com juros de mora legais, desde o presente momento até integral pagamento.
Absolvem-se os RR. do demais peticionado.

Custas por A. e RR., fixando-se a participação de cada um em 10% para a A., 60% para o primeiro R. e 30% para Ré, sem prejuízo do que se apurar posteriormente quanto aos valores a liquidar.



Porto, 19/2/2024
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
Eugénia Cunha
____________________
[1] Correspondentes aos factos atualmente constantes na sentença em 57 a 63.
[2] Cfr. correção operada no acórdão de 6.5.2019.
[3] Correção também introduzida por aquele acórdão de maio de 2019.
[4] 1. A parésia dos membros direitos e foco de sofrimento medular direito em C5-C6 podem resultar de um acidente isquémico-medular? 4. Do episódio hipotensivo severo, ocorrido no período pós-operatório, podem resultar lesões isquémico-medulares por hipoperfusão?
[5] ALARCÃO, Rui, Direito das Obrigações, pág. 201.
[6] ALARCÃO, Rui, Direito das Obrigações, pág. 208.
[7] Os casos em que a obrigação de indemnizar não depende de culpa – responsabilidade pelo risco ou aquiliana – são excepcionais e tipificados, como resulta do nº2 do artº 483º do CC, não se tratando neste âmbito por, no caso de erro médico, não ser esse o espaço de responsabilidade que quadra à situação, baseada na culpa, como veremos infra.
[8] Ac. RP, de 7.3.85, CJ, II, 212 e, ainda, Ac. RC, de 15.3.83, CJ, II, 15.
[9] V.g. O Estatuto do Médico (DL 373/79, de 8.), o Estatuto Hospitalar (DL 48357, de 27.4.68). Sobre os demais diplomas, Cfr. PEREIRA, André Gonçalo, “Breves notas sobre a Responsabilidade Médica em Portugal, Revista Portuguesa do Dano Corporal (17), 2007, págs. 11-22.
[10] Se o médico atua depois de ser procurado pelo doente em situação de oferta dos seus serviços, por ex., no seu consultório particular, existe aí um encontro de vontades com vista à produção de um efeito jurídico. O contrato em causa, consensual (porque não sujeito a forma – art. 219.º CC), tem um cunho pessoal (existe, em princípio, uma escolha do médico pela confiança que inspira), é, em regra, de execução continuada (não se esgota num único ato, porquanto, desde o diagnóstico até à concretização terapêutica medeiam, geralmente, vários atos), e é, normalmente, oneroso, podendo considerar-se um contrato de prestação de serviços como definido no art. 1154.º do Código Civil.
[11] Em Erro em Medicina, apud Rodrigues, Álvaro da Cunha Gomes, “Responsabilidade Civil...” cit., pág.4.
[12] “Negligência e Erro Médico, Boletim da Ordem dos Advogados, nº 6, pág. 12-14, citado por Álvaro da Cunha Gomes, “Responsabilidade Civil...” cit., pág.5.
[13] Cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pág. 363.
[14] Fig. Dias, Ibidem.
[15] Dias Figueiredo, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, pág. 643.
[16] “Em definitivo, a existência de uma falha técnica ou a infracção das legis artis, implicará a ponderação sobre a violação do dever objectivo de cuidado, cujo conteúdo material deve ser extraído pelo juiz, a quem compete em último termo efectuar as valorações pertinentes com base nas circunstâncias fácticas, sem que ao realizar as suas apreciações deva pronunciar-se sobre a bondade de um tratamento em si mesmo, a favor ou contra a orientação de determinada escola, com o fim de não vulnerar a liberdade de método” – Casabona, Carlos, La Actividad Curativa (Licitud y responsabilidad penal), pág. 240.
[17] Expressão de Kaufmann, citado por Fig. Dias, ibidem, pág. 644.
[18] REYS, Lesseps Lourenço dos, in “Responsabilidade Civil dos Médicos, RFML, Série III, Vol. 5, nº 5, pág. 308, refere que “leges artis corresponde aos que os ingleses designam de medical standard of care e os franceses des soins aux donnés acquises de la science”.
[19] Integrando a chamada Bioconstituição, expressão que João Loureiro considera compreender as normas formal e/ou materialmente constitucionais que têm como objeto ações ou omissões do Estado ou dos privados e centradas sobretudo na tutela da vida, da identidade e da integridade pessoal e da saúde humana, atual ou futura. O princípio da autonomia, entendida como auto-determinação ético-existencial (é livre aquele que assume a responsabilidade da sua própria vida), no sentido proposto por Habermas e Rawls, tem como primeira dimensão o princípio do consentimento esclarecido ou informado, contra o paternalismo médico - Les Principes de La Bioconstitucion, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 75 (1999), p. 433-473.
[20] COGITO ERGO (NON VOLLEO) SUM. Reflexões em torno das ações por nascimento e por vida indevidos, p. 32, em Cogito Ergo (Non Volleo) Sum.pdf (rcaap.pt)».
[21] João Vaz Rodrigues, O Consentimento Informado para o Acto Médico no Ordenamento Jurídico Português, 2001, p. 245 e 248.
[22] V. Tafiin, L’obligation d’0information sur les risques exceptcioneles, Revue du Praticien, tomo 17, janvier, 2003, em mg_61?_raffin (brg-avocats.fr)
[23] Hanson M, Pitt D. Informed consent for surgery: risk discussion and documentation. Can J Surg. 2017 Feb;60(1):69-70. doi: 10.1503/cjs.004816. PMID: 28234594; PMCID: PMC5373748.
[24] Disponível em Montgomery (Appellant) v Lanarkshire Health Board (Respondent) (supremecourt.uk)
[25] Cfr. Todd, N. V.; Birch, N. C. (2019). Informed consent in spinal surgery. The Bone & Joint Journal, 101-B(4), 355–360. doi:10.1302/0301-620X.101B4.BJJ-2018-1045.R2, onde se citam decisões judiciais inglesas relativas à ausência de consentimento informado em casos de dano ocorrido em cirurgia à espinal medula, nos quais é visível ser a transmissão do risco de outcomes adversos não apenas relativa à possibilidade da sua ocorrência, mas ao interesse e caraterísticas do paciente. Uma dessas situações (Hassell v Hillingdon Hospitals NHS Foundation Trust [2018] EWHC 164) retrata paciente que se queixava de dores decorrentes de problemas nas vértebras cervicais, enfatizando que o mesmo continuava a trabalhar, apenas com limitações no movimento do pescoço e algumas dores. O cirurgião recomendou uma descompressão cervical anterior C5-6, mais uma artroplastia de disco ou uma fusão. O doente não estava informado sobre alternativas à cirurgia e não houve aviso prévio de lesão medular. O doente acordou tetraplégico. Uma ressonância magnética pós-operatória mostrou danos na medula espinal. O tribunal considerou que a falta de menção desse risco e de alternativas à cirurgia impedia a demonstração do consentimento do paciente.
[26]“All material risks of surgery must be explained including common, but usually not severe or permanent, complications (such as superficial wound infection) plus severe complications (such as spinal cord injury) even if that complication is rare” (tradução nossa: Todos os riscos materiais da cirurgia devem ser explicados, incluindo complicações comuns, mas geralmente não graves ou permanentes (como infeção superficial da ferida) e complicações graves (como lesão da medula espinhal), mesmo que essa complicação seja rara). Nicholas V. Todd; (2021). Failed consent in spinal surgery again. Minimum standards for consent must be adopted by all surgeons . British Journal of Neurosurgery, (), –. doi:10.1080/02688697.2020.1866746.
[27] F. Newsome, J.M. McDonnell, M. Macken , K. Clesham , S. Morris , G. Cunniffe , J.S. Butler, Barriers to consent in spine surgery, The Spine Journal 22 (2022) 1073−1078, em Barriers to consent in spine surgery (thespinejournalonline.com)
[28] Na cirurgia da coluna, onde as opções de tratamento podem envolver riscos que alteram a vida, a compreensão do paciente dos resultados da cirurgia, opções não cirúrgicas e riscos influenciará naturalmente a sua decisão final. Quando um paciente não tem esse nível de compreensão, o processo de consentimento informado não foi adequado. A falha na obtenção do consentimento informado, em particular a falta de informação sobre os riscos e opções alternativas, é uma das causas mais comuns de litígio no âmbito da especialidade de cirurgia da coluna vertebral (tradução nossa).
[29] Cfr. Portugal: Esperança de vida à nascença: total e por sexo (base: triénio a partir de 2001) | Pordata
[30] Cfr. v.g. Ac. STJ, de 25.3.2010, Proc. 1052/05.2TTMTS.S1:Os limites da condenação contidos no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, sendo esta a orientação assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos, componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada.