Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1215/22.6T8AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MORAIS
Descritores: INEPTIDÃO DE REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP202402191215/22.6T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ainda que se trate de um mecanismo marcado pela simplicidade e celeridade, no procedimento de injunção, em obediência ao princípio do dispositivo, vigente no processo civil, recai sobre a Autora/Requerente o ónus de alegação dos factos essenciais nos quais alicerça a sua pretensão.
II - Não constando do requerimento de injunção os factos essenciais, é o mesmo inepto por ausência de causa de pedir com a consequente verificação da excepção dilatória, de conhecimento oficioso, de nulidade de todo o processo.
III - Não tendo a excepção sido suscitada pelas partes, o Tribunal, previamente à sua apreciação, deve observar o princípio do contraditório.
IV - Tendo o requerimento de injunção com a fórmula executória servido de base a um processo executivo para pagamento de quantia certa, julgada procedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processo de injunção com fundamento na ineptidão do requerimento respectivo, dessa nulidade deriva a inexistência de título executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1215/22.6T8AGD-A.P1

Acordam os Juízes da 5ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Morais

Primeira Adjunta: Teresa Maria Sena Fonseca e

Segunda Adjunta: Maria de Fátima Almeida Andrade

I_ Relatório

Por apenso à execução intentada pela Exequente AA, a Executada/Embargante (BB deduziu os presentes embargos e oposição à penhora, pedindo que:

a. seja “julgado procedente o incidente de nulidade de citação” e declarada a “nulidade da notificação do requerimento de injunção”;

b. sejam anulados todos os actos subsequentes à apresentação do requerimento de injunção;

c) seja declarada extinta a execução, por falta de título executivo exequível;

d) seja declarada a prescrição dos créditos reclamados;

e) se proceda ao “levantamento da penhora do bem imóvel (…), do saldo bancário e do vencimento da Executada”;

h) seja absolvida a “embargante do pedido exequendo” e declarada extinta a execução;

i) seja a Exequente condenada no pagamento das custas e encargos a que deu origem.

Alegou a Embargante, em síntese, que:

i. a execução tem como título um Requerimento de Injunção ao qual foi aposto fórmula executória que é nulo com fundamento no não cumprimento das formalidades referentes à notificação da Executada para os termos da IAOnjunção;

ii. não tendo tomado conhecimento do Requerimento de Injunção ao qual foi posteriormente aposta a fórmula executória, foi impossibilitada de apresentar a sua defesa, devendo ser declarada nula a execução, bem como o processo de injunção que lhe subjaz, nos termos do artigo 195°, n.º 2, do CPC, e ao abrigo do disposto no art. 191.º, n. º1, do CPC, ser declarada a nulidade de todos os actos posteriores à apresentação do Requerimento de Injunção e extinta a execução, por falta de título executivo, em virtude de este não ter sido regularmente constituído, sendo inválido e, consequentemente, inexequível;

iii. a oposição mediante embargos deduzida em execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória não está limitada aos fundamentos enunciados no art. 857º, nº1, do CPC.

iv. no requerimento de injunção, a exequente alegou que o valor em dívida se refere a um contrato de mútuo e a honorários referentes a serviços prestados em 31.10.2006, a que a executada se obrigou a reembolsar em prestações, no prazo máximo de um ano, ou seja, 31.10.2007, tendo decorrido mais de 16 anos desde a data do requerimento de injunção. As prestações mensais devidas pelo mutuário encontram-se prescritas, ao abrigo do disposto no artigo 310º, alínea e), do Código Civil, por estarmos perante quotas de amortização. O crédito referente a honorários também se encontra prescrito, nos termos do disposto no artigo 317, alínea c), do Código Civil, por ter decorrido um período superior a dois anos desde a data da prestação do serviço. As referidas prestações e juros reclamados encontram-se prescritas nos termos do artigo 310º, alínea e), do Código Civil, por estar ultrapassado o prazo de cinco anos contado desde a alegada obrigação de restituir, nos termos do artigo 310º, alínea e), do Código Civil.

iv. negou ter celebrado um contrato de mútuo com a Exequente e rejeitou estar em dívida qualquer quantia a título de honorários, referindo desconhecer o crédito de que a exequente se arroga titular.

v. no que toca à oposição à penhora, alega que se encontra penhorado o prédio urbano composto por casa de habitação de rés do chão e 1.º andar, sito na Rua ..., lugar ..., Freguesia ..., Concelho de Anadia, que constitui a sua casa morada de família, no valor de €137.148,10, sendo a penhora desse bem desproporcional face ao valor da quantia exequenda - €11.966,15 -, violando o princípio da proporcionalidade.

1.1_Admitidos liminarmente os embargos de executado, foi notificada a Exequente para apresentar contestação.

1.2_ A Embargada apresentou contestação, alegando, em suma, que aquando da entrada em juízo do procedimento de injunção de onde resulta o título executivo, a Secretaria do então Tribunal Judicial de Anadia procedeu à notificação dos requeridos, em cumprimento dos artigos 12º e 13º do Decreto-Lei nº32/2003, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº107/2005, não tendo estes deduzido oposição ao requerimento injuntivo, nem procedido ao pagamento da quantia exequenda. Nessa sequência, o Secretário de Justiça apôs a fórmula “este documento tem força executiva”, no requerimento de injunção.

Assim, nos termos do artigo 703º, nº1, alíneas b) e d), do CPC, o Requerimento de Injunção constitui título executivo, pelo que os presentes embargos constituem uma verdadeira inutilidade por se encontrar precludido o exercício para a apresentação da Oposição ao Requerimento da Injunção – artigo 12º, nº1, do DL 32/2003 -, razão pela qual não responde às excepções deduzidas nos embargos.

1.3_ Em 2/3/2023, foi proferido o seguinte despacho:

Atendendo ao teor do que é alegado em sede de embargos de executado, mais concretamente nos artigos 31 a 36 daquele articulado, notifique as partes para, querendo, em 10 dias, pronunciarem-se sobre a eventual ineptidão do requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva e que constitui o título dado à execução.

Notifique.”

1.4_A Embargante pronunciou-se por requerimento de 10/3/2023, reiterando a defesa apresentada na petição e que “nunca foi notificada do Requerimento de Injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, mantendo a sua posição”.

1.5_ A Embargada pronunciou-se por requerimento de 16/3/2023, defendendo que a nulidade com fundamento na ineptidão da petição inicial, só pode ser invocada na contestação. A executada não alegou a nulidade da petição inicial, nem apresentaram contestação, nos termos do artigo 1º, nº2, do Decreto-Lei 32/2003, limitando-se a Embargada, nos presentes embargos, a alegar falsamente, não ter sido notificada para o requerimento de injunção e, consequentemente, ser nulo todo o seu processado.

Concluiu que se encontra precludida a invocação da ineptidão do Requerimento de Injunção e expressou “desconhece[r] a base legal e a respectiva fundamentação em que assenta” o despacho proferido em 2/3/2023.

Invocou o disposto no nº 3 do artigo 186º do CPC, sustentando que a Embargada, nos presentes Embargos de Executado, mormente nos artigos 33º, 34º, 35º e 36º desse articulado[1], demonstrou ter interpretado convenientemente o Requerimento Inicial

No artigo 12º desse requerimento, alegou a Embargada que “uma das causa de pedir alegadas (…) no seu Requerimento Inicial de Injunção se refira a serviços prestados (contrato de serviços) a verdade é que no mesmo requerimento não foi deduzido o pedido quanto a esta causa de pedir, formulando-se apenas o pedido da restituição da coisa mutuada (9.600,00€)[2], invocando para tal um contrato de mútuo, válido e eficaz, celebrado entre a Requerente e todos os Requeridos…”.

Concluiu que o Requerimento Inicial de Injunção deve ser considerado “apto e adequado”.

1.6_ Em 13/4/2023, foi proferido o seguinte despacho:

Atendendo a que o estado dos autos nos permite conhecer do mérito da causa, nos termos do disposto nos artigos 593/1, 591/1 alínea d), 595/1, alínea b) e 597/1, alínea b) do Código de Processo Civil, e tendo presente o dever de gestão processual e o princípio de adequação formal previstos nos artigos 6/1 e 547 do Código de Processo Civil, ouçam-se as partes em 10 dias, quanto à dispensa da realização de audiência prévia e a prolação de saneador sentença.

As questões a decidir são as seguintes:

1 – Da ineptidão do requerimento de injunção;

2 -Da falta de notificação da embargante para o procedimento de injunção;

3 – Da prescrição do crédito da exequente;

4 – Da não celebração de qualquer contrato de mútuo entre embargante e exequente;

5 – Da oposição à penhora.

Notifique”.

1.7_ A Exequente/Embargada respondeu ao convite por requerimento em 27/4/2023.

1.8_ Em 19/5/2023, foi proferido saneador sentença, constando do dispositivo dessa decisão:

“Pelo exposto, julgo procedentes os embargos de executado deduzidos por BB contra AA e em consequência, declaro extinta a execução.

Custas a cargo da exequente – artigo 527º do Código de Processo Civil.

Fixo o valor dos embargos de executado em 11.966,15€ - artigo 297/1 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique e dê conhecimento à Sr.ª Agente de Execução.

Abra, de imediato, conclusão nos autos principais.


*

Inconformada, a Recorrente/Embargada interpôs recurso do saneador-sentença, formulando as seguintes conclusões:

“1ª – O presente Recurso visa impugnar a Douta Sentença, proferida no Saneador, na qual o Tribunal “a quo” julgou procedentes os embargos de executado que correram por apenso à presente execução porque a Meritíssima Juíza julgou inepto o requerimento inicial de injunção ao qual foi aposta força executiva.

2ª - A decidida ineptidão do requerimento de injunção conduz à nulidade do título executivo e consequentemente à falta ou insuficiência de tal requerimento injuntivo, declarando, por isso, extinta a execução movida contra todos os executados, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões, atento o disposto no artigo 608, nº 2 do CPC.

3ª - Como fundamentos desta Sentença o Tribunal “a quo”, considerou que a exequente, embora tenha alegado qual a data da celebração do contrato de mútuo e da prestação de serviços de advocacia, fazendo coincidir as mesma, não descriminou, contudo, quanto ao contrato de mútuo, com quem, efectivamente, celebrou o contrato, nem o valor da quantia mutuada e tão pouco o destino do valor mutuado e as condições do seu reembolso e no que toca ao contrato de prestação de serviços, a exequente não individualizou os serviços prestados, se foram contratados por todos os executados ou só por um ou alguns dele e qual o valor cobrado a esse título.

4ª - Com respeito devido, esta Douta Sentença é errada, devendo, por isso, ser revogada por esse Alto Tribunal da Relação.

5ª – A Recorrente é advogada, com a inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, portadora da Cédula Profissional número ....

6ª – A recorrente, no dia 15 de Dezembro de 2006, ao abrigo do Decreto – Lei nº 269/98, de 01/09, com as alterações introduzidas pelo DL nº 107/2005, de 01/07, instaurou Processo de Injunção, no então Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, contra i) CC, ii) DD e iii) BB, embargante nos Autos, todos residentes na Rua ..., da localidade ..., Freguesia ..., concelho e Comarca de Anadia, tendo o referido Processo Injuntivo recebido o número 266/2006.

7ª – No Requerimento Inicial a Recorrente formula o pedido: que os acima referidos requeridos lhe paguem a quantia de 9.873,44€ (nove mil, oitocentos e setenta e três euros e quarenta e quatro cêntimos), conforme descriminação seguinte: 9.600,00 de capital, a que acresce juros de mora, calculados, desde 31/10/2006, à taxa legal de 9,83%, à data em vigor, e que perfazem o montante de 134,44€, mais a taxa de justiça liquidada no valor de 89,00€ e, ainda, 50,00€ referentes a outras quantias.

8ª – No mesmo Requerimento inicial, indica como causa de pedir um contrato de mútuo, resultante de um empréstimo monetário que a Recorrente fez aos executados no montante de 8.062,83€ (oito mil, sessenta e dois euros e oitenta e três cêntimos) e, ainda, honorários pelos serviços de advocacia prestados pela exequente aos requeridos cujo montante é de 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

9ª – A Secretaria Judicial do Tribunal da, então, Comarca de Anadia procedeu à correcta e tempestiva notificação de todos os referidos Requeridos, nomeadamente para em 15 dias procederem ao pagamento à Requerente, aqui Recorrente e Embargada, da quantia peticionada, acrescida da taxa de justiça paga ou para deduzirem oposição à pretensão sob pena de, não o fazendo, ser aposta fórmula executória ao requerimento, facultando à Recorrente possibilidade de intentar acção executiva.

10ª – Nenhum, dos Requeridos não só não pagou à Requerente a quantia peticionada como também não deduziu qualquer oposição à Requerente no Processo Injuntivo, pelo que, em cumprimento do disposto no artigo 14º do referido DL 269/98, de 01/09, com as alterações introduzidas pelo DL nº 107/2005, de 01/07, a Secretaria Judicial, através do Secretário Judicial, 31/01/2007, deu força executiva ao Requerimento de Injunção, apondo-lhe a fórmula “este documento tem força executiva”, datando-o, assinando-o e selando-o.

11ª – Na Douta Sentença de que se recorre, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” considerando que embora no Requerimento Injuntivo, a Recorrente tenha indicado a causa de pedir da injunção e tenha formulado o correspondente e adequado pedido, não alegou, com a maior concretização possível, os factos indispensáveis à decisão da causa, nomeadamente, não descriminou, quanto ao contrato de mútuo, com quem, efectivamente, celebrou o contrato, nem o valor da quantia mutuada, e tão pouco o destino do valor mutuado e as condições do seu reembolso e no que toca ao contrato de prestação de serviços, não individualizou os serviços prestados, se foram contratados por todos os executados ou só por algum deles e qual o valor cobrado a esse título”, decidindo, por isso, ser inepto Requerimento Inicial Injuntivo.

12ª Sem qualquer razão nem fundamento legal, constituindo tal decisão de ineptidão da petição inicial grave erro jurídico.

13ª – Do teor da Douta Sentença Recorrida, lógica e racionalmente, terá de se concluir que as causas de pedir são o contrato de mútuo e o contrato de prestação de serviços de advocacia, sendo os pedidos o reembolso da quantia mutuada pela requerente e o pagamento dos respectivos honorários correspondentes aos serviços de advocacia prestados.

14ª – Ainda que se considere, quanto à causa de pedir – contrato de mútuo – que a Recorrente não descriminou com quem efectivamente a Recorrente celebrou tal contrato nem o valor da mutuada e tão pouco o destino do valor mutuado e as condições do seu reembolso e no que toca à causa de pedir – contrato de prestação de serviço – o requerimento injuntivo não individualizou os serviços prestados, se foram contratados por todos os executados ou só por alguns deles e qual o valor cobrado a esse título, tal omissão não pode determinar a ineptidão do Requerimento inicial.

15ª – Esta fundamentação para considerar inepto o requerimento Inicial da Injunção é, claramente, arbitrária e contrária à lei.

16ª – Causa de pedir é o facto jurídico concreto ou específico invocado pelo autor, de forma inteligível, como fundamento da sua pretensão. Pedido é o efeito jurídico que se pretende obter a partir da causa de pedir invocada (artigo 498º do antigo CPC).

17ª – No caso sub judice, as causas de pedir – contratos de mútuo e de prestação de serviços – encontram-se totalmente identificadas, são inteligíveis e os respectivos pedidos – reembolso da quantia mutuada e pagamento dos honorários – estão em consonância directa, não havendo qualquer contradição entre as referidas causas de pedir (facto jurídico) e os pedidos (efeito jurídico), vislumbrando-se perfeitamente, nexo entre as causas de pedir e os pedidos.

17ª – O requerimento Inicial de Injunção tem total aptidão mesmo que nas causas de pedir – factos jurídicos específicos – não contenham, na perspectiva do Julgador da 1ª Instância, determinados elementos como os montantes da quantia mutuada e qual o valor dos honorários ou a descriminação com quem efectivamente a requerente, aqui recorrente, celebrou tais contratos, se com todos os executados ou apenas com algum deles nem o destino do valor mutuado e as condições do seu reembolso.

18ª – Estes elementos, especificamente apontados na Douta Sentença de que se recorre como fundamentos para considerar inepto o Requerimento Injuntivo não podem, à luz da lei, da Doutrina e da Jurisprudência, determinar a ineptidão da petição inicial ou, neste caso, do Requerimento da Injunção.

19ª – A falta de tais elementos, poderão determinar a procedência ou improcedência, total ou parcial da injunção, consoante a prova que venha a ser feita, ou não, em sede de julgamento.

20ª – Para além do mais, a falta dos referidos elementos não se verifica, de todo em todo, no Requerimento Inicial de Injunção, como vai dito na Douta Sentença de que se recorre.

21ª – No Requerimento Inicial cujo duplicado já se juntou como documento número 1 desta peça recursória, vai indicado o montante mutuado ( 8.062,83€), o valor pedido referente à prestação de serviços de advocacia (1.500,00€), a data de vencimento dos valores referentes aos contratos de mútuo e de prestação de serviços é o dia 31/10/2006, data em que se iniciaram a contabilização de juros de mora e, como é óbvio e vem referido na Contestação aos Embargos deduzidos pela executada BB (artigos 20º e 21º ) a quantia mutuada e os serviços prestados foram contratados entre a Recorrente e todos os executados.

22ª – Ademais na peça processual apresentada pela Recorrente em obediência ao convite feito por Douto Despacho de 13/04/2023, com a referência 126749636, foi junta, como documento nº 8, cópia da carta que a Recorrente dirigiu a todos os executados, com data de 23 de Novembro de 2006, onde lamenta o não pagamento por parte dos executados da quantia de 9.600,00€, quantia esta que representa o somatório do montante mutuado e do valor dos honorários, advertindo-os que se não fosse efectuado tal pagamento até ao dia 27 de Novembro de 2006 a Recorrente intentaria contra eles a competente acção judicial, o que veio a acontecer com a apresentação em Juízo, no dia 15 de Dezembro de 2006, do presente Requerimento Injuntivo.

24ª – O Requerimento Inicial é, plenamente, apto porque nele não se verificam nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 193º do antigo CPC, que corresponde, integralmente, ao artigo 186º do CP, em vigor.

25ª – É estranho que a Douta Sentença de que se Recorre, diga o seguinte: “Atendendo a tudo exposto, verifica-se “in casu” a invocada ineptidão do requerimento de injunção, sendo procedentes os embargos de executado quanto a esta questão”.

26ª – Sendo a ineptidão do requerimento inicial do conhecimento oficioso, nos termos do artigo 202º do CPC, bem poderia o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” invocar este conhecimento oficioso para produzir esta Sentença, contra legem, e não respaldar-se na suposta invocação da ineptidão do requerimento injuntivo, suscitada nos embargos de executado deduzidos.

27ª – Percorrendo de fio a pavio os Embargos de Executado deduzidos, não se encontra formulada qualquer arguição ou pedido de declaração de ineptidão do Requerimento Injuntivo nas 9 (nove) alíneas do pedido.

28ª – Se porventura, tal pedido de declaração de ineptidão fosse invocado em tais Embargos de Execução, não seria por esse facto que devesse ser o requerimento injuntivo declarado inepto porque da matéria alegada nesses Embargos e da contestação aos embargos apresentada pela Recorrente, forçoso seria verificar-se que a executada, embargante, tinha interpretado convenientemente o Requerimento Inicial Injuntivo pelo que, nos termos do artigo 193º, nº 3, do anterior CPC, a que corresponde o artigo 186º, nº 3 do CPC em vigor, tal arguição da ineptidão teria de ser julgada improcedente.

29ª – Na Contestação aos Embargos de Executado apresentada pela Recorrente, foi peticionada a condenação da Embargante como litigante de má-fé, nos termos do artigo 542º do CPC, invocando, para tal, que a embargante BB com dolo, de modo altamente censurável e reprovável deduziu pretensão sem qualquer fundamento porque bem sabe que foi com dinheiro que a Recorrente lhe mutuou, a ela e seus pais(restantes executados) que lhes possibilitou pagar o que deviam com a consequentemente levantamento da penhora constituída sobre o seu prédio urbano descrito a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o número ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... (documento nº 2 da Contestação).

30ª – Foi a Recorrente quem prestou os serviços de advocacia para o distrate da penhora, intervindo na execução e desenvolveu todas as diligências para a autorga da escritura pública de compra e venda do imóvel referido a favor da própria Embargante, vindo nos Embargos por ela deduzidos negar tais factos pondo, assim, em causa a honorabilidade e o bom nome da Recorrente.

31ª – Ao alegar nos Embargos que não tinha sido notificada, pela Secretaria Judicial da Comarca da Anadia, para deduzir oposição ao Requerimento Injuntivo ou proceder ao pagamento da quantia nele peticionada, arguindo, por este facto, a nulidade da notificação do Requerimento Injuntivo e, por isso, serem anulados todos os actos subsequentes à apresentação do requerimento de injunção, a Embargante bem sabia que deduzia pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, pondo em causa, com dolo, um judicial e a honra do Secretário Judicial que apôs força executória ao requerimento de injunção.

32ª  - Ficando documentalmente provado (documentos números 1 e 4 da peça processual referente ao convite feito por Douto despacho de 13/4/2023, referência 126749636, de 27/04/2013) que a embargante foi, realmente, notificada em 18 de Dezembro de 2006 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Anadia para proceder ao pagamento da quantia peticionada no requerimento de injunção ou deduzir oposição a tal requerimento, no prazo de quinze dias sob pena de ser aposta força executória ao requerimento de injunção, a Embargante incorreu na responsabilidade prevista no artigo 542º e 543º, ambos do CPC.

33ª – Se nem neste caso, em especial na arguição de nulidade por falta de notificação, não for sancionada a Embargante nos termos previstos nestes dois artigos do CPC, como fez a Douta Sentença de que se recorre, mais vale eliminar o que neles é prescrito porque constituem verdadeira “letra morta”.

34ª – Contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, o requerimento de injunção tem aptidão por não se verificar nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 186º, nº 2, do CPC.

35ª – Deve a embargante ser condenada ao pagamento de multa, prevista no nº 1 do artigo 542º do CPC, por ter litigado, dolosamente, com manifesta má-fé, revelando, com tal conduta, de forma grosseira e inadmissível, total desrespeito para com o Tribunal e a Recorrente, relegando-se para final a indeminização peticionada e prevista no artigo 543º, nº 1, alínea b) do CPC.

36ª – A Douta Sentença de que se Recorre, violou o disposto nos artigos 186º, números 1, 2 e 3, e 542º, ambos do CPC.

TERMOS EM QUE E NOS MUI DOUTAMENTE SUPRIDOS POR VOSSAS EXCELENCÊNCIAS, deve ser totalmente revogada a Douta Sentença recorrida, substituindo-a por Douto Acórdão que julgue apto o Requerimento Inicial de Injunção, ordenando-se o prosseguimento dos demais actos processuais, até final, como é legal”.


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Notificada, a Embargante/Recorrida apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:

I. A Executada nunca teve conhecimento do requerimento de injunção, pelo que foi impossibilitada de apresentar a sua defesa, defesa essa constitucionalmente consagrada.

II. Pelo que deve ser declarado nulo o título e, consequentemente, ser julgada extinta a execução.

III. A verdade é que a Executada nunca celebrou qualquer contrato de mútuo com a Exequente.

IV. Mesmo que assim fosse - o que é falso!- a verdade é que a quantia exequenda se encontraria prescrita, ao abrigo do disposto no artigo 310º, alínea e) do Código Civil, por estarmos perante quotas de amortização.

V. A mesma lógica seria de aplicar ao valor peticionado a título de honorários, que também este se encontraria prescrito, nos termos do disposto no artigo 317º, alínea c) do Código Civil, por terem decorrido dois anos contados desde a prestação do serviço.

VI. Entende a Executada que a penhora não deve existir por não existir qualquer fundamento legal para a mesma e que é exagerada face ao alegado valor em dívida, violando o princípio da proporcionalidade, pelo que pede que a mesma seja levantada.

VII. Em suma, vem a Executada requerer que seja considerada procedente a excepção de ineptidão do requerimento de injunção e, consequentemente, ser nulo todo o seu processado.

VIII. Pelo que, deve ser verificada a ineptidão do requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva e ser declarado nulo o título executivo, declarando-se extinta a execução movida contra a Executada.


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Por despacho de 23/10/2023, foi admitido o recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II_ Questões a decidir:

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Assim, há que apreciar as seguintes questões:
i. Da ineptidão do requerimento de injunção ao qual foi aposta força executória e que constitui o título dado à execução;
ii. Da litigância de má fé da Embargante.


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III. Fundamentação de facto

Da decisão recorrida, consta no ponto “Fundamentação”:

“Factos Provados, atendendo ao requerimento executivo e ao título executivo, juntos aos presentes autos:

A) Foi dado à execução o requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva constante dos autos principais, cujo teor damos aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais.

B) O requerimento de injunção deu entrada no então Tribunal Judicial da Comarca de Anadia em 15.12.2006 , tendo-lhe sido aposta força executiva em 31.01.2017.

C) Tal procedimento de injunção foi instaurado pela exequente contra a ora embargante, CC e DD.

D) A exequente pediu o pagamento da quantia de 9.873,44€ assim discriminada:

- capital - 9.600,00€;

- juros de mora - 134,44€;

- despesas referentes ao montante pago pela apresentação do procedimento . 89,00€ + 50,00€.

E) E indicou como causa de pedir fornecimento de bens ou serviços.

F) No campo destinado à descrição sumária da origem do crédito reclamado referiu o seguinte:

Contrato de mútuo e honorário.

Data do contrato. 31.10.2006”.


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Do Requerimento de Injunção junto ao processo de execução consta “Este documento tem força executiva” seguido de “Anadia, 31/7/2017”. Não se mostrando correcta a data indicada no segmento final do ponto B), procede-se à sua rectificação, passando a constar do mesmo a seguinte redacção:

O requerimento de injunção deu entrada no então Tribunal Judicial da Comarca de Anadia em 15.12.2006, tendo-lhe sido aposta força executiva em 31.01.2007”.


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IV_ Fundamentação de Direito

1ª Questão

Insurge-se a Recorrente/Embargada por o Tribunal a quo, “[s]em qualquer razão nem fundamento legal], ter decidido que se verifica a “ineptidão da petição inicial”, o que, no seu entender, constitui um “grave erro jurídico”, sendo a fundamentação [da decisão] (…) claramente, arbitrária e contrária à lei”.

Sustenta que “O requerimento Inicial de Injunção tem total aptidão mesmo que as causas de pedir – factos jurídicos específicos – não contenham, na perspectiva do Julgador da 1ª Instância, determinados elementos como os montantes da quantia mutuada e qual o valor dos honorários ou a descriminação com quem efectivamente a requerente, aqui recorrente, celebrou tais contratos, se com todos os executados ou apenas com algum deles, nem o destino do valor mutuado e as condições do seu reembolso”.

Para a Recorrente, a falta de tais elementos de facto “não pod[e], à luz da lei, da Doutrina e da Jurisprudência, determinar a ineptidão da petição inicial ou, neste caso, do Requerimento da Injunção”, acrescentando “[a] falta de tais elementos, poderão determinar a procedência ou improcedência, total ou parcial da injunção, consoante a prova que venha a ser feita, ou não, em sede de julgamento”.

Cumpre apreciar e decidir.

Analisada a petição dos embargos, mormente os artigos 31º a 36º [cfr. despacho de 2/3/2023], entende-se assistir razão à Recorrente quando afirma que pela Embargante não foi invocada, nos embargos de executado, a ineptidão do Requerimento Inicial de Injunção. Todavia, tratando-se de excepção dilatória de conhecimento oficioso, é inócuo, para a resolução da questão objecto do presente recurso, a circunstância de ter sido ou não invocada pela embargante [considerando que pelo Tribunal a quo foi observado o princípio do contraditório, nos termos do artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil, conferido às partes a possibilidade de se pronunciarem]. Relevante, sim, é apurar se se verifica tal excepção e, nessa parte, salvo o devido respeito por opinião contrária, não assiste razão à Recorrente.

Resulta da matéria de facto provada que:
1. A exequente instaurou procedimento de injunção contra a ora embargante, CC e DD (ponto c dos Factos Provados), mediante requerimento que deu entrada  no então Tribunal Judicial da Comarca de Anadia em 15.12.2006.
2. Nesse requerimento de injunção, a Exequente, ora Embargada pediu o pagamento da quantia de 9.873,44€ assim discriminada: capital - 9.600,00€; juros de mora - 134,44€; despesas referentes ao montante pago pela apresentação do procedimento . 89,00€ + 50,00€. E indicou como causa de pedir fornecimento de bens ou serviços. No campo destinado à descrição sumária da origem do crédito reclamado referiu o seguinte: Contrato de mútuo e honorários. Data do contrato. 31.10.2006.
3. Foi aposta força executiva ao requerimento de injunção em 31/1/2007.
4. A execução tem como título executivo o requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva.

Considerou o Tribunal a quo  que «Nos termos do artigo 10º, nº2, alínea d-), do DL 269/98, o requerente da injunção deve “expor sucintamente” os factos que fundamentam a pretensão. Esta alínea corresponde à causa de pedir da injunção…», devendo o requerimento injuntivo conter «os factos indispensáveis à decisão da causa, o que equivale a dizer, os que sejam suscetíveis de preencher a hipótese legal em que se radica o efeito jurídico pretendido, conforme resulta do disposto nos artigos 264º, nº 1 e 467º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil [vigente à data da apresentação do Requerimento Inicial da Injunção].  Por outras palavras, o autor tem de especificar a causa de pedir, ou seja, o facto jurídico concreto de que procede o efeito que se pretende fazer valer com a ação, como bem se depreende da leitura do artigo 498º, nº s 3 e 4 do Código de Processo Civil[vigente à data da apresentação do Requerimento Inicial da Injunção] (…) e, “além da causa de pedir e das partes, o pedido, constitui um dos elementos identificadores do objeto da ação”, impondo a lei que “a sua formulação seja efetuada de forma clara, inteligível e determinada. Por fim, importa ainda referir que constitui característica indispensável da Petição Inicial a compatibilidade entre o pedido e a causa de pedir”, devendo o “Autor estabelece[r] um nexo lógico entre os factos que alega e a sua pretensão, nexo este que deve ser devidamente identificado no articulado. Tal identificação depende da articulação clara e inteligível dos factos que no entender do Autor originam o direito de que se arroga, e bem assim a identificação expressa do pedido, com as características acima mencionadas”.

Consta, ainda, da Decisão recorrida que a «ineptidão da Petição Inicial, importa a nulidade de todo o processado e é de conhecimento oficioso – artigos 193º, nº 1 e 202º do Código de Processo Civil [vigente à data da apresentação do requerimento de injunção, actualmente, artigos 186º e 196º do Código de Processo Civil[3]]. Trata-se de uma nulidade que, por aplicação do disposto nos artigos 474º, alínea b) e 288º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil [vigente à data da apresentação do requerimento de injunção, actualmente, artigos 186º e 196º do Código de Processo Civil], tem como consequência a absolvição do Réu da instância”.

Analisando o título executivo, considerou o Tribunal a quo que «No caso sub judice, estamos perante um procedimento de injunção que se funda na celebração de um contrato de mútuo e de prestação de serviços, estando em falta o pagamento dos honorários.

A exequente alegou qual a data da celebração do contrato de mútuo e da prestação de serviços de advocacia, fazendo coincidir as mesmas.

No entanto, não discriminou, quanto ao contrato de mútuo, com quem, efetivamente, celebrou o contrato, nem o valor da quantia mutuada, e tão pouco o destino do valor mutuado e as condições do seu reembolso.

No que toca ao contrato de prestação de serviços, não individualizou os serviços prestados, se foram contratados por todos os executados ou só por algum ou alguns dele e qual o valor cobrado a esse título.

Concluiu o Tribunal a quo que a ausência de tais factos, determina a “invocada ineptidão do requerimento de injunção, sendo procedentes os embargos de executado quanto a esta questão”.

No que concerne à verificação da excepção dilatória, concorda-se com o Tribunal a quo.

Vejamos.

Por requerimento apresentado pela Embargada/Exequente, em 18 de Maio de 2022, foi intentada a acção executiva contra a Embargante, CC e DD.

Consta do requerimento inicial da execução:

“…

Valor da execução: 11.966,15€ (onze mil novecentos e sessenta e seis euros e quinze cêntimos).

Nº Processo: 266/2006

Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Execuções]

Título Executivo: Injunção

Factos:

Para aquisição do imóvel no qual residem os aqui executados CC e DD (…)e  despesas referentes a aquisição do imóvel.

A exequente, a solicitação dos aqui executados e após (…) inúmeras solicitações, atendendo a que os mesmos referiram que o valor emprestado lhe seria devolvido no prazo máximo de um ano, (….) acabou por fazer o empréstimo.

Sendo que decorrido o prazo do ano não lhe foi pago o valor devido.

(…)

Após de inúmeros diligências efetuadas extrajudiciais para resolução do respetivo assunto, o mesmo não foi possível.

… a exequente deu entrada de Injunção para cobrança do valor devido pelos executados a 15/12/2006 que ficou com força executiva a 31/01/2007.

Sendo que após a data da força executiva da Injunção, a aqui Exequente ainda tentou por inúmeras vezes a resolução com os executados, sem ter tido até agora resultado…

Liquidação da obrigação

Valor Líquido:                                                                9.873,44€

Valor dependente de simples cálculo aritmético:               1.975,77 €

Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético:         116,94 €

                                                                           _________________

Total:                                                                                   11.966,15€

VALOR LÍQUIDO CORRESPONDENTE AO CAPITAL EM DÍVIDA NO MONTANTE DE 9.873,44 EUROS A QUE ACRESCEM JUROS VENCIDOS DOS ÚLTIMOS 5 ANOS CONFORME A LEI VIGENTE, NO TOTAL DE 1.975,77 EUROS, ASSIM COMO OS VALORES DA TAXA DE JUSTIÇA E O VALOR DA 1ª FASE QUE SOMAM O VALOR DE 116,94 EUROS”.

O título executivo da execução é o requerimento de injunção com força executória e de cujo teor consta:

Requerente AA

Requerido: CC

Requerido: DD

Requerido: BB

O(s) requerente(s) solicita(m) que seja(m) notificado(s) o(s) requerido(s) no sentido de lhe(s) ser paga a quantia de 9.873,44€, conforme discriminação e pela causa de pedir indicada nos quadros seguintes:

Capital €9.600,00, acrescidos de 134,44€ a título de juros de mora, à taxa de 9,830% entre 31/10/2006 e a data de entrada desta providência e de 89,00€ relativos ao montante pago pela apresentação deste requerimento. Outras quantias:€50,00.

Causa de pedir: fornecimento de bens ou serviços.[negrito nosso]

Descrição sumária da origem do crédito reclamado: contrato mútuo e honorários. Data do contrato: 31/10/2006…”..[negrito nosso]

Dispõe o artigo 10º, nº2, alíneas d) e e), do Decreto-Lei 269/98 que no requerimento de injunção, o requerente deve “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão” e “formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas” (cfr. artigo 467º do Código de Processo Civil, vigente à data da apresentação do requerimento de injunção; actual artigo 552º, nº1, do CPC)[4], ou seja, deve indicar a causa de pedir ou a fonte do direito invocado, o acto ou o facto jurídico no qual se baseia para formular o seu pedido e de que, no seu entender, o direito procede.

Analisado o requerimento inicial de injunção, apresentado pela Exequente/Embargada, verificamos que do mesmo não consta a causa de pedir, ou seja, dele não consta a alegação dos factos necessários à sustentação do pedido deduzido.

Causa de pedir é o facto jurídico de que emerge o direito que se visa acautelar ou fundamenta o efeito jurídico pretendido – cfr. artigo 581º, nº4, alínea d), do actual CPC.

O Professor José Alberto dos Reis[5] referia-se ao conceito de “causa de pedir”, como “o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido…”.

Também Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[6], ensinam que “causa de pedir” é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, pelo que, se o autor não mencionar esse facto concreto, a petição será inepta.

Segundo os mesmos autores, não basta, para o preenchimento da exigência legal, a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão, dizendo por exemplo, na acção possessória de manutenção, que o réu tem praticado actos de perturbação do seu direito; na acção de divórcio, que o réu tem violado os deveres conjugais, sem mais precisão; na acção de reivindicação, não indicando todos os factos concretos que interessam à aquisição do domínio.

Por seu turno, Anselmo de Castro[7] afirma que se encontra consagrada na nossa lei processual civil “a teoria da substanciação”, consagrada no n.º 4 do art. 498.º do anterior CPC (actual nº4 do artº 581º), tendo o autor na petição inicial de expor “os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção”, ou seja, de fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito, não se podendo limitar à indicação da relação jurídica abstracta.

No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa[8], ao tratar do conteúdo formal da petição inicial, quando afirma que na narração, o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção (art. 467º nº1, al. d) do anterior código, alínea d) do nº1 do artº 552º do actual CPC), aí se contendo a alegação dos factos principais.

Dispõe o nº1 artigo 193º do Código de Processo Civil, vigente à data da apresentação do requerimento de injunção, “É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial”, estipulando o nº 2 “Diz-se inepta a petição:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.

Nos termos do nº3 do citado artigo “ Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

Escrevem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa [9],  em anotação ao artigo 186º do CPC actualmente vigente, constituindo a “ineptidão da petição inicial um vício de tal modo grave que acarretando a nulidade de todo, origina a excepção dilatória prevista no artigo 557º, al. b), e conduz à absolvição da instância (artigo 287º, nº1, al. B).

Pronunciando-se sobre a questão, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 9/2/2023, proferido no processo nº 102/08.5TBMTL-B.E1:

“1 - Numa execução instaurada em 2007, com base num título executivo constituído por requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, é lícito ao executado opor-se à execução recorrendo aos meios de defesa previstos na lei vigente à data em que a execução foi instaurada.

2 – Verifica-se nulidade do requerimento injuntivo quando este não indique, embora sucintamente, a factualidade concreta que constitui a causa de pedir, limitando-se a indicar genericamente “fornecimento de bens ou serviços”.

3 – A nulidade do requerimento injuntivo, por falta da causa de pedir, arrasta a nulidade do requerimento executivo, por faltar o título invocado, devendo em consequência ser extinta a execução”.

Como se refere no Acórdão de 25/1/2024, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 30227/21.5T8LSB-A.L1-2 , acessível em www.dgsi.pt:

I - É inepto o requerimento de injunção que não contenha a exposição (ainda que sucinta) dos factos que fundamentam a pretensão, com a consequente verificação da exceção dilatória, de conhecimento oficioso, de nulidade de todo o processo [cf. artigos 186.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b), 552.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 590.º, n.º 1, todos do CPC, e art. 10.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro], exceção essa que, quando naquele tenha sido aposta fórmula executória, pode ser conhecida, na oposição à execução - cf. art. 857.º, n.º 3, al. b), do CPC, e do art. 14.º-A, n.º 2, al. a), 2.ª parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09.

II - De igual modo, a ineptidão do requerimento executivo, designadamente por falta de indicação da causa de pedir [mormente quando os factos em que se fundamenta o pedido não constem do título executivo – cf. art. 724.º, n.º 1, al. e), do CPC], gera a nulidade de todo o processo, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que, consoante os casos, determina o indeferimento liminar do requerimento executivo, a absolvição dos executados da instância executiva ou a rejeição oficiosa da execução, nos termos dos artigos acima referidos (cf. art. 551.º, n.º 1, do CPC) conjugados com os artigos 726.º, n.º 2, al. b), 732.º, n.º 4, e 734.º do CPC (aplicáveis também na execução sumária – cf. art. 551.º, n.º 3, do CPC)”.

Decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 27/6/2019, proferido no proc. 30491/18.7YIPRT.G1, “1. A petição inicial é inepta quando falte a indicação da causa de pedir, consubstanciada nos factos concretos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito. 2. Embora num requerimento de injunção se tenha de formular a causa de pedir e o pedido num modelo aprovado pelo Ministério da Justiça (nos termos do art. 10º do DL n.º 209/98, de 01.09), o que implica uma necessária concisão, a lei não dispensa que se invoquem os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio”.

No mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 17/1/2016, proferido no processo nº 60592/14.4YIPRT.E1: “I, No requerimento de injunção o requerente não está dispensado de indicar, ainda que sinteticamente, os factos integrantes da causa de pedir, com as limitações próprias do impresso-modelo. II. Tendo em conta a forma sucinta de narração dos factos exigível ao requerente do procedimento de injunção, e tendo este identificado o contrato em causa, as obrigações dele decorrentes para as partes, os montantes em dívida, a data dos respectivos vencimentos e o período em questão, entende-se que a causa de pedir está suficientemente especificada no procedimento em causa”.

Sobre a questão, veja-se ainda, o Acórdão proferido por esta Relação, de 14/7/2021, no processo nº23680/19.9YIPRT.E1. onde se escreve“1.Resulta do artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, que, não obstante os objectivos de simplificação e celeridade visados por esse regime jurídico, não se dispensou a indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de injunção. 2 – Não há falta de indicação da causa de pedir no requerimento de injunção quando, neste, se alega, como fonte do direito de crédito invocado, a celebração de um contrato de fornecimento de bens ou serviços, a data dessa celebração, a identidade dos outorgantes, o preço convencionado e o não pagamento deste último”.

Da análise do conteúdo do requerimento de injunção, facilmente se constata que o mesmo não contém os factos de onde emergem o efeito pretendido pela Exequente/Embargada.

A Exequente, no Requerimento inicial de injunção, invoca a existência de um contrato de mútuo. São elementos constitutivos do contrato de mútuo a entrega a outrem de dinheiro ou outra coisa fungível e a obrigação por parte do mutuário de restituição do dinheiro ou da coisa. Pela requerente nada foi alegado, no requerimento de injunção, nomeadamente qual a quantia que entregou aos requeridos e a obrigação por estes assumida de restituição dessa quantia.

Não indica quais os serviços solicitados e os serviços prestados, bem como o respectivo valor[10].

É, assim, manifesta a ausência de causa de pedir no requerimento de injunção, sendo a consequência a nulidade do procedimento.

Sustenta a recorrente que “A falta de tais elementos, poderão determinar a procedência ou improcedência, total ou parcial da injunção, consoante a prova que venha a ser feita, ou não, em sede de julgamento”.

Salvo o devido respeito, não assiste razão à Recorrente. De harmonia com o princípio do dispositivo, no processo civil, sobre a Autora/Requerente recai o ónus de alegação – e prova – dos factos essenciais nos quais alicerça a sua pretensão.  Nas palavras de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[11], «Não basta a invocação de um determinado direito subjectivo e a formulação da vontade de obter do tribunal determinada norma de tutela jurisdicional. Tão importante quanto isso é a alegação da relação material da qual o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação a alegação dos factos constitutivos desse direito. Na verdade, a causa de pedir é entendida como o “facto jurídico de que procede a pretensão deduzida” (artigo 581º, nº4), cumprindo ao autor que invoca a titularidade de um direito alegar os factos cuja prova permita concluir pela existência do seu direito».

  Como se decidiu no Acórdão desta Relação, de 19/12/2023, proferido no processo nº22473/22.0T8PRT-A.P1, “Vigorando em sede de processo civil o princípio do dispositivo recai sobre a parte o ónus de alegação dos factos essenciais que sustentem as exceções que invoca em sede de embargos de executado, não constituindo o processo um meio para promover a descoberta de factos. Por outro lado, o apuramento de factos complementares ou instrumentais apenas releva desde que alegados os factos essenciais, como decorre do art. 5º CPC”.

Sustenta a Recorrente que ainda que tivesse sido invocada a ineptidão do requerimento de injunção, pela Embargante, “da matéria alegada nesses Embargos e da contestação aos embargos apresentada pela Recorrente, forçoso seria verificar-se que a executada, embargante, tinha interpretado convenientemente o Requerimento Inicial Injuntivo pelo que, nos termos do artigo 193º, nº 3, do anterior CPC, a que corresponde o artigo 186º, nº 3 do CPC em vigor, tal arguição da ineptidão teria de ser julgada improcedente”.

Salvo o devido respeito, não assiste razão à Recorrente.

A ineptidão da petição inicial com fundamento na causa de pedir não foi invocada pela Embargante, tendo sido suscitada pelo Tribunal a quo. Em segundo lugar, da defesa deduzida nestes embargos não se pode extrair que a Embargada interpretou convenientemente a petição inicial.

Intentada a acção executiva, em Maio de 2022, e notificada a Executada/Embargante, esta deduziu embargos de executado invocando, em síntese, que  o título executivo é nulo com fundamento no não cumprimento das formalidades referentes à notificação da Executada para os termos da Injunção, devendo ser declarada a nulidade de todos os actos posteriores à apresentação do Requerimento de Injunção e extinta a execução, por falta de título executivo, em virtude de este não ter sido regularmente constituído, sendo inválido e, consequentemente, inexequível. Invocou, ainda, a excepção de prescrição. Por último, alegou nunca ter celebrado qualquer contrato de mútuo com a exequente e nenhuma quantia lhe dever a título de honorários, desconhecendo o crédito de que a exequente se arroga titular.

Nos artigos 31º a 36º da petição dos embargos, consta:
31º: Corresponde à verdade que foi adquirido um imóvel pelos Executados.
32.º: Contudo, os Executados recorreram ao crédito à habitação para pagamento integral do mesmo e respectivas despesas.
33.º: A Executada nunca celebrou qualquer mútuo com a Exequente.
34.º: Assim como nunca a Executada pediu emprestada qualquer quantia à Exequente.
35.º: Nem nunca a Executada ficou a dever qualquer quantia referente a honorários como a Exequente pretende demonstrar.
36.º Desconhecendo a Executada o crédito de que a Exequente se arroga”,

Da defesa apresentada, não se pode extrair que a Embargada interpretou convenientemente a escassa matéria de facto constante do requerimento de injunção.

Aliás, a própria Exequente refere, no requerimento de 16/3/2023 - artigo 12º - que “uma das causa de pedir alegadas (…) no seu Requerimento Inicial de Injunção se refira a serviços prestados (contrato de serviços) a verdade é que no mesmo requerimento não foi deduzido o pedido quanto a esta causa de pedir, formulando-se apenas o pedido da restituição da coisa mutuada (9.600,00€)[12], invocando para tal um contrato de mútuo, válido e eficaz, celebrado entre a Requerente e todos os Requeridos…”. E em sede de recurso – 8ª Conclusão -, nas conclusões, sustenta que “No mesmo Requerimento inicial, indica como causa de pedir um contrato de mútuo, resultante de um empréstimo monetário que a Recorrente fez aos executados no montante de 8.062,83€ (oito mil, sessenta e dois euros e oitenta e três cêntimos) e, ainda, honorários pelos serviços de advocacia prestados pela exequente aos requeridos cujo montante é de 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

A ausência de factos no requerimento de injunção impede o conhecimento da relação jurídica concreta invocada para sustentar a pretensão deduzida.

Pelo exposto, é inepto o requerimento de injunção por ausência de causa de pedir com a consequente verificação da excepção dilatória, de conhecimento oficioso, de nulidade de todo o processo [cf. artigos 193.º, nºs 1 e 2, alínea a), 202º, 288.º, n.º 1, al. b), 467º, 493º, nº2, e 494º, nº1, alínea a), todos do CPC vigente à data da apresentação do requerimento de injunção;  artigos 186.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b), 552.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, al. b), do CPC actualmente vigente; e art. 10.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro].

Aposta a fórmula executória no requerimento de injunção e instaurada acção executiva com base nesse título, aquela excepção, de conhecimento oficioso pode ser conhecida nos embargos de executado - cf. art. 857.º, n.º 3, al. b), do CPC, e do art. 14.º-A, n.º 2, al. a), 2.ª parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09.

A acção executiva só pode ser intentada se tiver por base um título executivo (nulla executio sine titulo), o qual, para além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente, confere igualmente o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o executado.

“Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva” – cfr. artigo 10º do CPC -, assim como a legitimidade activa e passiva (art. 53º, nº1 encontrando-se os títulos executivos taxativamente elencados no artigo 703º do CPC.

No caso, o título jurídico é o requerimento de injunção com força executória.

Em consequência, julgando procedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processo de injunção por ineptidão do requerimento respectivo, dessa nulidade deriva a inexistência de título.

Improcede, assim, o recurso.

2ª Questão

Sustenta a Recorrente que ao invocar a nulidade da notificação do Requerimento Injuntivo e, com isso, ver anulados todos os actos subsequentes à apresentação do requerimento de injunção, a Embargante “bem sabia que deduzia pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, pondo em causa, com dolo, um judicial e a honra do Secretário Judicial que apôs força executória ao requerimento de injunção”.

Advoga, ainda, que se encontra documentalmente provado, através dos documentos por si juntos, que a Embargante foi, realmente, notificada em 18 de Dezembro de 2006, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, para proceder ao pagamento da quantia peticionada, no requerimento de injunção ou deduzir oposição a tal requerimento, no prazo de quinze dias, sob pena de ser aposta força executória ao requerimento de injunção,  pelo que incorreu em responsabilidade, nos termos dos artigos 542º e 543º, ambos do CPC.

Com fundamento no artigo 542.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b), e d), do Código de Processo Civil, pretendem os Recorrentes a condenação da Recorrida/Exequente como litigante de má fé, sustentando que esta “deduziu pedido cuja falta de fundamento não podia, nem pode ignorar, fazendo do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal e torpe”.

Decidiu o Tribunal a quo, “não se vislumbra, da atuação da embargante, qualquer conduta integradora do instituto da litigância de má-fé. Com efeito, a mesma limitou-se a exercer o seu direito de defesa, com os fundamentos que julgou serem os adequados, tanto assim sendo que os embargos de executado são procedentes”.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o nº2 do artigo 542º do Código de Processo Civil que “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) …
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

As partes estão vinculadas aos deveres de probidade e cooperação, agir de boa fé e cooperar para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio. Se, com propósito malicioso, a parte pretende convencer o tribunal de um facto ou pretensão que sabe não ser legítima, ou que não pode ignorá-lo, distorcendo ou omitindo a verdade dos factos, fizer do processo um uso reprovável ou deduz oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar, actua de má fé e, por essa razão, pode e deve ser sancionada em multa e indemnização à parte contrária, se o pedir.

Algum exagero na pretensão que foi deduzida não é, por si só, litigância de má fé.

Não consubstancia litigância de má fé a dedução de pretensão que vem a decair por mera fragilidade da prova e de não se convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento ou resultar da discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, ou mesmo, convencida que lhe assiste razão, vê os seus argumentos afastados por razões mais ponderosas ou legalmente fundadas.

A má fé pressupõe uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva. O que não se verifica no caso.

O processo de oposição à execução mediante embargos de executado tem como finalidade contestar o direito do exequente, podendo o executado impugnar a própria exequibilidade do título, ou alegar factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de excepção.

No caso, a Embargante invocou, entre o mais, não ter sido notificada do requerimento inicial de injunção.  A Embargante juntou aos autos o aviso de recepção expedido com vista à sua notificação do requerimento inicial de injunção o qual não se mostra assinado pela mesma.

Dispunha o artigo 238º do CPC, vigente à data da prática do acto, que “A citação por via postal considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”.

 Trata-se de uma presunção de natureza ilidível pelo que, contrariamente ao alegado pela Recorrente, não se encontra demonstrado que a notificação se mostre efectuada.

Por último, importa ter presente que a procedência dos presentes embargos não está assente em qualquer fundamento invocado pela Embargante mas por uma excepção dilatória conhecida oficiosamente, após ter sido dada oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a mesma. A   excepção dilatória verificada não é imputável a qualquer comportamento da Embargante pois, respeita ao conteúdo do requerimento inicial injuntivo, apresentado pela Exequente, concretamente à ausência de causa de pedir.

Face ao exposto, entende este tribunal que não se mostram ultrapassados, no caso sub judice os limites da “litigiosidade séria" que "dimana da incerteza” [13], não se verificando os pressupostos da condenação da Embargante/Recorrida, como litigante de má fé.


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Improcede, assim, na íntegra, o recurso.

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Custas

As custas da apelação são da responsabilidade da Recorrente/Embargada, considerando que não obteve vencimento em todas as questões suscitadas.


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V_ Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pela Recorrente - cfr. artigo 527.º, n.º1, do Código de Processo Civil.


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Sumário:

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Porto, 19/02/2024
Anabela Morais
Teresa Fonseca
Fátima Andrade
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[1] Consta da petição dos embargos:
“31º: Corresponde à verdade que foi adquirido um imóvel pelos Executados,
32.º:Contudo, os Executados recorreram ao crédito à habitação para pagamento integral do mesmo e respectivas despesas.
33.º:A Executada nunca celebrou qualquer mútuo com a Exequente.
34.º: Assim como nunca a Executada pediu emprestada qualquer quantia à Exequente.
35.º: Nem nunca a Executada ficou a dever qualquer quantia referente a honorários como a Exequente pretende demonstrar.
36.º Desconhecendo a Executada o crédito de que a Exequente se arroga”.
[2] Já na motivação do presente recurso, alega que no Requerimento Inicial, indica como causa de pedir um contrato de mútuo, resultante de um empréstimo monetário que a exequente fez aos requeridos no montante de 8.062,83€(oito mil, sessenta e dois euros e oitenta e três cêntimos) e que até à data da entrada do requerimento inicial os requeridos não tinham efectuado o respectivo e legal reembolso e, ainda, honorários pelos serviços de advocacia prestados pela exequente aos requeridos cujo montante é de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) que, igualmente, os requeridos não pagaram até à data da propositura do Processo de Injunção…”.
[3] Nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei 4/2013:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes.
2 - As normas relativas à determinação da forma do processo declarativo só são aplicáveis às ações instauradas após a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.
3 - As normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às ações pendentes na data de entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.
4 - Nas ações que, na data da entrada em vigor da presente lei, se encontrem na fase dos articulados, devem as partes, terminada esta fase, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo-se os demais termos previstos no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.
5 - Nas ações pendentes em que, na data da entrada em vigor da presente lei, já tenha sida admitida a intervenção do tribunal coletivo, o julgamento é realizado por este tribunal, nos termos previstos na data dessa admissão.
6-…”
Sobre a aplicação, ao processo civil, da doutrina resultante do artigo 12º do Código Civil, ensina Antunes Varela, em Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, pág. 48 e 49,“A nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo”. Refere que “A ideia, complementar desta, de que a nova lei não regula os factos pretéritos (para não atingir efeitos já produzidos por este), traduzir-se-á no âmbito do direito processual, em que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados”.
[4]
[5] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª ed., 309.
[6] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e Actualizada, págs. 234 e 235.
[7] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, pág.207.
[8] Estudos sobre o novo Processo Civil, pág.269.
[9] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, em Código de Processo Civil Anotado, Almedina, vol. I, pág. 241.
[10] Alega que no Requerimento Inicial, formulou o pedido que os Requeridos lhe paguem a quantia de 9.873,44€, correspondente ao somatório das seguintes parcelas: 9.600,00€ de capital, a que acresce juros de mora, calculados desde 31/10/2006, à taxa legal de 9,83%, à data em vigor, e que perfazem o montante de 134,44€, mais a taxa de justiça liquidada no valor de 89,00€ e, ainda, a quantia de 50,00€ referente a outras quantias;
No mesmo requerimento inicial, indica como causa de pedir um contrato de mútuo resultante de um empréstimo monetário aos executados no montante de €8.062,83 e, ainda, honorários pelos serviços de advocacia prestados pela exequente aos requeridos cujo montante é de €1.500,00.
[11] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, em Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, vol. I, pág. 26.
[12]
[13] Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, página 26.