Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6000/20.7T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
COMPROPRIEDADE
QUOTAS DOS COMPROPRIETÁRIOS
Nº do Documento: RP202302196000/20.7T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O ónus consagrado na alíneas a), do nº1, do art. 640º, do CPC, (de especificação de concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados), pressuposto do conhecimento do mérito da impugnação da decisão de facto, cuja função é delimitar o objeto do recurso, tem de se mostrar cumprido nas conclusões das alegações, impondo, desde logo, a falta de tal especificação, bem como a falta de especificação da al. b) e da al. c), do referido nº1, em toda a peça das alegações (mesmo no seu corpo), a rejeição do recurso, na vertente de facto (cfr. nº1, do art. 639º e nº1, do art. 640º, daquele diploma legal).
II - Inalterada a decisão de facto e mostrando-se bem subsumido juridicamente o caso, cabe manter a decisão de mérito.
III - Na falta de indicação em contrário do título constitutivo da compropriedade, as quotas dos comproprietários presumem-se quantitativamente iguais (v. nº2, do art. 1403º, do Código Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 6000/20.7T8MTS-A.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
  Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 4


Relatora: Des. Eugénia Cunha
  1º Adjunto:  Des. Anabela Morais
  2º Adjunto: Des. Ana Paula Amorim

           Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorrida: BB

BB, propôs a presente ação de divisão de coisa comum contra AA, pugnando pela indivisibilidade dos dois imóveis de que são ambos comproprietários e peticionando se proceda à sua adjudicação a um dos comproprietários ou a sua venda a terceiro.

Alega, para tanto e em síntese, que é comproprietária, juntamente com o réu, dos dois imóveis melhor identificados na petição inicial, os quais, devido à sua natureza, não podem ser divididos em substância, cada um detendo uma quota de 50%, não pretendendo continuar na referida situação de compropriedade com o réu.

Regularmente citado, o réu apresentou contestação manifestando nada ter a opor à requerida divisão, admitiu a compropriedade alegada pela autora e a indivisibilidade dos dois imóveis em causa, mas impugnou o valor atribuído aos imóveis pela autora e as quotas de cada consorte, em virtude de um alegado investimento monetário superior, por si realizado, aquando da aquisição dos mesmos.

Deduziu, ainda, reconvenção, peticionando a condenação da autora no pagamento de quantias alegadamente devidas pelo diferente investimento realizado pelas partes na aquisição dos bens em divisão, pela realização de benfeitorias num deles, por despesas indevidas com bens próprios da autora e ainda honorários e despesas com a presente ação.

A autora/reconvinda respondeu à reconvenção apresentada, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pelo réu/reconvinte.


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Foi proferido despacho saneador no qual se admitiu parcialmente o pedido reconvencional deduzido pelo réu/reconvinte, quanto ao eventual crédito relacionado com a realização de obras de remodelação (benfeitorias) num dos imóveis em divisão, no valor total de €40.000,00 (quarenta mil euros), se fixou o valor da causa, se julgou o processo isento de nulidades e exceções que obstassem ao conhecimento de mérito, se procedeu à fixação do objeto do litígio e à enunciação dos temas de prova.

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Procedeu-se à produção de provas requeridas pelas partes e, após, foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“De harmonia com o exposto, o Tribunal decide:
I) Julgar a ação totalmente procedente e, em consequência:
a) Reconhecer que autora e réu são comproprietários, em comum e partes iguais, na proporção de 50% cada, da fração autónoma, designada pela letra “I”, destinada a habitação no segundo e terceiro andares centro e vão do telhado e, na cave, dois lugares de garagem I-um, n.º 9 e I-dois, n.º 10 e arrumo I-três, n.º 4, com entrada pela Rua ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número ...-I, da Freguesia ..., afeto ao regime de propriedade horizontal pela AP. de 2005/12/13 Constituição da Propriedade Horizontal, inscrito na matriz sob o artigo ...;
b) Reconhecer que autora e réu são comproprietários, em comum e partes iguais, na proporção de 50% cada, do prédio urbano, composto por casa com dois pavimentos e logradouro, sito na Rua ..., na Freguesia ... e Concelho de Esposende, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o número ..., da Freguesia ... e, inscrito na matriz sob o artigo ....
II) Julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolver a autora do pedido reconvencional formulado pelo réu, atinente ao crédito relacionado com a realização de obras de remodelação (benfeitorias) no imóvel identificado em b).
Custas
Custas da ação a cargo da autora e réu, na proporção de metade cada um.
Custas da reconvenção a cargo do réu, atento o seu total decaimento”.

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Apresentou o Réu recurso de apelação, pugnando por que seja alterada a decisão recorrida com base nas seguintes

CONCLUSÕES:

A) O Juiz a quo não se pronunciou sobre a factualidade descrita na alínea a) da sentença recorrida;

B) O Juiz a quo, fez tábua rasa dos documentos apresentados pelo R./Recorrente e, considerou essa matéria como não provada;

C) O Juiz a quo, não se convenceu da existência de qualquer “acordo” ou “consentimento” da A. na divisão da compropriedade em termos não igualitários, com base na não produção de prova, que salvo melhor opinião, existiu e foi junta pelo R.;

D) O Juiz a quo formou a sua convicção atendendo apenas ao teor das escrituras de compra e venda dos imóveis;

E) O Juiz a quo olvidou a apreciação e consequente pronúncia sobre os documentos juntos pelo R./Recorrente, em, que apresentou todos os valores que custeou sozinho, desde o contrato promessa de compra e venda, ao valor de empréstimo dos seus pais para reforço do sinal do contrato promessa de compra e venda, aos valores de prestações bancárias, IMI, condomínio e seguros que suportou sozinho durante 14 meses, tempo em que esteve separado de facto da A./Recorrida, bem como, os valores de prestações bancárias, IMI, seguros e condomínio desde a saída da A./Recorrida de casa, ou seja, desde outubro de 2020;

F) É injusta e não equitativa a decisão do Tribunal a quo no não reconhecimento de uma compropriedade desigual entre R. e A.;

G) É injusta e não equitativa a decisão do Tribunal a quo que condena o Recorrente nas custas de proporção de metade cada um.


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           Respondeu a Autora pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão do tribunal de primeira instância, apresentando as seguintes

CONCLUSÕES

1. O Recorrente não delimita, nas conclusões do seu recurso, os pontos concretos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e qual a decisão que deveria ser proferida em substituição da impugnada

e por que motivos, não dando assim cumprimento ao ónus legal que sobre si impendia, ex vi artigo 640.º n.º 1 al a) CPC, situação que importa a rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao seu aperfeiçoamento/suprimento.

2. O Recorrente não cumpriu o ónus decorrente do artigo 640.º n.º 2 al. a) do CPC, uma vez que, não indica com exatidão as passagens nem procede à transcrição dos excertos que considera relevantes do único meio probatório gravado em que se funda o seu recurso e respetiva impugnação da matéria de facto, o que importa a rejeição do recurso nessa parte, ex vi art. 240.º n. 2 CPC.

3. A rejeição do recurso nessa parte significará que o recurso do Recorrente não mais compreenderá no seu objeto a impugnação da matéria de facto por meio da reapreciação da prova gravada, pelo que, não beneficia o Recorrente do acréscimo de prazo de interposição previsto no n.º 7 do artigo 638.º do CPC, pelo que, o recurso em apreço é extemporâneo por ter sido apresentado em momento posterior ao do término do prazo regular de interposição, previsto no artigo 638.º n.º 1 do CPC, devendo assim ser recusado.

4. O recurso, em caso algum pode servir para obter um novo julgamento, agora em 2ª instância, dado que o objeto do recurso é a decisão recorrida e não o julgamento da causa, propriamente dito, pois a produção da prova decorre perante o tribunal de 1ª instância e no respeito de dois princípios fundamentais: o da oralidade e o da imediação e com isso visa-se assegurar o princípio basilar do julgamento: o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador.

5. Quando a decisão do julgador se estriba na credibilidade de uma fonte probatória assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a pode censurar se ficar demonstrado que o iter da convicção trilhado pelo tribunal de 1ª instância ofende as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos, o que não é manifestamente o caso, dado que a sentença proferida foi exemplar na sua fundamentação lógica, plenamente justificada e sempre coerente na apreciação dos meios de prova.

6. O Tribunal recorrido não cometeu qualquer erro de julgamento (quanto à matéria de facto ou aplicação do Direito), pelo que, a decisão recorrida mostra-se correta e fundamentada, não sendo merecedora de qualquer censura.


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           Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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            II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

           Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª- Quanto à impugnação da decisão de facto:
 1.1 - Da inobservância dos ónus de impugnação da decisão de facto;
2ª- Da modificabilidade da decisão de mérito.

   3ª - Da responsabilidade tributária.


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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

            1. FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão (transcrição):

a. FACTOS PROVADOS

1. Por escritura pública outorgada em 26 de janeiro de 2006, autora e réu adquiriram à sociedade A..., Lda., a fração autónoma, designada pela letra “I” destinada a habitação no segundo e terceiro andares centro e vão do telhado e, na cave, dois lugares de garagem I-um, n.º 9 e I-dois, n.º 10 e arrumo I-três, n.º 4, com entrada pela Rua ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número ...-I, da Freguesia ..., afeto ao regime de propriedade horizontal pela AP. de 2005/12/13 Constituição da Propriedade Horizontal, inscrito na matriz sob o artigo ....

2. A aquisição do imóvel melhor descrito em 1., encontra-se registada sob a AP. ..., de 2005/12/20.

3. Para aquisição da fração autónoma identificada em 1., autora e réu recorreram a financiamento bancário junto da Banco 1..., S.A., contraindo:

(i) um mútuo no valor de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), e

(ii) um empréstimo multiopções no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), tendo constituído duas hipotecas voluntárias sobre o referido imóvel, a favor dessa entidade, que se encontram averbadas ao registo sob as AP. ... e ..., de 2005/12/20.

4. Por escritura pública outorgada em 08 de agosto de 2013, autora e réu adquiriram a CC o prédio urbano, composto por casa com dois pavimentos com 10 divisões e logradouro, sito na Rua ..., na Freguesia ... e Concelho de Esposende, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o número ..., da Freguesia ... e, inscrito na matriz sob o artigo ....

5. A aquisição do imóvel melhor descrito em 4., encontra-se registada sob a AP. ..., de 2013/08/08.

6. Os títulos constitutivos de aquisição da compropriedade dos imóveis identificados em 1. e 3. são omissos quanto à medida das quotas a atribuir a cada um dos comproprietários.

7. Autora e réu nunca foram casados entre si.


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b. FACTOS NÃO PROVADOS

O Tribunal considera que não se apuraram os seguintes factos:

a) Das várias conversas entre réu e autora, esta sempre assumiu que a quota que lhe compete na divisão dos imóveis em compropriedade, não poderia ser igual à do réu, uma vez que o investimento não foi o mesmo.

b) Foram efetuadas obras de reabilitação no prédio urbano identificado em totalidade pelo réu.


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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Da impugnação da decisão de facto:

1.1 - Da inobservância dos ónus de impugnação.
Cumpre começar por decidir da impugnação da decisão de facto para que, ante a definitiva definição dos contornos fácticos do caso, possamos entrar na reapreciação da decisão de mérito.
Antes, porém, cabe analisar a questão da observância dos ónus, para tanto, impostos ao recorrente que impugne a matéria de facto (questão adjetiva, prévia à análise da apreciação de mérito da impugnação).
Encontram-se os ónus de impugnação da decisão de facto enunciados nos nº1, do art. 639º e nos nº1 e 2, a), do art. 640º, decorrendo eles dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, visando garantir a seriedade e a consistência do recurso e assegurar o exercício do contraditório.
Comecemos por referir que, na verdade, os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação.
Na verdade, a lei adjetiva, que no nº1, do art. 639º, consagra o ónus de alegar e de formular conclusões, estabelece que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º).
E o art. 640º consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que:
 “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:
“a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Verifica-se, no caso, que não cumpriu o apelante os ónus, que lhe estão cometidos pelo nº1, do referido artigo 640º, sendo de rejeitar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, pois que a mesma, desde logo, não especificou nas conclusões das alegações, a delimitar o objeto do recurso, os concretos pontos de facto, provados e/ou não provados , que considera incorretamente julgados (al. a), do referido nº1).
E como analisou o STJ, na Decisão de 27/9/2023, proferida no proc. nº2702/15.8T8VNG-C.S1 que, por bem esclarecedora, se cita:
Com ampla sedimentação na jurisprudência deste tribunal, no funcionamento dos efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, do CPC, devemos distinguir, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da  indicação dos concretos meios probatórios convocados e da decisão a proferir, a que aludem as alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 640º, que integram o denominado ónus primário, atenta a sua função de delimitação do objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
 De outro lado, o requisito da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, para permitir que a Relação aceda de forma dirigida aos meios de prova gravados, que o recorrente entende necessários à reapreciação do sentido probatório dos factos impugnados.
 Ora, perante alguma dificuldade na aplicação do dispositivo legal em certas casuísticas, na aferição do cumprimento dos aludidos ónus pelo recorrente, devem perseverar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, modelando na medida necessária, os requisitos de forma.
 Tal como reiterado em diversos arestos deste Supremo Tribunal , v.g., «I.  Constitui jurisprudência do STJ que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640.º do CPC deve ser compaginada com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo-se maior relevo aos aspectos de  ordem material em detrimento das questões formais.(…)»; « (…)III - De acordo com a orientação reiterada do STJ, a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal.(...)» .[1]
 No mesmo percurso, salienta o Acórdão do STJ de 19.01.2023 - «Entre os corolários do ónus de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consagrado no n.º 1 do art. 640.º do CPC, está o de que o recorrente deve sempre indicar nas conclusões do recurso de apelação os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados
 Por último, ainda na órbita do debate das exigências previstas no artigo 640º,  nº1, do CPC, desenha-se como jurisprudência constante deste tribunal, o limite  do cumprimento do ónus primário ( al) a) nas conclusões de recurso , como  pontifica, entre outros, o Acórdão do STJ de 22.09.2022 - « II -Nesta linha  interpretativa, tem vindo a admitir-se que, no que se refere às exigências das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC, possam as mesmas ser cumpridas apenas no corpo das alegações. Já quanto ao ónus da alínea a) da mesma disposição legal, afigura-se que a jurisprudência não se encontra estabilizada, não obstante se admitir que tem vindo a prevalecer o sentido de que o incumprimento de tal ónus nas conclusões recursórias implica a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto. »[2] (negrito e sublinhado nosso).
Pacífico vem sendo, na verdade, na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, ónus este que permite circunscrever o objeto do recurso no que concerne à decisão de facto. Deste modo, mesmo na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, vem a ser manifestada, reiteradamente, posição no sentido de, para cumprimento dos ónus impostos pelos art.s 639º e 640º, do CPC, o recorrente ter que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso, podendo os demais ónus impostos vir cumpridos apenas no corpo das alegações.
Com efeito, fixada foi, até, já, jurisprudência no sentido de “Nos termos da alínea c), do nº1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, nas alegações[3].
Ora, manifesto é que o Recorrente não cumpriu aqueles ónus, pois que não indicou nas conclusões do Recurso, a matéria de facto que pretendia impugnar, como se pode verificar de uma leitura das conclusões, supra, e não indicou nas alegações, ao menos no seu corpo, a decisão alternativa pretendida para os concretos pontos que indicasse como impugnados (isto, que não efetuou, sequer, no corpo das alegações). Não circunscreveu a recorrente o objeto do recurso no que concerne à matéria de facto, nos termos exigidos pelo legislador e interpretados pelos Tribunais Superiores, em obediência ao imposto pela citada al. a), do nº1, do art. 640º, do CPC, nem observou os ónus exigidos pelas al.s b) e c), desse mesmo nº1, e, também, não cumpriu o estatuído na al. a), do nº2, do art. 640º.
Efetivamente, não indica o apelante concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, de modo especificado, para além de não referir as específicas alterações que considera deverem ser introduzidas (não mencionando, especificamente, a decisão alternativa por si proposta por contraponto à decisão proferida quanto a cada ponto impugnado) e não indica concretos meios probatórios que imponham decisão diversa. E não o faz nas conclusões das alegações nem no próprio corpo das alegações.
Assim, não tendo o apelante cumprido os ónus que lhe estão cometidos pelo nº1 e 2, a), do referido artigo, os requisitos habilitadores ao conhecimento impugnação, não estando preenchidos os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão de facto, não pode o recurso na vertente da impugnação da decisão de facto deixar de ser rejeitado, rejeitando-se, pois, o mesmo, nessa parte.


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2. Da modificabilidade da decisão de mérito.

Apreciada a questão prévia da inobservância dos ónus de impugnação da matéria de facto, cumpre referir que dependendo a procedência do recurso em termos jurídicos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, da prévia procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo o apelante logrado impugnar, com sucesso, tal matéria, que assim se mantém inalterada, prejudicado ficaria o conhecimento daquela - v. nº2, do art. 608º, aplicável ex vi parte final, do nº2, do art. 663º e do nº 6, deste artigo.
Sempre se decide, contudo, que não resultou provado que as quotas da autora e réu fossem quantitativamente diferentes. Não resultou provado que tivesse sido desigual o montante desembolsado por cada uma das partes para a aquisição dos imóveis em questão, compropriedade de ambos, nem, ainda, que tivesse havido qualquer acordo de diferenciação, de alteração, qualquer modificação quantitativa das quotas, isto é, qualquer acordo modificativo de repartição de quotas entre os comproprietários.
E, com efeito, qualquer acordo modificativo de repartição de quotas, como bem refere Elsa Sequeira Santos, sempre corresponderia a “um ato de alienação, estando sujeito às respetivas normas de forma e publicidade[4].
Mostrando-se as aquisições em causa registadas a favor de ambas as partes, sem qualquer referência a uma diferente atribuição de quotas, na falta de indicação em contrário nos títulos constitutivos, como sucede no caso dos autos, as quotas dos comproprietários ter-se-ão de presumir quantitativamente iguais (cfr. art. 1403º nº 2 do Código Civil).
           Destarte, atenta a factualidade provada, as quotas da Autora e as do Réu sobre os imóveis a dividir, supra referidos, são iguais, como bem decidido foi, e, assim sendo, não pode ser fixada a responsabilidade tributária do Réu, no que respeita às custas da ação, em parte inferior à determinada pelo Tribunal a quo (“metade cada um”).

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.


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3. Da responsabilidade tributária.

As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente dada a total improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).


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            III. DECISÃO

           Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.


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            Custas pelo apelante – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.


Porto, 19 de fevereiro de 2024

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Anabela Morais
Ana Paula Amorim
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[1] De 07-11-2019 – Revista n.º 162867/15.0T8YIPRT.L1.S1; de 08-02-2018, Revista 8440/14.1T8PRT.P1.S1, ambos desta 2ª secção, in www.dgsipt
[2] Na Revista n.º 3160/16.5T8LRS-A.L1-A.S1 in www.dgsi.pt.
[3] AUJ de 17/10/2023, proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1
[4] Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, volume II, 2017, Almedina, pág. 215