Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1835/23.1T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RP202402221835/23.1T8VCD.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O tribunal territorialmente competente para conhecer da acção de alteração do exercício das responsabilidades parentais é o da área geográfica da residência da criança à data da propositura da referida acção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1835/23.1T8VCD.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Família e Menores de Vila do Conde – Juiz 1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.

Nos autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais, em que é requerente AA e requerido BB, progenitores do menor CC, nas alegações, apresentadas ao abrigo do disposto no artigo 42.º do RGPTC, pelo progenitor BB formulou este pedido no sentido de ser ordenada a remessa dos autos para o Tribunal de Família e Menores de Sintra.

Sobre tal pretensão recaiu o seguinte despacho:

“Da excepção da incompetência territorial deste Tribunal:

De harmonia com o disposto no art. 42º, nº 1, do RGPTC aprovado pela Lei nº 141/2015, de 08 de Setembro que quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer dos progenitores ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”

E o nº 2, al. b) do mesmo dispositivo refere que “Se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respectivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer da nova acção”.

E de acordo com o disposto no art.º 9.º, n.º 1, do RGPTC a competência do tribunal é definida pela “residência da criança no momento em que o processo for instaurado”.

Estes dispositivos são aplicáveis à presente acção tendo em conta a data da sua instauração e o disposto no art. 5º da Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro.

Ora, resulta da análise da petição inicial que a criança à data da propositura da presente acção reside e se encontra na Póvoa de Varzim, circunstância que não é negada pelo progenitor.

Logo, este tribunal é territorialmente competente para a presente acção”.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs o requerido progenitor, BB, recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

“1. Denunciando a conduta da progenitora, no sentido de levar a criança de Queluz para a Póvoa de Varzim (sem o consentimento do requerido), denunciando a falsidade do regime de Responsabilidades Parentais (promovido, unilateralmente, pela progenitora, através de um da apresentação - para homologação, no Registo Civil da Póvoa de Varzim, requerimento e um acordo impresso numa folha assinada em branco, pelo pai) o pai suscitou, por requerimento apresentado em 17.10.2023, a incompetência territorial do Tribunal de Vila do Conde, alegando e demonstrando, como demonstrou, que a criança residia (na data em que foi afastada do seu meio natural pela progenitora, em 24.09.2023) em Queluz, com insistência em 23.11.2023.

2. Apesar de não ignorar da gravidade dos factos alegados e demonstrados pelo pai, o Tribunal indeferiu a incompetência territorial tempestivamente suscitada, premiando (uma vez mais e de forma reiterada) a conduta da mãe, quando decidiu afastar o menor, do seu meio natural de vida, em 24.09.2023, facilitando a consolidação da vida da criança na Póvoa de Varzim.

3. Sem fundamentar, além do mais porque não lhe interessou consignar, em Despacho, um facto provado (por confissão da própria progenitora) que contraria o sentido da decisão aqui impugnada (impondo decisão contrária): a residência habitual da criança em Queluz e a mudança de residência da criança, de Queluz para a Póvoa de Varzim, sem consentimento do pai, circunstância que gera a nulidade, por falta de fundamentação, invalidade que vai aqui expressamente arguida, em violação do disposto nos artigos 9 nº 1 do RGPTC e dos art 154, 607 e 607, todos do CPC, preceitos que foram interpretados em violação do disposto nos artigos 6.º da CEDH, 14.º do PIDCP e 10.º da DUDH e ainda do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º, 20, 69 e 205 da Constituição da república Portuguêsa.

4. Sendo o conceito de residência habitual da criança (não o que passa pela cabeça de um julgador mas) aquele que resulta das suas rotinas e vivências diárias em termos do lugar onde dorme, se alimenta, passeia, brinca, estuda, aprende e com caracter de regularidade (independentemente dos cenários provocados pela progenitora, quando escolheu as moradas da criança, à medida que lhe fazia jeito, para pedir subsídios, apoios sociais em locais diversos, aqui e ali), resultando demonstrado (porque a progenitora assim o confessou) que ela promoveu alteração de residência da criança, em 24.09.2023, de Queluz para a Póvoa de Varzim, sem o consentimento do pai, outro remédio não tinha o Tribunal de Vila do Conde, quando confrontado com os factos provados, que não fosse a remessa dos autos para o Tribunal de Sintra.

5. Ao ter indeferido a excepção de incompetência territorial tempestivamente suscitada pelo pai (passados 17 dias da ocorrência do facto: mudança não autorizada de residência de uma criança - reconhecida por confissão da proporia progenitora), mais a mais, de forma não fundamentada, o Despacho recorrido violou o disposto nos artigos, 9 nº 1 do RGPTC e dos art 154, 607 e 607, todos do CPC, preceitos que foram interpretados em violação do disposto nos artigos 6.º da CEDH, 14.º do PIDCP e 10.º da DUDH e o art 3º da Convenção de Haia (de 25 de Outubro de 1980) e ainda do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º, 20,  69 e 205 da Constituição da república Portuguêsa.

6. Atento até o regime aplicável ao conceito de "mudança de residência habitual de uma criança”, previsto pela Convenção de Haia (de 25 de Outubro de 1980) - que constituiu direito material interno, aplicável, por si só, à Província de Vila do Conde), o Tribunal recorrido deveria ter julgado procedente a excepção de incompetência territorial suscitada pelo pai, determinando (através de Despacho fundamentado) a remessa dos autos para o Tribunal de Sintra, interpretando correctamente o disposto nos artigos, 9 nº 1 do RGPTC e dos art 154, 607 e 607, todos do CPC, em plena conformidade com o disposto nos artigos 6.º da CEDH, 14.º do PIDCP e 10.º da DUDH e o art 3º da Convenção de Haia (de 25 de Outubro de 1980) e ainda do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º, 20, 69 e 205 da Constituição da República Portuguêsa.

Termos em que, fazendo-se a correcta interpretação dos elementos dos autos e a melhor aplicação das normas e princípios legais invocados, pugna-se aqui, pela prolacção de Acórdão que (conhecendo das nulidades e inconstitucionalidades arguidas e), julgando procedente a excepção de incompetência territorial suscitada,

Determine a imediata remessa dos autos para a Comarca de Sintra, por corresponder à competente à data do cometimento - 24.09.2023, pela progenitora, da decisão ilegal (porque não autorizada pelo pai) de mudança de residência da criança, de Queluz para a Póvoa de Varzim”.

O Ministério Público e a apelada AA apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumpre apreciar se o tribunal recorrido é ou não territorialmente competente para conhecer da acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais proposta pela recorrida, mãe do menor CC.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Com relevância para o conhecimento do objecto do recurso, resulta comprovado nos autos:
1. CC, nasceu a ../../2021, na freguesia ..., ... e ..., concelho de Póvoa de Varzim, sendo filho de BB e de AA, ambos solteiros, a última com residência habitual na Rua ..., rés-do-chão, Póvoa de Varzim (assento de nascimento do menor).
2. Por decisão de 24.11.2021 da Conservatória do Registo Civil de Póvoa de Varzim foi homologado o acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais do menor CC, ficando o mesmo a residir com a mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas em comum por ambos os progenitores (assento de nascimento do menor e cópia da decisão de 24 de Novembro de 2021, da Conservatória do Registo Civil de Póvoa de Varzim).
3. Após essa data, durante, pelo menos, um ano, requerente e requerido viveram juntos, com o filho de ambos, na zona de Queluz, Sintra (por acordo).
4. No dia 22 ou 24 de Setembro de 2023, a requerente saiu, com o filho, da casa que compartilhava com o requerido, para passar a residir na Póvoa de Varzim (por acordo).
5. Em 12.10.2023, data da propositura da acção de alteração do exercício das responsabilidades parentais, a requerente residia com o filho na Rua ..., rés-do-chão, Póvoa de Varzim (por acordo).

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1. Da nulidade da decisão.

Assaca o recorrente à decisão que recursivamente impugna vício de nulidade por falta de fundamentação (artigo 3.º das conclusões).

Dispõe o n.º 1 do artigo 615.º do aludido diploma:

“ É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;   

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

A nulidade da sentença - ou de despacho[1] - constitui vício intrínseco da decisão, desde que ocorra alguma das circunstâncias taxativamente previstas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que, pela sua gravidade, comprometem a sentença ou o despacho qua tale.

Como o n.º 1 do artigo 668.º do anterior diploma, também o n.º 1 do artigo 615.º do actual Código de Processo Civil contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[2], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[3].

É pela fundamentação que a decisão se revela um acto não arbitrário, traduzindo a concretização da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional.

É por ela que as partes tomam conhecimento das razões que ditaram o desfecho da acção e das pretensões que nela formularam, permitindo-lhes ajuizar da viabilidade de recurso aos meios processuais de impugnação.

Compreende-se, assim, que a falta de fundamentação da decisão, quando seja devida, gere a sua nulidade. Tal falta, quer se trate de um mero despacho ou de uma sentença, há de revelar-se por ininteligibilidade do discurso decisório, por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira.

Respeita o vício elencado na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º da lei processual civil à omissão de fundamentação da sentença, quer de facto, quer de direito. Como esclarecem, a propósito, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[4]: “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta embora esta se possa referir aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.

[…] Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão.           

Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar:         

Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio a solução adoptada pelo julgador.      

Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão; essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia[5]

O dever de fundamentação da sentença basta-se com a simples indicação das razões de facto e de Direito que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador.

Como é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação penaliza com nulidade a sentença afectada por tal omissão[6]. Como já o Prof. Alberto dos Reis[7] esclarecia, “o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.

Note-se que “da falta absoluta de motivação jurídica ou factual - única que a lei considera como causa de nulidade —há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade[8].

Uma errada, insuficiente ou incompleta fundamentação não afecta o valor legal da decisão, não gerando a sua nulidade: “o vício de insuficiência da decisão de facto é equacionável com base no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do CPC, sendo de conhecimento oficioso e suscetível de implicar a ampliação daquela decisão, pelo que a sua eventual invocação pelo apelante não está sujeita aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640.º, n.º 1, do mesmo Código, os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação, com fundamento em erro de julgamento, dos juízos probatórios concretamente formulados”[9].

A decisão que apreciou a suscitada incompetência territorial do tribunal recorrido acha-se suficientemente fundamentada: partindo do facto concreto nela expressamente enunciado – a circunstância de a criança, à data da propositura da acção se encontrar a residir em Póvoa de Varzim -, conclui ser o tribunal onde tal acção foi proposta o territorialmente competente para dela conhecer, invocando expressamente as normas legais fundamentadoras desse juízo.

Claramente, não enferma o despacho recorrido de falta de fundamentação.

2. Da competência territorial do tribunal para conhecer da acção de alteração do exercício das responsabilidades parentais.

Segundo o artigo 8.º, n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27.11.2003 (de aplicação directa por força do primado ou prevalência do Direito da União Europeia, especialmente consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da CRP), “Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.

A ratio legis do normativo em causa, como ressalta da justificação constante do 12.º Considerando, radica no superior interesse da criança e, em particular, no critério de proximidade.

O fundamento de tal solução assenta no entendimento de que as autoridades da residência habitual são as que estão em melhores condições para apreciar a questão das responsabilidades parentais, a situação real do menor e o alcance prático das medidas que venham a ser tomadas.

O interesse superior da criança permite mesmo que o tribunal competente possa, a título excepcional e em certas condições, remeter o processo a um tribunal de outro Estado-Membro se este estiver em melhores condições para dele conhecer (13.º Considerando).

O Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão Mercredi, de 22 de Dezembro de 2010, declarou que “O conceito de “residência habitual”, na acepção dos artigos 8.º e 10.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar. Para tanto, e quando está em causa a situação de uma criança em idade lactente que se encontra com a mãe apenas há alguns dias num Estado-Membro diferente do da sua residência habitual, para o qual foi deslocada, devem designadamente ser tidas em conta, por um lado, a duração, a regularidade, as condições e as razões da estada no território desse Estado Membro e da mudança da mãe para o referido Estado e, por outro, em razão, designadamente, da idade da criança, as origens geográficas e familiares da mãe, bem como as relações familiares e sociais mantidas por esta e pela criança no mesmo Estado-Membro. Cabe ao órgão jurisdicional fixar a residência habitual da criança tendo em conta todas as circunstâncias de facto específicas de cada caso.

O Tribunal de Justiça, no referido Acórdão, relembrou que, para assegurar o respeito pelo interesse superior da criança, o conceito de residência habitual corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar.

Por outras palavras, na fixação da residência habitual da criança, para efeitos de competência, o tribunal deverá ponderar todas as circunstâncias do caso e decidir estritamente em função do interesse superior da criança.

No domínio interno, a aferição da competência territorial manda atender também à residência da criança no momento em que forem instauradas as providências tutelares cíveis, sem exigir, porém, a natureza habitual de tal residência.

Como resulta, com efeito, do n.º 1 do artigo 9.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, “Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado”.

Deste modo, o único critério atendível para a determinação da competência territorial de processos tutelares cíveis, no qual o processo de alteração do exercício das responsabilidades parentais se integra, é somente o da residência da criança no momento em que o processo é instaurado, sem se exigir, como no domínio da competência internacional, que essa residência tenha natureza habitual.

Também aqui o legislador considerou que tal critério de proximidade é o que melhor assegura o interesse superior da criança.

No caso em apreço, à data em que o processo de alteração das responsabilidades parentais foi instaurado, o menor CC residia com a mãe, em Póvoa de Varzim, na morada que tinha à data do seu nascimento.

Ou seja, após ruptura do relacionamento amoroso que até então mantivera com o requerido, a requerente regressou, com o filho, ao seu local de origem, onde tem as suas raízes familiares e afectivas, e onde a criança nasceu e iniciou o seu percurso de vida.

Tanto basta para que se considere verificado o pressuposto exigido pelo n.º 1 do artigo 9.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) para a determinação da competência territorial do processo de alteração do exercício das responsabilidades parentais: a residência da criança à data da instauração do processo em causa.

Como tal, é o tribunal recorrido territorialmente competente para conhecer da referida acção, não se verificando a excepção de incompetência relativa suscitada pelo apelante.

Não merece, como tal, censura a decisão impugnada, e, por isso, improcede o recurso.


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Síntese conclusiva:

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas: pelo apelante, levando-se em conta o decidido quanto ao benefício do apoio judiciário por ele requerido.

Notifique.


Porto, 22.02.2024
Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Paulo Dias da Silva
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[1] Artigo 613.º, n.º 3 do Código de Processo Civil
[2] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137.
[3] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686.
[4] “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 687 e seguintes.
[5] Cf. em idêntico sentido, Acórdão STJ de 19/03/02, “Rev. nº 537/02-2ª sec., Sumários, 03/02”; Acórdão Relação de Coimbra de 16/5/2000, www.dgsi.pt; Acórdão STJ de 13/01/00, “Sumários, 37-34”; Acórdão Relação Lisboa, de 01/07/99, BMJ 489-396.
[6] Cf., entre outros, Pais do Amaral, “Direito Processual Civil”, 7ª ed., pág. 390, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2004 e de 10.4.2008, o acórdão da Relação de Lisboa de 17.1.1999, BMJ 489/396, e ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2000, de 26.2.2004, de 12.5.2005 e de 10.7.2008, o primeiro in Sumários, 37º, pág. 34 e, os restantes, em www.dgsi.pt.
[7] “Código de Processo Civil anotado”, vol. 5º, pág. 140.
[8] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 141.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.03.2018, processo 290/12.6TCFUN.L1.S1, www.dgsi.pt.