Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2139/21.0T8MTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RP202206082139/21.0T8MTS-B.P1
Data do Acordão: 06/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Com a nova redação do art. 1906º, nº 6 do Cód. Civil, introduzida pela Lei nº 65/2020, de 4.11., tornou-se claro que o regime de residência alternada do filho com cada um dos progenitores pode ser determinado ainda que não haja acordo nesse sentido, assim se tendo solucionado dúvidas que, a propósito da necessidade – ou não – desse acordo, vinham sendo suscitadas pela nossa jurisprudência.
II – De qualquer modo, para ser determinado o regime de residência alternada terá este que corresponder ao superior interesse da criança, para o que se ponderarão todas as circunstâncias relevantes.
III - Tratando-se de crianças de pouca idade [3 e 5 anos, respetivamente], a residência alternada com ambos os progenitores só deve ser determinada pelo tribunal se entre os progenitores existir capacidade de diálogo, entendimento e cooperação e se entre eles se verificar também a partilha, relativamente aos menores, de um projeto de vida e de educação comuns.
IV - Se entre os progenitores há um clima de conflitualidade, marcado pela recíproca falta de respeito e confiança, e se o regime de residência única com a progenitora vigora desde a separação do casal há cerca de três anos, não se justifica o estabelecimento de um regime de residência alternada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2139/21.0T8MTS-B.P1
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores de Matosinhos – Juiz 2
Apelação (em separado)
Recorrente: AA
Recorridos: BB e Ministério Público
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AA intentou ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra BB relativamente aos filhos menores de ambos, CC e DD.
Apresentou este proposta relativa ao regime de exercício das responsabilidades parentais, pretendendo que a mesma, onde sobressai a guarda partilhada dos menores, seja homologada nos seus exatos termos.
Efetuada conferência de progenitores no dia 13.12.2021 nela não foi possível obter o acordo destes quanto ao regime do exercício das responsabilidades parentais, pelo que se tomaram declarações a ambos com vista à fixação de um regime provisório nos termos do art. 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível [doravante RGPTC].
Finda essa tomada de declarações, o Min. Público promoveu o seguinte:
“Não tendo sido possível obter acordo entre os progenitores, promovo que nos termos do disposto no artigo 38º do RGPTC, seja fixado, provisoriamente, o exercício das responsabilidades parentais relativas à CC e ao DD, nos seguintes termos:
A residência da CC e do DD junto da progenitora, sendo as responsabilidades parentais, nas questões de particular importância da vida das crianças, exercidas por ambos os progenitores;
O progenitor poderá estar com os filhos ao fim de semana, de 15 em 15 dias, entre Sexta feira e Segunda feira.
Para além disso, na semana que anteceder o fim de semana consigo o progenitor poderá estar com o filhos de Quarta para Quinta feira e, na semana que anteceder o fim de semana com a progenitora, o progenitor poderá estar com o filhos de Quarta para Sexta feira, indo para o efeito buscá-los e entregá-los ao estabelecimento de ensino que frequentam.
No período de férias de Verão os progenitores poderão estar com os filhos 15 dias férias, nos termos a combinar entre ambos.
No período de Natal e Ano Novo as crianças passarão as vésperas e dias com os progenitores, de forma alternada.
A título de alimentos dever-se-á fixar uma pensão de alimentos, a cargo do progenitor, no montante de 200,00€ para cada filho.”
Seguidamente a Mmª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho:
“Não foi possível o acordo entre os progenitores quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativas à CC e ao DD, desde logo no que diz respeito a fixação da residência da criança, pretendendo o progenitor que seja fixada uma residência alternada, com o que a progenitora não concorda.
Impõe-se, por isso, proferir decisão provisória nos termos do disposto no artigo 38º do RGPTC.
Para fixação da residência das crianças, importa considerar, desde logo, o circunstancialismo fático indiciariamente apurado, resultante das declarações dos progenitores.
A separação do casal ocorreu em Maio de 2019, o que significa que estão há mais de dois anos separados. Desde então as crianças residem com a progenitora, o que resultou do acordo de ambos os progenitores.
As crianças têm respetivamente 3 e 5 anos. Desde a separação é junto da progenitora com quem têm vivido, apontando os elementos indiciariamente apurados que tem sido a progenitora quem, desde quase nascimento do DD, providenciado pela satisfação das necessidades de ambos, assim apontando a progenitora como progenitor de referência para as crianças.
Por outro lado, o acordo entre os progenitores ao momento da separação, surgindo como elemento densificador do conceito de superior interesse da criança, permite ao Tribunal, concluir, provisoriamente que a residência se fixe junto da progenitora, nos termos em que tem vindo a ser executado, por acordo, entre ambos os progenitores.
Quanto ao regime de visitas, entende o Tribunal que o parecer do Ministério Público vai no sentido do que tem vindo a ser praticado pelos progenitores, permitindo alargar o convívio que tem vindo a ser executado de maneira a fomentar a relação entre o progenitor e as crianças.
De resto, entende o Tribunal que é possível, para além do que foi proposto, dividir de forma igualitária os períodos de férias escolares das crianças.
Quanto a alimentos, na fixação destes deve o tribunal apurar as necessidades de sustento das crianças e a capacidade de contribuição de cada um dos progenitores.
Encontram-se, indiciariamente provadas despesas com as crianças que rondam os 1.450,00€ com a propina do colégio que frequentam incluindo almoço e actividades extracurriculares, a que acresce seguros de saúde e despesas com alimentação. Mostrando-se ainda por apurar aquelas que dizem respeito a vestuário e atividades de lazer com as crianças, que o Tribunal admite, porque o permitem as regras da experiência comum, que ascendam a 50,00€ por mês para cada um.
Assim as despesas globais com o sustento destas crianças ascenderão a cerca de 1.600,00€ por mês.
O rendimento dos progenitores é substancialmente distinto, auferindo o progenitor cerca de seis vezes mais que a progenitora.
Assim sendo a proporção de contribuição de cada um terá que refletir a desproporção dos rendimentos.
Assim sendo entende o tribunal fixar alimentos a cargo do progenitor no montante de 250,00€, quantia a pagar até ao dia oito de cada mês, através de transferência ou depósito bancário para conta a indicar pela progenitora, ficando, para além, o progenitor obrigado ao pagamento das despesas relativas à frequência do colégio por ambas as crianças, como, de resto, tem vindo a fazer até ao momento.
Assim sendo, a decisão do tribunal é fixar provisoriamente o regime relativo ao exercício das responsabilidades das crianças nos seguintes termos:
- fixa-se a residência das crianças junto da progenitora, competindo a ambos o exercício das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância da vida das crianças.
- o progenitor estará com a crianças ao fim de semana, de 15 em 15 dias, indo para o efeito buscá-las na Sexta feira, ao estabelecimento de ensino que frequentam no final das atividade letivas, onde as entregará na Segunda feira no início das atividades letivas.
- na semana que anteceder o fim de semana com a progenitora, o progenitor estará com as crianças de Terça a Quinta feira, indo para o efeito buscá-las na Terça feira, ao estabelecimento de ensino que frequentam no final das atividades letivas, onde as entregará na Quinta feira no início das atividades letivas.
- na semana que anteceder o fim de semana consigo, o progenitor estará com as crianças de Quarta para Quinta feira, indo para o efeito buscá-las, ao estabelecimento de ensino que frequentam no final das atividades letivas, onde as entregará na Quinta feira no início das atividades letivas.
- os períodos de férias escolares, Natal, Páscoa e Verão das crianças serão repartidos de forma igual por ambos os progenitores.
- no período de Natal e Ano Novo as crianças passarão as vésperas e dias alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que nos anos ímpares passarão os dias 24 e 31 de Dezembro com o progenitor e os dias 25 de Dezembro e 01 de Janeiro com a progenitora, alternando nos anos pares, sendo os horários de recolha e entregas das crianças a definir por acordo entre ambos os progenitores.
- domingo de Páscoa, de forma alternada com cada um dos progenitores, sendo que nos pares as crianças passarão o Domingo com o progenitor e nos anos ímpares com a progenitora.
- férias de Verão, de forma repartida, sem prejuízo do período que as crianças passarão com cada um dos progenitores seja definido entre ambos até ao dia 31 de Maio de cada ano.
- a título de alimentos, o progenitor pagará 250,00€ mensais (sendo 125,00€ para cada criança), até ao dia oito de cada mês, através de transferência ou depósito bancário para conta a indicar pela progenitora.
- o progenitor suportará ainda a propina mensal do colégio que frequentam e todas as despesas relativas à frequência escolar, nomeadamente o almoço, atividades extracurriculares e uniformes.”
*
Nos termos do disposto no artigo 38º do RGPTC, e face a concordância das partes, suspende-se a presente conferência remetendo-as para audição técnica especializada, pelo período de dois meses nos termos do artigo 38º b) e 23º, do RGPTC, aguardando os autos nos termos do disposto no artigo 39º, nº 1 do RGPTC.”
Inconformado com esta decisão, interpôs recurso o progenitor, que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 - Nos presentes autos foi realizada a conferência de pais em cumprimento do disposto no artigo 35.º RGPTC.
2 - Atenta a falta de acordo dos Pais, entendeu o Tribunal a quo em fixar provisoriamente o regime a aplicar aos menores, nos seguintes termos:
(segue-se a transcrição do regime provisório fixado na decisão recorrida)
3 - Não pode o Recorrente conformar-se com tal entendimento, porquanto, tal regime, ainda que provisório, impõe aos menores uma instabilidade e imprevisibilidade injustificada no seu quotidiano, desrespeitando manifestamente o seu superior interesse.
4 - Nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 1 e n.º 3 do RGPTC o presente recurso é tempestivo e legalmente admissível.
Isto posto,
5 - O Recorrente apresentou petição com vista à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos.
6 - Para tanto alegou o Recorrente que, no momento da separação de facto, foi acordado que os menores permaneceriam a residir com a Recorrida, atenta a tenra idade do menor DD e ainda o facto deste não frequentar, ainda, a escola.
7 - Sendo condição essencial que o Recorrente pudesse conviver em regime diário com os seus filhos.
8 - Contudo, tal acordo nem sempre foi cumprido pela Recorrida, o que, necessariamente, causou instabilidade e dificuldade no acompanhamento próximo e permanente que o Recorrente exige fazer da vida dos seus filhos.
9 - Paulatinamente a aqui Recorrida foi alterando o seu comportamento, permitindo que fosse estabelecido um regime de maior proximidade, com regularidade de visitas e partilhas de períodos como as férias, os aniversários dos menores e dos pais, ainda assim bem distante das pretensões do Recorrente e do direito dos menores o que motiva e fundamenta a necessidade de recorrer a Tribunal para ver respeitado o Superior Interesse destas Crianças.
10 - Todos estes factos foram levados ao conhecimento do Tribunal a quo que se escusou a promover qualquer ato que permitisse apurar das reais circunstâncias em que as responsabilidades parentais vêm sendo exercidas, que não a simples audição sumária dos progenitores.
11 - Tendo o Tribunal, sem mais, decidido pela aplicação de um regime provisório, de residência e visitas manifestamente alheado das exatas circunstâncias dos menores, pois não se aproxima nem do regime que vinha sendo praticado, nem acautela o Superior Interesse das Crianças.
12 - Na verdade, a decisão quanto à residência exclusiva com a Recorrida e o regime de visitas e pernoitas com o Recorrente revela-se manifestamente desajustado e violador dos direitos das crianças de conviver em condições semelhantes com Pai e Mãe.
13 - Pois que, nos termos fixados pelo Tribunal e na prática, os menores ficarão com o Pai a partir de sexta-feira até à segunda-feira seguinte; ficando com a Mãe desde segunda no final das atividades escolares até terça-feira; a partir desse final de tarde os menores voltam para casa do Pai onde ficam até quinta; sendo que não mais verão o Pai até quarta-feira da semana seguinte.
14 - Não vislumbramos situação de maior instabilidade e imprevisibilidade em crianças de tão tenra idade.
15 - Ainda, e atenta a época de férias e de Natal que se seguiram à conferência de pais, por aplicação do regime fixado, as crianças ficariam sujeitas à seguinte rotina: Os menores ficariam com o Pai desde quarta-feira dia 22 de dezembro, sendo entregues à progenitora no dia 23, quinta-feira; voltando ao Pai no dia 24 (atento se tratar de fim de semana seu e por lhe caber também a ceia do dia 24), passando com a Mãe o sábado, dia 25, voltando a casa do Pai para pernoita, e retomando a casa da Mãe a 27, segunda; aplicando-se ainda, em termos que o Tribunal não definiu, a partilha das férias.
16 - Não se alcança a bondade de tal regime, que se revela violador dos interesses e estabilidade que as crianças, em tão tenra idade, necessitam.
Com efeito,
17- A decisão tomada no momento da separação, em manter a residência com a Recorrida deveu-se, exclusivamente, à idade do filho DD e ao facto deste ainda não frequentar a escola.
18 - Contudo, a realidade dos factos alterou-se - atento o decurso do tempo, mais de dois anos - pois que atualmente o menor DD já frequenta a escola, não carecendo do convívio permanente com a Recorrida, como acontecia nos primeiros meses de vida, o que permitiu que ambos os progenitores estivessem a praticar um regime de uma pernoita semanal com o Pai acrescido de um fim de semana alternado.
20 - Ainda assim, tal revelou-se manifestamente insuficiente e impôs ao Pai o recurso ao Tribunal, cuja decisão alargou apenas para uma noite a mais por semana o tempo com o Pai. Não se compreende o que pode desaconselhar maior convívio com o Pai.
Ademais,
21 - Após a notificação da proposta apresentada nos autos, foi a própria Recorrida que manifestou ao Recorrente a aceitação do alargamento do período de convívio com este, tendo as crianças permanecido com o Pai de forma mais prolongada nas duas semanas que antecederam a diligência, nos mesmos termos já ocorridos nas fárias do Verão.
22 - Pelo que, nada desaconselha a que os menores permaneçam com o Pai em períodos longos.
23 - Ainda que todos estes factos tenham sido levados ao conhecimento do Tribunal a quo, logo no início da diligência e sem invocar qualquer fundamento, tratou o Tribunal a quo de esclarecer os Progenitores que não admitia o regime de residência alternada, ainda que ressalvando que tal poderia vir a ocorrer no futuro.
24 – Tal posição, liminar e não fundamentada, dificultou obviamente a negociação – e eventual acordo - quanto aos restantes pontos que o Tribunal nem tão pouco colocou à consideração da Mãe, Recorrida, o que, a ser cumprido, evitaria certamente dúvidas e incertezas como as que este regime vem trazer.
25 – Aliás a Recorrida questionada apenas quanto à sua aceitação de residência alternada limitou-se a manifestar rejeitar tal hipótese, sem invocar qualquer fundamento ou causa que desaconselhe o regime sugerido, nem para tal tendo sido indagada.
26 - Ao afastar a aplicação da residência partilhada, o Tribunal a quo violou o princípio primordial que deve reger a fixação de qualquer regime tutelar: o superior interesse da criança (conceito contemplado no artigo 3.º da Convenção Europeia dos Direitos das Crianças e concretizado pela nossa superior jurisprudência, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2019, disponível em www.dgsi.pt).
27 - In casu, ao determinar a aplicação deste regime provisório o Tribunal a quo não só violou o superior interesse das crianças como ainda não cuidou de apurar que, o regime de residência alternada já tinha sido experimentado pelo Recorrente e Recorrida, nas férias, com sucesso, não tendo da diligência ou dos elementos juntos aos autos resultado qualquer facto que pudesse desaconselhar tal regime.
28 - Sendo que, esse regime não só é o mais desejado pela igualdade de oportunidades atribuída a cada progenitor de criar laços e acompanhar a vida dos filhos, como ainda é aquele que melhor acautela o superior interesse da criança.
29 - Isso mesmo tem sido acerrimamente defendido pela nossa jurisprudência que afirma que “(…) a guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades (…)”, (in Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07/06/2018, disponível em www.dgsi.pt e ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017, disponível em www.dgsi.pt que afirma que “(…) é o regime que mais evita conflitos de lealdade e sentimentos de abandono ou de rutura afetiva. Só a residência alternada conclama os progenitores para a participação mútua na vida dos filhos, porque permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições (…)”).
30 - Sendo que, vários arestos concluem que “(…) a residência alternada é a que melhor aptidão tem para preservar as relações de afecto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais, (…)” (in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-02-2020 disponível em www.dgsi.com).
31 - Também o nosso legislador, através da Lei nº 65/2020, de 4 de novembro, veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho, ficando agora expressamente previsto a possibilidade de ser fixado o regime de guarda partilhada, com residência alternada, mesmo para os casos em que não haja mútuo acordo entre os progenitores nesse sentido.
32 - Ora, ainda que o caso dos autos não se enquadre em tal previsão, resulta evidente o espírito do legislador em não fazer depender o regime de residência alternada do acordo dos Pais (neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2021 disponível em www.dgsi.pt).
33 - Atento o supra exposto, ao fixar, ainda que provisoriamente, a residência dos menores em exclusivo com a Recorrida, o Tribunal a quo violou o princípio do superior interesse da criança e ainda violou os superiores ensinamentos da nossa jurisprudência, assim como o disposto no artigo 38.º do RGPTC.
Pretende assim que a decisão provisória proferida pelo tribunal “a quo” seja revogada e substituída por outra que determine a residência alternada por forma a garantir o cumprimento do princípio do superior interesse das crianças.
A progenitora apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido, formulando as seguintes conclusões:
1. O regime provisório fixado pelo tribunal recorrido não merece qualquer censura.
2. O requerente pretendia que fosse fixado um regime de guarda partilhada.
3. Não tendo havido acordo entre os pais o tribunal “a quo” entendeu fixar um regime provisório que, aliás de acordo com o parecer do Ministério Público, foi no sentido de manter o que tem vindo a ser praticado pelos progenitores, alargando, no entanto, o convívio entre o recorrente e os filhos.
4. Assim sendo, foi fixado o seguinte quanto ao regime de visitas:
(segue-se transcrição parcial do regime provisório fixado na decisão recorrida)
5. A mãe nunca colocou obstáculos ao convívio entre o pai e os menores.
6. A menor CC tem agora cinco anos de idade e o menor DD tem apenas três feitos recentemente, em Novembro de 2021.
7. A última vez que o recorrente saiu de casa tinha a CC dois anos de idade e o DD apenas cinco meses.
8. Já nessa altura houve consenso entre recorrente e recorrida para o pai estar com os menores às quartas-feiras, durante a tarde, e quinzenalmente aos fins-de-semana.
9. Pelo que os menores não conhecem outra realidade.
10. As crianças estão, pois, perfeitamente adaptadas a este regime.
11. É esta há muito tempo a sua rotina. O DD aliás nunca teve outra, uma vez que quando o pai saiu de casa tinha apenas cinco meses.
12. O regime provisoriamente fixado pelo tribunal recorrido, mais não fez do que manter a residência dos menores junto da mãe, como sempre aconteceu desde que o recorrente decidiu sair de casa e fixar que, quando passam com o pai o fim de semana pernoitam na casa deste de quarta para quinta-feira, já na semana que antecede o fim de semana em que não vão estar com o pai ao fim de semana, para este poder estar mais tempo com os filhos, as crianças pernoitam em sua casa não apenas de quarta para quinta-feira, mas de terça a quinta-feira.
13. O tribunal a quo ao fixar o regime provisório que fixou, manteve a estabilidade na vida das crianças, e as rotinas dos menores, ao mesmo tempo permitiu ao pai aumentar o convívio com os filhos.
14. Não é por os menores já terem três e cinco anos de idade que devem, de um momento para o outro e sem que mais nada se tenha alterado ou o justifique, passar a viver uma semana com cada um dos progenitores.
15. Fixar, sem que nada se tivesse alterado ou justificasse o regime consensual que vem sendo praticado, substituindo-o por um outro em que se fixasse a guarda partilhada dos menores, isso sim, seria causador de grande instabilidade para a vida das crianças.
16. O superior interesse da criança define-se como aquele que se sobrepõe a qualquer outro interesse legítimo e por isso mesmo, entendemos que se deve alterar o menos possível a vida destes menores, que apesar da separação dos pais têm vindo a conviver com ambos os progenitores e com as suas respectivas famílias.
17. Conforme referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/01/2017, disponível in www.dgsi.pt., “O interesse dos menores é certamente o de manterem estreito contacto com os progenitores. Mas, apesar do que se diz sobre a fácil adaptabilidade das crianças a novos cenários, é também o da estabilidade possível num contexto já ele conturbado pela separação dos pais.”
18. O regime provisório fixado pelo tribunal recorrido não gera instabilidade na vida dos menores, tão pouco o gerou na quadra natalícia, uma vez que está de acordo com o defendido pela doutrina e pela jurisprudência, os filhos devem passar a véspera de Natal e de Ano Novo com um dos progenitores e o dia de Natal e de Ano Novo com o outro.
19. O tribunal recorrido ao fixar o regime provisório que fixou não contribuiu de forma nenhuma para a instabilidade destes menores, nem violou o seu superior interesse.
O Min. Público também apresentou contra-alegações no sentido da confirmação do decidido, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) A douta decisão recorrida fixou o regime provisório do exercício das responsabilidades parentais relativas às crianças CC, nascida a .../.../2016, e DD, nascido a .../.../2018, fixando provisoriamente a sua residência junto da progenitora.
2) Inconformado, o progenitor interpôs o presente recurso, pretendendo a revogação da douta decisão provisória e a sua substituição por outra que determine a residência alternada.
3) Assim, a questão a decidir consiste em saber se a douta decisão que fixou, provisoriamente, a residência das crianças junto da mãe deve ser revogada fixando-se um regime provisório de residência alternada.
4) Em síntese, alega o recorrente: “no momento da separação de facto, foi acordado que os menores permaneceriam a residir com a Recorrida, (…). Sendo condição essencial que o Recorrente pudesse conviver em regime diário com os seus filhos …”. “…a Recorrida, foi alterando o seu comportamento, permitindo que fosse estabelecido um regime de maior proximidade, com regularidade de visitas e partilhas de períodos como as férias, os aniversários dos menores e dos pais …”
5) “A decisão quanto à residência exclusiva com a Recorrida e o regime de visitas e pernoitas com o Recorrente revela-se manifestamente desajustado e violador dos direitos das crianças de conviver em condições semelhantes com Pai e Mãe.”. “… ao fixar, ainda que provisoriamente, a residência dos menores em exclusivo com a Recorrida, o Tribunal a quo violou o princípio do superior interesse da criança e ainda violou os superiores ensinamentos da nossa jurisprudência, assim como o disposto no artigo 38.º do RGPTC.
Salvo o devido respeito, ao recorrente não assiste razão.
6) Porquanto, a douta decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo, visto que nela se fez uma correta apreciação dos factos e uma ajustada aplicação do direito.
7) Não podendo a decisão que fixou, provisoriamente, a residência das crianças junto da mãe ser revogada substituída por outra que determine o regime da residência alternada por não ser a solução que, no imediato, salvaguarda o superior interesse das crianças.
8) Atualmente, a CC tem 5 anos de idade, e o DD tem 3 anos. Quando os pais se separaram, em maio de 2019, a CC tinha 3 anos e o DD tinha 6 meses de vida. Desde então, as crianças residem com a mãe, apontando os elementos indiciariamente apurados a mãe como sendo o progenitor de referência para as crianças.
9) Não assiste, pois, razão ao recorrente quando afirma que a decisão, quanto à residência exclusiva com a Recorrida e o regime de visitas e pernoitas com o Recorrente, se revela manifestamente desajustado e violador dos direitos das crianças de conviver em condições semelhantes com pai e mãe, pois,
10) o regime provisório fixado na decisão recorrida respeita e salvaguarda aquele que é o superior interesse das crianças, ao assentar no critério do progenitor de referência, e ao consagrar um convívio alargado das crianças com o progenitor não residente/pai, que permite a manutenção da relação paterno-filial e o estreitamento de laços e afetos.
11) O regime da residência alternada é um sistema que pressupõe uma “guarda conjunta”, na medida em que implica o exercício em comum de todas as responsabilidades parentais, quer das relativas às questões de particular importância para vida do filho, quer das relativas aos atos da vida corrente do filho, nos termos do art.º 1906.º n.º3 do C.C: “o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente (…). No sistema de residência alternada o filho reside habitualmente com ambos os pais, pelo que o exercício de tais responsabilidades cabe a ambos, que as deverão
12) exercer de acordo com linhas de orientação comuns, traçadas em conjunto e atinentes a todos os aspetos da vida quotidiana do filho (alimentação, educação, vestuário, estudos, hábitos de higiene, tempos de lazer, descanso, hora de deitar/levantar etc.), por forma a garantir o desenvolvimento estruturado da criança, que necessita de regras diárias, simples, consistentes e, sobretudo, uniformes e comuns, quer esteja com a mãe, quer esteja com o pai.
13) O exercício em comum das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho, exige um bom relacionamento entre os progenitores, com capacidade de diálogo, de cedência e de concertação entre si, que lhes permita definir e executar linhas comuns no processo socioeducativo da criança, numa constante cooperação e partilha de todos os assuntos a ela respeitantes.
14) Outrossim, outra solução não defenderia os interesses da criança, pois só o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente permitirá à criança manter as suas rotinas, quer esteja com o pai, quer com a mãe, proporcionando-lhe um ambiente estável e securizante, devendo os pais assegurar-lhe a estabilidade necessária implementando as mesmas regras e rotinas, de forma a garantirem o seu crescimento e desenvolvimento equilibrado, harmonioso, saudável e feliz.
15) Apresentando os progenitores dos menores, posições extremadas e discordantes, evidenciando conflitualidade e falta de comunicação, os mesmos não reúnem condições, por agora, para exercer uma guarda conjunta, na qual também as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente dos filhos são exercidas em conjunto por ambos.
16) O superior interesse da criança não passa, necessariamente, pela fixação de um regime de residência alternada, nem uma relação próxima e gratificante com os ambos os progenitores se atinge apenas através da fixação da residência alternada.
17) Se o regime da residência alternada fosse o único que servisse o superior interesse da criança e que lhe garantisse a manutenção de uma relação afetiva de qualidade com ambos progenitores, o legislador tê-lo-ia imposto como “regime regra”, o que não sucedeu, pois,
18) a manutenção de uma relação de grande proximidade com ambos progenitores atinge-se, de igual forma, através de um regime de residência fixa junto de um dos progenitores, com um regime de convívio alargado com o outro, que assegure o estabelecimento/manutenção de laços de vinculação segura entre a criança e o progenitor não residente.
19) Como é o caso do regime provisório fixado na douta decisão recorrida, o qual foi fixado a partir do critério legalmente estabelecido para fixar a residência da criança, que é o interesse da criança, que continuou a ser elegido como critério para a determinação da residência pelo Legislador nas recentes alterações introduzidas ao Código Civil.
20) No caso, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, nomeadamente o conflito entre os progenitores, a fixação dum regime provisório de guarda conjunta com residência alternada não é a solução que, por ora, melhor salvaguarda o superior interesse das crianças.
21) Sendo necessário dirimir a conflitualidade parental existente, criando condições para o exercício de uma coparentalidade positiva, pois só esta garante o superior interesse da CC e do DD, sendo por isso fundamental a fase da audição técnica especializada, para a qual foram remetidas as partes.
22) Por conseguinte, uma decisão que fixasse como regime provisório do exercício das responsabilidades parentais uma guarda conjunta com residência alternada, violaria o disposto no artigo 1906.º n.ºs 5 e 8 do Código Civil, por não ser a solução que melhor acautela e promove o superior interesse da CC e do DD, princípio que a lei elegeu como critério para a determinação da residência da criança.
23) Não violou, pois, a douta decisão recorrida qualquer norma jurídica, nem houve qualquer erro de interpretação das normas e dos critérios que presidem à determinação da residência que foi fixada de harmonia com o superior interesse das crianças.
24) Consequentemente, a douta decisão provisória recorrida não merece qualquer censura ou reparo devendo, em consequência, o recurso ser julgado improcedente, e manter-se aquela decisão nos seus exatos e precisos termos.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se a decisão provisória proferida nos autos deverá ser substituída por outra que, de modo a melhor satisfazer o superior interesse das crianças, determine a residência alternada dos menores com ambos os progenitores.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
1. O recorrente insurge-se contra o regime provisório de exercício das responsabilidades parentais referentes aos menores CC e DD que foi fixado através de despacho judicial de 13.12.2021, onde se determinou que a residência das crianças seria com a progenitora, pretendendo que este seja substituído por outro em que se decida no sentido da guarda partilhada dos filhos com residência alternada entre os dois progenitores.
Na sua perspetiva é este o regime que melhor satisfaz o superior interesse das crianças.
2. O processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais é considerado de jurisdição voluntária, razão pela qual não está o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna - cfr. arts. 12º do RGPTC e 987º do Cód. de Proc. Civil.
Sucede que, nesta matéria, o critério que deve servir de referência ao julgador é o do superior interesse do menor, sendo em função dele que se deve determinar a sua residência, o regime de visitas, o quantitativo dos alimentos que lhe são devidos, bem como a forma de os prestar.
Aliás, no art. 3º, nº 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança[1] estabelece-se que «todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.» O superior interesse do menor surge assim como um conceito jurídico indeterminado que, apesar de “não ser definível, é dotado de uma especial expressividade”, é “uma «noção mágica», de força apelativa e tendência humanizante”; não sendo suscetível de uma definição em abstrato que valha para todos os casos.[2]
Este conceito está intimamente dependente de um determinado projeto de sociedade, de um projeto educativo preciso. Trata-se de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigentes em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar cultural e moral.
A sua eficácia específica permite tomar em conta cada caso particular. O interesse de uma criança não é o interesse de uma outra criança e o interesse de cada criança é, ele próprio, suscetível de se modificar.[3]
3. Na situação “sub judice”, o progenitor/recorrente entende que o regime da residência alternada é o mais adequado não só pela igualdade de oportunidades atribuída a cada progenitor de criar laços e acompanhar a vida dos filhos, como é também o que melhor acautela o superior interesse da criança.
Salienta ainda que o menor DD atualmente já frequenta a escola, não carecendo de convívio permanente com a mãe como sucedia nos seus primeiros meses de vida.
O art. 1906º do Cód. Civil prescreve que nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade e anulação do casamento, a determinação da residência da criança e os direitos de visita devem ser decididos pelo Tribunal, de acordo com o interesse da criança, critério que o juiz deve concretizar, tendo em atenção “todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” - art. 1906º, nº 5 -, aí se incluindo também o interesse em “manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores” - art. 1906º, nº 8.
No nº 6 deste mesmo preceito, com a redação que foi introduzida pela Lei nº 65/2020, de 4.11, estabelece-se, por seu turno, que «quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.»
Não oferece dúvidas que o atual quadro legal permite assim que a residência da criança possa ser, no caso de cessação – ou de inexistência – de convivência em comum dos progenitores, fixada com um deles ou com ambos ou, ainda, da forma que concretamente se revelar mais benéfica para a satisfação do seu interesse.
Com a alteração legislativa produzida pela Lei nº 65/2020, de 4.11 tornou-se entretanto claro que o regime de residência alternada do filho com cada um dos progenitores pode ser determinado ainda que não haja acordo nesse sentido, com o que se solucionaram as dúvidas que vinham sendo suscitadas pela nossa jurisprudência, onde diversas decisões apontavam no sentido de para a fixação deste regime ser necessário o acordo dos progenitores.[4]
4. De qualquer modo, não obstante esta alteração legislativa, a aplicação do regime de residência alternada continua, a nosso ver, a requerer um padrão de exigência elevado na avaliação de cada caso que é submetido à apreciação judicial.[5]
Apenas se afasta, para a sua aplicação, a necessidade de prévio acordo nesse sentido por parte dos progenitores, exigindo-se, porém, que a residência alternada corresponda ao superior interesse da criança, no que se ponderarão todas as circunstâncias relevantes.
MARIA CLARA SOTTOMAYOR (in “Estudos e Monografias – Exercício do Poder Paternal”, Porto, Publicações Universidade Católica, 2003, 2ª ed., págs. 439 a 444) escreve que “a guarda alternada acarreta para a criança inconvenientes graves pela instabilidade que cria nas suas condições de vida e pelas separações repetidas relativamente a cada um dos seus pais, causadas pela constante mudança de residência.”
Afirma ainda esta Sr.ª Conselheira que “a guarda alternada compromete o equilíbrio da criança, a estabilidade do seu quadro de vida e a continuidade e unidade da sua educação, pois não garante a colaboração dos pais no interesse da mesma”, não devendo ser decretada “em casos de conflito parental elevado ou quando um dos pais tem preocupações com a segurança dos filhos junto do outro”.[6]
E a mesma autora (in “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio”, Almedina, 8.ª ed., pág. 397) escreve também que “a residência alternada não é uma solução mágica para um problema difícil. Mesmo nos casos em que ambos os pais têm com os filhos uma boa relação afetiva, a dupla residência faz exigências emocionais às crianças, que não devem ser subestimadas.”
5. No plano jurisprudencial entre os motivos que têm vindo a ser invocados para afastar a guarda alternada contam-se a existência de um clima de animosidade entre os pais[7], a presença de conflitualidade entre os progenitores que assumem modelos educativos não convergentes, mostrando-se incapazes de dialogar e assegurar a estabilidade emocional do menor[8], a existência de conflito pessoal entre os progenitores[9] e a inexistência de acordo nesse ponto entre os progenitores[10]. Também se entendeu que entre os 4 e os 10 anos de idade a residência alternada apenas deve ser adotada, nos casos em que não há conflito parental e em que cada um dos pais pode e deve confiar no outro como progenitor.[11]
Daqui decorre que a razão fundamental que tem levado a nossa jurisprudência a afastar o regime da residência alternada prende-se com a presença de um forte conflito parental e com o latente clima de animosidade entre os progenitores que, particularmente em crianças de tenra idade, em tudo desaconselharia a aplicação deste regime.[12]
Todavia, outras decisões entendem, em sentido oposto, que a conflitualidade dos progenitores não é impeditiva da fixação da residência alternada, reconhecendo-se mesmo ao modelo a virtualidade de pacificar a situação de conflito ou de a atenuar, ou de, ao menos, não a agravar.[13] [14]
6. Prosseguindo, refere-se ainda que HELENA BOLIEIRO (“Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais. A residência alternada: casa do pai – casa da mãe – E agora?” - comunicação apresentada na ação de formação “Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais”, realizada pelo CEJ no dia 1.6.2012) in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 2014, Ebook CEJ p. 24 disponível in http:// www.cej.mj.pt/ cej/ recursos/ ebooks/ familia/ Tutela _Civel _Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf.”) aponta como critérios orientadores para a opção da residência alternada:
- Interesse superior da criança;
- Capacidade de diálogo, entendimento e cooperação por parte dos progenitores;
- Modelo educativo comum ou consenso quanto às suas linhas fundamentais (orientações educativas mais relevantes);
- Proximidade geográfica;
- Vivência de facto que precede a tomada de decisão (qualidade, consistência e duração);
- Opinião da criança;
- Idade da criança;
- Ligação afetiva com ambos os progenitores;
- Disponibilidade dos pais para manterem contacto direto com a criança durante o período de residência que a cada um cabe;
- Condições económicas e habitacionais equivalentes.
7. Ora, para que se possa enveredar pela via da residência alternada é, a nosso ver, essencial “a capacidade revelada pelos pais de pôr de parte os seus diferendos pessoais para atingir decisões em relação aos seus filhos e de reconhecer a importância da manutenção de uma relação próxima do filho com o outro progenitor para o bem-estar daquele. Têm, ainda, os pais que demonstrar, inequivocamente, terem um respeito e uma confiança recíprocos, bem como um nível razoável de comunicação e de vontade de cooperar.”[15]
Por outro lado, o uso da expressão “todas as circunstâncias relevantes” significa que o julgador deve atender aos tradicionais critérios da jurisprudência ligados à determinação de qual dos pais, na constância do casamento ou da vida em comum, desempenhou, em termos predominantes, as tarefas de cuidado primárias em relação à criança no dia-a-dia (a regra da pessoa de referência), em vez de atender a critérios de igualdade formal entre os pais ou a critérios psicológicos, insuscetíveis de medição objetiva, ou de se deixar envolver pelos conflitos parentais e por situações que são transitórias no momento do divórcio.[16]
8. De regresso ao caso dos autos, e sendo manifesto que o regime da residência alternada pressupõe uma guarda conjunta, implica este também o exercício em comum das responsabilidades parentais, quer no que toca às questões de particular importância para a vida dos filhos, quer no que respeita aos atos da vida corrente destes.
Neste regime – de residência alternada – os filhos residem habitualmente com ambos os progenitores, de tal forma que, relativamente a todos os aspetos relevantes da vida dos filhos [alimentação; vestuário; educação; tempos de lazer; tempos de descanso; hábitos de higiene] é aconselhável que entre eles haja sintonia, de modo a que as regras sejam uniformes e comuns, quer os menores estejam com o pai, quer estejam com a mãe.
Ou seja, impõe-se que em relação aos menores os progenitores partilhem de um mesmo projeto de vida e de educação.[17]
9. Acontece que dos autos não flui que entre os progenitores exista, neste momento, um relacionamento que, em relação aos filhos, se paute pelo diálogo, pela cooperação, pelo entendimento.
O que decorre do processo, todo ele consultável na plataforma Citius[18], é antes um clima de conflitualidade em que os progenitores assumem posições extremadas e dissonantes, marcadas pela recíproca falta de respeito e de confiança.
Situação que, a nosso ver, desaconselha a opção pelo regime da residência alternada.
Com efeito, se existe entre os progenitores um manifesto clima de conflito e animosidade e se estamos perante crianças de tenra idade (3 e 5 anos, respetivamente), a opção pela residência alternada, que implica uma guarda partilhada, implicará uma exposição muito acentuada destas aos conflitos entre os progenitores com todos os inconvenientes que daí poderão advir para a sua estabilidade e para a sua saúde física e psíquica.
Deste modo, afigura-se-nos razoável o entendimento em que se preconiza que entre os 4 e 10 anos de idade a residência alternada apenas deve ser adotada nos casos em que não há conflito parental e em que cada um dos pais pode e deve confiar no outro como progenitor.
Acima de tudo, o que se impõe é a preservação da criança dos focos de conflituosidade que possam existir entre os progenitores.
Neste contexto, consideramos que o regime de residência alternada não pode ser encarado como o único que serve o superior interesse da criança, sendo que este interesse pode também ser eficazmente prosseguido através da fixação da residência do menor com um dos progenitores, acompanhada pelo estabelecimento de um alargado regime de visitas em favor do outro progenitor.
10. No caso “sub judice”, no despacho recorrido e nas considerações que antecederam a fixação do regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a Mmª Juíza “a quo” salientou que a separação do casal ocorreu em maio de 2019 e que desde aí as crianças sempre têm residido com a mãe, o que resultou, nesse momento, de acordo de ambos os progenitores.
A mãe assume, pois, perante os seus filhos o papel da pessoa de referência.
Por conseguinte, cremos que a solução adotada pela 1ª instância, em termos de regime provisório, determinando que os menores fiquem a residir com a mãe e que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância sejam exercidas em comum por ambos os progenitores é a que melhor se adequa aos contornos do presente caso, sendo, aliás, esta a situação que se verifica desde a separação do casal em maio de 2019, ou seja, há três anos.
Por seu turno, a simultânea fixação de um alargado regime de visitas a favor do progenitor não residente, como o fez a Mmª Juíza “a quo”, sempre permitirá que entre este e os seus filhos se estabeleçam ou se mantenham os desejáveis laços de afetividade.
Assim, apesar do pretendido pelo progenitor, não cremos que neste momento seja aconselhável evoluir no sentido da residência alternada, o que se nos afigura prematuro, sem prejuízo de tal vir a ser viável no futuro, até porque estamos perante uma decisão de carácter provisório, proferida nos termos dos arts. 38º e 28º do RGPTC, e, por isso, modificável por força da alteração das circunstâncias envolventes.
Como tal, impõe-se a improcedência do recurso interposto e a consequente confirmação da decisão recorrida.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo requerente AA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Porto, 8.6.2022
Eduardo Rodrigues Pires
Márcia Portela
João Ramos Lopes
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[1] Adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 20.11.1989 e ratificada por Portugal em 21.9.1990.
[2] Cfr. MARIA CLARA SOTTOMAYOR, “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio”, Almedina, 8.ª ed., pág. 59.
[3] Cfr. “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, Quid Juris, 2ª ed., págs. 64 e 65 [obra coletiva de Helena Melo, João Raposo, Luís Carvalho, Manuel Bargado, Ana Leal e Felicidade Oliveira].
[4] No sentido da necessidade do acordo dos pais, cfr., por ex., Ac. Rel. Évora de 12.3.2018, proc. 297/15.1T8PTM-C.E1, relator Tomé Ramião, disponível in www.dgsi.pt., onde se escreveu: “Sem o acordo dos pais, parece estar vedado ao juiz fixar um regime de residência alternada.”
[5] Cfr. Acs. Rel. Porto de 13.1.2022, proc. 15438/20.9T8PRT-B.P1 e de 27.5.2021, proc. 3089/17.0T8PRD.P1, ambos relatados por Filipe Caroço, disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. também “Entre Idealismo e Realidade: a dupla residência das crianças após o divórcio”, in “Temas de Direito das Crianças”, reimpressão, Almedina, 2016, pág. 180.
[7] Cfr. Ac. Rel. Porto de 13.5.2014, proc. 5253/12.9TBVFR-A.P1, do presente relator, disponível in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Ac. Rel. Porto de 24.1.2018, proc. 67/13.1TMPRT-E.P1, relatora Fátima Andrade, disponível in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Decisão Sumária da Rel. Coimbra de 4.4.2017, proc. 4661/16.0T8VIS-E.C1, relator Carlos Moreira, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. Rel. Guimarães de 12.1.2017, proc. 996/16.0T8BCL-D.G1, relatora Eva Almeida, disponível in www.dgsi.pt. [atualmente, a inexistência de acordo nesse sentido, independentemente de outros motivos, não é razão para afastar o regime da residência alternada]
[11] Cfr. Ac. Rel. Porto de 28.6.2016, proc. 3850/11.9TBSTS-A.P1, relator Luís Cravo, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. também Ac. Rel. Porto de 7.5.2019, proc. 1655/18.5T8AVR-A.P1, do presente relator, disponível in www.dgsi.pt.
[13] Cfr. Acs. Rel. Coimbra de 27.4.2017, (Maria João Areias), Rel. Lisboa de 12.4.2018 (Ondina Carmo Alves), Rel. Porto de 21.1.2019 (Miguel Baldaia Morais), Rel. Lisboa de 18.6.2019 (Ana Rodrigues da Silva) e Rel. Lisboa de 11.12.2019 (Diogo Ravara), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[14] Após a alteração legislativa decorrente da Lei nº 65/2020, de 4.11. a nossa jurisprudência tem-se mostrado mais recetiva à fixação do regime de residência alternada, embora sem nunca prescindir da avaliação do superior interesse da criança e da ponderação de todas as circunstâncias relevantes – cfr., por ex., Ac. Rel. Lisboa de 11.3.2021, proc. 3597/17.3T8LSB.L1-6 (Maria de Deus Correia) e de 11.1.2022, proc. 20994/15.0T8SNT-E-7 (Pires de Sousa), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[15] Cfr. “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, Quid Juris, 2ª ed., pág. 87.
[16] Cfr. MARIA CLARA SOTTOMAYOR, ob. cit., pág. 45.
[17] Anote-se que, a nosso ver, a rutura da vida em comum não conduz inevitavelmente a um clima de conflito entre os progenitores e a ausência da amizade, e até inimizade, não significa que entre eles não possa existir cooperação e entendimento no que toca à educação e vida dos filhos.
[18] E que bem se evidencia em posterior requerimento junto aos autos pelo progenitor em 18.2.2022 e subsequente resposta da progenitora de 1.4.2022.