Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
993/21.4T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA PEDRO
Descritores: JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
ALTERAÇÃO DE FUNÇÕES UNILATERALMENTE DETERMINADA PELO EMPREGADOR
GRADUAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP20240219993/21.4T8VLG.P1
Data do Acordão: 02/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Constitui justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador a alteração de funções unilateralmente determinada pelo empregador, não se verificando os pressupostos do ius variandi previstos no nº1 do art. 120º do C.Trabalho, nomeadamente quando são cometidas ao trabalhador funções correspondentes a uma categoria profissional inferior, ficando o mesmo privado do exercício do núcleo essencial das funções correspondentes à actividade contratada, porquanto tal implica uma modificação substancial da sua posição, ou seja, uma despromoção, ainda que a retribuição base seja mantida.
II - Se num processo disciplinar o empregador aplica ao trabalhador uma sanção conservatória do contrato, não é lícito, a seguir, proceder à modificação das suas funções, cometendo-lhe unilateralmente tarefas correspondentes a uma categoria profissional inferior, com o fundamento de em virtude da prática dos factos subjacentes àquele processo disciplinar ter perdido a confiança no mesmo para o exercício das funções que vinha executando desde o início do contrato, pois tal alteração funcional consubstanciaria uma segunda sanção disciplinar “camuflada” pelos mesmos factos, o que não é permitido pelo art. 330º, nº1, última parte, do C.Trabalho.
III - Os dois principais factores a atender na graduação da indemnização no caso de resolução do contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador são o valor da retribuição deste e o grau de ilicitude do comportamento do empregador e vem-se entendendo de forma unânime que tais factores de aferição têm uma escala valorativa de sentido oposto: enquanto o factor retribuição é de variação inversa (quanto menor for o valor da retribuição mais elevada deve ser a indemnização), a ilicitude é um factor de variação directa (quanto mais elevado for o seu grau, maior deve ser a indemnização).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação - Proc. 993/21.4T8VLG.P1
Juízo do Trabalho de Valongo

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório

AA, com residência na Rua ..., ..., R/C Dto, ... ..., intentou a presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato de trabalho contra:

A..., SA, com sede na Rua ..., Edifício ..., ..., ... Paços de Arcos,
Peticionando que:

a) Seja considerado o contrato resolvido com justa causa pelo autor;

b) Seja a ré condenada a pagar-lhe a título de créditos salariais a quantia de € 12.687,75 acrescidos de juros desde a data da citação (na audiência de partes, o A. reduziu este pedido para a quantia de € 3.739,75)
c) Seja reconhecido que a ré exerceu sobre o autor assédio moral, devendo ser condenada ao pagamento da competente indemnização por danos morais, os quais pese embora os seus efeitos se continuem a repercutir na esfera jurídica do autor, desde já se quantificam em montante não inferior a € 25.000,00, bem como à indemnização por resolução com justa causa fixada no seu limite mínimo, a qual ascende ao montante de € 6.867,86, acrescidos de juros desde a data da citação ou, caso assim não se entenda, sempre será de condenar a ré ao pagamento da indemnização por resolução com justa causa pelo seu máximo legal – 45 dias – cuja quantia se fixa em € 20.603,57.

A fundamentar a sua pretensão, o A. alegou, em síntese, que:

Foi admitido ao serviço da ré em 1-08-2007, para exercer, sob a sua autoridade, fiscalização e direção as funções de técnico de manutenção e obras na zona Norte, para prestar serviço em qualquer local da zona Norte do País e com o âmbito funcional que indica. Como contrapartida do trabalho prestado, a ré pagava-lhe, presentemente, € 1.017,46 de vencimento base, € 254,36 de isenção de horário de trabalho e € 5,30 de subsídio de alimentação.
No dia 21-09-2020, conforme prévio agendamento, o autor deslocou-se à sede da ré, para uma reunião, no âmbito da qual lhe foi comunicada a instauração de um processo disciplinar com entrega da nota de culpa, bem como da sua suspensão preventiva. Após ser confrontado com uma panóplia de factos totalmente falsos constantes da nota de culpa e para a qual remeteu, não mais restou ao autor que não fosse responder à nota de culpa e “desmontar” todos os factos falsos e totalmente ardilosos que punham em causa a sua imagem e bom nome perante todos os seus colegas e chefes. Apesar de todos os factos terem sido comprovadamente desmentidos, a ré optou aplicar ao autor uma sanção disciplinar de suspensão de 30 dias com perda de retribuição, a qual foi impugnada judicialmente. Após o cumprimento da referida sanção disciplinar, a ré contatou o autor no sentido de celebrarem um acordo de resolução do contrato de trabalho. A ré encontra-se em processo de reestruturação e o processo disciplinar ao autor não foi mais do que uma tentativa de fazer cessar a relação laboral a custo zero, a qual se revelou falhada.
Como a ré não conseguiu despedir o autor e este não aceitou a proposta que lhe foi apresentada para resolver o contrato por acordo, a ré em 30 de dezembro de 2020 comunica ao autor a sua transferência de local de trabalho para o armazém da ré em Valongo com efeitos a partir do dia 1 de fevereiro de 2021, bem como a revogação do acordo de isenção de horário de trabalho. O autor respondeu que essa ordem de transferência era ilegal, uma vez que essa alegada necessidade de reafectação de recursos humanos teria que ser iniciada pelos colegas mais recentes no departamento que o autor desempenhava funções.
Não obstante, no dia 1 de fevereiro apresentou-se no local indicado pela ré, no armazém de Valongo, para prestação de trabalho. Sucede que, o trabalho que lhe foi atribuído de serralheiro-mecânico em nada tem a ver com as funções que desde 2007 o autor desempenhava. Para além de nunca ter prestado trabalho como serralheiro mecânico, o mesmo não tinha/nem teve formação adequada para o efeito, o que era do conhecimento da ré.
O autor sentindo-se humilhado, desconsiderado e desgastado com todo o comportamento persecutório da ré – que teve início com a instauração de processo disciplinar, obrigando o autor a estar suspenso preventivamente depois de ter estado sempre em funções durante o período do alegado inquérito prévio, a que se seguiu a proposta de acordo para resolução do contrato de trabalho e culminou com a transferência do autor de local de trabalho -, ao fim de três dias de trabalho solicitou uns dias de férias que tinha para gozar, uma vez que já não estava a aguentar toda esta perseguição e pressão. Cumprido o período de férias, o autor não conseguia sequer pensar voltar às funções que agora lhe haviam acometido, uma vez que se sentia humilhado, desprezado e vexado perante os colegas.
Quando regressou ao trabalho, uma vez mais informou e fundamentou que a decisão de mudança de local de trabalho era ilegal e, por conseguinte, qualquer ordem seria ilegítima. Desde logo porque a ré tem em marcha um processo de remodelação das lojas e o autor é o elemento mais antigo no departamento de obras, pelo que, admitindo-se a necessidade de proceder a uma reafectação de recursos humanos, não podia, nem devia ser o autor o elemento a transferir. O trabalhador que substituiu o autor durante o período em que cumpriu a sanção disciplinar de suspensão manteve-se no departamento e o autor foi transferido.
A ré, apesar de todas as evidências, manteve a postura e, ainda, retirou ao autor o acesso ao seu correio eletrónico profissional.
Sustenta que com o seu comportamento a ré claramente diminuiu as funções que o autor sempre executou, bem sabendo que não o podia fazer, nos termos da cláusula 42ª do CCT outorgado entre a APED e a FEPCES, publicado no BTE nº 22, de 15-06-2022.
Defende que a ré atuou de forma persecutória, praticando atos confrangedores, intimidatórios e humilhantes, os quais atentam contra os direitos fundamentais do trabalhador, designadamente a sua integridade física e moral. Pois o stress, o ambiente que o rodeava, o vexame a que estava sujeito e, acima de tudo, o seu bom nome e imagem, levaram a que o autor começasse a entrar num estado de ansiedade e de depressão, com repercussões no seu seio familiar. O autor teve de recorrer à sua médica, tendo ficado de baixa médica e com a prescrição da toma de medicamentos.
Sustenta que se viu, de um momento para o outro, numa situação em que claramente a sua imagem está manchada, a sua dignidade colocada em crise e a sua pessoa humilhada com a diminuição de funções e a atitude persecutória da ré, que entrou num processo depressivo que acabou por culminar na resolução do contrato de trabalho com justa causa nos termos do artigo 394º, nº 2, als. b), c), e) e f) do Código do Trabalho, conforme carta junta a fls. 51 a 52 dos autos datada de 24-02-2021 (doc. 12).
Mais defende que os comportamentos da ré, pelas suas características, reiteração e continuidade configuram uma situação de assédio moral.
Refere que ficaram por liquidar por parte da ré as férias não gozadas vencidas em 1-01-2021 (€ 1271,82), subsídio de férias (€ 1271,82), proporcionais de férias (€ 195,13), subsídio de férias (€ 195,13) e de Natal (€ 156,10) do ano de 2021, formação profissional (€ 649,75), e indemnização por antiguidade.
Sustenta ainda que os danos os danos que sofreu decorrentes da situação de assédio moral a que foi sujeito deverão ser indemnizados a título de danos não patrimoniais com uma quantia não inferior a € 25.000,00.

Regularmente citada, a ré apresentou contestação com a refª citius 38887930, nos termos aí melhor explicitados, tomando posição sobre a matéria invocada pelo autor, e deduziu reconvenção, aduzindo, em suma, que:

O autor foi contratado como Técnico de Manutenção, com a categoria profissional de Técnico C, cuja descrição consta do Anexo ao CCT entre a APED-Associação de Empresas de Distribuição e a FEPCES-Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritório e Serviços e Outros com a Revisão Global publicada no BTE nº 22 de 15 de junho de 2008 (com as alterações introduzidas na revisão publicada no BTE nº 18 de 15-05-2010), estando ainda a aplicação deste CCT estendido aos trabalhadores não filiados no sindicato subscritor do CCT através da Portaria de Extensão nº 55/2017 publicada no DR nº 26/2017, Série I, de 26-02-2017. Sem olvidar o disposto na cláusula 2ª do contrato de trabalho junto como doc. 1.
O autor foi transferido para o armazém para desempenhar as funções de técnico de manutenção. O que sucedeu é que o autor vinha habituado a trabalhar em lojas e era necessário fazer o ajustamento das suas competências ao armazém. Por essa razão, foi decidido ministrar-lhe formação inicial de procedimentos internos de manutenção do armazém, assim como os procedimentos gerais de execução e segurança de serralheiro mecânico. E tal assim é porque as funções que o autor desempenhava confundem-se/mais se aproximavam com as funções de oficial serralheiro mecânico cuja descrição também consta do identificado CCT, não existindo outra categoria profissional que enquadre os serviços de manutenção que o autor prestava. O autor permaneceu formalmente ao serviço durante apenas 24 dias, tendo dentro desse período gozado férias entre 4-02 a 9-02, faltado injustificadamente a 10-02, 11-02 e 24-02 e, entrado de baixa médica de 13-02 a 23-02.
Argumenta que foi absolutamente impossível ajustar as competências do autor a qualquer função que pudesse desempenhar dentro do departamento de manutenção do armazém, pois só trabalhou, de facto, 3 dias.
Foi oferecida formação ao autor, mas o mesmo recusou-se a indicar as áreas em que necessitava de formação, tendo resolvido o contrato ao fim de 24 dias, embora com apenas 3 dias de trabalho.
Nenhum crédito ficou por pagar ao autor, o que aconteceu foi que a ré não aceitou a justa causa invocada pelo autor, fazendo assim com que a comunicação que lhe dirigiu tenha sido considerada uma mera denúncia, a qual produziu efeitos imediatos e por isso não respeitou o pré-aviso legal de 60 dias, tendo esse valor sido descontado no recibo final.
Defende que o autor não indicou quaisquer factos que possam sustentar a existência de uma justa causa para a resolução do contrato. Argumenta que o autor assenta a sua “justa causa” no facto de lhe ter sido instaurado um procedimento disciplinar com base em denúncias que a ré considerou credíveis, sendo que com base no apuramento dos factos e ouvida a defesa do autor se concluiu pela violação culposa dos seus deveres laborais. O autor, como era seu direito, impugnou judicialmente a sanção que lhe foi imposta, e os tribunais dirão se a mesma foi ilicitamente aplicada ou não, não colhendo a narrativa delirante trazida pelo autor para justificar a resolução do seu contrato de trabalho de que esse procedimento disciplinar foi instaurado par o perseguir ou força-lo a demitir-se. Mais argumenta que o segundo fundamento foi a transferência de local de trabalho e ligeira alteração das suas funções, sendo que tal transferência se deu pelo facto de não se preverem aberturas nem remodelações de lojas, além de que foi tomada a decisão no futuro de esse trabalho ser adjudicado em exclusivo a terceiros. Pelo que dentro do direito do empregador ao iuris variandi foi decidido que o autor passaria a exercer funções de Técnico de Manutenção não nas lojas, mas no armazém. A ré criou um plano de formação especificamente para o autor, e depois dessa formação e feita a avaliação das competências do autor, seria articulado junto com este que outro tipo de formações seriam necessárias para que se adaptasse ao seu novo posto de trabalho. O autor “deu oportunidade” a essa alteração durante três dias, de seguida pediu férias, faltou injustificadamente e entrou de baixa, pelo que se tornou, por culpa exclusiva e própria, absolutamente impossível qualquer tentativa de adaptação. Argumenta ainda que o terceiro fundamento foi a proposta de revogação amigável do contrato de trabalho, onde lhe foi oferecida a quantia total de € 18.000,00, que o autor recusou. A proposta apresentada é lógica e coerente, pois se deixou de necessitar das exatas funções que o autor vinha a desempenhar, o correto seria, e assim foi apresentar-lhe uma proposta de saída amigável. O autor recusou e por isso a ré foi obrigada, porque o tinha, a encontrar um posto de trabalho compatível com as suas funções e categoria profissional, posto esse que não necessitava de IHT (pois o autor deixaria de circular entre lojas passando a ter um local de trabalho fixo), nem de conta de correio eletrónico (pois o departamento de armazém já possuía uma conta de correio e naquele momento o autor ia receber as suas ordens diretamente do responsável pela manutenção e deixava de contactar com fornecedores). Sustenta que o alegado pelo autor não é suficientemente grave para tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Mais sustenta que o pedido de danos morais apresentado não tem qualquer sustentação jurídica ou fáctica, devendo por isso improceder na totalidade.
Em sede de reconvenção, defende que a resolução operada pelo autor não tem justa causa, pelo que para denunciar o contrato celebrado com a ré, o autor estava obrigado a comunicá-la com uma antecedência mínima de 60 dias. Não o tendo feito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 401º do Código do Trabalho ficou o autor obrigado a pagar à ré uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta - € 2.034,92 (€ 1.017,46x2). Porque considerou a comunicação de cessação apresentada pelo autor uma mera denúncia, procedeu de imediato ao desconto de parte do pré-aviso até ao recibo perfazer zero euros, no exato valor de € 2.022.58. Sem prejuízo de pretender o reconhecimento da licitude do desconto parcial do pré-aviso efetuado, pretende ainda que o autor seja condenado a pagar o restante valor em falta, ou seja, € 12,34.
Termina, pugnando pela improcedência da ação por não provada, absolvendo-se a ré do pedido e, bem assim, pela procedência da reconvenção e, em consequência, ser declarada a ilicitude da resolução do contrato por parte do autor e reconhecida a licitude do desconto de € 2.022,58 operada a título de compensação de créditos no recibo final e ainda o autor condenado a pagar à ré o restante pré-aviso em falta no montante de € 12,34.

O autor apresentou resposta à reconvenção, pugnando pela improcedência da mesma, sustentando que a resolução do contrato foi efetuada com justa causa, pelo que podia fazer cessar o seu vínculo laboral de imediato sem qualquer aviso prévio, devendo ser reposto o valor descontado respeitante ao aviso prévio.
*
Foi realizada audiência prévia, na qual foram elencados os factos assentes por acordo das partes, foi proferido o despacho saneador, fixado à acção o valor de € 60.326,24, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Seguindo os autos os seus termos, foi realizada audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, no termo da qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decide-se:
A – Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:
1 – Declarar resolvido pelo autor com justa causa o contrato de trabalho em causa nos presentes autos;
2 – Condenar a ré a pagar ao autor a quantia global de 13.803,54, a título de indemnização por resolução do contrato com justa causa, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da presente decisão até integral e efetivo pagamento;
3 – Condenar a ré a pagar ao autor a quantia global de € 3.718,47 a título de créditos laborais (sendo: € 639,95 de formação profissional; € 1.271,82 de férias não gozadas e € 1.271,82 do respetivo subsídio de férias; € 190,78 de proporcional de férias e € 190,78 de proporcional de subsídio de férias e € 153,32 de proporcional de subsídio de Natal), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação da ré até integral e efetivo pagamento;
4 – Absolver a ré do demais peticionado pelo autor e que exceda o determinado nos pontos 1 a 3 supra.
B – Julgar a reconvenção totalmente improcedente e absolver o autor do pedido reconvencional.

Custas da ação por autor e ré na proporção do respetivo decaimento (tendo já em consideração a redução do pedido operada pelo autor e cujas custas ficaram a ser cargo na proporção da redução operada) e custas da reconvenção pela ré, pelo que, tendo por referência o valor da causa fixado (contemplando os pedidos formulados pelo autor e o valor da reconvenção) se fixa a responsabilidade pelas custas em 67,58% para o autor e em 32,42% para a ré - artigos 527º e 607º, nº 6, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 1º, nº 2, al. a), do Código de Processo
do Trabalho, tudo sem prejuízo da decisão proferida quanto ao apoio judiciário requerido pelo autor.
Registe e notifique.”

Inconformada, a R. apresentou o presente recurso, terminando a sua alegação, com as seguintes conclusões:

A. A Recorrente não se conforma com a Douta Sentença a quo que a condenou nos termos indicados no artigo 1 do presente recurso (por economia de espaço não se transcreve de novo);

B. Começando pela matéria de facto, a mesma, apesar de bem trabalhada pelo Digníssimo Tribunal a quo, a Requerente considera que tem algumas lacunas;

C. Em primeiro lugar, considera a Recorrente que os factos ilícitos que deram origem à aplicação da sanção disciplinar de 30 dias ao Recorrido devem constar da matéria de facto dada como assente, conforme indicado no artigo 10.º da Motivação (por economia de espaço opta-se por não transcrever de novo os mesmos);

D. A Recorrente discorda dos factos dados como assente n.º 31, 32, 33, 38 e 39 assim como considera que deviam ter sido dados como provados os factos k), m) e o);

E. O facto 31 deverá ser corrigido por a douta sentença a quo não justificar, em termos lógicos, o porquê de ter considerado que a única motivação para a ordem de transferência ter sido a perda de confiança no Recorrido;

F. As testemunhas em que se baseou para chegar a essa conclusão – BB e CC – relataram o que a Recorrente já tinha assumido na sua contestação: Sim a perda de confiança foi um factor para a sua alteração de local de trabalho, mas também a diminuição de trabalho prevista em Dezembro de 2020;

G. Ou seja, a douta sentença a quo falha em explicar porque não acreditou em parte dos depoimentos das duas testemunhas;

H. Razão pela qual o facto 31 deva ser corrigido e acrescentando-se “(…) acordo assim como o facto de não ter prevista nessa data mais remodelações / aberturas de loja”;

I. E na mesma medida deva ser considerado provado o facto k) da matéria não assente;

J. Parte do facto 32 é conclusivo pelo que deve ser retirado o seguinte: “que nada tinham a ver com as funções que o autor desempenhou até 31 de janeiro de 2021”;

K. A Recorrente não se conforma com as conclusões vertidas no artigo 38 e artigo 39;

L. Não é possível descortinar da prova produzida e do raciocínio lógico vertido na sentença a quo qual o impacto psicológico que teve no Recorrido a circunstância de ter sido alvo de um procedimento disciplinar onde esteve suspenso preventivamente; onde foi acusado e punido por ter praticado actos de corrupção e; ter sido aplicada a sanção conservativa mais elevada possível;

M. Os registos médicos não fazem essa distinção nem os depoimentos prestados;

N. Essa circunstância tinha de ser valorada pois se se verificasse que a sua débil situação emocional se devia ao procedimento disciplinar e a sua impugnação judicial, o ónus/responsabilidade pelo estado emocional passaria a ser do Recorrido e não da Recorrente;

O. Neste campo, o trabalho efectuado pela douta sentença ficou aquém e por isso, na falta de prova produzida e análise, considera a Recorrente que os factos 38 e 39 devem ser eliminados da matéria de facto dada como assente;

P. Os factos m) e o) deviam ser dados como provados atento o facto 20 dado como assente;

Q. Sobre a matéria de Direito a Recorrente entende, naturalmente, que o Recorrido não tinha justa causa para resolver o contrato de trabalho;

R. Entende-o porque o único facto que sustenta a sua “justa causa” é a ordem de transferência dada em Dezembro de 2020 para alterar o local de trabalho para o armazém e nessa sequência serem ajustadas as suas funções;

S. Ora, o Recorrido trabalhou apenas 3 dias no armazém, não tendo tido tempo suficiente para avaliar quais as funções que lhe iam ser adstritas, estando apenas numa espécie de “período experimental” ou de avaliação das suas competências;

T. Acresce que o Recorrido invocou uma série de argumentos / factos para sustentar a sua justa causa, mas apenas um deles obteve mérito;

U. A Recorrente entende que se o Recorrido invoca uma série de argumentos e a esmagadora maioria deles é declarado improcedente, então é porque a sua “justa causa” tal como a formulou deixa de estar verificada, sob pena de termos uma resolução “por arrastão”;

V. Mesmo que assim não fosse, a Recorrente entende que a ordem de transferência de local de trabalho e ajuste de funções era perfeitamente legítima atentos os gravíssimos factos que levaram à aplicação da sanção disciplinar ao Recorrido;

W. Não lhe podia ser exigível manter um corrupto a desempenhar funções susceptíveis de gerar mais corrupção;

X. Sendo que com a ordem de transferência o Recorrido manteve a totalidade dos direitos que se ajustavam às novas funções;

Y. Caso assim não se entenda, então a Recorrente entende que a indemnização fixada em 30dias por cada ano de antiguidade é desajustada;

Z. Devendo ao invés ser reduzida para apenas 15 dias, atentos os factos ilícitos de corrupção praticados pelo Recorrido e que motivaram, em parte, a decisão de o transferir de local de trabalho e ajustar as suas funções;

AA. Termos em que interpretou incorretamente a Douta Sentença a quo o disposto no artigo394.º, n.º 2 do CT;

BB. Requerendo-se por isso e em conformidade, e sempre com o maior respeito por opinião diversa, que a presente Sentença seja revogada integralmente, sendo a Recorrente absolvida de todos os pedidos formulados pelo Recorrido;

CC. E em consequência seja o Requerido condenado no pedido reconvencional apresentado pela Requerente;

DD. Caso assim não se entenda, considera ainda assim a Recorrente que a Douta Sentença a quo aplicou mal o disposto no artigo 396.º, n.º 1 do CT, devendo ao invés a indemnização ser fixada à razão de 15 dias por cada ano de antiguidade ao invés dos 30 dias fixados.
Fazendo-se assim a costumada Justiça
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O A. contra-alegou, concluindo:
“Dado que os factos dados como provados e os factos dados como não provados não merecem qualquer censura e que inexiste erro na aplicação do direito, conforme supra se explanou, deve manter-se a douta sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
*
Foi proferido despacho de admissão do recurso, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, dado que a recorrente prestou caução.
*
Remetidos os autos a esta Relação, o Exmo Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, dizendo, no essencial:
“A recorrente não observa o ónus impugnatório previsto na al. b) do n.º 1 e da al. a) do n.º 2 do artº. 640.º do CPC e o que é causa de rejeição da impugnação da matéria de facto que apresenta na apelação, por alegado incumprimento dos ónus nele previstos – cfr. Ac.s do STJ de 5 e 27, ambos de Setembro de 2018 e deste TRP de 18-06-2019.
Mais não faz do que mencionar, quanto aos pontos nº.s 31 a 33 e não provados, aos depoimentos das testemunhas que foram prestados e por si transcritos, sem qualquer outra particularização, o que consta da douta sentença recorrida e de onde foram extraídos, com omissão do início e termo dos registos em que se processaram essas declarações e nas quais se apoia. Na estrutura das conclusões está-se perante a interpretação dada pela recorrente a esses depoimentos e conforme o que melhor lhe aprouve. Como é posta em causa a convicção da Mma. Juíza “a quo”, sem que se evidencie qualquer vício lógico, desacerto ou contradição que possa ser imputado ao decidido e que seja susceptível de afectar a sua coerência.
Com efeito, a Mma. Juíza “a quo” em função dos factos dados como provados, fez deles correcta subsunção ao direito aplicável, por revelador do “iter” tomado para a decisão que foi proferida a final, sem divergência que haja de ser conhecida e o que afasta que qualquer vício ou erro de julgamento de direito. – cfr. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, páginas 689 e 690.
O tribunal “a quo” apreciou livremente as provas - testemunhal e documental - decidindo sobre cada facto segundo a sua prudente convicção, tal como resulta do art.º 607.º n.º 5 do CPC, norma que consagra o princípio da livre apreciação da prova.
Como menciona Lebre de Freitas, em “Introdução ao Processo Civil”, 3.ª edição, p. 196: “…o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova. Compreende-se como este princípio se situa na linha lógica dos anteriores: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis.”.
Está prejudicada a alteração da matéria de facto por não se evidenciar qualquer disparidade ou erro na sua apreciação e nem desvio do sentido em que se formou a convicção da ilustre julgadora. A reapreciação por parte deste Tribunal “ad quem” só ocorre quando o erro seja manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta clara em sentido diverso do que foi atendido pelo Tribunal “a quo”. Estabilizada que foi deste modo, não há que alterar a matéria de direito.
Mostram-se certeiramente fixados os créditos salariais que se mostram como devidos ao recorrido e a indemnização prevista no artº. 396º. nº. 1 do CT, que respeita o princípio da proporcionalidade, atenta a margem de apreciação que este normativo concede.
Daí que seja notório que a argumentação da alegação da recorrente não possa subsistir em confronto com a criteriosa fundamentação doutamente expendida na decisão sob recurso. “
*
Efectuado o exame preliminar, foram os autos os vistos dos Exmos. Adjuntos.
Nada obstando ao conhecimento do recurso, importa apreciar e decidir.

II. Delimitação do objecto do processo/ questões a decidir

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.), aplicáveis por remissão do art. 87º, nº1 do C.P.Trabalho, que são as conclusões da alegação do recorrente que estabelecem o thema decidendum do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos e não se mostrem precludidas.
Assim, face às conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
saber se o tribunal a quo errou na fixação da matéria de facto.
saber se se verifica ou não justa causa para a resolução do contrato por parte do A.
saber se a indemnização fixada obedece ao não aos critérios legais.
saber se o pedido reconvencional deve ou não proceder.

III. Fundamentação

O Tribunal recorrido decidiu assim a matéria de facto:
Factos Provados:
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III- Da Impugnação da decisão da matéria de facto
Começa a recorrente por requerer que sejam aditados à factualidade provada os seguintes factos dados como provados na sentença proferida no proc. 3629/20.7T8VLG, em 20.11.2022, transitada em julgado, cuja certidão foi junta a estes autos em 2.2.2023.
- 1.10. No ano de 2020, o A. solicitou a um carpinteiro trabalhador da B... que fizesse uma secretária para a sua mulher, em carvalho, (cfr. artºs 33º e 34º da P.I. e cfr. artº37º da Contestação).
- 1.19. No final de Julho/início de Agosto de 2020, altura em que se encontrava em curso uma obra na loja da A... de ..., cuja execução se encontrava a cargo da B... e de cuja fiscalização o Autor era responsável, este ligou a DD da B... tendo-lhe dito o seguinte: “Olha que vou de férias e precisava aí de €5.000,00”, (cfr. artº38º da P.I. e cfr. artº37ºda Contestação).
- 1.20. Confrontado com o pedido do Autor, DD recusou-se a dar tal quantia em dinheiro ao Autor, (cfr. artº38º da P.I.).
- 1.22. Na sequência da recusa, o Autor alterou o seu comportamento para com os empregados da B... e para com DD, (cfr. artº38º da P.I.).
- 1.23. Sabendo que o horário dos referidos trabalhadores se inicia às 9h00 e termina às 18h00 solicitou-lhes, no decurso da obra de ... – sem justificação-pelas 17h00 que procedessem no próprio dia à entrega de uma estamparia em Coimbra, cidade que dista a 200km de ..., (cfr. artº42º da P.I. e cfr. artº37º da Contestação).
- 1.24. Pouco tempo após a recusa, ligou numa quarta-feira a DD e disse-lhe “Olha DD, estou aqui em ... e não está aqui o teu pessoal a trabalhar”, (cfr. artº48ºda P.I.).
- 1.25. Tendo DD respondido que a B... não tinha nenhuma obra da A... em ..., (cfr. artº48º da P.I.).
- 1.26. Perante a resposta de DD, o Autor retorquiu: “Tens tens, eu esqueci-me de te avisar, tens de cá estar em meia hora para fazer obra”, (cfr. artº48º da P.I. e cfr. artº37º da Contestação).
- 1.27. No final de Agosto, princípio de Setembro de 2020, o Autor solicitou ao fornecedor B... proposta para a realização de uma obra numa loja de Vila Nova de Gaia, com início na semana 37, (cfr. artº53º da P.I.).
- 1.28. O fornecedor B... não apresentou proposta para a realização da obra uma vez que não pretende trabalhar com o Autor, (cfr. artº53º da P.I.).
- 1.29. Perante a ausência de resposta do referido fornecedor, o Autor indicou a DD que este poderia apresentar proposta até €20.000 ou €21.000(cfr. artº53º da P.I. e cfr. artº37º da Contestação).
- 1.30. O Autor indicou previamente à fornecedora B... o valor que o orçamento desta empresa podia ter para uma determinada obra, (cfr. artº42º da Contestação).
- 1.34. O autor tem um automóvel de marca BMW, adquirido pelo autor no final do ano de 2016, no estado de usado (datando a 1ª matrícula de 2012 e com cerca de 90.000km), com matrícula ..-RZ-.., sua propriedade, tendo-lhe custado €40.000, (cfr. artºs 40º, 62º e 66º da P.I.).
- 1.35. O A. reside num apartamento tipologia T3 em ..., o qual tem um crédito à habitação e do qual ainda deve cerca de 77 mil euros, (artº65º da P.I.).
- 1.37. O Autor tratava de forma preferencial a fornecedora M24 em detrimento dos restantes, e tentou tratar de forma preferencial a fornecedora B..., (cfr. artº40º da Contestação).
- 1.38. O Autor é percepcionado como desonesto pelos fornecedores B... e M24, preferindo a fornecedora B... não apresentar propostas para as obras coordenadas pelo mesmo a ter de trabalhar com ele( cfr. art. 39º da Contestação).
Tais factos foram discutidos e valorados no dito processo, no qual o A. impugnou a sanção disciplinar de 30 dias de suspensão do contrato, com perda de retribuição, que lhe foi aplicada pela R., levando certamente à improcedência do pedido aí formulado pelo A..
E a decisão a proferida naquele processo tem força de caso julgado nesta acção quanto à questão da licitude da sanção disciplinar aplicada ao A. (efeito positivo do caso julgado) sendo relevante, nomeadamente, para a apreciação do pedido pelo mesmo formulado na presente acção sob a alínea c) por alegado assédio moral da R., daí que, nos nº 49 e 50 dos factos provados se tenham transcrito o pedido formulado pelo A. naquela acção e a decisão proferida que foi acatada na apreciação do pedido relativo ao assédio.
Porém, não constituindo tais factos objecto dos presentes autos, não há fundamento para os adicionar ao elenco dos factos provados, pelo que se indefere o requerido aditamento.
Entrando agora na impugnação da matéria de facto propriamente dita, a recorrente discorda do julgamento dos factos constantes dos nºs 31, 32, 33, 38 e 39 dos factos provados e das alíneas k), m) e n) dos factos não provados.
Importa verificar se observou os requisitos formais da impugnação da decisão da matéria de facto.
Tais requisitos constam do art.640º do C.P.Civil que preceitua:
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Da norma transcrita resulta que a reapreciação da decisão da matéria de facto pelos tribunais da Relação está subordinada ao cumprimento de diversos ónus pelo recorrente, cuja explicitação tem vindo a ser feita pela doutrina e pela jurisprudência, nomeadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, transcrevendo-se o sumário de alguns dos arestos que se pronunciaram sobre as questões mais relevantes e recorrentes nesta matéria.
No acórdão de 21-03-3019, relatado por Rosa Tching, a este propósito, decidiu o seguinte:
“Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada; já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.”
O acórdão de 01/10/2015, Proc. nº824/11.3TTLRS.L1.S1, relatado por Ana Luísa Geraldes, clarificou assim forma como o recorrente deve cumprir tais ónus na estrutura do recurso: “I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. “
Este entendimento que era largamente maioritário mas não totalmente pacífico veio a ser acolhido no acórdão do STJ nº12/2023, publicado no DR nº220/2023, Série I, de 14-11-2023 que decidiu uniformizar a jurisprudência, nos seguintes termos: Nos termos da alínea c), do nº1 do art. 640º do C.P.Civil, o recorrente que impugna a decisão da matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
E no acórdão de 06-07-2022, Proc. 3683/20.1T8VNG.P1.S1, relatado por Mário Belo Morgado, in www.dgsi.pt precisou-se o seguinte:
“I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente.
II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”).
III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo.”
Cumprindo o recorrente os ónus legais nos termos enunciados deve o Tribunal de recurso apreciar a impugnação. E deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, como decorre o nº1 do art. 662º nº1 do CPC.
Vejamos pois se a aqui recorrente cumpriu tais ónus em relação a cada um dos factos impugnados.
Começa por dirigir a sua impugnação aos factos constantes do nº31 dos factos provados e da alínea K) dos factos não provados, cujo teor é o seguinte:
31 – A motivação que esteve na base da decisão da ré de transferir o autor para o armazém de Valongo teve por base o facto de a ré ter perdido a confiança no trabalhador autor atenta a factualidade imputada no âmbito do processo disciplinar referido em 9 a 11 e que motivou a aplicação da sanção disciplinar de 30 dias de suspensão e, bem assim, o facto de o autor não ter aceite a proposta que lhe foi apresentada pela ré para resolver o contrato por acordo.
k) Que o que motivou a transferência do autor para o armazém de Valongo foi o facto de a ré não só não ter prevista nessa data remodelações/aberturas de loja, como já ter tomado a decisão interna de quando tal fosse necessário (remodelar ou abrir lojas) no futuro, iria fazê-lo em exclusivo com o apoio dos serviços externos da ré (esse trabalho seria adjudicado em exclusivo a terceiros).
Pretende que os factos da alínea k) sejam dados como provados e relativamente ao nº31 pretende que seja corrigido, aditando-se no final o seguinte: “assim como o facto de não ter prevista nessa data mais remodelações/ abertura de lojas”.
Em seu entender, tal é o que resulta dos depoimentos das testemunhas BB e CC, discordando da apreciação que a Srª Juíza a quo fez destes depoimentos.
Porém, não localizou, como devia nos termos da al.a) do nº2 do art. 640º do C.P.Civil, na gravação as passagens de tais depoimentos nas quais funda o recurso, limitando-se a transcrever algumas partes, em grande parte, coincidentes com as mencionadas na motivação.
Não obstante tal falta, considerando que a jurisprudência do STJ vem nesta matéria apelando ao princípio da proporcionalidade e à não rejeição liminar da impugnação quando a localização das passagens dos depoimentos não seja demasiado trabalhosa, estando em causa apenas dois depoimentos não demasiado extensos, conheceremos da impugnação, procedendo-se para tal à audição integral dos depoimentos.
A recorrente diz que no ponto 31 a Mma Juíza a quo expressando aquele que foi o seu juízo / interpretação sobre a prova produzida deu como provado que o único fundamento para a ordem de transferência do recorrido para o armazém foi a sua perda de confiança no mesmo decorrente da prática factos subjacentes ao processo disciplinar.
Acrescenta que o Tribunal ficou convencido disso, mas tal não é verdade. A verdade é aquela que a Recorrente assumiu logo no artigo 21.º da Contestação: sim, essa circunstância ajudou à tomada de decisão, mas o certo é que naquele momento (Dezembro de 2020) não estavam previstas mais remodelações, pelo que “se juntava o útil ao agradável”. Sobre isso a testemunha arrolada pela Recorrente – BB – foi, como a sentença a quo refere, absolutamente transparente ao apontar “inequivocamente como motivação substantiva a quebra de confiança no trabalhador autor” (pág.34) acrescentando “a testemunha referiu, espontaneamente, em primeira linha, que na sequência do procedimento disciplinar a empresa perdeu toda a confiança que tinha no colaborador”.
Porém, e inexplicavelmente, depois a sentença a quo descobre maldade na espontaneidade da testemunha quando diz: “Depois, a testemunha lá procurou emendar o que espontaneamente transmitiu, explicitando que a perda de confiança a que se estava a referir era a perda de confiança no trabalhador nas funções que tinha na remodelação, na relação com os fornecedores”.
Em seu entender, a testemunha não emendou nada, simplesmente relatou a verdade como o fez em todo o seu depoimento e já a Recorrente o tinha feito na sua contestação. A testemunha continuou, como muito bem relatou a sentença a quo: “Explicitou ainda a testemunha em referência que, perante essa perda de confiança, a empresa optou por duas vias: primeiro, uma tentativa de acordo com o trabalhador para resolução do contrato por acordo; não tendo o autor aceite, e tendo que manter o trabalhador, tiveram que o colocar nos armazéns de Valongo (sic). É certo que a testemunha depois de indicar a sobredita motivação, acrescentou ainda “tanto mais que a parte das remodelações estava a acabar”. No entanto, e quanto a esta “motivação adicional”, não ficou o tribunal minimamente convencido.”
E também no depoimento de CC que disse: “A testemunha CC referiu que o autor saiu da equipa dele no início de 2021 porque não havia novos projetos e que o autor iria para a manutenção dos armazéns enquanto não houvesse novos projetos nem remodelações de lojas. Mais referiu que em dezembro de 2020 a indicação que tinham era que não haveria projetos nenhuns em 2021, mas que depois, no primeiro trimestre de 2021, foi decidido superiormente que tinham que fazer remodelações de lojas, mais precisamente 100 lojas, sendo que as primeiras lojas no Norte terão sido em março de 2021”
E sustenta que as duas coisas podem ser verdadeiras e não entrarem em contradição. A Recorrente perdeu efectivamente a confiança no Recorrido e por isso tentou pagar-lhe para este sair a bem da empresa. Este recusou e por isso a Recorrente – com toda a legitimidade – colocou-o a desempenhar funções afins à sua categoria profissional noutro sítio, onde não pudesse continuar o seu comportamento corrupto. Porém, esta é apenas uma parte da verdade, como a Recorrente sempre disse, pois além de tudo isto, também as remodelações estavam a reduzir-se e não era intenção da empresa continuar a utilizar trabalhadores próprios para o serviço prestado pelo Recorrido atentas as más experiências do passado (sendo a dele apenas a mais recente).
Continua, efendendo que a testemunha CC falou a verdade: Em Dezembro de 2020 – data da ordem de transferência – não estavam previstas mais remodelações. Sim no final do primeiro trimestre foi decidido fazer remodelações. Sim em julho/julho vieram a admitir um técnico para fazer as funções do Recorrido.” Porém nada disso apaga que em Dezembro de 2020 não estava previsto fazer-se remodelações se as funções do Recorrido não eram necessárias.
Em síntese, sustenta que os depoimentos das referidas testemunhas foram inteiramente verdadeiros e que o tribunal a quo não conseguiu demonstrar, em termos de coerência lógica, porque não acreditou em parte da palavra de BB e CC.”
Vejamos como motivou a Exma Srª Juíza a quo a sua convicção relativamente a tais factos, que agrupou com outros relacionados entre si.
“No que se refere aos pontos 31 e 42 dos factos provados e às alíneas k), n) e p) dos factos não provados, foi preponderante para a convicção do tribunal a análise crítica e conjugada das declarações de parte do autor e dos depoimentos das testemunhas BB e CC (já identificado).
Atente-se que a testemunha BB trabalha para a ré, sendo que desde fevereiro de 2019 exerce funções de responsável na área de compensação e benefícios da ré – conforme explicou a testemunha, é uma área ligada a salários e dos benefícios ligados à retribuição, bem como toda a parte laboral da ré, onde se inclui a ação disciplinar.
Esta testemunha referiu que tratou do processo de transferência do autor para o armazém em Valongo. Importa salientar que, a propósito da motivação da sobredita transferência, a identificada testemunha apontou inequivocamente como motivação substantiva a quebra de confiança no trabalhador autor – a testemunha referiu, espontaneamente, em primeira linha, que na sequência do procedimento disciplinar a empresa perdeu toda a confiança que tinha no colaborador (sic). Depois, a testemunha lá procurou emendar o que espontaneamente transmitiu, explicitando que a perda de confiança a que se estava a referir era a perda de confiança no trabalhador nas funções que tinha na remodelação, na relação com os fornecedores.
Explicitou ainda a testemunha em referência que, perante essa perda de confiança, a empresa optou por duas vias: primeiro, uma tentativa de acordo com o trabalhador para resolução do contrato por acordo; não tendo o autor aceite, e tendo que manter o trabalhador, tiveram que o colocar nos armazéns de Valongo (sic).
É certo que a testemunha depois de indicar a sobredita motivação, acrescentou ainda “tanto mais que a parte das remodelações estava a acabar”. No entanto, e quanto a esta “motivação adicional”, não ficou o tribunal minimamente convencido.
Importa referir que o autor nas suas declarações de parte explicou que, por parte da ré, lhe disseram na cara que tinham perdido a confiança nele, que estavam num casamento e que não confiavam nele, sendo que depois se seguiu a proposta de acordo para a resolução do contrato, a qual recusou e posteriormente veio a ordem de transferência para os armazéns de Valongo. As declarações de parte do autor neste aspeto em particular mereceram credibilidade, mostrando-se plausíveis em face do depoimento da testemunha BB e das regras da lógica e da experiência comum tendo em conta a factualidade imputada ao autor no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado e que motivou a aplicação da sanção disciplinar de suspensão.
Saliente-se que mereceu resposta negativa a matéria constante da alínea k) dos factos não provados, na medida em que não foram produzidos elementos de prova que permitissem ao tribunal formar uma convicção minimamente segura no sentido da sua demonstração, tendo ao invés sido mesmo produzida prova em sentido logicamente incompatível com a resposta afirmativa a tal matéria, decorrente da conjugação do depoimento da testemunha BB com as declarações de parte do autor.
Refira-se que o depoimento da supra identificada testemunha CC, no confronto com o depoimento da testemunha BB e as declarações de parte do autor, e apelando às regras da lógica e da experiência comum, não logrou minimamente convencer o tribunal quanto à questão da motivação da transferência do autor para os armazéns de Valongo.
A testemunha CC referiu que o autor saiu da equipa dele no início de 2021 porque não havia novos projetos e que o autor iria para a manutenção dos armazéns enquanto não houvesse novos projetos nem remodelações de lojas. Mais referiu que em dezembro de 2020 a indicação que tinham era que não haveria projetos nenhuns em 2021, mas que depois, no primeiro trimestre de 2021, foi decidido superiormente que tinham que fazer remodelações de lojas, mais precisamente 100 lojas, sendo que as primeiras lojas no Norte terão sido em março de 2021. Resultou também do seu depoimento que o técnico de manutenção EE é que deu apoio à primeira obra de remodelação efetuada em 2021 no Norte. Esta testemunha admitiu também que, por volta de junho-julho de 2021, admitiram um técnico de obras para a zona Norte, numa altura em que o autor já não estava na empresa. Questionado diretamente sobre o que aconteceria se o autor ainda estivesse na empresa, a testemunha respondeu que o teriam ido buscar ao armazém para fazer a função de técnico de obra no Norte, ou seja, não teriam feito a sobredita contratação de técnico de obra. Não logrou a testemunha minimamente convencer o tribunal neste conspecto, face ao depoimento prestado pela testemunha BB e as declarações de parte do autor. A firme convicção com que o tribunal ficou, sim, foi que de facto a ré perdeu a confiança no trabalhador autor em face da factualidade que lhe foi imputada no procedimento disciplinar e que motivou a sanção disciplinar, não tendo a ré qualquer intenção de reconduzir o autor às funções que exercia antes da sua transferência para o armazém de Valongo.
O depoimento da testemunha BB foi em sentido logicamente incompatível com o depoimento da testemunha CC, no que respeita à motivação da transferência do autor, sendo certo que terá sido a testemunha BB a tratar do processo de transferência do autor. Se atentarmos na comunicação feita pela ré ao autor sob o assunto “transferência do local de trabalho” – ponto 15 -, com data de 29-12-2020, verifica-se que a própria ré refere “designadamente por não existir, neste momento, previsão de abertura de novas lojas e pela previsão da redução do número de remodelações em lojas no próximo ano”. Ou seja, a própria ré em dezembro de 2020 não refere que não vai haver remodelações em lojas no ano de 2021.
Quanto ao ponto 42 dos factos provados, para além do depoimento prestado pela testemunha CC, atendeu ainda o tribunal ao documento junto a fls. 48 dos autos [que consubstancia email do Presidente Executivo da A... aos colaboradores em que se fala da decisão de converter 12 lojas a operar em Portugal sob a insígnia ... em supermercados C..., sendo certo que o autor em 29 de janeiro de 2021 já estava a reencaminhar o email em causa, o que, recorrendo a uma presunção judicial nos leva a concluir necessariamente que em janeiro de 2021 já estava tomada a decisão de pôr em marcha um processo de remodelação das lojas que se encontravam em funcionamento sob a marca ..., referida em 25 dos factos provados].
Por outro lado, importa referir no que se refere à 2ª parte da matéria constante da alínea k) [“o facto de a ré já ter tomado a decisão interna de quando fosse necessário (remodelar ou abrir lojas) no futuro, iria fazê-lo em exclusivo com o apoio dos serviços externos da ré (esse trabalho seria adjudicado em exclusivo a terceiros)”] e às alíneas n) e p), nenhum elemento de prova foi produzido nesse sentido, sendo ainda certo que os depoimentos restados pelas testemunhas BB e CC foi até em sentido contrário à resposta afirmativa (refira-se que este último reconheceu que um técnico de manutenção da ré acabou por dar apoio à obra de remodelação de uma loja no Norte e, bem assim, que foi contratado um técnico de obra para o Norte).
Em suma, da conjugação da prova produzida, analisando-a criticamente à luz das regras da lógica e da experiência, do procedimento seguido pela ré, e, bem assim, tendo em conta a factualidade já assente por acordo das partes nos pontos 13 e 14, adquiriu o tribunal convicção firme e segura quanto à matéria vertida no ponto 31 dos factos provados.”
Como se vê a Exma. Srª Juíza a quo fundamentou exaustivamente a apreciação dos factos em questão e foi particularmente cuidadosa na instrução da causa, tendo determinado a inquirição oficiosa da testemunha CC, ao abrigo do art. 526º do C.P.Civil.
Em primeiro lugar, tendo em conta a argumentação da recorrente, que se insurge contra o facto do tribunal não ter dado como provado tudo o que foi declarado pelas testemunhas, recorda-se que fora do domínio da prova vinculada, como é o caso, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção - cfr. art. 607º, nº5 do C.P.Civil.
Isto significa, desde logo, que não basta as testemunhas afirmarem um facto para que o mesmo seja julgado como provado, é necessário que as testemunhas sejam credíveis, que o depoimento tenha consistência, de forma que o julgador, na sua livre apreciação, adquira a convicção de que o afirmado corresponde ao sucedido.
Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza da realidade desse facto. A prova exige a certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, um alto grau de probabilidade de verificação do mesmo, suficiente para as necessidades práticas da vida.
E, como se refere no Ac. do STJ de 27/05/2010, processo 182/2001.S1, in dgsi.pt. “Na livre apreciação das provas, o juiz julga segundo a sua livre e prudente consciência a respeito de cada facto, removendo, muitas vezes, um “nevoeiro” que afasta a clara visibilidade de um determinado ângulo (depoimento limpo), socorrendo-se para tal da força da impressão que lhe causaram todas as provas, isoladamente ou no seu conjunto, numa visão prudente face à normalidade dos fenómenos.”
Ora, entendemos que, ao invés do sustentado pela recorrente, o Tribunal a quo fez uma correcta valoração dos depoimentos em causa, não se detectando qualquer erro lógico ou violação das máximas da experiência na sua apreciação. Com efeito, analisados os documentos juntos aos autos e ouvidos integralmente os depoimentos da testemunhas BB e CC, a convicção que formámos coincide com a expressa pelo Tribunal a quo, corroborando-se a respectiva argumentação.
Realça-se que não é verossímil, face às regras da experiência comum, que atenta a dimensão da R., que explora centenas de lojas no país, as obras de remodelação não sejam objecto de planificação. E, por isso, tendo a R. dado início, no primeiro trimestre de 2021 a um processo de remodelação de mais de 100 lojas que estavam em funcionamento sob a insígnia ... para passarem a supermercados C..., tais obras não podiam deixar de estar previstas quando em 29.12.2020, comunicou ao A. transferência de local de trabalho para produzir efeitos em 1.2.2021, o que retira nesta parte credibilidade ao depoimento das referidas testemunhas e leva a concluir que o motivo real da transferência foi efectivamente a perda de confiança no trabalhador decorrente dos factos que lhe foram imputados no processo disciplinar.
Sublinhamos ainda que, ao invés do que afirma, a recorrente na contestação, nomeadamente no art. 21 º da contestação, não referiu que a perda de confiança no trabalhador resultante dos factos objecto do procedimento disciplinar também tinha sido um dos motivos para a transferência de local de trabalho do A.. Naquele artigo a recorrente apenas refere como motivo da transferência a inexistência de previsão de abertura de novas lojas e a redução do número de remodelações.
Por tudo o exposto, mantêm-se inalterados os factos em apreço.
A recorrente impugna também a decisão dos factos constantes do nº 32 dos factos provados, cujo teor é o seguinte:
32 - Na sequência da comunicação de transferência referida em 15, a partir de 1 de fevereiro de 2021, o autor foi colocado pela ré no armazém de Valongo, na equipa de manutenção desse armazém, a cumprir funções de serralheiro mecânico (que implicam nomeadamente a execução de reparação manual de máquinas, combis, arcas, portões, serviços de serralharia) que nada tinham a ver com as funções que o autor desempenhou até 31 de janeiro de 2021.
Defende a recorrente que deve ser eliminada a parte final onde consta “que nada tinham a ver com as funções que o autor desempenhou até 31 de Janeiro de 2021.”, porquanto o seu teor é conclusivo.
É certo que na matéria de facto provada devem constar factos e não asserções conclusivas e quando tal suceder o tribunal superior pode e deve considerar tais asserções como não escritas.
Na vertente situação, o segmento em causa encerra um juízo comparativo das funções desempenhadas pelo A. antes e depois de 31.1.2021. Tais funções estão descritas nos nºs 30 e 32, por isso, não se trata de uma asserção meramente conclusiva, mas antes de um juízo comparativo alicerçado nos factos provados.
No entanto, tal juízo comparativo pode e deve fazer-se aquando do enquadramento jurídico dos factos, pelo que se determina a eliminação do segmento em apreço do ponto nº 32 dos factos provados, procedendo nesta parte a impugnação.
A recorrente reporta-se de seguida ao nº33 da factualidade provada, mas aceita os factos aí vertidos como verdadeiros, o que pretende é que sejam julgados como provados os factos vertidos nas alíneas m) e o), com aqueles correlacionados.
É o seguinte o teor de tais factos:
33 – O autor, para além de nunca ter prestado trabalho como serralheiro mecânico, não tinha formação adequada para o efeito.
m) Que o autor se tenha recusado a indicar as áreas em que necessitava de formação.
o) Que a ré tenha criado um plano de formação especificamente para o autor, que passava por inicialmente receber a formação básica de procedimentos internos da manutenção do armazém, assim como procedimentos gerais de execução e segurança de serralheiro mecânico e depois dessa formação e feita a avaliação das competências do autor, seria articulado com este que outro tipo de formações seriam necessárias para que se adaptasse ao seu novo posto de trabalho.
Entende a recorrente que os factos das alíneas m) e o) deviam ser dados como provados, resultando a sua prova do email referido no nº 20 dos factos provados, no qual, em seu entender, o superior hierárquico do Recorrido lhe disse expressamente que o plano de formação passaria por fazer primeiro uma avaliação das suas capacidades e depois aferir que formação específica ele necessitaria. E acrescenta que o Recorrido não demonstrou que alguma vez tenha indicado à Recorrente qual a formação que necessitava, o que também seria difícil pois relembra-se, apenas trabalhou durante 3 dias.
A propósito destes factos, consta na motivação da sentença o seguinte:
“No que respeita às alíneas l), m), e o) a prova produzida não foi de molde a lograr convencer o tribunal quanto à matéria em questão, tendo ao invés sido até produzida prova em sentido logicamente incompatível com a resposta afirmativa.
Da conjugação dos depoimentos das testemunhas FF, DD, GG e BB e das declarações de parte do autor, não ficou o tribunal minimamente convencido que a ré tenha criado um plano de formação específica para o autor. Basta atentar nos depoimentos das testemunhas DD (responsável da equipa de manutenção) e FF (responsável pela gestão do entreposto de Valongo), para o tribunal não poder concluir em sentido positivo.
Atente-se que nenhum elemento de prova foi produzido no sentido de permitir ao tribunal responder positivamente à matéria da alínea m). Tanto mais, que, como é óbvio, a ré é que tinha que saber as concretas funções que ia atribuir ao autor no armazém – até porque dizia na comunicação da transferência que alegadamente necessitava dele no armazém - e, em face disso, aferir das áreas em que o mesmo necessitava de formação (isto porque a ré também não desconhecia as funções que tinha atribuído ao autor até à sua transferência para o armazém).”
Ora, atentando no email transcrito no nº20 dos factos provados, é manifesto que o mesmo é insuficiente para dar como provada sequer a preparação de qualquer plano de formação para o A.. Trata-se de um email do superior hierárquico do A. a determinar a apresentação deste ao serviço no Enterposto de Valongo, no qual simplesmente se refere uma eventual formação futura.
E o tribunal a quo que apreciou todos os depoimentos prestados em audiência concluiu pela ausência de prova de tais factos, pelo que, também neste parte a impugnação improcede, mantendo-se como não provados os factos das alíneas m) e o).
Por fim, defende a Recorrente que devem ser julgados como não provados os factos dos nº 38º e 39º, cujo teor é o seguinte:
38 – Na sequência do referido em 15 a 20, 26 a 27 e 31 a 36, o autor entrou num estado de ansiedade e stress, com repercussões no seio familiar, o que levou a que o autor tivesse que recorrer a consulta médica e ficado de baixa médica nos termos referidos em 24, com toma de medicamentos (sertralina e trazodona).
39 - O autor não conseguia dormir, andava irritado, com vontade de chorar, isolando-se da família, nomeadamente da sua esposa e filha, acabando por tomar a decisão de resolver o contrato de trabalho.
A recorrente sustenta que o tribunal a quo olvidou que, além da ordem de transferência, o Recorrido tinha sido muito recentemente punido com uma sanção disciplinar de 30 dias de suspensão com perda de retribuição, por ter cometido actos de corrupção, e não indagou se a situação depressiva do Recorrido se devia à transferência de local de trabalho ou à humilhação por ter ser punido disciplinarmente por aqueles actos ou a ambos os factos, sendo que, os registos médicos do A, juntos aos autos apenas referem “doente muito deprimido por problemas a nível profissional e, por isso, esta muito ansioso e com vontade de chorar, deprimido e choroso está medicado com sertralina e trazodona (…) Perturbação depressiva”.
E reiterando que o tribunal a quo não valorizou devidamente todas as circunstâncias, designadamente o facto de o A. já estar “marcado “como corrupto na empresa e a defesa em sede de procedimento disciplinar também acarretar desgaste emocional e ser susceptível de causar depressão, mais até do que a alteração do local de trabalho, pois o A. apenas esteve três dias no armazém, pede a eliminação dos nºs 38 e 39º dos factos provados.
No que concerne a estes factos na motivação da sentença, consta o seguinte:
“Quanto aos pontos 35, 36 (estes reportam-se às circunstâncias do pedido de férias do A. 3 dias após o início do trabalho no armazém e ao email por ele enviado em 9.2.2021) 38 e 39 dos factos provados, foi preponderante para a convicção do tribunal a análise crítica e conjugada das declarações de parte do autor com o depoimento da testemunha HH (esposa do autor, com quem está casada há 22 anos) e, bem assim, com a documentação junta aos autos a fls. 70 frente e 89 verso (certificado de incapacidade temporária para o trabalho referente ao autor, no período de 12-02- 2021 a 23-02-2021, emitido em 12-02-2022 por doença natural) e 93 a 122 (registos clínicos do autor do Centro de Saúde).
A referida testemunha revelou conhecimento quanto à matéria em questão atenta a relação conjugal que mantém com o autor. Nesta sede, o depoimento da testemunha foi prestado por forma merecedora de credibilidade, para além de que se mostrou plausível em face das regras da lógica e da experiência comum, face aos demais elementos de prova produzidos no que respeita à matéria atinente à transferência do autor para o armazém de Valongo e a que se fez referência supra na motivação dessa mesma matéria. Refira-se ainda que as declarações de parte do autor, neste particular, foram prestadas por forma natural e convincente, mostrando-se inteiramente plausíveis com as regras da lógica e da experiência. Na verdade, ponderando as funções para as quais o autor foi contratado, as funções que o autor exerceu até 31 de janeiro de 2021 e as funções que foram atribuídas ao autor a partir de 1 de fevereiro de 2021, as comunicações que o autor efetuou à ré na sequência da sua transferência e, bem assim, o posicionamento da ré, mostra-se plausível a relatada situação vivenciada pelo autor a nível de ansiedade, stress, o não conseguir dormir, as repercussões a nível familiar, etc. São reações expectáveis de um trabalhador que vivencia uma situação como a verificada.
O relatado pelo autor e a sua esposa está ainda em consonância com os registos clínicos do autor no Centro de Saúde, incluindo o certificado de incapacidade temporária que lhe foi passado no que se refere ao período de 12-02-2021 a 23-02-2021. Sublinhe-se que no registo de consulta aberta no Centro de Saúde, do dia 12-02-2021, a médica Drª II (que foi a médica que emitiu o referido certificado de incapacidade temporária) registou, entre outras coisas, o seguinte: “doente muito deprimido por problemas a nível profissional e por isso esta muito ansioso e com vontade de chorar, deprimido e choroso está medicado com sertralina e trazodona (…) Perturbação depressiva – cfr. fls. 97 e 106. A sertralina é um medicamento que pode ser utilizado para tratar depressão e perturbação de ansiedade. Do mesmo passo, a trazodona é um antidepressivo indicado para o tratamento da depressão e ansiedade – conforme informações obtidas in www.infarmed.pt. Nos identificados registos clínicos consta já registada no item SOAP (A – avaliação objetiva) a perturbação depressiva nas datas de 29-03-2017 e 21-06-2017, com receita de medicação escitalopram que pertence à classe de agentes depressivos. No entanto, depois dessas datas existem registos referentes aos anos de 2018 (um registo de 28-02-2018), 2019 (um registo de 6-02-2019 e outro registo de 21-08-2019), 2020 (um registo de 24-07-2020 e outro registo de 28-12-2020), 2021 (um registo de 14-01-2021), sem qualquer menção referente a queixas relacionadas com perturbação depressiva. Ou seja, depois da última menção em 21-06-2017 apenas existe registo referente a perturbação depressiva na referida consulta aberta de 12-02-2021, com menção das sobreditas queixas do autor relacionadas com problemas a nível profissional.

É certo que segundo as regras da experiência, quer um procedimento disciplinar, quer uma transferência de local de trabalho são susceptíveis de, em abstracto, desencadearem perturbações depressivas. No entanto, face a esta detalhada motivação e minuciosa análise da prova produzida, não se pode afirmar que o tribunal a quo não indagou se o estado de ansiedade e stress, associado a perturbação depressiva do A. era resultante do procedimento disciplinar ou da transferência de local de trabalho.
Como se vê a Srª Juíza a quo analisou ao pormenor os registos clínicos do A. dos quais resulta que, após 2017, as queixas associadas a perturbação depressiva que determinaram a sua incapacidade para o trabalho só constam no registo da consulta de 12-02-2017. E conjugando tais registos, com as declarações do A. e o depoimento da sua mulher deu como provados os factos em questão.
Ora, não se apontando qualquer erro concreto a tal motivação e aos meios de prova em que se baseou, não é simplesmente com as considerações de índole geral associadas à experiência comum expendidas pela recorrente que se pode afastar o juízo decisório do tribunal a quo que beneficia das virtualidades da imediação, pelo que se mantêm como provados os factos em apreço.

- Da existência / inexistência de justa causa para a resolução do contrato.

A recorrente defende que mesmo mantendo-se o quadro factual fixado na 1ª instância, como sucedeu, se impunha uma decisão diferente, tendo o tribunal recorrido feito uma errada interpretação do art. 394º, nº2 do C.Trabalho, ao concluir pela verificação de justa causa para a resolução do contrato.
Lendo as alegações são essencialmente três os argumentos da recorrente para sustentar a inexistência de justa causa para a resolução do contrato operada pelo A.
O A. invocou um conjunto de factos para proceder à resolução (assédio, perseguição, ilicitude da sanção disciplinar e ordem de transferência local de trabalho) e apenas os atinentes à transferência de local de trabalho lograram comprovação.
- O A. só laborou 3 dias no novo local de trabalho, não tendo tido tempo suficiente para avaliar as funções que lhe iam ser adstritas, estando apenas numa espécie de período experimental ou de avaliação das suas competências.
- Atentos os factos praticados pelo A. que levaram à aplicação da sanção disciplinar, a ordem de transferência e mudança para funções afins é lícita pois não era exigível à recorrente manter o A. em contacto com os fornecedores.

Antes de analisarmos a argumentação da recorrente, vejamos o essencial da fundamentação da decisão recorrida:
“Descendo ao caso dos autos, quanto aos pressupostos de validade formal da resolução operada, considera-se que os mesmos se encontram preenchidos.
O autor remeteu à ré uma comunicação escrita datada de 24-02-2021 e recebida pela ré nessa mesma data, na qual comunicou a resolução do contrato com indicação sucinta dos respetivos fundamentos (cfr. ponto 29 dos factos provados). (…)
Resta saber se a resolução operada o foi com justa causa subjetiva de resolução para efeitos dos nºs 2 e 4 do artigo 394º.
Nesta sede, haverá que apreciar a alegada violação culposa das garantias legais do trabalhador, máxime no que respeita à transferência de local de trabalho/alteração funcional.
Dispõe o artigo 118º, sob a epígrafe “Funções desempenhadas pelo trabalhador”, o seguinte:
“1 – O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.
2 – A actividade contratada, ainda que determinada por remissão para a categoria profissional de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno da empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e não impliquem desvalorização profissional.
3 – Para efeitos do número anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
4 - Sempre que o exercício de funções acessórias exigir especial qualificação, o trabalhador tem direito a formação profissional não inferior a dez horas anuais.
(…)”.
Nos termos de tal normativo, o trabalhador deve exercer as funções correspondentes à atividade para que foi contratado, compreendendo aquelas que lhe são afins ou funcionalmente ligadas, para as quais tenha qualificação e não impliquem desvalorização profissional.
No caso, decorre da factualidade provada sob os pontos 2 e 3, que o autor foi admitido em 1 agosto de 2007 com a categoria profissional de técnico C, para exercer as funções de técnico de manutenção.
Refira-se que a identificada regulamentação coletiva aplicável define a categoria profissional de técnico como sendo “o trabalhador que, não sendo abrangido por nenhuma das profissões integrantes deste acordo, desenvolve actividade especializada em qualquer das áreas funcionais da empresa, podendo pontualmente enquadrar outros trabalhadores em termos de coordenação, supervisão e fiscalização, compatível com os seus conhecimentos técnicos ou profissionais” - refira-se que idêntica definição estava já contida na regulamentação coletiva a que é feita menção no nº 1 da cláusula 2ª do contrato escrito referido em 2 dos factos provados.
Mas, o contrato celebrado entre as partes vai mais longe, contendo nas suas cláusulas 4ª e 5ª uma delimitação da atividade contratada nos seguintes termos:
- “as funções inerentes à categoria profissional do segundo outorgante envolvem uma especial complexidade técnica, uma vez que importam a auditoria e verificação do funcionamento de diversos equipamentos eletrónicos – designadamente equipamentos de frio – bem na avaliação das infra-estruturas das lojas e da sua necessidade de conservação, as quais exigem especiais e intrincados conhecimentos técnicos.” – nº 1 da cláusula 4ª;
- “os contraentes reconhecem, ainda, que as funções inerentes à categoria profissional do segundo contraente se rodeiam de especial responsabilidade uma vez que importam na auditoria do correto funcionamento de diversos equipamentos e instalações, identificados no número anterior, visando a salvaguarda, entre outros, da segurança alimentar, bem como das condições de funcionamento das lojas à luz das normas de qualidade, higiene e segurança vigentes.” – nº 2 da cláusula 4ª;
- “Dadas as características da função do 2º contraente, as quais têm como factor predominante a auditoria aos vários estabelecimentos visando o correto funcionamento e avaliação das infra-estruturas dos mesmos, o seu local de trabalho será aquele onde a cada momento houver necessidade, tendo como sede as instalações da 1ª contraente (…)” – cláusula 5ª.
Por outro lado, resultou provado que até 31 de janeiro de 2021, o autor exerceu as funções de técnico de manutenção e obras na zona Norte, no departamento de manutenção e no departamento das obras das lojas da ré, designadamente:
- acompanhar projetos de construção, remodelação e intervenção nas lojas, assegurando a interlocução com fornecedores de equipamentos e serviços;
- fiscalizar os projetos de forma a garantir que os mesmos são desenvolvidos de acordo com os requisitos técnicos definidos e dentro dos orçamentos e prazos estabelecidos;
- contribuir para que a adjudicação de obras se encontre em linha com os objetivos e requisitos técnicos da A...;
- fomentar a melhoria dos serviços prestados, ao menor custo para a A...;
- garantir a melhor relação custo/qualidade nos projetos adjudicados (ponto 31 dos factos provados).
Daqui se retira qual o desenho laboral em termos de execução concreta de funções que a ré destinou ao autor e que este também aceitou como suas.
Isto significa que essa passou a ser a atividade contratada entre as partes, pelo que não poderia a ré, a pretexto de uma alegada reorganização de serviços, retirar ao autor o direito ao exercício de tal atividade ou retirar-lhe parte das funções correspondentes, mas de tal modo que desvirtuasse ou esvaziasse o núcleo ou a parte essencial dessa sua atividade.
Ora, sempre ressalvando o devido respeito por opinião divergente, foi isso – retirada de parte significativa e essencial de funções do autor – o que a ré fez a partir de 1 de fevereiro de 2021, na sequência da ordem de transferência do autor para o armazém de Valongo.
Isto porque o autor foi colocado pela ré no armazém de Valongo, na equipa de manutenção desse armazém, a cumprir funções de serralheiro mecânico (que implicam nomeadamente a execução de reparação manual de máquinas, combis, arcas, portões, serviços de serralharia) que nada tinham a ver com as funções que o autor desempenhou até 31 de janeiro de 2021 (cfr. pontos 30 e 32 dos factos provados).
De facto, comparando as funções exercidas pelo autor até 31 de janeiro de 2021 com as tarefas que lhe foram atribuídas a partir de 1 de fevereiro de 2021, terá de concluir-se que estas tarefas não só não são afins ou funcionalmente ligadas às definidas anteriormente pela ré e conformadoras da prestação de trabalho exigível ao autor, como, manifestamente, implicam uma desvalorização profissional do autor.
As funções em causa têm um conteúdo funcional muito diferente, sendo naturalmente e obviamente distintas. Verifica-se uma verdadeira alteração funcional que se entende implicar uma desvalorização profissional ou despromoção. Foi retirado ao autor um leque significativo de funções, as quais eram as de maior responsabilidade e que representavam uma parte essencial da sua atividade.
Daqui decorre que, salvo melhor entendimento, a ordem dada ao autor não encontra respaldo no disposto no artigo 118º e, bem assim, não encontra acolhimento na cláusula 2ª, nº 2, do contrato de trabalho celebrado entre as partes.
O comportamento da ré viola, pois, o artigo 118º, nº 1, na medida em que restringe, em parte essencial, o objeto de atividade do autor.
Mas será que a ordem em causa é legítima ao abrigo do disposto no artigo 120º (mobilidade funcional ou iuris variandi)?
Diremos, desde já adiantando a conclusão, que também aqui a resposta terá que ser negativa.
Prescreve o artigo 120º, sob a epígrafe “Mobilidade funcional” o seguinte:
“1 - O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador.
2 - As partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado. 3 - A ordem de alteração deve ser justificada, mencionando se for caso disso o acordo a que se refere o número anterior, e indicar a duração previsível da mesma, que não deve ultrapassar dois anos.
4 - O disposto no n.º 1 não pode implicar diminuição da retribuição, tendo o trabalhador direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas.
5 - Salvo disposição em contrário, o trabalhador não adquire a categoria correspondente às funções temporariamente exercidas.
6 - O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
(…)”.
Resulta de tal normativo os seguintes requisitos cumulativos: a existência de um interesse legítimo do empregador; a transitoriedade da necessidade que determina a modificação; a inexistência de modificação substancial da posição do trabalhador; a indicação dos motivos que o justificam, por reporte ao interesse da empresa; a indicação da sua duração; e a adequação do motivo invocado ao tempo de duração do ius variandi.
A ordem de transferência de dezembro de 2020, não respeita os requisitos exigidos pelo artigo 120º, nº 3, uma vez que não indica desde logo a duração da mesma, para além de que a ordem dada pela ré modifica substancialmente a posição do autor dentro da empresa ré.
Como explica Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho, Anotado, 2ª edição, Almedina, pág. 478, referindo-se aos preceitos equivalentes do Código do Trabalho de 2003, que “(…) a lei quando se reporta à modificação da posição do trabalhador, está ainda a identificar o desempenho de tarefas diferentes. A posição do trabalhador tem assim de referir-se ao núcleo essencial de funções identificadas pela actividade, quando reportada à expressão “modificação substancial”.
Importa salientar que, sob pena de se desvirtuar a tutela dos direitos à atividade contratada (artigo 118º, nº 1) e ao exercício das funções correspondentes à categoria profissional, não pode o empregador, a título definitivo ou temporário, mas fora dos restritos limites do ius variandi, alterar as funções do trabalhador, privando-o do exercício das funções que constituem o núcleo essencial dessa atividade e da correspondente categoria, cometendo-lhe por exemplo, funções correspondentes a outra categoria inferior e/ou tão-só a execução de determinadas funções apenas acessórias ou funcionalmente ligadas, mas sem que correspondam ao seu núcleo essencial.
No caso dos autos, terá de concluir-se que foram atribuídas ao autor funções essencial e relevantemente diversas, modificando substancialmente, para pior, a sua posição.
A modificação funcional unilateralmente determinada pela ré é ilícita, por violadora das garantias legalmente concedidas ao trabalhador.
Como escreve o Prof. Menezes Leitão, referindo-se a normas semelhantes do Código de Trabalho de 2003, “Sendo injustificada a ordem o trabalhador pode recusar-se a cumpri-la (artigo 121º, nº 1, al. d)) e em certas circunstâncias resolver o contrato com justa causa (artigo 442º, nº 2 CT) [Direito do Trabalho, Almedina, 2008, pág. 194].
Salienta ainda Pedro Romano Martinez e outros, in ob. citada, que a “ausência de qualquer dos seis requisitos dos quais depende o exercício do jus variandi torna a ordem do empregador ilícita, sem que exista o correspondente dever de obediência, por parte do trabalhador”.
Do mesmo passo, alerta o Prof. Júlio Gomes, que “… se um empregador exigir a um trabalhador funções que não correspondem ao objeto do seu contrato, não cabendo a exigência no âmbito do ius variandi, o trabalhador deve ter o direito de exigir que o empregador lhe volte a atribuir as funções que caibam no objeto do seu contrato de trabalho, sem se ver compelido a resolver o seu contrato de trabalho” [in Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 507, nota 1293].
Foi esse, aliás, o caminho seguido pelo autor que, confrontado com a ordem ilegal de execução de funções estranhas ao objeto do seu contrato de trabalho, exigiu o regresso às suas funções anteriores (cfr. ponto 19 dos factos provados), o que lhe foi recusado, como se retira inequivocamente dos factos provados sob os pontos 20 e 26, acabando o autor por optar pela resolução contratual.
A culpa da ré presume-se nos termos do artigo 799º, nº 1, do Código Civil.
A ré não fez prova de motivo justificativo para este seu comportamento, sendo que para tanto não basta a perda de confiança no autor.
Com efeito, se a ré tinha perdido a confiança no trabalhador autor atenta a factualidade imputada no âmbito do processo disciplinar instaurado, devia ter feito a necessária ponderação aquando da aplicação da sanção disciplinar. A partir do momento em que a ré decidiu pela aplicação de uma sanção conservatória, ao invés da sanção de despedimento, a ré tinha que estar preparada para arcar com as inerentes consequências, na medida ao trabalhador assiste o direito ao exercício da atividade contratada e das funções que constituem o núcleo essencial dessa atividade. Por outro lado, entende-se que o sobredito comportamento da ré se revestiu de uma gravidade que tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
A retirada de parte essencial das funções do autor, com a inerente retirada da isenção de horário de trabalho e instrumentos de trabalho associados, com as apuradas repercussões para o autor (cfr. pontos 35, 36, 38 e 39) assume gravidade suficiente que leva a concluir que não era exigível ao autor manter a relação laboral.
Fazendo a devida ponderação do contexto apurado e perante a atuação da ré, que é reconduzível à prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 394º - ilícita modificação funcional unilateralmente determinada pela ré, por violadora das garantias legalmente concedidas ao trabalhador -, entende-se que a manutenção da relação de trabalho representaria para o trabalhador sacrifício suficientemente injusto e penoso, que não lhe era exigível, não sendo razoável impor ao autor a continuidade do vínculo laboral, a qual representaria para si uma injusta imposição. Relembre-se que, ao contrário do que sucede com o empregador que dispõe de um leque sancionatório para fazer face às situações de violações dos deveres laborais cometidas pelo trabalhador, este não o tem e para além disso tem um curto espaço de tempo (30 dias) para acionar o direito de resolução do contrato de trabalho.
É certo que o autor apenas esteve ao serviço no armazém de Valongo durante três dias (entre 1 a 3 de fevereiro de 2021), após o que gozou quatro dias de férias (no período situado entre 4 a 9 de fevereiro de 2021), faltou dois dias (10 e 11 de fevereiro de 2021) e entrou de baixa médica entre 12 de fevereiro e 23 de fevereiro de 2021, tendo resolvido o contrato em 24 de fevereiro de 2021. No entanto, e salvo melhor opinião, considera-se que ainda que o período de tempo de exercício efetivo de funções tivesse sido curto – três dias -, tal em nada altera a conclusão a que se chegou.
O autor teve oportunidade de verificar as funções que lhe passaram a ser atribuídas pela ré com a sua colocação no armazém de Valongo a partir de 1 de fevereiro de 2021, de verificar as alterações que ia sofrer em termos da sua posição contratual (com a retirada da isenção de horário de trabalho e de outros instrumentos de trabalho que tinha anteriormente à transferência) e, bem assim, de vivenciar o sentimento de humilhação daí decorrente, entrando num estado de ansiedade e stress com repercussões no seio familiar. Para além disso, o autor tentou junto da ré dar conta da ilegalidade da ordem da sua transferência para o armazém de Valongo, pugnando pela sua recondução às suas funções anteriores, recebendo por parte da ré uma resposta inequívoca em sentido negativo. A ré deixou até bem claro ao autor de que se se recusasse a cumprir as funções que lhe foram adstritas a partir de 1 de fevereiro de 2021, ser-lhe-ia movido um procedimento disciplinar, anunciando ainda ao autor a retirada de outros instrumentos de trabalho, como seja acesso individual a computador e email – cfr. pontos 19, 20 e 26 dos factos provados. Ficou, pois, claro para o autor que a ré não iria alterar a sua posição.
A impossibilidade prática, por não se tratar de uma impossibilidade física ou legal, remete-nos, necessariamente, para o campo da inexigibilidade, a determinar através do balanço, em concreto, dos interesses em presença.
No caso dos autos, como se disse, perante a factualidade apurada, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, tornou-se inexigível ao trabalhador autor permanecesse ligado à empresa por mais tempo.
Da imputada atuação culposa da ré resultaram efeitos graves, em si e nas suas consequências, que tornaram inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses e o caráter das relações entre as partes – a continuação da prestação da sua atividade. Pelo exposto, considera-se que o autor resolveu, validamente e com justa causa subjetiva, o contrato de trabalho com a ré (artigos 394º, nºs 1, 2, al. b), 4 e 395º).»

Desde já adiantamos que a decisão do tribunal a quo merece a nossa concordância, pois fez uma correcta e proficiente análise das questões, justificando exaustivamente a posição adoptada.
Por conseguinte, apenas acrescentaremos algumas considerações sobre os referidos argumentos apontados pela recorrente com vista a afastar a existência de justa causa.
Segundo a recorrente, a resolução do contrato por parte do A. foi prematura, pois este só laborou 3 dias no novo local de trabalho, não tendo tido tempo suficiente para avaliar as funções que lhe iam ser adstritas, estando numa espécie de período experimental ou de avaliação de competências.
Ora, salvo o devido respeito, não é essa a conclusão que se extrai dos factos provados.
Com efeito, o A. foi colocado em 1.2.2021 no armazém de Valongo, a cumprir funções de serralheiro mecânico (nº 32) totalmente distintas das que exercera até 31.1.2021 (nº30) que implicavam objectivamente uma desvalorização profissional. Reagiu invocando a ilegalidade da transferência e pediu o regresso às anteriores funções (nº19). A R. determinou-lhe que devia continuar nas novas funções, argumentando que a mudança era lícita ao abrigo da “mobilidade funcional”, advertindo-o que se não o fizesse lhe seria instaurado procedimento disciplinar e simultaneamente retirou-lhe o acesso ao computador e ao e-mail (nº20 e 26).
A R. não transmitiu ao A. que estava naquelas funções à experiência, nem temporariamente, antes pelo contrário, disse-lhe peremptoriamente que tinha que continuar no Armazém e aquelas eram as suas novas funções.
Neste contexto, o que mais devia esperar o A., tendo o prazo de 30 dias para resolver o contrato?
Temos, pois, como evidente que a resolução não foi prematura.
Mais argumenta a recorrente que como dos factos invocados pelo A. para a resolução do contrato apenas lograram adesão de prova os factos atinentes à ordem de transferência de local de trabalho, ficando por demonstrar os atinentes ao alegado assédio, não deve ser reconhecida a existência de justa causa, pois, no seu entender, foi ao conjunto dos factos alegados que o A. atribuiu gravidade suficiente para pôr termo ao contrato.
Em abono da sua posição, invocou o acórdão desta Secção de 8.6.2022, Proc. nº756/20.4T8MAI.P1 mas, em nosso ver, sem razão.
A afirmação que retira do referido aresto, de que foi relator o aqui 2º Adjunto, reporta-se à contagem do prazo de caducidade do direito à resolução do contrato por parte do trabalhador e não é a questão que aqui se coloca.
Em nosso modesto ver, sendo invocados factos distintos para a resolução, como foi o caso, e logrando adesão de prova apenas alguns, o que se impõe é aferir se os factos provados assumem gravidade suficiente para tornar inexigível ao trabalhador a continuação do contrato de trabalho e foi esse o caminho seguido na decisão recorrida, tendo-se concluído afirmativamente em virtude da transferência de local de trabalho e alteração de funções impostas pela R. se traduzir para o A. numa ilícita modificação funcional, violadora das suas garantias legais e enquadrável na alínea b) do nº2 do art. 394º do C.Trabalho, posição que, como já dissemos, corroboramos.
Assim, também neste parte, falece a argumentação da recorrente.
Por último, defende ainda a Recorrente que, considerando os factos praticados pelo A. que levaram à aplicação da sanção disciplinar, a ordem de transferência de local de trabalho e mudança para funções é lícita porque não lhe era exigível manter o A. nas funções que desempenhava em contacto com os fornecedores, pois podia reincidir nos mesmos actos, o que prejudicaria a imagem da R. que deixaria de ter fornecedores com quem trabalhar.
Em primeiro lugar, salienta-se que o fundamento invocado pela R. na ordem de transferência de local de trabalho, datada de 29.12.2020, foi a inexistência naquela data de previsão de abertura de novas lojas e a redução do número de remodelações, factos que ficaram por demonstrar e não a perda de confiança no trabalhador em virtude dos factos que deram origem ao processo disciplinar.
Por outro, e como também se refere na decisão recorrida, se a ré tinha perdido a confiança no trabalhador autor atenta a factualidade imputada no âmbito do processo disciplinar instaurado, devia ter feito a necessária ponderação aquando da aplicação da sanção disciplinar. A partir do momento em que a ré decidiu pela aplicação de uma sanção conservatória, ao invés da sanção de despedimento, tinha que estar preparada para arcar com as inerentes consequências, na medida que ao trabalhador assiste o direito de exercer a atividade contratada e as funções que constituem o núcleo essencial dessa atividade.
Contrapõe a recorrente nas alegações que ponderou o despedimento do A. mas não aplicou tal sanção porque considerou existir um risco de não conseguir provar os factos que lhe imputava dado que a prova era toda testemunhal, a qual é sempre volátil.
Compreendendo-se o alegado pela recorrente, o certo é que tendo tomado a decisão de aplicar ao A. uma sanção conservatória da relação contratual, sabia que o A. continuaria a trabalhar na empresa e não podia impor-lhe uma alteração das funções fora dos pressupostos legais.
E não pode agora invocar a perda de confiança no A. decorrente da prática daqueles factos para legitimar a mudança de funções. Tal traduzir-se-ia na aplicação de uma segunda sanção disciplinar “camuflada” de repercussões permanentes e gravidade superior à própria sanção disciplinar aplicada no procedimento disciplinar, o que é expressamente proibido pelo art. 330º, nº1 do C.Trabalho que preceitua: » A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.»
Sendo o direito disciplinar um direito sancionatório é tributário do direito penal, vigorando o princípio “ne bis in idem”.
Em suma, falecendo toda a argumentação da recorrente, reafirma-se a existência de justa causa para a resolução do contrato por parte do A.

Adequação/ inadequação do montante indemnizatório aos critérios legais

Na sentença recorrida consta o seguinte a este respeito:
“Já relativamente ao pedido de indemnização pela resolução do contrato, conforme decorre do entendimento exposto supra, julgam-se verificados todos os requisitos exigidos pela lei para que se concluir que a resolução do contrato de trabalho operada pelo trabalhador-autor ocorreu com justa causa subjetiva, assistindo-lhe o direito a indemnização nos termos previstos no artigo 396º.
Prevê este último normativo o seguinte:
“1 - Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2 - No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
3 - O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.
4 - No caso de contrato a termo, a indemnização não pode ser inferior ao valor das retribuições vincendas.
5 - Em caso de resolução do contrato com o fundamento previsto na alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º”
Conforme entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8-06-2022 (processo nº 756/20.4T8MAI.P1, disponível na citada base de dados), “(…) a indemnização prevista no nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho, apesar de este não o dizer expressamente (mas como decorre do nº 3, que refere danos patrimoniais e não patrimoniais, o legislador não quis separar a indemnização), abrange os danos patrimoniais e não patrimoniais, tratando-se de indemnização fixada conjuntamente com os critérios ali referidos, apenas se podendo fixar um valor fora desse critério, isto é superior, no caso de o valor assim arbitrado não se mostrar adequado à salvaguarda de todos os danos efetivamente sofridos. Ou seja, se a indemnização adequada aos danos patrimoniais e/ou danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador é coberta pelo valor referido no nº 1 do art.º 396º, o trabalhador fica ressarcido (sem acrescer quantia a título de danos não patrimoniais); se a indemnização adequada aos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais sofridos pelo trabalhador for de montante superior ao que resulta do estabelecido no nº 1 do art.º 396º, então será compensado pelo valor adequado (cabendo, naturalmente, ao trabalhador provar a sua existência e a relação causal com a cessação do contrato de trabalho)”.
Assim, e tendo em conta a retribuição auferida pelo autor e o grau de ilicitude da conduta da ré, decide-se eleger o fator de cálculo de 30 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade (que corresponde ao valor médio previsto na lei), afigurando-se conduzir a uma indemnização adequada a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, globalmente ponderados.
Face à antiguidade do autor (de 13 anos 6 meses e 24 dias) e respetiva retribuição base (€ 1.017,46; inexistem diuturnidades a considerar), o montante da indemnização devida pela resolução com justa causa ascende ao montante global de € 13.803,54 (€ 1.017,46x13 anos + € 1.017,46/12 mesesx6meses+€ 1017,46/12 meses/30diasx24dias).
Sobre a referida quantia indemnizatória, tem a autora direito a juros de mora à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da presente decisão (e não desde a citação da ré como peticionado pelo autor), na qual se liquida a indemnização devida, até integral e efetivo pagamento, tudo nos termos dos artigos 559º, 804º, 805º, nº 3, e 806º do Código Civil.”

A recorrente defende que a indemnização fixada é desajustada, devendo ser reduzida para apenas 15 dias por cada ano de antiguidade, porquanto a retribuição mensal do A. é superior ao salário mínimo nacional, o que tem de ser valorizado em prejuízo do mesmo e o grau de ilicitude da sua conduta é reduzido, pois não lhe era exigível manter o A. nas mesmas funções face aos actos por eles praticados e não lhe reduziu a retribuição.
Como decorre do nº 1 do art. 396º do C.Trabalho, os dois principais factores a considerar na graduação da indemnização são o valor da retribuição do trabalhador e o grau de ilicitude do comportamento do empregador e tem-se entendido de forma unânime que a escala valorativa tais factores é de sentido oposto: enquanto o factor retribuição é de variação inversa (quanto menor for o valor da retribuição, mais elevada deve ser a indemnização), a ilicitude é um factor de variação directa (quanto mais elevado for o seu grau, maior deve ser a indemnização)- cfr. entre outros, Ac. do STJ de 26.05.2015, Proc. 373/10.7TTPRT.P1.S1 (Relator Fernandes da Silva)
Ora, na vertente situação, o valor da retribuição mensal base do A. (€ 1,017,46) pode considera-se médio. E quanto ao grau de ilicitude da conduta da R. , ao contrário do que a esta defende, entendemos que também é de grau mediano e não reduzido, pois, como já dissemos, ainda que a conduta do A. subjacente ao processo disciplinar tenha sido grave, não é lícito à R. aplicar-lhe uma segunda sanção disciplinar “camuflada” através de uma mudança funcional que implicava uma desvalorização profissional do A., ainda que mantivesse a mesma categoria profissional, e também uma redução remuneratória, pois a R. retirou-lhe de imediato a isenção do horário de trabalho e a retribuição correspondente.
Assim sendo, temos como adequada e equitativa a indemnização fixada correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade.
E ocorrendo justa causa para a resolução do contrato por parte do A., este não estava obrigado a qualquer aviso prévio, improcedendo necessariamente o pedido reconvencional da R. que assentava na falta do mesmo.
Em suma, improcedendo totalmente a argumentação recursiva do R., impõe-se a confirmação da decisão recorrida.
IV. Decisão

Pelo exposto, os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, acordam em negar provimento ao recurso da R., confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente- arts 527º, nº1 e 2 do C.P.Civil
Notifique
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Porto 19 de Fevereiro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Eugénia Pedro
Rita Romeira
António Luís Carvalhão