Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
268/21.9T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO
QUESTÕES RELATIVAS AO NEGÓCIO
LITISCONSÓRCIO
LEGITIMIDADE PARA REQUERER A FIXAÇÃO DE PRAZO
VALOR DA ACÇÃO
Nº do Documento: RP20210427268/21.9T8VCD.P1
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A ação de fixação judicial de prazo tem como objeto único, a fixação de um prazo, adequado e razoável, para o cumprimento de uma obrigação.
II - Trata-se de um processo de jurisdição voluntária com uma tramitação simples e expedita, como decorre do disposto nos artºs 292º e segs e 986º e sgs do CPC, em que a o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita; nos processos de jurisdição voluntária, a função exercida pelo juiz não é estritamente a de intérprete e aplicador da lei.
III – Nestes processos não se discutem quaisquer questões substantivas relativas ao negócio cujo prazo se pretende fixar nomeadamente quanto à indagação da validade, modificação ou resolução do mesmo.
IV - Em regra, o litisconsórcio necessário, ativo ou passivo, não se aplica na ação especial para a fixação judicial de prazo quando esteja em causa a determinação de um prazo para a eficácia de um contrato.
V – Sempre que um dado interveniente nesse contrato requeira a fixação de prazo deve poder faze-lo ainda que os demais intervenientes no negócio, incluindo os concelebrantes, no caso promitentes-vendedores, por qualquer motivo, o não queiram fazer.
VI – A ação de fixação judicial de prazo no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel não diz respeito a interesses imateriais nos termos e para os efeitos previstos no artigo 303º, nº1 do Código do Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 268/21.9T8VCD.P1

Sumário
(artigo 663º, nº7 do CPC)
………………………………
………………………………
………………………………
*
Acórdão

I – Relatório
B… e marido C…, D… e marido E…, F…, G… e mulher H…, I…, J…, K…, L…, intentaram acção especial de fixação de prazo, prevista nos arts. 1026º e 1027º do C. P. Civil contra M…; N… e marido O…; P…, Q… e mulher S…, T…; U… e mulher V…; W…, X…, Y… e mulher Z…; AB…; AC… e marido AD…; AE… e marido AF…; AG… e marido AH….
Alegam, em síntese, que foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel em que foram promitentes vendedores AI…, na qualidade de usufrutuário, B…, aqui Requerente, AE…, aqui Requerida, D…, aqui Requerente, AG…, aqui Requerida, F…, aqui Requerente, H…, aqui Requerente, I…, aqui Requerente, P…, aqui Requerida, Q…, aqui Requerido, T…, aqui Requerida, U…, aqui Requerido, J…, aqui Requerente, K…, aqui Requerente, Z…, aqui Requerida, L…, aqui Requerente
Mais alegam que foram no contrato promitentes-compradores M… e N…, agora demandados, e que naquele contrato não foi estabelecido qualquer prazo para a outorga da escritura correspondente. Assim, embora os autores tenham vindo a insistir junto dos promitentes- compradores para que marquem uma data para a outorga da escritura, não obtiveram qualquer resultado pelo que intentaram a presente acção.
Após o descrito petitório, o tribunal de primeira instância proferiu liminarmente a sentença, ora sob recurso, a qual se transcreve na respetiva fundamentação e parte dispositiva:
A legitimidade é um pressuposto processual, cuja falta configura uma excepção dilatória, que se encontra contemplada na alínea e), do artigo 577.º, do Código de Processo Civil, pelo que, impõe-se apreciar da excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva, nos presentes autos.
Como é sabido, a legitimidade das partes constitui um pressuposto processual de cuja verificação depende a possibilidade de o juiz «proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida» – cfr. ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1985, p. 104 e 105.
Com efeito, para que se possa conhecer do mérito da causa, mister se torna que as partes, além de possuírem personalidade e capacidade judiciárias, tenham legitimidade para a acção. Todavia, enquanto a personalidade e capacidade judiciárias constituem uma qualidade das partes, genericamente exigida para todos os processos ou alguns deles, já a legitimidade consiste na posição da parte numa determinada acção.
O conceito de legitimidade enquanto pressuposto processual geral exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido), sendo de aferir, em consonância com o n.º 2, do artigo 30.º, do Código de Processo Civil «pelo interesse direto em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação, e pelo interesse direto em contradizer, exprimido pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (…)» (cfr. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, Coimbra Editora, pág. 51).
Neste domínio, estatui ainda o n.º 3 do citado art. 30.º Código de Processo Civil que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como esta é configurada pelo autor. O mesmo é dizer que a legitimidade se afere por referência à relação jurídico-processual, sem apelo à posição efetiva das partes no que concerne à relação material litigada. Por outro lado, situações há em que a legitimidade só se mostra assegurada pela intervenção plural da(s) parte(s). Assim, há litisconsórcio (arts. 32.º a 35.º do CPC) quando a relação material respeita a várias pessoas mas é única, isto é, há pluralidade de partes mas unicidade da relação controvertida, podendo o mesmo ser voluntário [os interessados podem demandar ou ser demandados, mas a falta de qualquer deles não gera ilegitimidade – 32.º, nºs 1 e 2 do CPC], conveniente [para obter a condenação de dois devedores em regime de conjunção, dos dois cônjuges casados em separação por dívida comunicável – arts. 1691º e 1695º, nº 2, do CC] ou necessário [todos os interessados devem demandar ou ser demandados e a falta de qualquer deles origina ilegitimidade – 33.º e 34.º, do CPC].
A acção especial de jurisdição voluntária, para a fixação judicial de prazo, encontra-se disciplinada nos artºs 1026.º e 1027.º do Cód. de Proc. Civil.
A procedência respectiva, nos termos do disposto no primeiro dos supra citados normativos, encontra-se, exclusivamente, dependente da circunstância de o requerente justificar o pedido de fixação de prazo, não sendo de exigir que faça prova dos seus fundamentos.
O poder jurisdicional esgota-se, neste tipo de acções, com a mera fixação de um prazo. É essa a sua finalidade e escopo exclusivos, não cabendo no respectivo âmbito a indagação sobre a existência ou a validade da obrigação ou a definição dos direitos subjacentes [neste sentido, vd., entre outros, Ac. da RP de 16/02/89, CJ, 1989, Tomo I, p. 164 e ss.; Ac. da RP de 15/01/96, WWW.dgsi.pt/jtrp, proc. nº: 9550155, número convencional: JTRP00017650].
Ora, estando em causa um contrato de promessa de compra e venda, entendemos que existe litisconsórcio necessário activo por parte de todos os contraentes contratuais, neste caso, de todos os promitentes vendedores, para que possa ficar definitivamente resolvida a questão da fixação do prazo.
No caso dos autos, a acção não foi intentada por todos os promitentes vendedores, nem é possível, face às disposições aplicáveis aos processos de jurisdição voluntária (artigos 292.º a 295.º do CPC ex vi artigo 986.º do CPC), convidar os requerentes a fazer intervir no lado activo, através de incidente próprio, os demais promitentes vendedores.
Na realidade, os processos de jurisdição voluntária têm normas específicas aplicáveis, com um regime simplificado, não lhes sendo aplicáveis as regras supletivas do processo comum, nomeadamente a dos incidentes de intervenção de terceiros.
Assim, estamos perante uma excepção dilatória, que determina a absolvição dos Réus da instância, sendo ainda uma excepção de conhecimento oficioso (cfr. artigos 278.º n.º 1 alínea d), 576.º, n.º 2, 577.º, al. e) e 578.º, todos do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, julgo os Autores parte ilegítima na presente acção, por preterição do litisconsórcio necessário activo, absolvendo os Réus da instância.
Registe.
Notifique.
Custas pelos Autores – art. 527º, nº 1 do Código Processo Civil.
Valor da acção: Nos termos dos artigos 296.º, 303.º, 310.º e 306.º do Código de Processo Civil, fixo o valor da acção em €30.000,01 (uma vez que o processo de fixação judicial do prazo, previsto nos artigos 1026.º e ss. do CPC, é um processo de jurisdição voluntária, e o objecto do mesmo não tem expressão pecuniária.)
Rectifique-se.
*
Os requerentes não se conformaram com o decidido e deduziram o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:
a) A decisão de que se recorre, no que se refere à ilegitimidade dos A.A., entra em manifesta contradição, porquanto, embora cite o art. 30º, nº 3, do C. P. Civil, na parte em que nos diz que ao que se deve atender é à relação controvertida, “tal como é configurada pelo autor”, depois conclui que a relação controvertida não é essa, mas sim a que é configurada pelo tribunal, ou seja, a que se colocaria se se estivesse a discutir o próprio contrato -promessa ou o contrato que nele se promete.
b) E a contradição eclode também, porquanto na decisão se reconhece, e bem, que, numa acção para fixação de prazo, o que está em causa não é a matéria do contrato a que a fixação de prazo se reporta, mas sim apenas a razoabilidade do prazo a fixar.
c) A relação controvertida, tal como é configurada pelos A.A., é que estes, dado o sucessivo retardamento na marcação da escritura de compra e venda, querem que seja fixado um prazo para o efeito, e tanto os promitentes-compradores como os restantes promitentes-vendedores nada fazem para isso, apesar de instados; por isso, todos os R.R. da acção são titulares do interesse em contradizer, e a decisão recorrida em vez de ser consentânea com o disposto no art. 30º, nº 3, do C. P. Civil, está com ele em absoluto desacordo.
d) Isto dá legitimidade aos A.A. para, só por si, instaurarem esta acção, que nada tem a ver com a discussão do contrato promessa ou do contrato prometido, porque são titulares de interesse próprio em deduzi-la, tal como os demais promitentes-vendedores e os promitentes-compradores são os titulares do interesse eventual em contradizê-la.
e) E nenhum deles fica prejudicado com isso, visto que estão na acção, e podem contestá-la ou confessá-la.
f) A tese da sentença de que era necessário fazer intervir os demais promitentes-vendedores como A.A. leva a um beco sem saída, porque a controvérsia é precisamente com eles, o processo para fixação do prazo não admite o requerimento de intervenção, tal como só seria possível com uma acção com processo comum, mas esta não pode ser usada para fixar o prazo.
g) Afigura-se-nos, de qualquer modo, que os A.A., só por si, têm legitimidade para intentar esta acção, porque estão em situação similar à de comproprietários e herdeiros no que se refere, quanto a estes, à reivindicação de coisas pertencentes à compropriedade e ao património hereditário.
h) Por outro lado, tem a decisão de que se recorre que ser revogada quanto ao valor que lhe foi atribuído.
i) A fixação de um prazo para um contrato não é destituída de valor, não corresponde a um interesse imaterial, sendo evidente o interesse material dos A.A. em que o prazo seja fixado para que brevemente possam receber a sua parte do preço - o que corresponde a um interesse bem material.
j) Nesta parte, a decisão recorrida exorbita do disposto no art. 303º do C. P. Civil e é com ele contraditória.
Terminam os apelantes peticionando que seja dado provimento ao recurso, reconhecendo-se aos A.A. legitimidade para, só por si, intentarem a presente acção, devendo ainda revogar-se a decisão que atribuiu à ação o valor de 30.000,01€.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado, no essencial, pelas conclusões das alegações dos recorrentes. Assim, temos em causa nos autos a questão de discernir sobre a legitimidade dos autores para a presente ação especial de fixação judicial de prazo. Importa ainda fixar o valor da presente ação.

III - Fundamentação de Direito
A ação especial de fixação judicial de prazo encontra-se legalmente prevista no art.º 1026º do Código do Processo Civil (CPC): “Quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indica o prazo que repute adequado.” Os termos posteriores são os previstos no artigo seguinte (1027.º): a parte contrária é citada para responder; se não o fizer, é fixado o prazo proposto pelo requerente ou o julgado razoável pelo juiz; se houver resposta, o juiz decide, após as diligências probatórias tidas como necessárias.
Estes dois preceitos concatenam-se com o artº777.º do Código Civil, o qual, sob a epígrafe “Determinação do Prazo” estatui:
“1. Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.
2. Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.”
Ou seja, esta ação de fixação judicial de prazo tem como objeto único, a fixação de um prazo, adequado e razoável, para o cumprimento de uma obrigação; torna-se necessária tal definição, quer porque as partes o não fizeram quer porque credor e devedor não chegaram a acordo sobre esse ponto.
O fim ulterior visado, uma vez fixado o prazo, será o de permitir ao requerente poder contar com uma data limite para o cumprimento da obrigação, indispensável, desde logo, para a determinação da mora.
Em termos processuais, trata-se de um processo de jurisdição voluntária com uma tramitação simples e expedita, como decorre do disposto nos artºs 292º e segs e 986º e sgs do CPC, em que a o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, “devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (artigo 987º do CPC). Nos processos de jurisdição voluntária, a função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e aplicante da lei, mas age mais como “gestor de negócios” – negócios que a lei colocou sob a fiscalização do Estado através do poder judicial (neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 66).
Importa ainda sublinhar que neste processo não se discutem questões substantivas relativas ao negócio cujo prazo se pretende fixar, quais sejam vícios como o de inexistência, nulidade ou prescrição da obrigação ou quaisquer outros, por se incluírem nos temas a resolver no âmbito da ação comum que, possivelmente, se seguirá (vide, por todos, recenseando toda a jurisprudência atinente sempre no mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Évora de 25.01.2018, processo nº 238/16.9T8ELV.E1, disponível em dgsi.pt).
Esta delimitação circunscrita do objeto do processo – a mera fixação de um prazo – e a natureza do processo, que é de jurisdição voluntária, já nos remete para uma conclusão segundo a qual não será necessária a imposição de um litisconsórcio necessário, seja do lado passivo ou ativo.
Nos termos do artigo 33º do CPC, existe uma situação de litisconsórcio necessário quando a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, ou quando a própria natureza da relação jurídica exija essa intervenção para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
A douta sentença apelada entendeu, no âmbito do contrato promessa de compra e venda de um imóvel, que para a fixação de prazo requerida, no âmbito do presente contrato promessa de compra e venda, exigir-se-ia a presença de todos os promitentes vendedores (litisconsórcio necessário ativo). Note-se que, na presente acção, todos os atuais intervenientes no contrato foram demandados, incluindo aqueles que, figurando como promitentes-vendedores, entenderam não requerer a fixação judicial de prazo; foram demandados pelos restantes promitentes-vendedores, ora requerentes, surgindo, portanto, como requeridos, juntamente com todos os promitentes-compradores.
Ora, estando em causa apenas a determinação de um prazo, no âmbito de um processo em que se pretende, como explicamos acima, encontrar, através da intervenção jurisdicional, a melhor forma de gerir um dado negócio, dando-lhe um destino, não vislumbramos, salvo o devido respeito, estarmos perante uma situação concreta que deva espoletar a exigência de um litisconsórcio necessário (no caso, ativo). Percorrendo o citado artigo 33º do CPC, a lei não o impõe, naturalmente, até por estarmos perante um processo de jurisdição voluntária destinada a “gerir” por via judicial um dado momento negocial; o negócio também não na medida em que não está em causa a discussão do contrato-promessa outorgado pelas partes, a sua validade, subsistência ou efeitos, e, finalmente, está plenamente assegurado o efeito útil normal da decisão a emitir com eventual indicação de um prazo para a concretização do contrato na medida em que todos os contratantes se encontram presentes nesta ação, seja do lado ativo, como demandantes, seja do lado passivo, como demandados.
Tal como foi estruturado o requerimento inicial os autores entendem que no contrato em apreço não foi fixado um prazo para a celebração do contrato de compra e venda (contrato prometido) e o pedido formulado é, justamente, que seja fixado aos promitentes-compradores e demais requeridos (promitentes-vendedores) um prazo de trinta dias, para a celebração do contrato de compra e venda previsto no contrato-promessa relativo ao imóvel nele identificado.
Na hipótese de procedência do pedido, uma vez fixado pelo tribunal um prazo para que se outorgue o contrato prometido, todos os participantes poderão invocar, utilmente, eventuais vícios do negócio que justifiquem essa não outorga; o que não nos parece poder ser rejeitado é o direito de qualquer um deles, acompanhado ou desacompanhado dos demais, a que seja fixada uma data limite a partir da qual se terá eventualmente de converter uma promessa na venda efetiva.
A presente ação existe para que, numa determinada relação jurídica, provando-se não ter sido, por acordo, fixado qualquer prazo para obrigações contratualmente assumidas, o tribunal fixe esse prazo, a requerimento de qualquer um dos interessados. O tribunal limita-se a suprir a vontade das partes na determinação de um dos elementos do acordo, não decide da existência, validade, exigibilidade ou obrigação de o cumprir; por isso, deve inexistir a imposição de um qualquer litisconsórcio.
De outro modo, de forma labiríntica e como se aventa nas alegações de recurso, caso exigíssemos, nestes autos, que os demandantes se fizessem acompanhar dos demais promitentes-vendedores, tendo em conta a impossibilidade de os convocar processualmente no âmbito do presente processo de jurisdição voluntária, como a sentença recorrida bem anota, restaria apenas aos autores intentar uma ação declarativa comum concernente ao cumprimento do contrato prometido na qual, todavia, permaneceria sempre a ausência de um requisito prévio para o mesmo: justamente a definição do prazo para a eficácia do negócio.
Julgamos, portanto, que, uma vez presentes nesta ação todos os diversos outorgantes do contrato cujo prazo de eficácia se pretende definir, nada impede o prosseguimento dos autos com a citação dos requeridos para responder, nos termos do artigo 1027.º do CPC.
*
Valor da ação:
Peticionam os recorrentes que a decisão seja revogada quanto ao valor que foi atribuído à presente ação (€30.000,01).
Alegam que a fixação de um prazo para o cumprimento de um contrato não corresponde a um interesse imaterial, sendo, consequentemente, nesta parte, a decisão recorrida contraditória com o disposto no art. 303º do CPC, preceito que, no seu nº1, estatui serem as ações sobre interesses imateriais sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais €0,01.
Destarte, pretende que se fixe um valor de cinco mil e um euros a esta ação.
Cumpre decidir.
Nos termos do artigo 301º do CPC, “quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes; se não houver preço nem valor estipulado, o valor do ato determina-se em harmonia com as regras gerais.”
No caso concreto, a presente ação surge como instrumental de uma outra e atem-se à discussão sobre o cumprimento de um ato jurídico – um contrato-promessa de compra e venda – através da fixação do prazo para o seu cumprimento. Estamos perante um processo de jurisdição voluntária de tramitação mais simples mas, ao contrário do que sucede em muitos destes processos que envolvem designadamente menores, não vislumbramos estarem em causa quaisquer interesses imateriais; estamos no âmbito de relações obrigacionais relativas a negócios jurídicos materialmente explicáveis.
Em rigor, entendemos que a ação de fixação judicial de prazo no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel nunca dirá respeito a interesses imateriais, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 303º, nº1 do Código do Processo Civil; existe uma dimensão económica (material) que corporiza o negócio em causa e que o define.
Porém, do mesmo modo, julgamos igualmente inadequado fixar a esta ação o valor do preço acordado no contrato promessa (duzentos e cinquenta mil euros) ou sequer a parcela do preço que eventualmente caberá aos ora demandantes (trinta e um mil duzentos e cinquenta euros). É que, como explica José Lebre de Freitas, em anotação às correspondentes normas embora do Código de Processo Civil anterior, a respeito da determinação do valor da causa, “(...) o pedido se funda sempre na causa de pedir, que o explica e o delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstractamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para apuramento do valor da causa (…) Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da acção, também a causa de pedir, por si, não o determina ...” (cf. Código de Processo Civil Anotado, 1º Vol., 2ª edição, pág. 588).
Sucede que, neste processo específico, o pedido, como ficou acima explicado, não implica com a indagação da validade, modificação ou resolução do contrato-promessa mas apenas pretende que, na ausência de acordo das partes, se defina uma data para a eficácia de um dado negócio; não estará, portanto, legitimada a aplicação da norma do n.º 1 do artigo 301º do Código de Processo Civil para determinação do valor da causa.
Assim sendo, perante o circunstancialismo descrito, entendemos dever manter o valor para a presente ação fixado pelos requerentes o qual reputamos de adequado ao interesse material ora em discussão, permitindo ainda - em termos de valor da ação para efeitos de recurso e muito embora não se deva confundir este conceito com o relativo ao valor tributário da acção - o devido escrutínio por este Tribunal da Relação da decisão proferida.
Resulta, portanto, integralmente provido o recurso deduzido.

V – Decisão
Os juízes que compõem o coletivo deste Tribunal da Relação julgam procedente o recurso deduzido, revogando a sentença apelada e determinando o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
Valor da acção: 5.001,00 (cinco mil e um euros).

Porto, 27 de Abril de 2021
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues