Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1010/15.9IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: FRAUDE FISCAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CASO JULGADO
PERDA DE VANTAGEM
Nº do Documento: RP202403061010/15.9IDPRT.P1
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão da acção de impugnação judicial que apurou o montante da matéria tributável de uma sociedade faz caso julgado no processo penal tributário, nos termos do artº 48º do RGIT, ainda que, naquele processo, a impugnante seja a pessoa colectiva e neste processo seja arguido o seu representante legal. II - A autoridade de caso julgado pode prescindir da tríplice identidade: do pedido, da causa de pedir e das partes.
III - À declaração da perda de vantagem não obsta que o beneficiário da mesma tenha sido terceiro (que não o Arguido) - no caso, a sociedade que este representava.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 1010/15.9IDPRT.P1

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO:

No processo comum (tribunal colectivo), nº1010/15.9IDPRT.P1 do Juízo Central Criminal de Penafiel, juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, o arguido AA nascido a ../../1955 foi, entre outros, submetido a julgamento e a final foi proferido acórdão, de cuja parte decisória consta o seguinte:

(…)

Pelo exposto, o tribunal colectivo decide:

a. Absolver BB, em coautoria material e na forma consumada, da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2011);

b. Absolver CC, em coautoria material e na forma consumada, da prática de dois crimes de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2011 e 2012);

c. Absolver DD, em coautoria material e na forma consumada, na prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2011);

d. Absolver EE, em coautoria material e na forma consumada, na prática de dois crimes de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2011 e 2012);

e. Absolver FF da prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2012);

f. Absolver ... da prática em coautoria material e na forma consumada, na prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2012);

g. Absolver GG, da prática em coautoria material e na forma consumada, na prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2013);

h. Absolver HH, da prática em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2013);

i. Absolver o arguido II da prática em coautoria material e na forma consumada, de dois crimes de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2013 e 2014);

j. Absolver o arguido JJ, da prática em coautoria material e na forma consumada, de dois crimes de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2013 e 2014);

k. Absolver KK, da prática em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2014);

l. Absolver a sociedade A... Unipessoal, Lda, da prática em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 7º, nº 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2011);

m. Absolver a sociedade B... Unipessoal, Ldª da prática em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 7º, nº 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2011);

n. Absolver a sociedade C..., Ldª da prática em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 7º, nº 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2011);

o. Absolver a sociedade D... Unipessoal, Ldª da prática em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 7º, nº 1, 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei nº 15/2001 de 05 de Junho; (ano de 2011);

p. Condenar o AA pela prática em coautoria material e na forma consumada, a prática de QUATRO CRIMES de FRAUDE FISCAL QUALIFICADA, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei n.º 15/2001 de 05 de Junho; (anos de 2011, 2012, 2013 e 2014), nas penas parcelares de 2 (dois) anos de prisão (pela prática de cada um);

. E em cúmulo jurídico das penas parcelares apicadas na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, que ao abrigo do disposto no art. 50º, nº1 e 5 do C. Penal e 14º do RGIT se suspende na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos com imposição da condição do pagamento pelo arguido no período da suspensão da quantia global em sede de IRC no valor de €368.933,01, (trezentos e sessenta e oito mil novecentos e trinta e três euros e um cêntimo) correspondente à diferença entre o lucro tributável real e o que foi efectiva e indevidamente declarado pela sociedade pelo arguido representada e acréscimos legais.

r. Julgar totalmente improcedente a pretensão de perda de vantagem patrimonial decorrente da prática de crime peticionada, absolvendo todos os arguidos do seu pagamento, sem prejuízo do decidido em q.;

s. Condenar o arguido AA nas custas do processo fixando-se a taxa de justiça individual em 4 (quatro) unidades de conta.

(…)


*

Inconformada a Magistrada do Ministério Público interpôs recurso no qual formula as seguintes conclusões:

(…)

1. Por sentença proferida nestes autos, foi decidido julgar totalmente improcedente a pretensão de perda de vantagem patrimonial decorrente da prática de crime peticionada, absolvendo todos os arguidos do seu pagamento.

2. A perda de vantagens não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende de uma condenação; trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes.

3. Resulta da sentença referida que foi provada a prática de um facto ilícito típico, consubstanciado na ocultação de valores com o objectivo de obter vantagens patrimoniais ilegítimas, furtando-se ao pagamento dos respectivos impostos, obtendo uma vantagem patrimonial à custa do correspondente prejuízo do Estado nos montantes de 94.118,10€; 92.613,88€, 88 250,24€, 93.950,79€, num total de 368.933,01€.

4. Tais factos consubstanciam a prática de quatro crimes de fraude fiscal qualificada, pelo qual os arguidos foram condenados.

5. As necessidades de quer de prevenção especial (para que o arguido não pense que o crime compensa), quer as necessidades de prevenção geral com os seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), e ainda o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração), impunham que fosse determinada a requerida perda de vantagens.

6. Assim, deveria ser declarada perdida a favor do Estado, a vantagem patrimonial no montante de 94.118,10€; 92.613,88€, 88.250,24€, 93.950,79€, num total de 368.933,01€, que, através do facto ilícito típico (fraude fiscal, traduzida na ocultação de valores e consequente prejuízo de Estado), de que beneficiou o arguido AA, por si e em representação da sociedade arguida e “E... UNIPESSOAL LDA”.

7. Tal montante reverteria a favor do Estado, que deixaria assim de poder exigir noutra sede aquela mesma quantia, nomeadamente no processo executivo que estivesse a correr, sendo assim ressarcido através da referida perda de vantagem.

8. Da conjugação do art. 111º com o art. 130º, ambos do Código Penal conclui-se não existirem limites ao confisco, nomeadamente aqueles que podiam advir da mera possibilidade de ser deduzido um pedido de indemnização civil.

9. A perda de vantagens deverá ser sempre decretada, podendo servir para compensar os danos do lesado, comprovados no processo, ou, mesmo fora dele. 10.Por tudo o exposto, deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que, condene os arguidos a pagar ao Estado o montante correspondente ao empobrecimento deste, no montante de 94.118,10€; 92.613,88€, 88.250,24€, 93.950,79€, num total de 368.933,01€, correspondente à vantagem obtida mediante a prática dos factos pelos quais foram condenados.

Termos em que revogando a douta sentença recorrida na parte enunciada, V. Ex.ª farão, na opinião da recorrente, como sempre

JUSTIÇA

Também o arguido AA interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:

1. «Entende-se hoje que um sistema judicial inspirado em valores democráticos não é compatível com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz e que só uma cabal fundamentação da decisão permite o controlo da legalidade do ato e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da correção e justiça, sendo ainda um meio importante para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autocontrolo.

2. A motivação da decisão do tribunal não é, nem pode ser mais, um ato de fé, um puro exercício de íntima convicção. Na motivação o juiz tem de «prestar as devidas contas». Tem de convencer quem, a posteriori, com base nela tente reconstruir mentalmente o percurso decisório do juiz.

3. O Acórdão recorrido está ferido do vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal, uma vez que da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de  absolvição.

4. Na verdade, o Tribunal recorrido deu como provado que: «92. Assim, através do intencional registo das identificadas facturas, a E..., por intermédio do arguido AA, fez aumentar ficticiamente os custos daquela e, consequentemente, diminuiu o resultado tributável em sede de IRC, nos Seguintes termos, relativamente aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, respetivamente.




93. E ao inscrever tais facturas na contabilidade a sociedade E... obteve uma vantagem patrimonial, em sede de IRC no valor de €368.933,01, (trezentos e sessenta e oito mil novecentos e trinta e três euros e um cêntimo) correspondente à diferença entre o lucro tributável real e o que foi efectivamente declarado.»

5. Antes de mais, sublinhe-se que o teor dos descritos números 92 e 93, elencados na matéria de facto provada, mais não é do que matéria de direito, conclusiva e, como tal, não é matéria de facto.

6. Não resulta do Acórdão recorrido, quer da decisão de facto, quer da fundamentação da convicção, qual o «lucro tributável real» e qual o «lucro que foi efetivamente declarado», apenas se concluindo que a sociedade obteve uma vantagem patrimonial, em sede de IRC no valor de €368.933,01 o que, embora corresponda à soma de cada um dos valores constantes dos quadros anteriores, efetuados para cada um dos anos, é conclusivo, tal como os valores assinalados para cada um desses anos, sendo certo que nem sequer coincidem com os valores globais das faturas alegadamente falsas.

7. O Tribunal desconhece, tal como transparece do Acórdão recorrido, o volume de negócios, compras e vendas da sociedade E... em cada um dos referidos anos; quais os custos suportados pela sociedade e, dentro destes, quais aqueles que não foram considerados; qual o valor do lucro ou prejuízo apresentada pela sociedade em cada um dos referidos anos.

8. São questões de facto que o Tribunal não cuidou de responder ou sequer fazer a análise de quaisquer elementos de prova que pudesse permitir tal conclusão, não obstante a essencialidade de tal factualidade, razão pela qual se verificou o invocado vicio.

9. Aliás, o Tribunal recorrido recusou-se a analisar tal factualidade ao afastar dos meios de prova as IES juntas pelo arguido11, referentes aos anos em causa, fundamentando tal recusa do seguinte modo: Por fim importa ainda salientar que face à evidente falsidade das faturas utilizadas nos enunciados termos, inócua e de nulo valor probatório se apresentam os IES e análise juntos pelo arguido AA de fls.3733 a 3860. (nosso sublinhado)

10. «Existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa.».

11. Verifica-se, ainda, no Acórdão recorrido outros vícios, designadamente a contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova – previstos no nº 2 do artigo 410º do CPP, traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.

12. O Tribunal recorrido ignorou, sem qualquer fundamento válido, de facto ou de direito, factos que eram objeto do processo e que poderia e deveria ter conhecido, dando-os como provados.

13. Na verdade, com base, além do mais, nas IES - documentos entregues atempadamente à Autoridade Tributária e devidamente certificados por esta - conjugado com as declarações prestadas pelas testemunhas, designadamente das testemunhas da acusação, Inspetor Tributário Dr. LL, MM e da testemunha de defesa, NN, contabilista da sociedade em todo o período de análise, o Tribunal deveria ter conhecido dos seguintes factos, manifestamente, objeto dos presentes autos:

a) a sociedade E... era uma sociedade comercial por quotas, constituída em 10 de março de 2010, tendo como objeto social a confeção de artigos de vestuário e acessórios, bem como o comércio de têxteis, atividade que efetivamente exerceu no estabelecimento industrial que para o efeito possuía, situado no concelho de Guimarães;

b) tinha ao seu serviço, nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, respetivamente 13, 28, 27 e 26 funcionários;

c) a sociedade E..., no ano de 2011, teve um volume de negócios de 879.408,00€, correspondente 817.996,82€ a prestação de serviços e 61.411,90€ a vendas;

d) teve custos com o pessoal ao seu serviço de 139.824,57€;

e) recorreu à subcontratação, que no ano de 2011, ascendeu ao valor global de 642.566,28€;

f) a sociedade E..., no ano de 2012, teve um volume de negócios de 955.556.00€, correspondente 938.377,64€ a prestação de serviços e 17.179,00€ a vendas.

g) Teve custos com o pessoal ao seu serviço de 201.510,20€;

h) Recorreu à subcontratação, que no ano de 2012, ascendeu ao valor global de 752.308,35€;

i) A sociedade E..., no ano de 2013, teve um volume de negócios de 1.021.983,00€, correspondente 994.544,24€ a prestação de serviços e 27.439,30€ a vendas.

j) Teve custos com o pessoal ao seu serviço de 226.570,08€;

k) Recorreu à subcontratação, que no ano de 2013, ascendeu ao valor global de 717.253,13€;

l) A sociedade E..., no ano de 2014, teve um volume de negócios de 1.073.540,49€, correspondente 1.052.210,49€ a prestação de serviços e 21.330,00€ a vendas.

m) Teve custos com o pessoal ao seu serviço de 221.521,46€;

n) Recorreu à subcontratação, que no ano de 2014, ascendeu ao valor global de 763.001,25€;

14. De acordo com tal factualidade, que o Tribunal deveria ter conhecido, para alicerçar qualquer decisão no sentido de ter ocorrido ou não vantagem patrimonial ilegítima,

15. Sendo certo que tais factos, retirados das IES, conjugados com as declarações prestadas pelo Senhor Inspetor Tributário LL, cuja transcrição foi anteriormente efetuada e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, o Tribunal jamais poderia ter dado como provados os valores constantes da matéria de facto dos nºs 92 e 93.

16. É que tais valores afastam a credibilidade e as razões de ciência apresentadas pelo identificado Inspetor Tributário, pois que o mesmo apontou, por um lado, terem sido aceites, em sede de inspeção, como verdadeiras, cerca de 45% das faturas relativas à subcontratação, emitidas a favor da E... e por esta utilizadas, e por outro lado, considera 40.000,00€ como a produtividade média mensal de 13 trabalhadores ao serviço da sociedade;

17. É que tendo sempre presente que todas as vendas faturadas pela E... foram validadas pela Autoridade Tributária e confirmado pela referida testemunha da acusação, das declarações deste poderão sintetizar-se, para melhor compreensão nos seguintes quadros:



(…)

18. Ora, facilmente se consta a contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova, pois que as faturas ditas falsas representam uma média de 37,01%, relativamente ao volume de negócios da E..., variando entre os 36,06 % e os 41,06 € em cada um dos anos, representando, quanto ao volume da subcontratação, uma média de 50,44 % do total faturado pelas subcontratadas, variando entre os 43,60 % e os 56,19 %,

19. Sendo certo que, relativamente ao critério da produtividade média dos funcionários ao serviço da E..., o resultado é ainda mais desfasado dos valores que o Tribunal concluiu sob os factos elencados sob os nºs 92 e 93, bastando, a titulo de exemplo referir o ano de 2011, expressamente utilizado pela testemunha, em que aos indicados 480.000,00€ produzidos nesse ano pela sociedade se somaria a parte da subcontratação efetivamente aceite 281.507,38€ (642.566,28€ - 361.058,90€), teríamos uma faturação global no ano de 2011 de 761.507,38€, ao contrário do valor global validamente faturado pela sociedade 879.408,00€.

20. Fica, assim, sem base de fundamentação parte das vendas efetuadas pela sociedade, ou seja, 117.900,62€, isto é, se foram produzidas internamente, ou se com recurso à subcontratação, ruindo os valores da alegada vantagem patrimonial ilegítima constante da decisão recorrida.

21. A este respeito ainda, deverá ter-se em linha de conta as declarações prestadas em audiência de julgamento pela testemunha de acusação MM e pela testemunha de defesa NN, que exerceu as funções de contabilista certificado da sociedade arguida, tendo ambos afirmado que o trabalho de confeção a feitio era efetivamente executado e entregue nas instalações da sociedade E..., independentemente de quem emitia as faturas coincidir ou não com os executantes de tais serviços, ao que quer o arguido AA, quer a sociedade por este representada, eram alheios,

22. tudo isto não obstante o Tribunal recorrido ter ignorado a presença da testemunha NN, não valorando o seu depoimento nem fundamentando as razões porque o fez.

23. Não será despiciendo, a este propósito, que o Tribunal apenas tenha dado como provado que, relativamente às sociedades emissoras das faturas, estas eram emitidas «por pessoas não concretamente determinadas, utilizando os dados comerciais e tributários das sociedades»

24. Ora, tal factualidade não é incompatível com o que foi referido pelas mencionadas testemunhas relativamente à efetiva prestação dos serviços à E..., pois nada resulta do Acórdão recorrido que tais pessoas possam ter prestado tais serviços por si ou através de outras entidades e emitido faturas através da  utilização de dados por si conhecidos das referidas sociedades, obtendo essas pessoas para si a vantagem resultante da apropriação do valor referente ao IVA das faturas.

25. Pelo exposto é manifesta a insuficiência da decisão acerca de factos que deveriam ter sido objeto de análise pelo Tribunal recorrido, tanto mais que do Acórdão recorrido apenas se deu como provados os valores globais das «alegadas vantagens patrimoniais ilegítimas» ignorando o volume de vendas, a capacidade produtiva da sociedade e os ditos 45% das faturas oriundas da subcontratação como admitido como verdadeiro pela AT e confirmado em audiência de julgamento pelo Inspetor Tributário.

26. Sem prescindir, para o caso de não se entender estarem verificados os apontados vícios, o que não se admite nem concede, o Recorrente impugna a decisão de facto, dando aqui por integralmente reproduzido todos os fundamentos de facto e de direito que utilizou na alegação dos invocados vícios, designadamente quanto aos meios de prova aí invocados.

27. Assim, por se tratar de matéria conclusiva e, como tal, de direito deverá ter-se como não escrito todo o teor dos nºs 92 e 93 dos factos dados como provados.

28. Por outro lado, com base, além do mais, das IES - documentos entregues atempadamente à Autoridade Tributária e devidamente certificados por esta - conjugado com as declarações prestadas pelas testemunhas da acusação, Inspetor Tributário Dr. LL, MM e da testemunha de defesa, NN, contabilista da sociedade em todo o período de análise, o Tribunal deveria dar como provados os factos elencados na anterior conclusão nº 13, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

29. O Recorrente impugna, ainda, a decisão proferida sobre matéria de facto, considerando terem sido incorretamente julgados, face à prova produzida em audiência de julgamento, os factos elencados sob os nºs 65, 67, 69, 71, 73, 75, 77, 79, 81, 83, 85, 87, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95 e 96 da Matéria de facto provada.

30. Assim, não obstante estar ferida de nulidade a decisão que recusou valorar as IES juntas pelo arguido, conforme artigo 120º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Penal, por manifesta violação do disposto no artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal, o certo é que tais documentos - IES relativas aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 – apreciados em conjunto com a demais prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, dos depoimentos das testemunhas LL , MM e NN, cujas declarações foram já transcritas e o seu teor se dá aqui por integralmente reproduzido, resulta não ter sido feita prova de nenhum de tais factos.

31. O volume de vendas, o volume dos subcontratos, o volume dos subcontratos sob suspeita, o número de funcionários ao serviço da sociedade e os respetivos custos em cada ano, contrariam tal factualidade, apesar de ignorados pelo Tribunal recorrido, não obstante resultarem dos inúmeros documentos contabilísticos, referidos em termos conclusivos para fundamentar a decisão de facto, mas que efetivamente foram ignorados, tal como sucedeu com as IES’s.

32. Por outro lado, existiram circunstancias ignoradas pelo Tribunal que, caso não ocorresse, levariam ao afastamento dos factos objeto da impugnação da decisão de facto do elenco dos factos dados como provados, tais como a falta de valoração dos cheques juntos em audiência de julgamento pelo arguido, mormente pela não comparação das assinaturas neles apostas no endosso com as assinaturas constantes de fls. 2304 e seguintes; a não valoração dos depoimentos das testemunhas MM e NN, que permitiriam a prova da efetiva prestação de serviços por terceiros, emitentes ou não das faturas, assim como a explicação dada para os levantamentos de cheques efetuados, por exemplo, pela própria testemunha MM.

33. Acresce a incongruência das declarações da testemunha LL quanto às explicações que deu relativamente à produtividade média da sociedade ou à percentagem de subcontratos que foram considerados verdadeiros, para justificar as faturas falsas relativamente ao volume global de vendas da sociedade.

34. Aliás, é manifestamente evidente ter ficado afastado da prova produzida em audiência de julgamento qualquer elemento subjetivo do crime por parte do arguido AA, o que resultou das declarações unânimes das 3 testemunhas que confirmaram o seu distanciamento no dia a dia da sociedade, decorrente dos seus problemas de saúde e a sua substituição por parte da testemunha MM na gestão diária da sociedade.

35. No silencio do arguido AA perante os contactos com o Inspetor Tributário, revelando total desconhecimento dos factos em causa por estar ausente da empresa por razões de saúde.

36. O dolo, ainda que eventual, é elemento essencial deste crime e há-de consistir na intenção de praticar “a ocultação ou alteração de factos ou valores” ou de celebrar negócio simulado”, com intenção de obtenção de vantagem patrimonial ilegítima –não pagamento de imposto, pagamento de menos imposto do que o devido realmente ou reembolso do imposto-, com a consequente diminuição das receitas tributárias. A intenção específica é sempre uma intenção de enriquecimento, que no caso será indevida uma vez que o agente sabe que não tem direito à mesma e esta é realizada à custa do património fiscal.

37. No caso dos autos, é manifesta a falta de prova realizada em audiência de julgamento que permitisse concluir que o arguido, com a sua conduta, tivesse praticado o tipo de ilícitos que lhes foram imputados, e que tivesse, assim, preenchido os elementos objetivos e subjetivos desse mesmo ilícito,

38. Pelo que sempre deveria ter sido absolvido da prática dos crimes pelos quais veio pronunciado.

Termos em que deverá ser admitido e julgado procedente o presente recurso, tudo com as legais consequências, designadamente revogado o Acórdão recorrido e, consequentemente, absolvido o arguido da prática dos crimes que lhe foram imputados, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

(…)

A Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhando a resposta do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada qualquer resposta.


*

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

*

O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:

 (…)

A. Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos.

1. A sociedade E... UNIPESSOAL LDA, era uma sociedade comercial por quotas inscrita no registo comercial sob o n.º ...09 ...56 ...99, tendo a sua sede na Avenida ..., ... – Paços de Ferreira.

2, Tal sociedade foi constituída em 10-03-2010 tendo como objecto social a confecção de artigos de vestuário e acessórios, bem como o comércio de têxteis, a que corresponde o CAE – 14131 – R3.

3. A sociedade encontrava-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

4. O arguido AA foi, desde a sua constituição até ao encerramento, o único gerente desta sociedade, exercendo as funções de administração quotidiana que aquele estabelecimento requeria tomando as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, incluindo as obrigações para com a Autoridade Tributária, o pagamento dos respectivos salários aos vários trabalhadores empregues, a aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

5. A sociedade F..., LDA, doravante abreviadamente identificada por F..., foi uma sociedade comercial por quotas que tinha a sua sede na Rua ..., ... – Guimarães, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...02 ...33 ...17.

6. Tal sociedade foi constituída em 28-06-1991, tendo como objecto social a indústria de confecções para a produção de vestuário em série, a que corresponde o CAE 14131 – R3.

7. A sociedade encontrava-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

8. O arguido BB consta no registo comercial da sociedade F... como gerente inscrito a 11 de Fevereiro de 2011 tendo tal sociedade sido declarada insolvente a 31 de Agosto de 2011.

9. A sociedade G...UNIPESSOAL LDA, doravante abreviadamente identificada por G..., é uma sociedade comercial por quotas que tem como sede registada o Lugar ..., em ... – Felgueiras, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...09 ...24 ...87.

10. Tal sociedade foi constituída em 15-05-2010, tendo então a denominação social de G... UNIPESSOAL LDA, tendo como objecto social inscrito o comércio de produtos e equipamentos para limpeza industrial e doméstica.

11. Em Maio de 2011 foi alterada a denominação social desta sociedade para G... UNIPESSOAL LDA, assim como foi alterado o seu objecto social passando a mesma a a ter como objecto social descrito: Comércio de produtos e equipamentos para a limpeza industrial e doméstica, podendo adquirir participações em sociedades com objecto diferente daquele que exerce, ou em sociedades reguladas por leis especiais, e integrar agrupamentos complementares de empresas; indústria de confecções para a produção de vestuário em serie e comercio de produtos de vestuário.

12. A sociedade encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

13. OO, falecido em 01 de Maio de 2020 consta no registo comercial, como sendo o único gerente da sociedade comercial arguida.

14. A sociedade H...UNIPESSOAL, LDA, doravante abreviadamente identificada por H..., foi uma sociedade comercial por quotas que tinha a sua sede na Praça ..., ..., Cave, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...09 ...89 ...68.

15. Tal sociedade foi constituída a 13 de Abril de 2010 tendo como objecto social o aluguer de equipamento para eventos, comissionista de vestuário, calçado e comércio por grosso de ferragens, a que corresponde o CAE 77390 – R3;

16. E encontrava-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

17. O arguido CC consta no respectivo registo comercial como sendo o único gerente da sociedade “H...” desde a sua constituição até ao cancelamento da sua matrícula a 27 de Fevereiro de 2012, tendo sido declarada insolvente a 3 de Outubro de 2012.

18. A sociedade arguida A... - UNIPESSOAL, LDA, doravante abreviadamente identificada por A..., é uma sociedade comercial por quotas com sede na Rua ..., ... -Lousada, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...10.

19. Tal sociedade foi constituída em 2006 tendo como objecto social Confecção e artigos de vestuário exterior e interior, a que corresponde o CAE.

20. A sociedade encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

21. O arguido DD foi quem levou a efeito a sua constituição exercendo a sua administração quotidiana até pelo menos 2008, pese embora constar formalmente do registo comercial PP como gerente.

22. DD foi até 2008 o responsável pela gestão diária da A..., competindo-lhes tomar as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, nomeadamente o cumprimento das obrigações para com a Autoridade Tributária, o pagamento dos salários aos trabalhadores, a aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

23. A sociedade I... Unipessoal, Ldª, foi uma sociedade comercial por quotas que teve como ultima sede a Avenida ... – Penafiel, e esteve inscrita no registo comercial sob o número ...07 ...22 ...03.

24. Tal sociedade foi constituída em 2006, tendo então a denominação social de J..., Ldª, dedicando-se à Importação, exportação, representação e comercialização de equipamentos de telecomunicações e informáticos e manutenção dos mesmos; actividades comissionistas na angariação de clientes para as redes de telecomunicações.

25. Em 24 de Julho de 2008, foi alterada a denominação social desta sociedade para I... Unipessoal, Ldª, a sua sede social bem como o seu objecto social, passando a constar como tal também ao comércio por grosso e a retalho de produtos alimentares e outros, comércio a retalho e por grosso não especializado, comércio por grosso e a retalho em supermercados e hipermercados, comércio a retalho e por grosso de bancas de feira, unidades móveis, vestuário e tecidos, comércio a retalho e por grosso de bijutarias, perfumes, artigos cosmética e outros artigos relacionados, comércio, importação e exportação de veículos automóveis novos e usados, aluguer de automóveis ligeiros e pesados, actividades de acabamentos de construção civil, construção de edifícios.

26. A sociedade I... encontrava-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

27. O arguido EE constava desde 24 de Julho de 2008 até à respectiva dissolução e encerramento, como sendo o único gerente inscrito da sociedade comercial I....

28. A sociedade arguida B... UNIPESSOAL LDA, doravante abreviadamente identificada por B..., é uma sociedade comercial por quotas com sede indicada na Rua ..., ..., ... – Felgueiras, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...08 ...92 ...40.

29. Tal sociedade foi constituída em 2009, tendo a sua sede social, até ao ano de 2012, na Avenida ..., ... - Lousada, local onde se dedicava à confecção de artigos de vestuário exterior em sistema de pronto-a-vestir, para homem, mulher e criança.

30. A sociedade encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

31. O arguido FF está inscrito desde 29 de Fevereiro de 2012 no respectivo registo como sendo o único gerente da sociedade comercial B....

32. A sociedade K..., Ldª, era uma sociedade comercial por quotas que tinha na data da liquidação a sua sede na Rua ..., S cave, ..., Vizela, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...06 ...72 ...32.

33. Tal sociedade foi constituída em 2002, tendo então a sua sede inscrita na zona industrial do ..., lote ...7, Fafe, local onde se dedicava ao comércio, importação, exportação e representação de artigos têxteis, vestuário e acessórios de moda.

34. A K... encontrava-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

35. Pela Ap. ...9 de 20 de Julho de 2012 foi registada a gerência da sociedade K... como estando a cargo de ... e pela Ap. ... de 18 de Dezembro de 2013 foi levada a registo a respectiva cessação.

36. A sociedade L... unipessoal, Ldª é uma sociedade comercial por quotas que tem a sua sede registada na Rua ..., Leiria, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...10 ...05 ...73.

37. Tal sociedade foi constituída em 2013, tendo então a sua sede social na Rua ..., ... – Fafe, local onde se dedicava à confecção de artigos de vestuário, têxteis, comércio por grosso e a retalho de vestuário e têxteis, importação e exportação, prestações de serviços à indústria têxtil.

38. A sociedade encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

39. QQ consta no respectivo registo comercial desde a sua constituição até 15-09-2014, como a única gerente da L...

40. A sociedade M... Unipessoal, Lda, é uma sociedade comercial por quotas que tem a sua sede registada na Urbanização .../ ..., Fafe, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...08 ...56 ...00.

41. Tal sociedade foi constituída em 2009, tendo como objecto social o transporte rodoviário de mercadorias nacional e internacional, comércio, importação e exportação de frutas e produtos hortícolas.

42. A sociedade encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

43. RR consta no respectivo registo comercial desde 2 de Julho de 2013 até à presente data, como o único gerente da sociedade comercial da “M...”.

44. A sociedade N... Unipessoal, Ldª foi uma sociedade comercial por quotas que tinha a sua sede na Avenida ..., ..., ..., Guimarães, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...09 ...50 ...62.

45. Tal sociedade foi constituída em 2010, tendo como objecto social o comércio por grosso de produtos hortícolas, comércio por grosso de outros produtos alimentares, confecção de vestuário exterior em série e confecção de vestuário interior em série.

46. A sociedade encontrava-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

47. O arguido GG, entre 09 de Janeiro de 2012 e 22 de Novembro de 2013, consta no respectivo registo comercial como o único gerente da sociedade comercial da “N...”.

48. A sociedade arguida C..., LDA, doravante abreviadamente identificada por C..., é uma sociedade comercial por quotas que actualmente tem a sua sede na Avenida ..., ... – Guimarães, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...07 ...35 ...87.

49. Tal sociedade foi constituída em 2006, tendo então a denominação social de O..., LDA, dedicando-se ao comércio e importação de artigos de telecomunicação, agencia de operadores de redes de telecomunicação móveis.

50. Em 21 de Janeiro de 2010, foi alterada a denominação social desta sociedade para C..., LDA, a sua sede social bem como o seu objecto social, passando a mesma a dedicar-se também ao comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado, peles e artigos em couro.

51. A sociedade encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

A arguida SS consta no respectivo registo comercial desde 20 de Junho de 2011 até à presente data, como a única gerente da sociedade “C...”.

53. A sociedade P... – Unipessoal, Lda, foi uma sociedade comercial por quotas com sede inscrita na Avenida ..., ... – Guimarães, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...10 ...78 ...42.

54. Tal sociedade foi constituída em 15 de Fevereiro de 2013, tendo como objecto social a indústria de construção civil empreitadas e obras publicas, bem como a compra e venda de imóveis e, ainda, o comércio, importação e exportação de materiais de construção civil.

55. Em 10 de Dezembro de 2013, foi alterado o seu objecto social, passando a mesma a dedicar-se também ao à confecção de vestuário exterior em série,(…) confecção de vestuário interior (…), instalação de manutenção e reparação de sistemas de climatização (…) e comércio a retalho de electrodomésticos.

56. A sociedade encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

57. O arguido II, entre 2 de Maio de 2013 até 2 de Janeiro de 2014 consta no respectivo registo comercial como o único gerente da sociedade comercial arguida.

58. E desde 2 de Janeiro de 2014 até à presente passou a constar no mesmo registo como exercendo tais funções o arguido JJ.

59. A sociedade arguida D..., UNIPESSOAL, LDA, é uma sociedade comercial por quotas que tem registada a sua sede na Estrada ..., S/, ... - Lousada, encontrando-se inscrita no registo comercial sob o número ...13 ...24 ...25.

60. Tal sociedade foi registada a 23 de Maio de 2014, tendo como objecto social a confecção de vestuário exterior em série, importação, exportação e comércio de vestuário exterior e comércio por grosso de vestuários e acessórios.

61. A sociedade encontra-se enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral e para efeitos de IRC no regime geral de tributação.

62. O arguido KK consta no respectivo registo comercial desde a sua constituição até à presente data como o único gerente da sociedade comercial “D...”.


***

63. Em data não apurada do ano de 2011 pessoa não concretamente determinada utilizando os dados comerciais e tributários da sociedade F..., emitiu à E... as facturas que ora se descrevem:

64.

65. Porém, as operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, ou seja, a sociedade F... não produziu os artigos e serviços descritos, nem a E... os adquiriu ou pagou.

66. Em data não apurada, pessoa não concretamente determinada utilizando os dados comerciais e tributários da “G...”, emitiu à E... as facturas que ora se descrevem:


67. Sucede, porém, que as operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, sendo por isso fictícias ou simuladas, ou seja, a sociedade “G...” não produziu os artigos e serviços descritos em cada uma das enunciadas facturas, nem a E... os adquiriu ou pagou.

68. No ano de 2011, a sociedade H... e/ou pessoa não concretamente determinada utilizando os seus dados comerciais e tributários, emitiu em nome da E... as facturas que ora se descrevem:

69. As operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais ou seja, a sociedade “H...” não produziu os artigos e serviços descritos em cada uma das enunciadas facturas, nem a E... os adquiriu ou pagou.

70. No ano de 2011, a sociedade A... por intermédio de pessoa não concretamente determinada utilizando para o efeito os seus dados comerciais e tributários emitiu à E... as facturas que ora se descrevem:

71. As operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, sendo por isso fictícias ou simuladas, ou seja, a sociedade “A...” não produziu os artigos e serviços descritos em cada uma das enunciadas facturas, nem a E... os adquiriu ou pagou.

72.No ano de 2011, a sociedade I..., e/ou pessoa não concretamente determinada utilizando para o efeito os seus dados comerciais e tributário emitiu em nome da E... as facturas que ora se descrevem:

73. As operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, ou seja, a sociedade I... não produziu os artigos e serviços descritos, nem a E... os adquiriu ou pagou.

74. No ano de 2012, a sociedade B... e/ou pessoa não concretamente determinada utilizando para o efeito os ses dados comerciais e tributários, emitiu em nome da E... as facturas que ora se descrevem:

75. As operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, ou seja, a sociedade B... não produziu os artigos e serviços descritos, nem a E... os adquiriu ou pagou.

76. No ano de 2012, a sociedade K... e/ou pessoa não concretamente apurada emitiu em nome da E... as facturas que ora se descrevem:


77. As facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, ou seja, a sociedade B... não produziu os artigos e serviços descritos, nem a E... os adquiriu ou pagou.

78. Nos anos de 2013 e 2014, a sociedade L... e/ou pessoa de pessoa não concretamente determinada usando os respectivos dados fiscais e tributários emitiu em nome da E... as facturas que ora se descrevem:

79. As operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, ou seja, a sociedade B... não produziu os artigos e serviços descritos, nem a E... os adquiriu ou pagou.

80. No ano de 2013, a sociedade M..., e/ou pessoa não concretamente determinada usando os dados daquela emitiu em nome da E... as facturas que ora se descrevem:


81. As operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem porém a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, ou seja, a sociedade “M...” não produziu os artigos e serviços descritos, nem a E... os adquiriu ou pagou.

82.No ano de 2013, a sociedade N..., e/ou pessoa não determinada, emitiu em nome da E... as facturas que ora se descrevem:

83. As operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, ou seja, a sociedade “N...” não produziu os artigos e serviços descritos em cada uma das enunciadas facturas, nem a E... os adquiriu ou pagou.

84. No ano de 2013, a sociedade C... por intermédio de pessoa não concretamente determinada, emitiu em nome da E... as facturas que ora se descrevem:

85. As operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou bens ou seja, a sociedade “C...” não produziu os artigos e serviços descritos em cada uma das enunciadas facturas, nem a E... os adquiriu ou pagou.

86. No ano de 2013 e 2014, a sociedade P..., e/ou pessoa ou pessoas não concretamente determinadas emitiram em nome da E... as facturas que ora se descrevem:

87. Contudo as operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, ou seja, a sociedade “P...” não produziu os artigos e serviços descritos em cada uma das enunciadas facturas, nem a E... os adquiriu ou pagou.

88. No ano de 2014, a sociedade D..., e/ou pessoa cuja identidade não foi possível apurar, emitiu em nome da E... as facturas que ora se descrevem:


89. As operações mencionadas nas facturas supra descritas não correspondem a efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, a “D...” não produziu os artigos e serviços descritos em cada uma das enunciadas facturas, nem a E... os adquiriu ou pagou.

90. Não obstante ter perfeito conhecimento de que as facturas atrás descritas não titulavam reais transacções comerciais e que eram documentos fiscalmente relevantes, o arguido AA incluiu as mesmas nas declarações de IRC relativa aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 que a E... enviou aos serviços da administração fiscal respectivamente nos dias 31-05-2012, 31-05-2013, 31-05-2014 e 31-05-2015.

91. As facturas emitidas e supra descritas não correspondem a quaisquer vendas de mercadorias, produtos ou trabalhos prestados à sociedade E... nem os bens e serviços nelas inscritos, foram efectivamente vendidos, pagos e ou prestados, tendo sido forjados com o objectivo, conhecido de quem os elaborou e da sociedade E... e do arguido AA, de serem – como foram - integrados nas declarações de IRC dos correspondentes anos das mesmas constantes, aumentando artificialmente os custos e assim e, diminuir o lucro tributável. por via do aumento artificial dos custos e assim, defraudar a Autoridade Tributária em sede IRC.

92. Assim, através do intencional registo das identificadas facturas, a E..., por intermédio do arguido AA, fez aumentar ficticiamente os custos daquela e, consequentemente, diminuiu o resultado tributável em sede de IRC, nos seguintes termos, relativamente aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, respectivamente,

93. E ao inscrever tais facturas na contabilidade a sociedade E... obteve uma vantagem patrimonial, em sede de IRC no valor de €368.933,01, (trezentos e sessenta e oito mil novecentos e trinta e três euros e um cêntimo) correspondente à diferença entre o lucro tributável real e o que foi efectivamente declarado.

94. Ao proceder do modo descrito, o arguido AA agiu sempre, por si e na qualidade de legal representante da E..., com o propósito de obter uma vantagem patrimonial para esta a que sabiam não ter direito, diminuindo as receitas tributárias em valor equivalente, bem sabendo que os montantes acima referidos pertenciam ao Estado e que a este deviam ser entregues.

95. O arguido AA em representação da sociedade E... agiu com o propósito conseguido de fazer constar das facturas mencionadas supra, prestações de serviços e venda de mercadorias inexistentes para que a sociedade E... obtivesse, como obteve, uma vantagem patrimonial ilegítima, através da diminuição das receitas tributárias do Estado.

96. O arguido AA em nome e no interesse da sociedade E..., agiu sempre livre, consciente e voluntariamente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Das condições socioeconómicas dos arguidos.

97. O percurso de AA decorreu até cerca dos 14 anos de idade, em .... É oriundo de um agregado familiar referenciado como funcional na sua dinâmica, de situação económica regularizada, composto pelos pais, ambos operários têxteis e duas irmãs. Após a conclusão do 4º ano de escolaridade, refere ter começado a trabalhar, com 12 anos de idade, como ajudante de carpinteiro, emigrando pouco tempo depois, com a família, para França, onde se manteve cerca de 20 anos, a trabalhar no ramo têxtil. Com 25 anos de idade, contraiu matrimónio, permanecendo em França com o agregado então constituído, até 1985. Nessa altura, decidiu regressar, fixando-se com a família, composta pelo cônjuge e dois filhos, em .... Em 1986, abriu um estabelecimento comercial (minimercado), em ..., negócio que desenvolveu, em parceria com o cônjuge, até 1995, ano em que se divorciou amigavelmente, após se envolver afectivamente com outra pessoa .Encetou, então, uma união de facto, da qual resultou um filho, a culminar em matrimónio, no ano de 2006. Em 2001, comprou um apartamento, em ..., onde reside, atualmente, com o cônjuge e filho do casal, com 16 anos de idade. Durante alguns anos, trabalhou informalmente na área têxtil, designadamente na angariação de clientes na área da confeção, segundo refere, até constituir a empresa “E...”, com a ajuda informal de um amigo experiente no ramo.

Mais refere que, no contexto de alguns negócios malsucedidos e de vulnerabilidade à influência de amigos, a quem fez alguns favores, contraiu várias dívidas que o impeliram, no ano de 2007, a efectuar um empréstimo bancário no valor de 50.000 euros. Nessa altura, a situação vivida refere ter tido implicações na relação marital que ressalta ter ficado abalada. No período em apreço nos autos AA residia com o cônjuge e o filho mais novo, actualmente com 16 anos de idade. Nessa altura, ressalta terem também surgido alguns problemas de saúde que envolveram a necessidade de se submeter a intervenções cirúrgicas, em 2015 e 2016. O arguido refere subsistir atualmente de uma pensão de reforma, no montante global aproximado de 700 euros, resultante do trabalho que desenvolveu em Portugal e em França, acrescentando que o cônjuge trabalha numa empresa do ramo têxtil, auferindo o ordenado mínimo nacional. Não obstante as relações amistosas que assegura com os familiares, vem procurando mantê-los distanciados dos seus problemas, alegando sentir-se envergonhado.

Comunitariamente, projeta uma imagem sem indicadores de problemas ao nível da sua inserção. A presente situação jurídico-penal gerou repercussões quer ao nível pessoal, familiar e financeiro. Em contexto de entrevista, expressou juízo de censura relativamente ao comportamento criminal subjacente ao presente, assim como reconhecer, no abstrato, a sua ilicitude, verbalizando não se rever na natureza do crime pelo qual está acusado.

(….)

Dos antecedentes criminais dos arguidos.

106. Nada consta no certificado de registo criminal do arguido AA.

B. Factos não provados com interesse para a decisão da causa.

a. O arguido BB partilhou as principais e mais complexas funções de administração quotidiana da sociedade F... como gerente desde 24 de Março de 2010 até ao cancelamento da matricula sendo responsável pela gestão diária da F... tomando, em conjunto, as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, incluindo as obrigações para com a Autoridade Tributária, procedendo ainda ao pagamento dos respectivos salários aos vários trabalhadores empregues, à aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

b. O arguido CC exerceu as principais e mais complexas funções de administração quotidiana da sociedade H... como único gerente desde a sua constituição até ao cancelamento da matricula sendo responsável pela sua gestão diária tomando, em conjunto, as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, incluindo as obrigações para com a Autoridade Tributária, procedendo ainda ao pagamento dos respectivos salários aos vários trabalhadores empregues, à aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

c. O arguido DD foi depois de 2009 o responsável pela gestão diária da A..., competindo-lhes tomar as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, nomeadamente o cumprimento das obrigações para com a Autoridade Tributária, o pagamento dos salários aos trabalhadores, a aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

c. O arguido EE exerceu as principais e mais complexas funções de administração quotidiana da sociedade I... como único gerente desde a sua constituição até ao cancelamento de matricula sendo responsável pela sua gestão diária tomando, em conjunto, as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, incluindo as obrigações para com a Autoridade Tributária, procedendo ainda ao pagamento dos respectivos salários aos vários trabalhadores empregues, à aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social;

d. O arguido TT exerceu desde a sua constituição até à presente data as principais e mais complexas funções de administração quotidiana da sociedade B... como único gerente desde a sua constituição até ao cancelamento de matricula sendo responsável pela sua gestão diária tomando, em conjunto, as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, incluindo as obrigações para com a Autoridade Tributária, procedendo ainda ao pagamento dos respectivos salários aos vários trabalhadores empregues, à aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

e. O arguido ... entre Abril de 2012 e Julho do mesmo ano exerceu as principais e mais complexas funções de administração quotidiana da sociedade K... como único gerente desde a sua constituição até ao cancelamento de matricula sendo responsável pela sua gestão diária tomando, em conjunto, as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, incluindo as obrigações para com a Autoridade Tributária, procedendo ainda ao pagamento dos respectivos salários aos vários trabalhadores empregues, à aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

f. O arguido GG entre 4 de Janeiro de 2012 e 21 de Novembro de 2013 foi o único gerente da sociedade “N..., Unipessoal, Ldª exercendo sendo responsável pela sua gestão diária tomando, em conjunto, as decisões relativas à gestão comercial, financeira e

contabilística daquela, incluindo as obrigações para com a Autoridade Tributária, procedendo ainda ao pagamento dos respectivos salários aos vários trabalhadores empregues, à aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

g. O arguido II foi entre 15 de Fevereiro de 2013 e 27 de Dezembro de 2013 o único gerente da sociedade “P...” sendo responsável pela sua gestão diária tomando, em conjunto, as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, incluindo as obrigações para com a Autoridade Tributária, procedendo ainda ao pagamento dos respectivos salários aos vários trabalhadores empregues, à aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

h. O arguido JJ a 27 de Dezembro de 2013 substituiu o arguido II passando a ser até à sua extinção o único gerente da sociedade “P...” sendo responsável pela sua gestão diária tomando, em conjunto, as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, incluindo as obrigações para com a Autoridade Tributária, procedendo ainda ao pagamento dos respectivos salários aos vários trabalhadores empregues, à aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

i. O arguido KK é desde a sua constituição até à presente data o único gerente da sociedade “D...” sendo responsável pela sua gestão diária tomando, em conjunto, as decisões relativas à gestão comercial, financeira e contabilística daquela, incluindo as obrigações para com a Autoridade Tributária, procedendo ainda ao pagamento dos respectivos salários aos vários trabalhadores empregues, à aquisição aos seus fornecedores de bens e serviços necessários à sua actividade comercial e, ainda, pela facturação aos seus clientes de bens vendidos e serviços prestados na prossecução do seu objecto social.

j. Sem prejuízo do descrito na factualidade provada, o arguido AA no âmbito da actuação descrita na factualidade provada solicitou e teve a colaboração dos arguidos BB, CC; DD; EE; FF; ...; GG; HH; II; JJ e KK.

l. BB, CC; DD; EE; FF; ...; GG; HH; II; JJ e KK.

emitiram ou determinaram a emissão das facturas a que se reporta a factualidade provada.

m. Na execução de um plano conjunto e em comunhão e conjugação de esforços com o arguido AA os arguidos BB, CC; DD; EE; FF; ...; GG; HH; II; JJ e KK, acederam a tal pedido e utilizando para o efeito as sociedades por si geridas, conjugaram esforços e agiram concertadamente com AA, emitindo e entregando as facturas com serviços fictícios melhor infra descrita, com vista à obtenção de proveitos económicos, a que sabiam não terem direito, em prejuízo da Administração Tributária.


*

As demais circunstâncias relatadas e considerações efectuadas, na acusação/pronuncia e contestações não foram tidas em conta (e por isso não constam da fundamentação de facto) por conterem meros juízos conclusivos ou matéria de direito ou por não terem qualquer relevância para a decisão da causa (sendo certo que a lei apenas exige que devam constar da sentença os factos com relevo para a decisão da causa e só estes, devendo proceder-se se necessário ao aparo do que porventura em contrário e com carácter supérfluo provenha das referidas peças processuais de que aquela não é nem pode ser mera serventuária – cfr: a este propósito Ac. do STJ de 2 de Junho de 2005, proc. 05P1441, dgsi).

*

D. Convicção do Tribunal.

No que respeita aos factos provados formou-se esta com base na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, testemunhal – depoimentos das testemunhas: Inspectores tributários, LL (que inspeccionou a E... e assim se inteirou da realidade desta e da falsidade das facturas em questão que demonstra à saciedade no âmbito da análise e conjugação com os dados apurados relativamente às demais ), UU (que levou a efeito a inspecção à “F...”), VV (que inspecionou a “H...”) , WW (que levou a efeito as diligências respeitantes a “A...”, XX (que inspecionou a “K...”), YY (a “L...”), ZZ (a “B...”), AAA (a “M...”); BBB (a “N...”), CCC (a “C...”), DDD (a “P...”), que de forma objectiva sustentada e isenta carrearam e relataram o que lograram apurar no âmbito das sociedades que inspeccionaram e/ou relativamente à qual levaram a efeito diligências.

Das testemunhas: EEE, FFF, GGG – todas funcionárias da “E...” nos períodos em causa e que identificam o arguido AA como o respectivo “patrão” e bem assim a HHH, também ele reconhecendo ter prestado serviços para o mesmo arguido (segundo o qual era quem norteava o rumo da empresa) ainda que face aos demais elementos documentais e até do seu depoimento se retire que seria mais do que um simples subordinado daquele.

No que concerne à prova documental foram ponderados os autos de noticia de fls. 2, 260, 411; relatórios inspecção tributária de fls. 12, 264, 291, 298, 319, 319, 325, 415 e constantes no CD de fls. 471 (assim como os documentos contabilísticos neste contidos) na medida em que foram também confirmados pelas testemunhas inspectores tributários; as facturas de fls. 332 a 559 verso; as cópias dos cheques de fls. 562 a 594; as declarações de IRC de fls. 598, 603, 608, 613; as certidões comerciais de fls. 624, 627, 632, 634, 636, 638, 641, 645, 651, 654, 657, 663, 665, 668, 1925, 1929, 1931, 1934, 1936, 1939, 1943, 1948, 1959, 2038, 2042, 2139, 2821, 2845 e ss.; a certidão de óbito de fls. 2171 (atestando o falecimento de OO) as informações cadastrais extraídas do sistema informático da AT de fls. 670 a 728, 813, def fls. 1130 a 1781; a certidão policial de fls. 732 (da qual decorre que a sociedade “M...” nunca laborou na indicada sede).

No que respeita à factualidade consubstanciada no objecto social das sociedades arguidas registado e gerência descrita na respectiva matrícula, tal decorre das correspondentes certidões de matrícula juntas.

Os montantes respeitantes às facturas em questão e correspondentes valores, impostos devidos e ou deduzidos resulta não só do respectivo teor como das indicadas declarações modelo 22, e elementos contabilísticos associados, bem como dos depoimentos das testemunhas inspectores, tudo a permitir também concluir pelo valor da vantagem patrimonial.

A verificação de que as facturas objecto dos autos e juntas são nos enunciados termos forjadas (não consubstanciam o fornecimento ou prestação de quaisquer bens e/ou serviços) decorre também dos depoimentos objectivos e coerentes das identificadas testemunhas inpectores tributários assentes em todas as diligências levadas a efeito e elementos (documentais e supra enunciados) recolhidos, devidamente concatenados e oportunamente espelhadas nos relatórios elaborados e na medida em que os confirmaram.

Na verdade e quanto às facturas da “F...” e tal como relatado, esta não cumpriu com as suas obrigações fiscais declarativas em sede de IVA e IRC, desde o

ano de 2011; para além das facturas supra descritas, inexistem quaisquer outros documentos contabilísticos de suporte das mesmas, nomeadamente notas de encomenda, guias de transporte, recibos, entre outros, apesar de solicitados; as facturas obtidas junto de outros clientes pela Autoridade Tributária concluiu-se que as facturas são processadas por computador, ainda que não seja identificado qual o programa informático utilizado; existem dois formatos distintos de facturas; a numeração sequencial das facturas processadas não foi respeitada, por não ter sido obtido um exemplar de cada um dos números de factura compreendidos entre o número um e o número setenta e oito (último número conhecido) e por outro lado, foram detectados vários números de factura repetidos, alguns deles por várias vezes.

A ordem sequencial e cronológica das facturas apenas se encontra respeitada se analisados individualmente os documentos emitidos relativamente a cada um dos destinatários. Quando considerada a data aposta nas facturas verifica-se terem sido processadas 25 (vinte e cinco) facturas para além da data em que as funcionárias que laboravam na empresa "F..." cessaram funções, das quais nove contêm indicada uma data já posterior à declaração de insolvência da mesma; em termos de data de processamento, as faturas, que eram igualmente documento de transporte, foram processadas em data muito posterior à data de emissão com que foram geradas e mesmo quando havia exacta correspondência entre aquelas datas, a de emissão e a de processamento, verifica-se ser possível estabelecer uma cadência de processamento das facturas relativas a diferentes dias e meses, que distam de poucos minutos em termos de hora de processamento; os artigos descritos nas facturas são de natureza anormalmente variada; os comprovativos de recebimento dos valores constantes das facturas assentam na emissão de um recibo pelo valor integral de cada uma das facturas conhecidas, com a indicação de recebimento em numerário; na emissão dos recibos foram utilizadas duas descrições distintas, as de «Recebimento n. 0 «Resumo de recebimentos n. 0 .», sem as quais se obteria a repetição de numeração também deste tipo de documento.

Acresce que tendo sido efectuada no dia 2011-04-06, a penhora, com remoção, de todas as máquinas da F..., no âmbito do processo 479/08.2TBGMR — Tribunal do Trabalho de Guimarães, não obstante não ter quaisquer máquinas ao seu serviço, nem quaisquer trabalhadores, a F... emitiu as facturas 51, 52, 53, 54 e 55, respectivamente a 27-04-2011, 06-05-2011, 12-05-2011, 13-05-201 1 e 16-05-2011.

Por seu turno, concatenadas as facturas da F... à E... e sua posterior facturação por esta última aos clientes finais resultam as seguintes incongruências: verifica-se uma diferença de 15.340 unidades entre as facturas emitidas pela "F..." à E... e a factura desta emitida ao cliente final "Q... Lda."; evidencia-se uma proximidade entre as datas de emissão das faturas n.ºs 3, 4, e 5 emitidas pela "F..." para a "E..."

respectivamente a 21-01-2011, 26-01-2011 e 28-01-2011 e a fatura n.o 32 de 31-012011, desta última para o seu cliente "Q... Lda."; da análise de 21 (vinte e uma) guias de transporte emitidas em nome da empresa "E...", identificando como destinatário a empresa "F...", foi constatado que face à mercadoria descrita em cada um dos documentos, nomeadamente em termos de quantidade, entre as guias de transporte e as facturas em análise apenas foi possível estabelecer quatro correspondências.

Da comparação dos artigos descritos em cada documento, constata-se que -nas guias de transporte está identificado o transporte de 14.275 unidades do produto com a referência «CTA. D/RED. EST. GATO BSK», quando nas facturas encontra-se identificada a transacção de 13.245 unidades;

Nas guias de transporte está identificado o transporte de 10.787 unidades do produto com a referência «CTA. Cl FOLHO LEFTIES», quando nas facturas encontra-se identificada apenas a transacção de 1.644 unidades. Nas guias de transporte está identificado o transporte de 25.582 unidades do produto com a referência «CTA. Cl CARCELA E BOTÕES», quando nas facturas encontra-se identificada apenas a transacção de 16.912 unidades. E quando comparada a quantidade total de unidades identificadas nas guias de transporte processadas com data do exercício de 2011, de 93.522 unidades, e a quantidade total de unidades identificadas nas facturas emitidas até 2011-04-14, no total de 91.611 unidades, verifica-se existir uma divergência de 2 % para menos nas quantidades facturadas. Porém, se consideradas todas as facturas processadas em nome da empresa "F..." à sociedade "E...", o total de unidades facturadas ascendem a 138.322, valor muito superior ao total de unidades transportadas de acordo com as guias de transporte exibidas. As guias de transporte exibidas pela E... encontram-se emitidas com datas compreendidas entre 2010-12-21 e 2011-03-10, sendo certo que as facturas em análise contêm datas de emissão até 2011-05-16. Ou seja, mesmo considerando que a mercadoria transportada com base na última guia de transporte emitida pela empresa "E...", era a que constava da última factura processada em nome da sociedade "F..." à "E...", tal facto representaria um período de laboração não coincidente com os prazos normalmente praticados de acordo com as correspondências antes identificadas.

Por fim, no que concerne os meios de pagamento das facturas supra descritas, apenas foram exibidos dois cheques (que totalizam a importância de € 5.492,68, valor correspondente a cerca de 5 % do valor total das facturas); ambos os cheques se encontram endossados em branco com carimbo da empresa "F..." constando a assinatura manual III quando este arguido em Maio de 2011, já tinha transmitido a sua quota a BB a 10 de Fevereiro de 2011.

No que às facturas da G... diz respeito a respectiva falsidade resulta desde logo do facto de nunca ter possuido quaisquer instalações comerciais, fabris ou industriais minimamente compatíveis com o volume de serviços facturados; nunca teve inscritos na Segurança Social quaisquer trabalhadores em seu nome; nunca efectuou quaisquer retenções na fonte em sede de IRS por conta de seus trabalhadores; nenhum sujeito passivo declarou ter vendido matérias-primas, mercadorias ou prestado serviços à G... sendo, assim, uma empresa sem quaisquer fornecedores; a sociedade nunca teve qualquer contracto de fornecimento de energia registado em seu nome; desde o inicio da sua atividade que nunca cumpriu com as suas obrigações declarativas para com a AT; no local que consta como sede da empresa, Lugar ..., ..., ... (Felgueiras), não existe nem nunca existiu qualquer indústria de confecçöes.

Os pagamentos das facturas supra descritas, no montante global de €228.734,60, foram declarados como tendo sido efectuados em numerário (o que não se compadece com o montante). As descrições dos artigos constantes das faturas emitidas pela G... não coincidiam com os artigos descritos nas facturas de venda ao cliente final da E....

A H... nunca possuiu quaisquer instalações comerciais, fabris ou industriais compatíveis com o volume de serviços facturados; o número de trabalhadores inscritos na segurança social, era manifestamente insuficiente para prestar os serviços constantes nas facturas ora em causa; no local da sua sede não foram encontradas quaisquer instalações fabris ou industriais compatíveis com a actividade declarada; no Ano de 2012 nenhuma empresa declarou ter vendido bens, mercadorias, matérias-primas ou prestados serviços à H... sendo, uma sociedade sem fornecedores; não obstante possuir um contracto de fornecimento de electricidade o consumo registado e manifestamente insuficiente para volume de negócios registado nas facturas supra descritas; inexistem quaisquer outros documentos contabilísticos de suporte das mesmas, nomeadamente notas de encomenda, guias de transporte, recibos.

Do confronto entre as facturas emitidas pela H... e a sua posterior facturação pela E... aos clientes finais desta resultam as seguintes incongruências: as descrições dos artigos constantes das facturas emitidas pela "H..." não coincidem com os artigos descritos nas facturas de venda ao cliente final emitidas pela E.... No entanto, mesmo considerando-se que se tratam dos mesmos artigos, evidencia-se uma diferença de 26.119 unidades entre as faturas emitidas pela H... à E... e desta para o cliente final "Q..., Lda.".

O pagamento das facturas supra descritas, no montante global de 51.195,86, foi declarado como tendo sido efectuados em numerário.

Para além da E... mais nenhum sujeito passivo declarou ter comprado mercadorias, matérias-primas ou solicitado prestação de serviços à H..., sendo aquela sociedade a sua única cliente tendo esta sido cessada oficiosamente a 26-02-2013.

A sociedade A... ao tempo não possuía quaisquer instalações comerciais, fabris ou industriais compatíveis com o volume de serviços facturados; desde o ano de 2008 que não remeteu à AT qualquer declaração fiscal referente ao IRC e no que concerne ao IVA apenas remeteu declarações nos meses de Janeiro a Março de 2009, sendo que todas foram apresentadas sem qualquer movimentos. No local da sua sede não foram encontradas quaisquer instalações fabris ou industriais compatíveis com a actividade declarada; no Ano de 2012 nenhuma empresa declarou ter vendido bens, mercadorias, matérias primas ou prestados serviços à A... sendo, uma sociedade sem fornecedores; para além das facturas supra descritas, inexistem quaisquer outros documentos contabilísticos de suporte das mesmas, nomeadamente notas de encomenda, guias de transporte, recibos.

O pagamento das facturas supra descritas, no montante global de 22.60679€., foi declarado como tendo sido efectuados em numerário

Para além da E... mais nenhum sujeito passivo declarou ter comprado mercadorias, matérias-primas ou solicitado prestação de serviços à A..., sendo aquela sociedade a sua única cliente.

Acresce que confrontadas as facturas emitidas pela A... à E... e sua posterior facturação por esta aos clientes finais de tal resultam as seguintes incongruências: - As descrições dos artigos constantes das facturas emitidas pela "A..." não coincidem com os artigos descritos nas facturas de venda ao cliente final emitidas pela E...; - Ainda considerando que se tratam dos mesmos artigos, evidencia-se uma diferença de 4.630 unidades entre as faturas emitidas pela A... à E... e desta para o cliente final.

A A... foi cessada oficiosamente em 30-11-2011, por ser manifesto que a sociedade não estava a exercer nenhuma atividade nem mostrar intenção de a continuar a exercer, e por não possuir uma adequada estrutura empresarial para o efeito.

A I... nunca possuiu quaisquer instalações comerciais, fabris ou industriais compatíveis com o volume de serviços facturados; desde o ano de 2008 que não remeteu à AT qualquer declaração fiscal referente ao IRC; desde Dezembro de 2009 que não submeteu as declarações periódicas de IVA; no local da sua sede não foram encontradas quaisquer instalações fabris ou industriais; nos anos de 2011 e 2012 nenhuma empresa declarou ter vendido bens, mercadorias, matérias-primas ou prestados serviços à I... sendo, uma sociedade sem fornecedores; inexistem quaisquer outros documentos contabilísticos de suporte das mesmas, nomeadamente notas de encomenda, guias de transporte, recibos; o pagamento das facturas supra descritas, no montante global de €22.131,88, foi declarado como tendo sido efectuados em numerário; para além da E... mais nenhum sujeito passivo declarou ter comprado mercadorias, matérias-primas ou solicitado prestação de serviços à I..., sendo aquela sociedade a sua única cliente.

Acresce que da análise do circuito comercial das facturas emitidas pela I... à E... e sua posterior facturação aos clientes finais desta resultam as seguintes incongruências: - As descrições dos artigos constantes das facturas emitidas pela "I..." não coincidem com os artigos descritos nas facturas de venda ao cliente final emitidas pela E...; - Ainda considerando que se tratam dos mesmos artigos, evidencia-se uma diferença de 28.290 unidades entre as facturas emitidas pela I... à E... e desta para o cliente final.

A “B...” nas datas das identificadas facturas datas não possuía quaisquer instalações comerciais, fabris ou industriais compatíveis com o volume de serviços facturados; desde o ano de 2011 que deixou de cumprir com as suas obrigações fiscais declarativas; no ano de 2012, nenhuma empresa declarou ter-lhe vendido bens, mercadoria, matérias-primas ou prestados serviços sendo assim uma sociedade sem fornecedores; no ano de 2012 declarou remunerações relativas a 26 funcionários (incluindo o ex. sócio-gerente), no valor global de € 26.097,69, cujas deduções ascenderam a € 9.019,07, mas apenas entregou as declarações de remunerações referentes aos períodos de 2012/01 e 2012/02.

Não obstante não ter quaisquer fornecedores, a B... declarou no ano de 2012 ter prestado a quatro clientes (entre os quais se encontra a "E...), serviços no valor global de € 505.028,00 e no ano de 2011 nenhuma empresa declarou ter-lhe adquirido quaisquer mercadorias, matérias-primas ou solicitado a prestação de serviços à B....

Do confronto entre as facturas em apreço e as facturas obtidas junto dos outros clientes conhecidos da B..., constata-se que: As 10 facturas foram pré-impressas na tipografia, encontram-se emitidas de forma manuscrita, todas à empresa "R..., Lda.", estando numeradas entre 53 e 63 tendo data de emissão de Janeiro e Fevereiro de 2012; as restantes 39 facturas, foram processadas por computador, emitidas aos restantes contribuintes, encontrando-se numeradas entre 12 e 91, e tinham data de emissão entre Abril e Dezembro de 2012; a numeração de cinco facturas processadas por computador não respeitava a ordem cronológica; todas as facturas respeitavam a serviços prestados, nomeadamente confecção a feitio de peças de vestuário e corte e costura de forros; nos recibos verifica-se a existência de uma rubrica e carimbo da "B...” com os dizeres "JJJ"; sendo que a letra é sempre igual (ora contém maiúsculas, ora minúsculas, ora é mais ou menos redonda).

As facturas supra descritas foram declaradas como tendo sido pagas por cheque, sendo que da análise das cópias dos 16 cheques enviados (2 só frente e 14 frente e verso) verificou-se que: os cheques n.ºs ...72 e ...75 no valor de € 4.761 ,82 e € 12.311,52, têm anotado na frente "levantado”; os restantes cheques têm um carimbo da empresa "B..." e uma rubrica "JJJ", pessoa desconhecida e alheia à sociedade; seis dos cheques terão sido depositados em contas (...33, ...57 e ...59) do Banco 1..., por "KKK" ou "HHH; constando este último da declaração Modelo 10 entregue pela empresa "E..." em 2014 e 2015 e os dois partilham o mesmo domicílio fiscal (R. ...,Santiago do ..., ... Guimarães); sete dos cheques terão sido levantados ao balcão por "KKK" (C.C. n o ...700); um dos cheques terá sido levantado por alguém desconhecido, com uma assinatura pouco perceptível sendo apenas inteligível a palavra "LLL . ' e com CC. N.º ...349 – sendo certo que HHH em audiência disse trabalhar para a sociedade gerida por AA e o seu pai chama-se KKK.

A K... nunca possuiu quaisquer instalações comerciais, fabris ou industriais compatíveis com o volume de serviços facturados; a morada constante no Cadastro da AT como seu domicilio fiscal não existe; a K..., para além do sócio-gerente inscrito no registo comercial, não tinha quaisquer trabalhadores inscrito na Segurança Social; não efectuou quaisquer retenções na fonte em sede de IRS por conta dos seus trabalhadores.

As descritas facturas emitidas pela K... foram impressas por variados programas de facturação, dentro do mesmo ano, sem que tivesse sido respeitada a numeração sequencial.

Os pagamentos das facturas supra descritas foram efectuados por cheque do "Banco 1..., SA", sendo que da sua análise constatou que: 1) Tinham um carimbo da empresa "K..." e uma rubrica (ilegível); todos os cheques foram levantados por "KKK" (C.C. n o ...700), o qual é pai de HHH, que era funcionário da empresa "E...”.

Quanto às facturas “emitidas” pela L... decorre dos apontados elementos de prova que nunca possuiu uma quaisquer instalações comerciais, fabris ou industriais minimamente compatíveis com o volume de serviços facturados; nunca teve inscritos na segurança social quaisquer trabalhadores; nunca efectuou quaisquer retenções na fonte em sede de IRS por conta de seus trabalhadores; nenhum sujeito passivo declarou ter vendido matérias-primas, mercadorias ou prestado serviços à L... sendo, assim, uma empresa sem quaisquer fornecedores; nunca teve qualquer contrato de fornecimento de energia registado em seu nome; não declarou gastos com pessoal, ou outros gastos de estrutura; apesar de ter declarado na referida EES/DA do ano 2013 um Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas no montante de €412.250,73 quando as por si facturas emitidas respeitam a serviços de confecção a feitio. E a 06-08-2014 foi cessada oficiosamente a sua actividade, em sede de IRC e IVA, por ser manifesto que a sociedade não estava a exercer nenhuma atividade.

Os pagamentos efectuados pela “E...” à "L..." foram efectuados através de cheque que foram levantados pelo próprio emitente ou foram endossados a outrem, permitindo que os mesmos fossem levantados ao balcão por terceiros.

Das "guias de transporte" do ano de 2013, foram apenas apresentadas as respeitantes ao período temporal compreendido entre o dia 19-11-2013 e 17-12-2013, das quais resulta que atenta a mercadoria descrita em cada um dos documentos, nomeadamente em termos de quantidades, entre as guias de transporte e as correspondentes faturas apenas foi possível estabelecer quatro correspondências; do confronto entre as guias de transporte emitidas pela "E..." com a descrição "mercadorias para confecionar a feitio", a descrição dos artigos transportados, e as faturas correspondentes constata-se que estas têm data de emissão anterior às guias ditas em cerca de dez dias; na factura nº 87 de 10-12-2013, emitida pela "L..." encontra-se descrita a prestação de serviços de trabalhos de confeção a feitio dos produtos com as referências «T-SHIRTS REFa MAS 04 PRUNELLE; T-SHIRTS REFa JAC 52 GRIS CHINE; T-SHIRTS REP CALIFORNIA PRETO», não existindo guias de transporte dos referidos artigos; e foram detectadas diversas faturas de "compra" com data de emissão posterior à data da fatura de venda dos mesmos artigos ao cliente final; as referidas faturas, emitidas pela "E..." a diversos clientes têm inscritas as seguintes referências obrigatórias, "confecionado a feitio" seguido da inscrição "os artigos foram colocados á disposição do adquirente nas datas mencionadas", pelo que, nunca poderiam ter sido emitidas em data anterior à receção dos mesmos artigos entregues ao fornecedor "L..." para realização de prestações de serviços de "trabalho a feitio”.

No que concerne os meios de pagamentos utilizados no ano de 2013 foi o cheque, sendo que da sua análise constata-se que têm um carimbo da empresa "L..." e uma rubrica com os dizeres "MMM"; os nove cheques foram levantados ao balcão mais uma vez por "KKK" (C.C. n ...700); que é pai de HHH, funcionário da empresa "E....

No que diz respeito às guias de transporte do ano de 2014, no total de 27, da sua analise pode constatar-se o seguinte: - Existem faturas emitidas pela "L..." relativamente às quais não foi possível identificar as respetivas guias de transporte; - Existem diferenças entre as quantidades de artigos para confecionar a feitio transportadas pela "E..." para a "L..." em comparação com as faturas emitidas peia "L..." relativas ao trabalho efectuado; - A Proximidade e coincidência entre as datas de emissão das guias de transporte e as datas das faturas do fornecedor, o que seria impossível em face da quantidade e serviço concreto a prestar; - A existência de faturas emitidas pela "L..." para a "E..." com data anterior às guias de transporte; -Um conjunto de faturas em que apesar da coincidência dos artigos facturados em termos de quantidades, diversas faturas de "prestação de serviços de trabalho a feitio" foram emitidas pela "L..." com data de emissão posterior à data da factura de venda dos mesmos artigos ao cliente final;

Das cópias frente e verso de 13 cheques utilizados pela "E..." para os pagamentos efectuados à "L...", no ano de 2014, verificou-se que: -Têm um carimbo da empresa "L..." e uma rubrica "MMM"; -Um cheque terá sido levantado por alguém sem qualquer relação conhecida com a empresa, NNN (mas cujo nome é estranhamente é coincidente com o do pai de III (relativamente ao qual foi separado o processo) com o Cartão de Cidadão n ...201 e 12 (doze) cheques foram levantados também por "KKK, HHH, funcionário da empresa "E....

A M... nunca possuiu uma infra-estrutura, os meios técnicos e humanos necessários para a prestação dos serviços descritos nas facturas supra mencionadas, posto que o endereço indicado como local de laboração da empresa corresponde a uma loja, integrada em galerias comerciais, sitas nas ..., concelho de Guimarães, a qual, no momento da acção de inspecção levada a cabo pela AT, encontrava-se vazia.

Para além da M..., mais três sociedades indicaram ou designaram o local supra indicado como o seu domicilio fiscal; - A M... não tinha quaisquer trabalhadores inscritos na Segurança Social e da mesma forma não efectuou quaisquer retenções na fonte em sede de IRS por conta de seus trabalhadores.

Não obstante ter um contrato de fornecimento de energia eléctrica em seu nome, o local de consumo é distinto da sua sede.

A M..., pese embora tivesse registado como objecto social, nos anos de 2011 e 2012, o transporte de mercadorias rodoviárias, emitiu facturas que diziam respeito ao exercício de actividades integradas no sector têxtil, concretamente, a realização de prestação de serviços de confecção (vertente industrial) e a comercialização ou venda de tecidos (vertente comercial).

Da análise facturação da M... constata-se um aumento exponencial do volume de negócios do ano de 2011 para o ano de 2012 em sede de IVA, atentos os valores declarados, que não corresponde à realidade económica do contribuinte. Nenhum sujeito passivo declarou ter vendido matérias-primas, mercadorias ou prestado serviços à M... sendo, assim, uma empresa sem quaisquer fornecedores. A M... emitiu facturas com utilização de séries diferentes, respeitantes a transmissões de bens e a prestação de serviços - A emissão de facturas não respeitou qualquer critério cronológico; - A emissão ou o processamento de facturas foi efectuado com recurso a programas informáticos diferentes e com a menção de certificados não validados pela AT; Algumas das facturas foram emitidas segundo o programa de certificação n.º 17/ DGC — Sage NEST que não é um programa certificado validado pela AT.- O pagamento das facturas emitidas para a totalidade dos adquirentes de serviços prestados, foi declarado como tendo sido efectuado em numerário, isto é, com meios financeiros "existentes" na conta CAIXA das respetivas sociedades.

Todas as faturas emitidas contêm um erro de impressão grosseiro que se traduz na referência ao capital social (subscrito e realizado") de valor 5.000,00 (subentende-se Euros) quando, de acordo com a escritura de constituição do capital social da sociedade unipessoal, o capital social subscrito e realizado é de 150.000,00 Euro (cento e cinquenta mil euros).

A N... nunca possuiu possuiu quaisquer instalações comerciais, fabris ou industriais compatíveis com o volume de serviços facturados; a N... não nunca teve um contracto de fornecimento de energia eléctrica em seu nome; nunca teve inscritos na Segurança Social. quaisquer trabalhadores e nunca efectuou quaisquer retenções na fonte em sede de IRS; nenhum sujeito passivo declarou ter vendido matérias-primas, mercadorias ou prestado serviços à N... sendo, assim, uma empresa sem quaisquer fornecedores.

A sede da N... indicada no cadastro da AT corresponde ao domicílio fiscal do TOC OOO associado a diversas empresas suspeitas da prática de emissão de facturação falsa.

A N... declarou exercer a actividade de comércio de produtos hortícolas até finais de Março de 2012, mês em que vendeu equipamentos ligados à construção civil e cabos elétricos;

A partir do segundo trimestre de 2012 (2012/06T), com a excepção melhor infra descrita, sempre remeteu à AT declarações periódicas de IVA sem quaisquer movimentos.

Por seu turno, apesar de ter entregue uma declaração periódica de IVA com movimento, correspondente ao período 2013/12T, o valor declarado de IVA liquidado é inferior ao valor do IVA deduzido.

Nenhum sujeito passivo declarou ter vendido matérias-primas, mercadorias ou prestado serviços à N... sendo, assim, uma empresa sem quaisquer fornecedores.

As facturas supra descritas foram declaradas como tendo sido pagas por cheque, sendo que da sua análise pode constatar-se o seguinte: foram levantados ao balcão em numerário por "HHH" funcionário da "E..."; na contabilidade da E..., encontrava-se cópia (frente) dos cheques, com o campo "à ordem de N... Lda" preenchido, no entanto os cheques apresentados a pagamento no Banco encontravam-se emitidos ao "portador"; a inclusão da "N..., Lda." como beneficiária dos cheques, foi feita após o levantamento dos mesmos e arquivada na contabilidade, ou seja, os cheques foram levantados pelo próprio emitente dos mesmos.

A C... nunca possuiu instalações da C... na rua que consta como sede da empresa - Avenida ... da freguesia ..., nas ..., não se encontra atribuído o de porta “8” a qualquer imóvel, existindo dois n.ºs 8, mas associados a números de lojas em centros comerciais sitos na referida Avenida ..., inserida num pequeno centro comercial que tem número de porta de rua ... e existe outra Loja também com o ..., estando esta inserida no centro comercial denominado de "Centro Comercial ..."; - E no n.º ...9 loja ..., da Avenida ..., consta da base de dados da AT como sendo o domicilio fiscal de HH, sócia- gerente inscrita no registo comercial da "C...", e OOO, responsável pela contabilidade; - O pagamento das facturas ora em causa foi declarado como tendo sido realizado por transferência bancaria, todavia as contas de destino não são da C... mas sim de sujeitos que não tinham qualquer relação com esta sociedade.

A P... nunca possuiu quaisquer instalações comerciais, fabris ou industriais compatíveis com o volume de serviços facturados, até porque ao único local conhecido da mesma correspondiam a um mero escritório; - Nunca teve inscritos na Seg. Soc. quaisquer trabalhadores em seu nome; - Nunca efectuou quaisquer retenções na fonte em sede de IRS por conta de seus trabalhadores; -Nenhum sujeito passivo declarou ter vendido matérias-primas, mercadorias ou prestado serviços à P... sendo, assim, uma empresa sem quaisquer fornecedores; -Além das facturas supra descritas, inexistem quaisquer outros documentos contabilísticos de suporte das mesmas, nomeadamente notas de encomenda, guias de transporte, recibos, entre outros; - As facturas supra ora em apreço foram indicadas como tendo sido pagas por cheque, sendo que da análise dos mesmos constatar-se que: os cheques têm um carimbo da empresa "P..." e uma rubrica ilegível; - e todos os cheques foram levantados ao balcão por KKK, titular do CC. n ...700, que é pai de HHH, funcionário da E...; - as identificadas facturas emitidas pela P... não seguem qualquer critério cronológica, dando-se conta da falta das facturas identificadas pelos n.º s 1 a 48, 54, 59 a 94, 103 a 122 e 124;

A D... nunca possuiu quaisquer instalações comerciais, fabris ou industriais minimamente compatíveis com o volume de serviços facturados; -nunca teve inscritos na Segurança Social quaisquer trabalhadores em seu nome; -nunca efectuou quaisquer retenções na fonte em sede de IRS por conta de seus trabalhadores; -Nenhum sujeito passivo declarou ter vendido matérias-primas, mercadorias ou prestado serviços à D... sendo, assim, uma empresa sem quaisquer fornecedores.

E é no contexto desta realidade aliás amplamente espelhada nos depoimentos das testemunhas inspectores e documentos juntos que se verificou que se retira e conclui à saciedade a falsidade das facturas objecto dos presentes.

Já no que concerne à factualidade constante da fundamentação de facto e consubstanciada na efectiva gerência pelo arguido AA da “E...”, esta não suscitou qualquer dúvida ao tribunal, resultando ampla e suficientemente assente na conjugação dos elementos probatórios carreados. Desde logo cumpre notar que tal sociedade foi uma sociedade unipessoal na constituição e existência da qual apenas figurou como tal o identificado arguidos seu gerente assim nomeado. E era este quem no essencial determinava a execução do seu objecto quer relativamente aos trabalhadores, como ressalta dos depoimentos das indicadas testemunhas quem emitiu os cheques para alegado pagamento das facturas em apreço (como destes ressalta); foi este quem apresentou impugnação judicial da liquidação tributária, conforme decorre da certidão tributária de fls. e procuração pelo mesmo subscrita.

Quanto à intenção e conhecimento do arguido AA não resultando dos autos, pelo contrário (como amplamente evidenciado) que não fosse, como não é pessoa medianamente dotada e informada temos por certo que agiu livre, deliberada e ciente das respectivas condutas que determinaram e correspondentes consequências.

Por fim importa ainda salientar que face à evidente falsidade das facturas utilizadas nos enunciados termos, inócua e de nulo valor probatório se apresentam os IES e análise juntos pelo arguido AA de fls.3733 a 3860.

A gerência da sociedade “A...” no período que redunda provado é pelo próprio arguido DD assumida, o qual simultaneamente nega ser o responsável pelas facturas em apreço.

Quanto à condições pessoais dos arguidos logradas apurar o tribunal ponderou os respectivos relatórios sociais e os correspondentes certificados de registo criminal no que respeita aos antecedentes criminais, para o que aqui interessa quanto ao arguido AA.

Os factos não provados assim redundaram porquanto não logrou o tribunal fazer prova da sua ocorrência, ainda que não tenha sido simultaneamente produzida prova do seu contrário.

No que respeita à “coautoria global” e a este nível a acusação/pronuncia era em rigor factualmente conclusiva, senão omissa, sem prejuízo das evidências de uma actuação abrangente que implica pessoas ligadas directa ou indirectamente a pelo menos algumas das sociedades, a indiciar mais do que um protagonista.

Atente-se desde logo à circunstância de quase todas as sociedades emitentes estarem a aguardar a sua dissolução oficiosa quando se dá a emissão das ditas facturas ou do facto de o arguido JJ constar também como gerente de direito da sociedade “N...” (cfr. certidão).

A circunstância de a pessoa (ou pelo menos assim se identificando) que levanta o cheque da E... junto a fls. 562 ser o pai de III (arguido relativamente ao qual foi determinada a separação de processos) nos termos expostos.

E o que dizer do facto de MMM indicada como gerente da L... ter sido companheira do arguido KK que no respectivo registo aparece como gerente da sociedade “D...”, a que acresce a circunstância (que não mera coincidência) de a actual residência deste comunicada ao presente processo pelo Tribunal de Execução de Penas (cfr. relatório social deste e fls.3649) ser precisamente a morada registada da sociedade L... – tudo a indiciar a existência de fraude alargada ainda que insuficiente para concluir pela pertinente factualidade e responsabilidade singular.

No que respeita à efectiva gerência da “H...” pelo arguido CC, a testemunha PPP que aí trabalhou aponta a sua chefe como sendo “QQQ” e o seu patrão o “III”.

A testemunha RRR foi TOC da “G...” mas nunca chegou a realizar a respectiva contabilidade não se recordando da pessoa que o procurou.

A testemunha SSS fez a contabilidade da sociedade “A...” quando trabalhava no gabinete de TTT, mas apenas contactou e prestou serviços a DD ao que se recorda até 2010.

A testemunha e contabilista UUU fez a contabilidade da “B...”, mas nunca viu ou conhece o arguido FF.

A testemunha VVV, ainda que constando como trabalhadora da “B...” afirma nunca para esta ter trabalhado não conhecendo o referido arguido.

A testemunha, WWW trabalhou nesta sociedade aí tendo continuado como trabalhadora da “R...” sendo o seu patrão o Sr XXX (sendo que a Inspectora Tributária ZZ identifica já no seu relatório constante do identificado CD como sendo gerente da B... XXX).

A testemunha OOO, TOC de algumas das identificadas sociedades (C..., K..., N...) diz ter o seu nome sido usado para o efeito alegando não conhecer quaisquer arguidos ou sociedades.

A testemunha YYY, indicado contabilista da D..., nunca o foi de facto desconhecendo também quem lhe solicitou os serviços.

Do relatório respeitante à K... subscrito pela inspectora XX (cfr. CD) se indicia que o gerente da K... seria ZZZ e depois do falecimento deste AAAA.

Os arguidos que prestaram declarações, designadamente, HH, nega ter alguma vez emitido quaisquer facturas apresentando-se a sua versão no confronto com as dificuldades apresentadas e estilo de vida - é há muito “sem abrigo” - corroborada pelo relatório social.

O arguido FF afirma nunca ter constituído qualquer sociedade há muito trabalhando em França (juntando os recibos de vencimento que assim o corroboram no período temporal em causa – cfr. fls. 3424 e de 3423 a 3440) não sendo reconhecido por ninguém (a que acresce o facto de indicarem outra pessoa como gerente).

O arguido BB, ainda que apresentando uma versão pouco consentânea com as regras gerais da experiência invocando ter ficado com a sociedade para pagamento da divida de um carro, a verdade é que nada é revelador de que tenha sido gerente da “F...”, não tendo sido ele que representou sequer a sociedade como tal no processo de insolvência, como enunciou a testemunha Inspector LL, o mesmo resultando do acórdão por este junto a fls.3657 proferido no processo 501/15.6IDPRT, do Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 6, em que era acusado da prática em coautoria material, de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo disposto nos artigos 103º, nº 1, al. a) e 104º, nº 1 e nº 2, al. a), do RGIT, por factos praticados enquanto sócio e gerente da sociedade “F..., Lda”, resultando da respectiva motivação que à data da prática dos factos ali em apreço nenhuma prova nesse sentido foi mobilizada em audiência de julgamento tendo as testemunhas e trabalhadoras nesse mesmo processo identificado BBBB como patrão, nunca tendo conhecido BB e o inspector tributário UU, referido que foi com este que levou a efeito a acção inspectiva pessoa que lhe foi identificada pela própria administradora de insolvência como sendo o gerente de facto, o que a testemunha CCCC (administradora de insolvência) ali confirmou.

A este propósito cumpre notar que foi “III” quem foi notificado pela F... como representante legal (cfr. fls. 47) sendo deste a morada.

O arguido JJ a fls. 3388 junta a acta da sua nomeação enquanto gerente da sociedade “P...” a 27 de Dezembro de 2013 e o requerimento para realização do correspondente registo invocando que tal não corresponde à sua assinatura que impugna, alertando ainda que até aquele que alegadamente renuncia à gerência (o coarguido II assina também alegadamente no verso, mas troca o seu próprio apelido – o que efectivamente da sua análise se extrai e constata.

O arguido EE nega ter gerido a “I...”, aparecendo agora a testemunha DDDD a afirmar que foi quem lhe pediu para emprestar o nome nunca a empresa tendo laborado por razões que explicou, nada resultando da prova que sustentasse os poderes de facto daquele à frente de tal sociedade.

O arguido GG nega também ele ter gerido o que quer que fosse desconhecendo a sociedade “N...”, a “E...” ou o arguido AA, alegando ter trabalhado mais de 15 anos numa agência funerária e agora na construção civil revelando quando instado a propósito que nas datas a que respeitam as facturas estava em Espanha a trabalhar, mostrando-se a prova inexistente no que respeita à factualidade que lhe é imputada.

O arguido DD apenas assume a gerência da “A...” até 2008 nada mais nos autos indicando que assim não ocorreu.

Acresce que relativamente aos cheques de onde ressalta assinado “KK” mesmo no confronto com outras assinaturas constantes dos autos e consabidamente pelo mesmo realizada, não permite concluir sem mais elementos (que não circunstâncias) pela sua identidade, sendo certo que não tendo prestado declarações a fls. 3416 impugna as assinaturas que nos autos lhe são imputadas.

O mesmo se impondo concluir no que respeita a outras assinaturas constantes do verso dos cheques levantados e atrás enunciados.


*

(…)

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

No caso vertente e vistas as conclusões dos recursos, há que decidir as seguintes questões:

Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO

Se o Arguido AA deve ser condenado a pagar ao Estado a quantia de 368.933,01€ correspondente ao valor da vantagem patrimonial obtida com a prática do facto ilícito.

Recurso do Arguido AA

Se o acórdão recorrido enferma dos vícios do artº 410º nº2 do CPP;

Se os pontos 92 e 93da matéria de facto têm um teor conclusivo e matéria de direito;

Impugnação da matéria de facto provada;

Se o acórdão recorrido enferma de nulidade nos termos do artº 120º nº2 al.d) do CPP, por violação do princípio in dubio pro reo. 

Se o arguido devia ser absolvido pela prática dos crimes de fraude qualificada pelos quais foi condenado.


*

II - FUNDAMENTAÇÃO:

Não obstante a ordem de interposição dos recursos por uma questão de precedência lógico processual, começaremos por apreciar o recurso do Arguido AA.

O recorrente/Arguido alega que a decisão recorrida enferma de todos os vícios do artº 410º nº2 do CPP.

Assim invoca o recorrente que a decisão recorrida incorreu no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto, alegando, além do mais, que ao dar como provada a matéria dos pontos 92 e 93 da factualidade provada, “ não resulta (…) quer da decisão de facto quer da fundamentação da convicção, qual o «lucro tributável real» e qual o «lucro que foi efectivamente declarado» apenas se concluindo que a sociedade obteve uma vantagem patrimonial, em sede de IRC no valor de €368.933,01 o que, embora corresponda à soma de cada um dos valores constantes dos quadros anteriores, efetuados para cada um dos anos, é conclusivo, tal como os valores assinalados para cada um desses anos, sendo certo que nem sequer coincidem com os valores globais das faturas alegadamente falsas.»; “O Tribunal desconhece, tal como transparece do Acórdão recorrido, o volume de negócios, compras e vendas da sociedade E... em cada um dos referidos anos; quais os custos suportados pela sociedade e, dentro destes, quais aqueles que não foram considerados; qual o valor do lucro ou prejuízo apresentada pela sociedade em cada um dos referidos anos..”

Mais alega que o teor dos pontos 92 e 93 da matéria de facto “mais não é do que matéria de direito conclusiva(…)”.

E com base nas IES que juntou aos autos em sede de audiência, “conjugado com as declarações prestadas pelas testemunhas, designadamente das testemunhas da acusação, Inspector Tributário Dr. LL, MM e testemunha de defesa, NN, contabilista da sociedade em todo o período de análise” (sublinhado nosso) alega que o tribunal devera ter dado como provados os factos que elenca na conclusão 13 do recurso.

Alega ainda que com base nas IES que juntou aos autos em sede de audiência, conjugadas com as declarações prestadas pelo Senhor Inspector tributário LL, cuja transcrição foi anteriormente efectuada e cujo teor se dá por integralmente reproduzida, o Tribunal jamais poderia ter dado como provados os valores constantes da matéria de facto dos nºs 92 e 93.”

E com base nas declarações da referida testemunha de acusação, que refere sintetizar nos quadros que apresenta, alega que a decisão recorrida incorreu nos vícios da contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, “.pois que as faturas ditas falsas representam uma média de 37,01%, relativamente ao volume de negócios da E..., variando entre os 36,06 % e os 41,06 € em cada um dos anos, representando, quanto ao volume da subcontratação, uma média de 50,44 % do total faturado pelas subcontratadas, variando entre os 43,60 % e os 56,19 %,.”  

Como se escreveu em acórdão do STJ de 27/10/2010, “ o erro notório na apreciação da prova, nos termos do artº 410º, nº 2, al. c) do CPP, é uma anomalia de confecção técnica decisória, a resultar do texto da decisão recorrida, quando nela existam ou se revelam distorções de ordem lógica entre factos provados e não provados ou que traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, que, por isso mesmo não passa despercebida imediatamente a uma verificação e observação sem esforço, tomando-se como ponto de referência o homem médio (…)”[1]

Por sua vez, “O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão”.[2]

Finalmente, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do nº 2, do artº 410º do CPP, ocorre quando o tribunal não dá como «provado» nem como «não provado» algum facto necessário para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, ou que seja relevante para a medida concreta da pena, e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa.

Acresce que a existência de todos os vícios previstos no nº 2 do artº 410º do CPP tem que forçosamente resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo permitido, para a demonstração de que existem, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida. – cfr., por todos, ac. do STJ, de 19/12/90, citado por Maia Gonçalves em anotação a este preceito.

Pois bem, se tivermos em conta que todos os vícios previstos no nº 2, do artº 410º, nº 2, do CPP, têm de resultar forçosamente do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, então, facilmente, se conclui que o Recorrente invoca a existência dos vícios fora das condições legais, pois faz radicar a respectiva existência, na omissão de matéria de facto que contraria a factualidade dada como provada, recorrendo, para a sua demonstração, a documentos que diz não terem sido considerados na decisão recorrida e a depoimentos produzidos na audiência de discussão e julgamento.

Como tal improcede a invocação dos vícios do artº 410º nº2 do CPP, feita pelo recorrente.

Questão diferente é a alegação do recorrente de que a materialidade dos pontos 92 e 93 da matéria provada, mais não é que matéria de direito conclusiva.

Alega para tanto, que: “Não resulta do Acórdão recorrido, quer da decisão de facto, quer da fundamentação da convicção, qual o «lucro tributável real» e qual o «lucro que foi efetivamente declarado», apenas se concluindo que a sociedade obteve uma vantagem patrimonial, em sede de IRC no valor de €368.933,01 o que, embora corresponda à soma de cada um dos valores constantes dos quadros anteriores, efetuados para cada um dos anos, é conclusivo, tal como os valores assinalados para cada um desses anos, sendo certo que nem sequer coincidem com os valores globais das faturas alegadamente falsas.

Vejamos…

A jurisprudência vem-se pronunciando no sentido de que as imputações genéricas não são susceptíveis de sustentar uma condenação penal,[3] porquanto as mesmas, sem qualquer concretização do circunstancialismo em que ocorreram, ou indicação espacial e temporal inviabilizam um efectivo direito de defesa, pois ninguém pode contestar, eficazmente, a imputação de uma situação abstracta ou vaga, muito menos validamente contraditar a prova de uma tal situação. [4] O mesmo ocorre com juízos conclusivos ou conceitos normativos.  

E por isso como se decidiu no ac. do STJ de 24-01-2007[5], as imputações genéricas “por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado (art. 32.° da CRP), não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente” devendo considerar-se como não escritas.

Jurisprudência em consonância com o disposto no artº 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, preceitua que «O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».

Também o artº 6º, nº 1, da CEDH, estabelece o direito a um processo equitativo, e no seu nº3 al.b) estipula que o acusado tem no mínimo o direito de « Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada ».

Com efeito, e como salienta o Prof. Germano Marques da Silva, “O conteúdo mínimo de um processo equitativo corresponde ao que a jurisprudência norte – americana designa por due processo of law e que se traduz, sinteticamente, em três exigências: a)Uma adequate notice, entendida como a informação ao acusado de modo detalhado, acerca da natureza e dos motivos de acusação, para que o acusado se possa defender; (…)» - cfr Curso de Processo Penal, Verbo, vol. I, 3º ed. revista e actualizada, pág. 65

Revertendo ao caso concreto.

Sob o ponto 92, consta como provado que “Assim, através do intencional registo das identificadas facturas, a E..., por intermédio do arguido AA, fez aumentar ficticiamente os custos daquela e, consequentemente, diminuiu o resultado tributável em sede de IRC, nos seguintes termos, relativamente aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, respectivamente,.(….)”. (realçado nosso)

Seguindo-se quatro quadros onde constam os valores tributáveis, e as taxas aplicadas aos escalões, acrescido da derrama aplicável, sendo afinal encontrado o valor do imposto em falta, corresponde ao montante apurado da vantagem ilegítima.

Sendo que sob o ponto 93 da matéria de facto consta como provado que  “.E ao inscrever tais facturas na contabilidade a sociedade E... obteve uma vantagem patrimonial, em sede de IRC no valor de €368.933,01, (trezentos e sessenta e oito mil novecentos e trinta e três euros e um cêntimo) correspondente à diferença entre o lucro tributável real e o que foi efectivamente declarado,” valor este de €368.933,0. que como o recorrente refere corresponde “à soma de cada um dos valores constantes dos quadros anteriores, efectuados para cada um dos anos (….)”,

Ora, embora fosse efectivamente preferível que as operações aritméticas que estiveram subjacentes aos valores encontrados, estivessem expostas na factualidade provada e na própria fundamentação da decisão, sendo que as mesmas já não constavam da acusação deduzida, a verdade é que trata-se disso mesmo, de operações meramente aritméticas, sendo o resultado de uma operação aritmética, ainda matéria de facto, já que resultante de critérios legais e numéricos objectivos, como tal não pode, com o devido respeito por diferente opinião, ser considerada conclusiva nem de direito.

Discriminadas que estão as facturas e respectivos valores, às quais nos termos dados como provados, não correspondem efectivas transacções/operações, aquisições/custos, e estando expostas as taxas aplicadas, entendemos que o conjunto dos factos descritos nos aludidos pontos se apresenta com o mínimo exigível grau de concretização em ordem a possibilitar o exercício dos direitos de defesa ao arguido, designadamente do contraditório e do lídimo direito ao recurso, já que o aumento fictício dos custos, é correspondente à diminuição do valor tributável, sendo o cálculo do imposto uma operação aritmética em função das taxas referidas.

Nota-se que muito embora o recorrente tenha também alegado que os valores assinalados para cada um desses anos, “nem sequer coincidem com os valores globais das faturas alegadamente falsas”, trata-se de uma alegação genérica, que caso fosse sustentada em provas concreta indicadas pelo recorrente, seriam então apreciada em sede de impugnação e não nesta sede.

Improcede pois esta questão

Porque o recorrente ainda que não invoque expressamente qualquer nulidade advinda da falta de fundamentação da decisão, precede à invocação dos vícios do artº 410º nº 2 do CPP, com a alegação de que “O acórdão recorrido em nada cumpre com o Douto ensinamento do Tribunal Constitucional, bem pelo contrário, tal como se demonstrará.

Como tal e brevemente, dir-se-á o seguinte.

A fundamentação das decisões tem consagração Constitucional no artº 205º da CRP estando processualmente plasmada no artº 97º nº5 CPP.

Dispõe o artº 374º nº2 do CPP, que a sentença deve conter “ uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

A sentença só cumpre o dever de fundamentação quando os sujeitos processuais seus destinatários são esclarecidos sobre a base jurídica e fáctica das reprovações contra eles dirigidas. Porém e como vem sendo entendido pela Jurisprudência, a lei não vai ao ponto de exigir que, numa fastidiosa explanação, transformando o processo oral em escrito, se descreva todo o caminho tomado pelo juiz para decidir, todo o raciocínio lógico seguido. O que a Lei diz é que não se pode abdicar de uma enunciação, ainda que sucinta mas suficiente, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão.[6]

Realça-se que a lei não obriga a que a fundamentação da decisão indique a concreta prova de cada um dos factos provados e não provados, nem á reprodução do teor de cada depoimento prestado. Como refere acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-03-2008, com o apoio da jurisprudência do Tribunal Constitucional que cita:

“(…) XIII - Por outro lado, a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que tem de deixar claro, de modo a que seja possível a sua reconstituição, é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto – cf. Ac. do STJ de 11-10-2000, Proc. n.º 2253/00 - 3.ª, e Acs. do TC n.ºs 102/99, DR, II, de 01-04-1999, e 59/2006, DR, II, de 13-04-2006 –, por forma a permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo”.[7]

Em suma, aquilo que é necessário é que o tribunal explicite o percurso cognitivo que o levou a determinada decisão sobre a matéria de facto e designadamente justifique o convencimento a que chegou, de modo a que tal seja perceptível aos destinatários da decisão e, ao tribunal superior, o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso.

Aplicadas estas normas e princípios à decisão recorrida afigura-se que a mesma cumpre, suficientemente aquelas exigências, elencando os meios de prova e procedendo à apreciação crítica dos mesmos de modo a tornar perceptível a razão e o raciocínio lógico que levou a que o tribunal tivesse dado os factos como provados, de molde a permitir a apreensão do percurso cognitivo seguido pelo julgador na fixação dos factos provados e não provados.

Os actos decisórios dos juízes a que alude o artº 97º, nº 1, als a) e b), do CPP, tal como acontece com as leis, devem ser interpretados na sua lógica, tomando-se em consideração a respectiva fundamentação e a parte dispositiva, e não apenas lidos de forma fragmentária [neste sentido, embora a propósito da acusação, também se pronúncia o ac. do STJ de 7/05/97, in BMJ 467, pág. 419 e ss: «A acusação, à semelhança de qualquer outro texto, mesmo que não jurídico, não pode ser lida e interpretada sectorialmente e em função de frases isoladas, mas antes globalmente».

No caso da decisão recorrida, a convicção fundou-se não só nas declarações das testemunhas inspectores tributários, designadamente no caso da sociedade E..., da testemunha LL, mas também nos relatórios de inspecção e documentos que os suportam, sendo que “A verificação de que as facturas objecto dos autos e juntas são nos enunciados termos forjadas (não consubstanciam o fornecimento ou prestação de quaisquer bens e/ou serviços) decorre também dos depoimentos objectivos e coerentes das identificadas testemunhas inpectores tributários assentes em todas as diligências levadas a efeito e elementos (documentais e supra enunciados) recolhidos, devidamente concatenados e oportunamente espelhadas nos relatórios elaborados e na medida em que os confirmaram.

Isto é, na medida em que foram confirmados pelas testemunhas inspectores tributários, a fundamentação da sentença terá que ser lida de modo integrado com os relatórios de inspecção tributária juntos aos autos a fls.12, 264,291,298, 319,325e 415, e declarações de IRC  de fls. 598,603,608e 613.

Como tal, a fundamentação da decisão recorrida cumpre com a apreciação crítica necessária à sua compreensão pelos sujeitos processuais, e por este tribunal de recurso não estando pois ferida de nulidade por falta de fundamentação.

  Uma coisa é o recorrente divergir da fundamentação exposta na decisão, é um direito processual que lhe assiste, e até entender que a mesma comporta erros de raciocínio. Mas tal divergência, não é o mesmo que alegar e demonstrar a falta de fundamentação.

As sentenças têm de se pronunciar e fundamentar a prova dos factos constantes da acusação, dos alegados pelas partes e dos resultantes da audiência com relevância à decisão das questões referidas no artº 368º do CPP, e já não assim pronunciar-se sobre qualquer facto ou prova que seja irrelevante a tal decisão.

Saber se a fundamentação exposta no acórdão tem apoio nas provas produzidas, não é falta de fundamentação e irá ser apreciado em sede da decisão sobre a impugnação da matéria de facto.

Aliás, o que vem de se dizer será completado com aquilo que adiante se exporá sobre o efeito do caso julgado da decisão proferida no processo de impugnação judicial, nestes autos de processo penal tributário. 

O recorrente já em sede de impugnação, alega que a decisão recorrida está ferida de nulidade, por se ter recusado “valorar as IES juntas pelo arguido, conforme artigo 120º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Penal, por manifesta violação do disposto no artigo 340º, nº 1, do Código de Processo Penal”.

Não assiste razão ao recorrente em tal alegação, porquanto diferentemente do que parece entender, a nulidade prevista no artº 120º nº2 al.d) do CPP, não respeita à omissão de valoração de provas existentes ou produzidas nos autos, mas sim à omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.

Ora no caso dos autos, a Srª juiz Presidente admitiu a junção de documentos, requerida pelo arguido em 11/4/2023 ao abrigo do artº 340º do CPP..

Sendo que em sede de fundamentação de facto do acórdão consta que “Por fim importa ainda salientar que face à evidente falsidade das facturas utilizadas nos enunciados termos, inócua e de nulo valor probatório se apresentam os IES e análise juntos pelo arguido AA de fls.3733 a 3860.”

Facilmente se apreende então, que não está em causa a produção de meios de prova, prevista no artº 340º do CPP, mas antes a não atribuição pelo tribunal do valor probatório que o recorrente lhe atribui aos documentos juntos aos autos a fls. 3733 a 3860.De todo o modo caso estivesse em causa a não realização de diligências que se devessem reputar essenciais à descoberta da verdade, tal omissão configuraria uma nulidade sanável a arguir em sede de audiência nos termos do artº 120º nº3 al.a) do CPP, e perante o tribunal recorrido, pelo que não o tendo sido sempre a mesma estaria sanada.

Improcede pois a invocação de nulidade feita pelo recorrente.

O recorrente refere impugnar a factualidade dada como provada sob os pontos 65,67,69,71,73,75,77,79,81,83,85,87,89,90,91, 92,93, 94,95 e 96 da matéria de facto provada que pretende seja dada como não provada e ainda a factualidade que elenca sobre as alíneas a) a n) da conclusão 13, vale dizer:

a) a sociedade E... era uma sociedade comercial por quotas, constituída em 10 de março de 2010, tendo como objeto social a confeção de artigos de vestuário e acessórios, bem como o comércio de têxteis, atividade que efetivamente exerceu no estabelecimento industrial que para o efeito possuía, situado no concelho de Guimarães;

b) tinha ao seu serviço, nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, respetivamente 13, 28, 27 e 26 funcionários;

c) a sociedade E..., no ano de 2011, teve um volume de negócios de 879.408,00€, correspondente 817.996,82€ a prestação de serviços e 61.411,90€ a vendas;

d) teve custos com o pessoal ao seu serviço de 139.824,57€;

e) recorreu à subcontratação, que no ano de 2011, ascendeu ao valor global de 642.566,28 €;

f) a sociedade E..., no ano de 2012, teve um volume de negócios de 955.556.00€, correspondente 938.377,64€ a prestação de serviços e 17.179,00€ a vendas.

g) Teve custos com o pessoal ao seu serviço de 201.510,20 €;

h) Recorreu à subcontratação, que no ano de 2012, ascendeu ao valor global de 752.308,35 €;

i) A sociedade E..., no ano de 2013, teve um volume de negócios de 1.021.983,00 €, correspondente 994.544,24 € a prestação de serviços e 27.439,30 € a vendas.

j) Teve custos com o pessoal ao seu serviço de 226.570,08 €;

k) Recorreu à subcontratação, que no ano de 2013, ascendeu ao valor global de 717.253,13 €;

l) A sociedade E..., no ano de 2014, teve um volume de negócios de 1.073.540,49 €, correspondente 1.052.210,49 € a prestação de serviços e 21.330,00 € a vendas.

m) Teve custos com o pessoal ao seu serviço de 221.521,46 €;

n) Recorreu à subcontratação, que no ano de 2014, ascendeu ao valor global de 763.001,25 €;”

factualidade que pretende seja dada como provada.

Para permitir que no recurso se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, a lei prevê a documentação das declarações prestadas oralmente na audiência – cfr. artº 363º e 364º, ambos do CPP.

Neste caso, o recorrente tem o ónus de especificar, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, cfr. artº 412º nº 1 e 3, als.a) e b) do CPP,  sendo que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações de prova previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, havendo que ter em conta a interpretação afirmada no Acórdão de Fixação de jurisprudência nº 3/2012, 8 de Março de 2012 publicado no DR 1º série de 18 de Abril de 2012, o qual fixou jurisprudência no sentido de que “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta para efeitos do disposto no artº 412ºº nº3 alínea b),do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações.

Além disso, o Recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, essas provas impõem decisão diversa da recorrida, constituindo essa explicitação, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque, [8]«o cerne do dever de especificação», com o que se visa impor-lhe «que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado».

Como vem sendo salientado na Jurisprudência dos Tribunais Superiores e tem merecido geral aceitação: para provocar uma alteração da decisão em matéria de facto, não basta a existência de provas que, simplesmente, permitam ou até sugiram conclusão diversa; exige-se que imponham decisão diversa daquela que o Tribunal proferiu.

Por outro lado, duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo - a segundo - julgamento no Tribunal de Recurso.

O Recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do Tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para tanto, deve o Tribunal de Recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa [9].

Vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º do CP, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados. Com efeito, no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, No sentido apontado, veja-se o Acórdão desta Relação, de 29 de Setembro de 2004, in C.J., ano XXIX, tomo 4, pág. 210 e ss.

O recorrente indica como provas que imporiam outra convicção, “as IES relativas aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 – apreciados em conjunto com a demais prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, dos depoimentos das testemunhas LL, MM e NN, cujas declarações foram já transcritas e o seu teor se dá aqui por integralmente reproduzido, resulta não ter sido feita prova de nenhum de tais factos.

Porém e sem cuidarmos, para já, de avaliar se o recorrente cumpriu ou não os ónus da impugnação supra mencionados, desde já se adianta que no que concerne a toda a factualidade supra transcrita, que o recorrente pretende seja dada como provada, que elenca na conclusão 13º e ainda em relação à factualidade provada sob os pontos 65,67,69,71,73,75,77,79,81,83,85,87,89 da matéria provada a impugnação revela-se manifestamente improcedente.

Por um lado e no que concerne à factualidade que pretende seja dada como provada, e que na sua alegação demonstrariam um “volume de vendas”, um “volume dos subcontratos”, “o número de funcionários ao serviço da sociedade”, e “os respectivos custos de cada ano” que “contrariam” aquela factualidade, sempre com o efeito de “permitir a prova da efectiva prestação de serviços por terceiros emitentes ou não das facturas” a mesma extravasa o âmbito da impugnação, prevista no artº 412º nº3 do CPP, esquecendo que a impugnação ampla da matéria de facto tem por objeto os factos «provados» e «não provados» que constam da sentença recorrida, não podendo visar um «acréscimo», «aditamento» de factos, uma vez que não cabe ao tribunal da relação realizar um novo julgamento, mas antes sindicar erros de julgamento.

Como se escreveu no, Ac.STJ de 21/3/2012, “Quando, então, impugne a decisão proferida ao nível da matéria de facto tal impugnação faz-se por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva interessada, não equidistante, com o devido respeito, em relação àquilo que o tribunal tem para si como sendo a boa solução de facto, entende que devia ser provada. Por isso, segundo os termos da lei, a impugnação é restrita à “decisão proferida”, e realmente prolatada, e não a qualquer realidade virtual, de sobreposição da sua convicção probatória, pessoal, intimista e subjectiva, à convicção desinteressada formada pelo tribunal.”[10]

Mas para além disso, ao pretender impugnar a matéria de facto provada, na parte em que foi dado como provado que as facturas constantes da matéria de facto provada, não correspondem a “efectivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais”, o recorrente faz tábua rasa do artº 48º do RGIT, que sob a epígrafe “caso julgado das sentenças de impugnação ou oposição”, dispõe  que « A  sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal tributário apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram.»

Ora, como resulta da certidão de fls.1487e ss, vol.V destes autos a E... impugnou as correcções, à matéria tributável, em relação ao valor que havia declarado nos anos 2011,2012, 2013 e 2014, e que conforme se extrai do quadro constante do artº 2º dessa acção de impugnação, confrontar fls.1490,  os valores de tais correcções são coincidentes com os valores dados como provados no ponto 92 da factualidade provada.

Sendo que na petição dessa acção A impugnante E... peticionava a anulação das liquidações adicionais efectuadas com base nos relatórios de inspecção, e com base na alegação de que “As facturas emitidas pelas ditas sociedades terão necessariamente de ser consideradas como custo, pois representam operações efectivamente realizadas e integralmente pagas pela Autora”. Artº 45 da petição.

Face à existência de tal impugnação e à prejudicialidade da questão da situação tributária da impugnante para estes autos, estiveram os mesmos suspensos nos termos do arº 47º do RGIT entre 29/2/2016 e 7/11/2019, data do trânsito em julgado do acórdão que confirmou a sentença de impugnação, pois, como escrevem João Ricardo Catarino e Nuno Victorino, «a razão de ser de tal regime radica na necessidade de, para efeitos de apuramento da responsabilidade criminal, ser necessário conhecer os termos da relação substantiva. Ora, esta, só se torna definitivamente conhecida com o trânsito em julgado da sentença em processo de impugnação judicial ou da decisão em oposição à execução fiscal. Só assim se compreende que os factos e o direito nelas fixado constitua caso julgado no processo crime, tal como resulta do art. 48º deste RGIT ».[11]

A sentença que conheceu da impugnação judicial tributária, deu como provado o teor dos relatórios de inspecção e como não provado que “foram  realizados e pagos os serviços têxteis, constantes das facturas emitidas” por cada uma das sociedades identificadas nestes autos, tendo julgado a acção de impugnação judicial contra as liquidações de IRC totalmente  Improcedente.

Muito embora , como escreve o Prof. Manuel de Andrade , “(…) o caso julgado só se forma em princípio sobre a decisão contida na sentença”, é contudo legítimo recorrer à motivação da decisão, quando tal se revele necessário, para interpretação do dispositivo da sentença[12], abrangendo o caso caso julgado material para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.(sublinhado nosso)

  Isto mesmo resulta do que expende o mesmo Prof. quando escreve “a) Os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificativos da acção em que foi proferida a sentença: as partes, o pedido e a causa de pedir (arts.497º e 498º). Mais rigorosamente se dirá que são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo. b) Por outro lado é preciso atender aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tem autoridade -  faz lei para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência  com o seu conteúdo. Não pode portanto impedir que em novo processo se dirima aquilo que a mesma não definiu”.[13]

No caso em análise, verifica-se a identidade da causa de pedir e pedido quanto à questão da pretendida veracidade das facturas, sendo que porém o arguido AA ora recorrente, não foi autor/impugnante na Impugnação.

Porém, a doutrina e também a jurisprudência, vêm fazendo a distinção entre a excepção de caso julgado que exige a identidade do pedido, causa de pedir e partes, e figura da autoridade de caso julgado que pode prescindir dessa identidade mas em que “o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.[14]

Sobre a distinção entre excepção de caso julgado e autoridade de caso julgado elucida também o Prof. Manuel de Andrade por referência aos artsº 497º e 498º do CPP, que: «O que a lei quer significar  é que uma sentença pode servir como fundamento de excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova acção do mesmo direito […] que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objecto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo). Esta interpretação permite chegar a resultados positivos bastante parecidos com aqueles a que tende uma certa teoria jurisprudencial, distinguindo entre a excepção do caso julgado e a simples invocação pelo Réu da autoridade do caso julgado que corresponde a uma sentença anterior, e julgando dispensáveis, quanto a esta 2.ª figura, as três identidades do artigo 498º (…)”.[15]

Sendo a única questão colocada na acção de impugnação judicial a correspondência de operações reais às facturas em causa nos autos, causa de pedir para o pedido de anulação das liquidações adicionais de IRC dos anos de 2011,2012, 2013 e 2014 efectuadas pela AT à sociedade E... de que o aqui arguido AA nos termos da acusação era o único gerente, a decisão de impugnação judicial, fixou o apuramento da matéria tributável, questão precedente e prejudicial, à decisão destes autos, constitui caso julgado neste processo quanto a tal questão nos termos do artº 48º do RGIT.

Isto não obstante o procedimento criminal ter sido estes autos arquivado quanto à  E... por força da liquidação da sociedade, uma vez que face à responsabilidade cumulativa dos gerentes e da sociedade, representante e representada, só assim se obsta a que sobre a mesma questão possam se proferidas decisões contraditórias, quando aquela decisão de impugnação judicial apreciou questão prejudicial desta decisão, a validade das liquidações adicionais efectuadas, isto é o acto tributário definidor do montante do imposto que com o crime fiscal a sociedade deixou de pagar, e pelo qual o ora arguido é penalmente responsável nos termos do artº 6º do RGIT.

Sobre a responsabilidade cumulativa dos representantes da pessoa colectiva, escreve o Prof. Germano Marques que: “Pelos crimes praticados pelos gestores no exercício das suas funções e que responsabilizam criminalmente as sociedades, a lei comina a responsabilidade cumulativa. A responsabilidade cumulativa da sociedade e dos gestores significa que pelos crimes perpetrados pelo gestor em nome e no interesse da sociedade respondem criminalmente um e outra..”[16]

Em situação de responsabilidade cumulativa, a autoridade de caso julgado, foi também afirmada no ac. desta Rel de 24/11/2021 “Volvendo ao caso que nos ocupa e atentos os ensinamentos supra referidos, conclui-se que nos termos do 48º do RGIT o objeto da impugnação tributária constitui questão prejudicial no presente processo penal tributário, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida e, assim sendo, tem de admitir-se a projeção reflexa do caso julgado formado naquela primeira ação (a tributária), na medida em que ela fixou e definiu a relação prejudicial.

Na verdade, estamos perante relações jurídicas com um nexo de dependência tal que é, logicamente, inevitável a repercussão.

É este o sentido que, em nossa opinião, se deve extrair do disposto no artº 48º do RGIT. A autoridade do caso julgado da sentença proferida no processo de impugnação judicial nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impõe-se à segunda decisão (do processo penal tributário) como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões, ainda que os sujeitos deste último processo não tenham tido intervenção naquele.”

. Assim, por força dessa autoridade de caso julgado, e porque a questão da não correspondência de operações reais às facturas, fundamento das liquidações adicionais do IRC não pode ser voltada a analisar, nessa parte é improcedente a impugnação.[17]

De todo modo, ainda que assim não fosse, e se devesse admitir um ilimitado direito de defesa do arguido nestes autos, atenta a inexistência de ónus de prova para o arguido no âmbito do processo penal e o princípio in dubio pro reo, a verdade é que nessa parte a impugnação sempre teria de improceder porquanto as provas indicadas pelo recorrente não impõem uma diferente convicção.

Efectivamente lidas as passagens dos depoimentos indicadas, o que resulta da motivação do recurso é apenas a contraposição da convicção do tribunal assente na interpretação das provas feita pelo recorrente. Tendo este tribunal procedido à audição integral do depoimento da testemunha LL que subscreveu e confirmou os relatórios de inspecção feitos à E..., conjugado com os depoimentos das demais testemunhas também inspectores que efectivaram as inspecções às demais empresas que constam como emitentes das facturas, a motivação exposta pelo tribunal quanto à convicção de as “facturas não consubstanciarem o fornecimento ou prestação de quaisquer bense/ou serviços” mostra-se lógica e faticamente justificada com a apreciação crítica da prova testemunhal e especificada da prova documental, em relação a cada uma das empresas, sem que o recorrente demonstre a existência de erro de julgamento, e sem que alguma dúvida razoável se interponha no raciocínio exposto.

Os factos alegados pelo recorrente com base nas IES que juntou e com base na interpretação que faz dos depoimentos prestados pelas testemunhas LL, MM e NN, relativamente ao volume de negócios da empresa, e ainda que admitindo a necessidade de subcontratação,  não infirmam a falta de veracidade das facturas constantes dos autos, quanto aos fornecedores delas constantes, sendo que foi com a utilização dessas facturas que a sociedade beneficiou indevidamente do não pagamento de imposto devido e como tal não merece censura a decisão recorrida quando na mesma se considerou que “face à evidente falsidade das facturas utilizadas nos enunciados termos, inócua e de nulo valor probatório se apresentam os IES e análise juntos pelo arguido AA de fls.3733 a 3860.”    

Sendo que sobre tais documentos e porque versou também sobre a apreciação da veracidade das facturas, pela sua pertinência reproduz-se a fundamentação da decisão de impugnação judicial quando na mesma se escreveu, que, “ a regularidade formal dos documentos e da contabilidade pouco ou nada dizem acerca da verdade material do seu conteúdo.”

Por outro lado, o recorrente manifesta a discordância quanto à valoração feita pelo tribunal das cópias dos cheques juntos em audiência, porém caso entendesse que o tribunal deveria fazer alguma diligência, com vista à descoberta da verdade, devia então ter requerido a mesma ao abrigo do artº 340º do CPP, e se fosse o caso arguir a nulidade perante o tribunal recorrido, nos termos do artº 120º nº2 al.d) e nº3 al a) do CPP.   

O recorrente impugna também a factualidade dada como provada sob os pontos 90,91,92, 93,94,95 e 96 da factualidade dada como provada.

A matéria constante dos pontos 90, 91, 92, e 93 na parte em que se refere aos factos objectivos resulta dos documentos juntos aos autos, nomeadamente das declarações de IRC, sendo que nem o recorrente impugna em concreto que as facturas foram consideradas nas declarações de IRC e que através delas resultou uma diminuição de pagamento de imposto, cujo montante resulta da conjugação do relatório de Inspecção efectuado à sociedade E... confirmado em audiência pelo testemunha Inspector tributário  LL. Nota-se que os valores de correcção da matéria tributável constantes dos quadros do ponto 92, coincidem com os que foram também considerados na decisão da impugnação judicial, também coincidentes com as liquidações adicionais constantes de fls.601,602,606,608,610,611,618,619, sendo que as facturas constam a fls. 332 -559.

E como supra já se referiu, aquando da apreciação dos vícios invocados pelo recorrente, o cálculo do imposto devido, correspondente à vantagem patrimonial, resultou de mera operação aritmética entre o valor declarado e o valor das liquidações adicionais.

Por tudo o exposto, também este tribunal de recurso não detecta a existência de algum vício do artº 410º nº2 do CPP, de que deva oficiosamente conhecer, designadamente por ser a matéria provada suficiente à decisão.

Os pontos 93,94, 95 e 96, contêm factos referente ao exercício fáctico das funções de gerência e ao elemento subjectivo, vale dizer ao dolo.

A decisão recorrida escreveu em termos de fundamentação de facto que, “(…) EEE, FFF, GGG – todas funcionárias da “E...” nos períodos em causa e que identificam o arguido AA como o respectivo “patrão” e bem assim a HHH, também ele reconhecendo ter prestado serviços para o mesmo arguido (segundo o qual era quem norteava o rumo da empresa) ainda que face aos demais elementos documentais e até do seu depoimento se retire que seria mais do que um simples subordinado daquele.

(…)Já no que concerne à factualidade constante da fundamentação de facto e consubstanciada na efectiva gerência pelo arguido AA da “E...”, esta não suscitou qualquer dúvida ao tribunal, resultando ampla e suficientemente assente na conjugação dos elementos probatórios carreados. Desde logo cumpre notar que tal sociedade foi uma sociedade unipessoal na constituição e existência da qual apenas figurou como tal o identificado arguidos seu gerente assim nomeado. E era este quem no essencial determinava a execução do seu objecto quer relativamente aos trabalhadores, como ressalta dos depoimentos das indicadas testemunhas quem emitiu os cheques para alegado pagamento das facturas em apreço (como destes ressalta); foi este quem apresentou impugnação judicial da liquidação tributária, conforme decorre da certidão tributária de fls. e procuração pelo mesmo subscrita.

Quanto à intenção e conhecimento do arguido AA não resultando dos autos, pelo contrário (como amplamente evidenciado) que não fosse, como não é pessoa medianamente dotada e informada temos por certo que agiu livre, deliberada e ciente das respectivas condutas que determinaram e correspondentes consequências.

O recorrente sobre esta matéria limita-se a alegar em sede de motivação que: “. (…) Aliás, é manifestamente evidente ter ficado afastado da prova produzida em audiência de julgamento qualquer elemento subjetivo do crime por parte do arguido AA, o que resultou das declarações unânimes das 3 testemunhas que confirmaram o seu distanciamento no dia a dia da sociedade, decorrente dos seus problemas de saúde e a sua substituição por parte da testemunha MM na gestão diária da sociedade.

. No silencio do arguido AA perante os contactos com o Inspetor Tributário, revelando total desconhecimento dos factos em causa por estar ausente da empresa por razões de saúde.(…)”

Desde logo se constata que o recorrente tendo embora transcrito parte  dos depoimentos das testemunhas LL, MM e NN, não indica especificadamente em relação aos referidos pontos da matéria de facto quais as concretas passagens que imporiam outra decisão, incumprindo assim os ónus de impugnação previstos no artº 412º nº3 e 4 do CPP, supra expostos.

Ademais das próprias passagens transcritas pelo recorrente, conjugadas com a audição por nós efectuada dos depoimentos, e com o devido respeito, resulta precisamente o contrário do alegado.

A testemunha EEEE refere : “Eu era o responsável por fazer a empresa trabalhar. Ou seja eu ia aos clientes buscar obra, tratar de encomendas, colocar a obra fora. Fazia um bocadinho de tudo. Carregar …E carregar carrinhas e descarregar carrinhas. Tudo o que fosse necessário era eu que fazia.”

(…)

 “Não era... Eu era funcionário da empresa. Só que o Sr. AA, por ser uma pessoa doente, era uma pessoa que não estava muito. E então pedia- me para eu resolver muitas coisas que ele não podia resolver. Era eu que ia contactar com os nossos fornecedores de trabalho, era eu que ia carregar carrinhas, descarregar carrinhas. Era eu que organizava o trabalho dentro de portas.

Questionado “Sobre quem tratava dos pagamentos aos fornecedores?”, respondeu :

(…) “Os pagamentos eram sempre por ordem do Srº AA. Ele é que tinha de assinar os cheques, ele é que tinha de pagar essas coisas todas, .(…)”

A testemunha NN questionada sobre quem escolhia as sub- contratações depois de responder “Quem escolhia eram eles,” à pergunta que lhe foi efectuada pelo ilustre mandatário “Eles quem?” respondeu : “O Sr. AA, não havia outra forma, não é?(…). ”

E a mesma testemunha refere”(…) Mas, portanto, a (DDF?) do Porto veio ter connosco porque nós tínhamos isso identificado, em cada ano quem eram os fornecedores acima de 25.000,00€ e estavam lá algumas das firmas que a (DDF?)  [impercetível] tinha problemas, portanto, [ruído] nem o Sr. AA em nenhum momento me deu a entender que era preciso ter cautelas com aqueles tipos de fornecedores, não é? (…).

Por sua vez a testemunha LL no seu depoimento, por nós integralmente ouvido nos termos o artº 412º nº6 do CPP, referindo-se à testemunha MM diz: “Dizia sempre era o Srº AA é que podia explicar e estava ao corrente de tudo, e depois Srº AA não dizia nada, estava sempre doente e nunca aparecia.”

Ora, estas passagens não só não contrariam o que se escreveu na fundamentação, como até corroboram a convicção formada pelo tribunal de que o arguido AA, único gerente da E..., conforme provado sob o ponto1 da matéria de facto, exercia efectivamente as funções de gerência e conduzia as práticas empresariais, sem prejuízo de ser assessorado por outras pessoas nas mais diversas áreas, como foi o caso da testemunha MM.

Na verdade, o normal é que numa empresa, exista uma divisão orgânica e funcional, não sendo corrente que os gerentes e administradores controlem todos os sectores, já que aos mesmos cabe em primeira linha orientar a empresa ainda que assessorados por técnicos das mais diversa áreas.

Por outro lado e quanto ao elemento subjectivo, como vem sendo afirmado pela Jurisprudência cf. ac. desta Relação de 19/12/2012,  “A verificação de estados psíquicos atinentes ao preenchimento dos elementos subjetivos dos tipos de ilícito criminal não é passível, por norma, de qualquer demonstração direta: não existindo confissão do próprio agente, tais estados são apenas revelados por indícios que as regras da experiência e da lógica permitem associar” e bem assim no acórdão de 13/10/2010 “.I- É frequente a prova do dolo produzir-se de uma forma indirecta: o saber humano dispõe de certezas emergentes do id quod plerumque accidit [o que geralmente acontece] ou seja, de imposições da experiência comum que decorrem das especificidades do caso concreto e apoiam a objectividade da livre convicção do julgador.” .[18]

Considerando os factos provados objectivos, nada resultou dos autos que afaste a evidência de uma actuação voluntária do arguido e do conhecimento da ilicitude da sua conduta, ´sendo que os problemas de saúde referidos pelas testemunhas eram de natureza física e não psíquica, como aliás resulta da factualidade provada sob o ponto 97.

Assim improcede o recurso na sua totalidade quanto à impugnação da matéria de facto provada que assim fica estabilizada.

Mantendo-se a matéria de facto provada, a qual preenche os elementos objectivos e subjectivos do crime de fraude fiscal pelo qual o arguido/recorrente foi condenado, conforme detalhada e correctamente consta da fundamentação jurídica do acórdão, naturalmente improcede a pretensão de absolvição do mesmo, suportada na “(…)manifesta falta de prova realizada em audiência de julgamento que permitisse concluir que o arguido com a sua conduta tivesse praticado o tipo de ilícitos que lhe foram imputados(…)” conclusão 37e 38.

Improcede pois o recurso do Arguido AA.


*

Recurso do Ministério Público

A Magistrada do Ministério Público veio interpor recurso do acórdão, na parte em que indeferiu a requerida perda da vantagem patrimonial da quantia global 368 933,01€ correspondente à soma dos montantes de 94 118,10€, 92 613,88€, 88250,24€, 93950,79€ que com a utilização das facturas falsas a E... deixou de pagar.

Como se extrai da decisão recorrida a mesma afastou tal condenação apenas com base no entendimento de que a declaração da perda da vantagem, só podia ocorrer se o arguido fosse o beneficiário da vantagem, o que não ocorre no presente caso já que agiu em representação da sociedade sendo esta a beneficiária.

Apoia-se para tal no ac esta Rel. de 18/1/2023 no qual se decidiu que “.Se o arguido agiu enquanto representante da sociedade arguida e em nome da mesma, decidindo não entregar à Segurança Social as quantias devidas pelos descontos efetuados nos salários dos trabalhadores, o que veio a realizar, enriquecendo aquela, sem que nos factos provados esteja concretizado que o arguido beneficiou total ou parcialmente dessas quantias, não bastando para tanto meras afirmações confusas, genéricas e/ou conclusivas, a perda de vantagens só pode ser decretada contra a sociedade arguida e não também contra aquele.[19]

Mantemos o entendimento no nosso acórdão proferido em recurso no proc.259/15.9IDPRT.P1, no sentido de que o instituto legal da perda de vantagens patrimoniais, é uma providência sancionatória de natureza jurídica análoga à das medidas de segurança, não tendo a natureza de pena acessória nem de efeito da condenação, antes estando ligada à prevenção da prática de futuros crimes.

A vantagem patrimonial pode consistir nas palavras de João Conde Correia “num aumento do activo, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisas ou direitos alheios ou na mera poupança ou supressão de despesas. Em causa tanto estão as coisas, como os direitos, os benefícios decorrentes da fruição de um determinado objecto (v.g. a utilização gratuita de um veículo automóvel de decorrente da prática do crime) ou os custos evitados (vg os decorrentes da não realização das obras necessárias ao cumprimento  das disposições legais nos crimes  ambientais): isto é, tudo o que signifique um enriquecimento patrimonial do visado.” 

Constituindo na síntese do mesmo autor, “qualquer benefício, que possa ser economicamente avaliado, emergente da prática de um facto ilícito típico”.

Os pressupostos legais da perda das vantagens são a existência de um facto anti-jurídico e a existência de proveitos, inexistindo nenhum pressuposto positivo ou negativo relativo à dedução do pedido de indemnização civil por parte do lesado.

O que bem se compreende face à natureza essencialmente reparadora da indemnização civil, e a natureza sancionatória preventiva da perda de bens.

Isto, é claro, sem prejuízo de em grande parte dos casos haver coincidência entre o montante da vantagem patrimonial e o montante do dano a atribuir ao lesado.

Por maioria de razão, o facto de a administração tributária ter ao seu dispor meios legais para ser ressarcida das quantias devidas, não é obstáculo à declaração de perda da vantagem patrimonial, desde logo atenta a autonomia da responsabilidade tributária em relação à responsabilidade civil originária na prática do crime, e porque o decretamento da perda da vantagem patrimonial não fica dependente do êxito ou não da cobrança tributária, nem da dedução do pedido cível.

Neste sentido podemos mencionar ainda, entre outros os acórdãos desta Relação de 28/10/2021 proferido no proc. 321/19.9IDPRT.P1 e de 26/1/2022 proferido no proc 321/19,9IDPRT.P1.[20]

Porém, no caso dos autos a decisão recorrida afastou a perda a declaração por não resultar dos factos provados o benefício do arguido que agiu como representante legal da sociedade, que foi a beneficiária do não pagamento do imposto. Trata-se de questão que também não tem merecido unanimidade na apreciação jurisprudencial.

Com o devido respeito, não podemos subscrever tal entendimento.

Afigura-se que à declaração da perda de vantagem não obsta que o beneficiário da mesma tenha sido terceiro que não o Arguido, no caso a sociedade que representava.

Efectivamente é a própria lei quem estabelecia no artº 111º nº2 na redacção à data dos factos que “ . São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie....”  passando a dispor actualmente o artº 110º nº1 al.b) do CP que são declaradas perdidas a favor do Estado, «As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para terceiro.» (negrito nosso)

Neste sentido o ac desta Rel. de 14/9/2023 invocado pela recorrente MP no qual se escreveu “Assim sendo, a perda ocorre aquando da verificação de um facto ilícito típico e do qual resultou a existência de uma vantagem económica para o agente ou outrem. Exige-se apenas um concreto facto ilícito típico e a existência de vantagens com ele obtidas, e do nexo de causalidade entre ambos, independentemente da esfera patrimonial, para a qual resultou a vantagem, pertencer ao arguido ou a um terceiro.

Verificados tais requisitos, “a perda da vantagem (ou o pagamento do valor equivalente) deve ser declarada contra aquele agente que, não obtendo para si a vantagem, possibilita e determina, com a prática do ilícito-típico, a sua obtenção por outrem”, mesmo quando esse terceiro é a sociedade da qual é gerente…[21]

Salientando-se que nestes autos e tal como ocorria no acórdão ora citado, o arguido não pode ser considerado terceiro para efeito do disposto no artº 111º nº1 do CP, uma vez que foi agente do crime.

Assim e condenado que foi o Arguido pela prática de factos ilícitos típicos dos quais resultou uma vantagem patrimonial para a representada sociedade, no montante de 368.933,01 (trezentos e sessenta e oito mil novecentos e trinta e três euros e um cêntimo,) encontram-se verificados os pressupostos para a declaração da perda de vantagem patrimonial, procedendo pois o recurso do MP.


*

*


III – DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação

Em negar provimento ao recurso do Arguido AA;

Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 4 UC

Em no provimento do recurso interposto pelo MP, nos termos do artº 111º nº2 do CP (redacção à data dos factos) declarar perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial no montante de 368 933,01€, ( trezentos e sessenta e oito mil novecentos e trinta e três euros e um cêntimo …) condenando-se o arguido no seu pagamento;

Sem tributação


Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 6/3/2024

Lígia Figueiredo

Assinado electronicamente pelos Exmºs Adjuntos Donas Botto e José Quaresma sendo o que Srº Juiz Desembargador Donas Botto vota vencido, no que concerne ao recurso do MP conforme declaração que anexa:

[“Declaração de voto - Donas Botto: Discordo do decidido, apenas em relação à questão da perda de vantagens.

Não desconhecendo ser esta uma questão controversa na jurisprudência, o certo é que tomei posição diferente noutros processos, nomeadamente no n.º 9325/17.5T9PRT.P1, onde fui relator.

Neste caso, o arguido AA foi condenado pela prática em coautoria material e na forma consumada, de quatro de crimes de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelo disposto nos arts. 6.º, n.º 1, 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e b) da Lei n.º 15/2001 de 05 de Junho; (anos de 2011, 2012, 2013 e 2014), nas penas parcelares de 2 (dois) anos de prisão (pela prática de cada um);

E em cúmulo jurídico das penas parcelares apicadas, foi condenado na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, que ao abrigo do disposto no art. 50º, nº1 e 5 do C. Penal e 14º do RGIT se suspende na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos com imposição da condição do pagamento pelo arguido no período da suspensão da quantia global em sede de IRC no valor de €368.933,01, (trezentos e sessenta e oito mil novecentos e trinta e três euros e um cêntimo) correspondente à diferença entre o lucro tributável real e o que foi efectiva e indevidamente declarado pela sociedade pelo arguido representada e acréscimos legais.


***

Ora, parece ser consensual que o art. 111º do C. Penal (atual art.º 110º do Código Penal, na versão da Lei nº 30/2017, de 30 de maio, mas equivalente ao art.º 111º, na redação anterior) pretende evitar que o arguido enriqueça à custa do crime, e o sentimento geral de que o crime compensa.

Porém, também é certo que não devemos cair na instrumentalização do condenado ao interesse geral ou ao apaziguamento dos receios coletivos quanto à segurança, sob pena de então, se violarem os elementares princípios constitucionais, ou seja, não pode haver uma finalidade preventiva que vá para além do objetivo que se pretende alcançar, e sempre condicionado à necessidade, proporcionalidade e utilidade prática de toda a reação penal (cfr. artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e Fernanda Palma, Direito Constitucional Penal, Almedina, 2006, pág. 126).

O objetivo é, repetimos, evitar que o infrator possa, por qualquer meio ou forma, direta ou indiretamente, retirar proveito da sua ação delituosa.

É a partir deste raciocínio que, conjugado com o art.º 9.º do Cod. Civil, devem partir todas as soluções para as variadas questões que se levantam neste domínio, até porque todos os elementos hermenêuticos, literais e racionais, levam a que o regime de perda de bens a favor do Estado previsto no artº 109º e ss. do C. Penal se aplique igualmente, a todos os crimes previstos na sua parte especial.

Dispõe o citado artigo 9.º do Cod. Civil:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Ora, para Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 315, em anotação ao art. 111, aquele instituto da perda da vantagem patrimonial não corresponde a uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende de uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, "mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do ofendido”.

Damião da Cunha, in Perda dos objetos relacionados com o crime, UCP, Porto, 1991, defende para o mesmo, a natureza de pena acessória da medida, e, por isso, não absorvida pelo princípio constitucional da inadmissibilidade de perda de direitos civis, profissionais e políticos como efeito necessário da pena - cfr. artigo 30º, nº4, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 65º, nº1, do Código Penal.

Também Maia Gonçalves, 2007: 436, em anotação ao citado artigo 111 , considera que o preceito tem em vista "mais uma perigosidade em abstracto" e visa a "prevenção da criminalidade em geral".

Mas é Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p.633, que mais nos elucida sobre as questões à volta deste preceito, quando refere:

“À primeira vista, a consagração da perda das vantagens como providência de carácter criminal pode parecer absurda: em princípio, com efeito, ela resulta automaticamente das regras da responsabilidade civil (nomeadamente, sob a forma da restituição em espécie). A providência justifica-se, no entanto, de um duplo ponto de vista. Por uma parte, o lesado pode prescindir da reparação, não apresentando o respectivo pedido; caso em que as finalidades de prevenção, geral e especial, acima apontadas dão fundamento autónomo ao decretamento da perda. Por outra parte, casos haverá em que as vantagens vão além daquilo em que a vítima foi prejudicada. Suscita-se nestas hipóteses, o problema de saber até onde deverá a perda das vantagens ser decretada. Mas seja como for quanto a este ponto, também aqui há lugar e justificação autónomos para a perda. Sem deixar de reconhecer-se, em todo o caso que, sempre que tenha havido pedido civil conexo com o processo penal, poucas serão as hipóteses em que a perda das vantagens poderá vir a ser decretada utilmente”.

Por sua vez, o Prof. Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, Universidade Católica pág. 326, escreve a propósito do ilícito em causa nestes autos: “A indemnização corresponde sempre ao pagamento do imposto evadido e consequentemente paga a indemnização não é mais devido o imposto. Tenha-se em conta que o credor da obrigação é o mesmo e que a responsabilidade civil se destina a satisfazer o interesse do credor da prestação tributária que foi frustrado pela prática do facto ilícito criminal. O recebimento pelos dois títulos representaria um enriquecimento sem causa”.

Leal Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, 2002, pág. 1160, escrevem: “o confisco é uma medida destinada a restabelecer a ordem económica conforme o direito, conduzindo a uma justa privação dos benefícios ilicitamente obtidos que só indirecta e imprecisamente se poderia conseguir com a multa”, visando-se com o mesmo, colocar o agente infrator no mesmo nível patrimonial em que se encontrava antes da prática do facto ilícito, evitando-se, assim, que o mesmo possa, por qualquer meio ou forma, direta ou indiretamente, retirar proveito da sua ação delituosa.

A vantagem patrimonial pode consistir, como defende João Conde Correia, num aumento do ativo, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisas ou direitos alheios ou na mera poupança ou supressão de despesas. Em causa tanto estão as coisas, como os direitos, os benefícios decorrentes da fruição de um determinado objeto isto é, tudo o que signifique um enriquecimento patrimonial do visado, isto é, qualquer benefício económico, emergente da prática de um facto ilícito “Da Proibição do confisco à Perda Alargada” INCM, pág.81.

O mesmo autor João Conde Correia e Hélio Rigor Rodrigues, em artigo publicado em Abril de 2015 na Revista Julgar, On Line, referem ainda que:

…Quando os bens que consubstanciam o benefício patrimonial obtido forem restituídos ao lesado (v.g. o automóvel subtraído), no decurso do processo ou na decisão final, o confisco previsto no artigo 111.º do Código Penal apenas operará se a vantagem for superior àqueles (v.g. o valor da sua utilização no período em que esteve na posse do arguido) ou o ofendido, por um qualquer motivo válido, não aceitar a restituição. O Estado não pode confiscar os bens do lesado, devendo limitar-se a restituí-los ao seu legítimo proprietário (art. 186.º, n.º 1, do CPP), assim anulando a vantagem obtida. Voltar a confiscá-la (restituição mais perda) seria uma verdadeira violação do ne bis in idem. Aliás, em bom rigor, como já não há vantagem, também não há nenhum conflito prático entre o confisco e um eventual pedido de indemnização civil (v.g. para recuperar os danos causados com a má utilização da viatura), cujas regras também são, igualmente, desnecessárias, porque se trata de restituir «o seu a seu dono» (suum cuique tribuere).”

Por isso, salvo o devido respeito por opinião contrária, não nos parece que tenha um significativo interesse prático, se a natureza é essencialmente reparadora na indemnização civil, e sancionatória preventiva na perda de bens, pois o que importa é que o arguido não obtenha vantagens económicas com a prática do crime e leve a pensar que o crime compensa.

Assim, em grande parte dos casos, pode haver coincidência entre o montante da vantagem patrimonial e o montante do dano a atribuir ao lesado, embora aqui, o direito à indemnização seja um direito disponível que pode ser ou não exercido, diferentemente do que se passa com as medidas de carácter sancionatório, que têm carácter irrenunciável (cfr. artº 112º do CP).

Porém, nada invalida esta posição, a coexistência da indemnização cível e a perda de bens, se aquela não cobrir toda a vantagem económica obtida pelo agente que praticou o ilícito, evitando-se, todavia, a dupla penalização.

Na verdade, o Estado não pode receber duas vezes a mesma quantia, atenta a coincidência de credor e prestação, pelo que a condenação no pagamento das vantagens que tinha auferido tem de se entender como cumprida e assim extinta, independentemente de serem de natureza diferente, a relação jurídica tributária subjacente à prática do crime de abuso de confiança fiscal, e a obrigação de restituição da vantagem patrimonial indevidamente obtida com a prática desse crime.

Por isso, se o arguido for condenado no âmbito constituído pelos factos ilícitos, culposos, causadores de um dano patrimonial à mesma, não pode por esses mesmos danos ser responsabilizado duplamente, não obstante a natureza distinta, mas que podem levar ao mesmo objetivo, como atrás referimos, ou seja, o valor pecuniário cuja perda se requer está incluído no valor da condenação decretada (acrescida de juros legais devidos).

Ora, o que se quer evitar, voltamos a repetir, é que o agente retire quaisquer dividendos da sua ação criminosa, mesmo quando estes vão além do real e efetivo prejuízo da vítima, precavendo-se, também assim, as finalidades de prevenção geral e especial, o que não pode, é, em circunstância alguma, haver “vantagem patrimonial” para o agente infrator.

Daí que se aceite, em principio, que a declaração de perdimento prevista no art.º 111..º do Cód. Penal possa, sempre, ter lugar, independentemente da formulação, ou não, de pedido de indemnização civil ou da existência de qualquer título executivo, desde que o confisco apenas atue, na medida e na parte, em que houver compatibilidade entre todos os institutos e não se traduza numa dupla “penalização” para o agente.

Por isso, todo o lucro ou benefício obtido à custa de coisa, direito ou quantia de que o agente de um facto ilícito se apropria, deve ser visto como uma vantagem que, nos termos do art. 111º do C. Penal, deve ser declarada perdida a favor do Estado, em  tudo o que ultrapassar o valor dos impostos não pagos e seja uma “vantagem patrimonial”.

Assim, se o agente vê o seu património aumentado apenas com o valor do imposto não pago e é condenado a pagar esse montante ao Estado (Administração Tributária/Segurança Social), não existe qualquer vantagem.

Porém, pode existir vantagem quando o agente vê o seu património aumentado para além, e na medida do excesso, do valor não entregue ao Estado e não abrangido pela condenação.

Contudo, a tudo o que acabamos de referir, há ainda que ter em conta a expressão “sem prejuízo dos direitos do ofendido”, que significa que a obrigação tributária não pode ser declarada perdida a favor do Estado, sem mais, quando o titular é o ofendido, uma vez que o artigo 111º, 2 do CP impede que se declare perdido a favor do Estado um direito cujo titular seja o ofendido.

Contudo, em nada se altera o raciocínio que temos estado a defender, pois relevante é que o agente do facto ilícito não fique com qualquer vantagem económica, ficando para o Estado (se não for ele o ofendido), o que o ofendido não reivindicou ou a parte remanescente, ou seja, tudo o que excede o pedido cível, por exemplo, e constitua vantagem patrimonial do agente do facto ilícito, como parece ser linear, atento os preceitos invocados, em conjugação com o acima citado art. 9.º do Código Civil.

Por isso, a perda a favor do Estado de “vantagens” traduzidas na falta de entrega de quantias devidas ao Estado, numa situação em que o arguido já foi condenado a pagar-lhe essa quantia, contraria as finalidades e a própria necessidade de prevenção prevista no citado art. 111º do CP., que visa exclusivamente finalidades de prevenção geral e especial.

Por sua vez, se a autoridade tributária não pretendeu deduzir pedido de indemnização, por já ter recorrido a outros meios que lhe dão as mesmas prerrogativas que obteria com a dedução do pedido cível, não se justifica nem tem fundamento o recurso à declaração de perda de bens a favor do Estado, com um objeto coincidente à dedução do pedido de indemnização, pois outra atitude, ofenderia a consciência jurídica e violaria os mais elementares princípios constitucionais (cfr., entre outros, os Acs. do TRP de 30/04/2019, 26-6-2019, e do TRL de 7-11-2019, todos in www.dgsi.pt).


****

Concluindo, neste tema, temos que distinguir em primeiro lugar, se a situação em que o arguido se apropria, ou não entrega ao Estado, determinada quantia, coisa, ou direito que lhe não pertence, daquela em que o arguido, com essa quantia, coisa ou direito que lhe não pertence, multiplica o seu património.

Vimos que o regime da perda de vantagens tem como finalidade fazer ver à sociedade e fazer sentir ao condenado que “o crime não compensa”, mas só haverá tal perda quando tenha efetivamente havido uma vantagem e, nessa medida, exista um mínimo de utilidade na declaração da sua perda a favor do Estado.

A noção de “vantagem” a que alude o art. 111º do C.P tem, pois, o sentido de um incremento patrimonial efetivo, o que implica que seja tomado em conta o património do agente do crime e que haja efetivamente um aumento desse património.

Por isso, nos casos em que o arguido age em representação de uma sociedade, como é o caso em análise, é esta quem adquire a vantagem resultante do não pagamento dos impostos e não o seu representante, e só relativamente a ela poderia ser declarada a perda, uma vez que só as vantagens adquiridas pelo agente podem ser declaradas perdidas.

Assim, se o agente vê o seu património incrementado apenas com o valor do imposto não pago e é condenado a pagar esse montante ao Estado (Administração Tributária/Segurança Social), não existe qualquer vantagem. E não existe vantagem porque o seu património está afeto ao valor do correspondente direito de crédito.

Por isso, a expressão “sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro» quererá dizer que os direitos do ofendido ou de terceiro não podem eles mesmos ser declarados perdidos a favor do Estado.

O Estado é titular de um direito de crédito relativamente a uma obrigação, pelo que esse direito de crédito não pode ser declarado perdido a favor do Estado.

Assim, em termos literais, a referida expressão “sem prejuízo dos direitos do ofendido” significa que a obrigação tributária (por corresponder a um Direito do Estado ou da Segurança Social) não pode ser declarada perdida a favor do Estado.

Entendo, pois, que devemos adequar o sentido da norma aos fins preventivos, mas sempre condicionados à necessidade, proporcionalidade e utilidade prática de toda a reação penal (cfr.18º da Constituição da República Portuguesa).

Por isso, o efeito preventivo (e até retributivo) da perda de vantagens não é, nestes casos, necessário, e não tem qualquer utilidade prática, uma vez que o condenado não vai pagar duas vezes a mesma quantia, daí a inutilidade de se declarar perdida a favor do Estado uma quantia que o mesmo agente já foi condenado a pagar e que será tomada em conta quando pagar ao Estado.

Em termos de justiça estritamente comutativa, o agente vê-se condenado a pagar um montante equivalente ao benefício obtido e, como referimos, não vê o seu património enriquecido.

Na verdade, se por um lado não entregou as quantias devidas, por outro, tem uma dívida de igual montante, acrescida dos juros de mora.

Assim, só deverá ser declarada tal perda quando efetivamente tenha havido uma vantagem, ou seja, terá de existir um incremento patrimonial efetivo na esfera do agente.

Deste modo, nos casos em que o arguido age em representação de uma sociedade, é esta quem adquire a vantagem resultante do não pagamento dos impostos e não o seu representante, pois só as vantagens adquiridas pelo agente podem ser declaradas perdidas.

Ora, permitir que o Estado indemnize o lesado com o produto da venda dos bens declarados perdidos a seu favor não é argumento concludente para justificar a aquisição, pelo Estado, de vantagens traduzidas precisamente no equivalente às quantias devidas ao lesado/Estado.

Por isso, neste caso, se o arguido agiu enquanto representante da sociedade arguida e em nome da mesma, decidindo não entregar ao Estado as quantias devidas, enriquecendo aquela, sem que nos factos provados esteja concretizado que o arguido beneficiou total ou parcialmente dessas quantias, a perda de vantagens só pode ser decretada contra a sociedade arguida e não também contra aquele.

Assim, entendo que o recurso do MP devia ter improcedido.”]

Donas Botto

José Quaresma

______________________
[1] -Cfr. CJ -  ASTJ – Ano XVIII, tomo III, pág. 243  e ss.
[2] cfr. Ac. do STJ de 20/04/2006, disponível in www. dgsi.pt
[3] Cfr. a este propósito o ac. do STJ de 5/6/2004, relator Santos Carvalho, ainda que relativo a um crime de tráfico de estupefacientes.
[4] Ac.STJ 21/2/2007, Proc 06P3932, «O arguido só pode contrariar a acusação ou a pronúncia, de forma adequada e eficaz, se naquelas peças processuais se encontrarem vertidos especificadamente e com clareza os factos imputados, isto é, o caso concreto ou particular submetido a julgamento. De outro modo, ou seja, perante uma acusação ou uma pronúncia constituídas por factos genéricos, não individualizados, fica ou pode ficar prejudicada a possibilidade de o arguido se defender.»
[5] Proc. n.º 3647/06 - 3.ª Secção relator Sousa Fonte.  
[6] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2007 [Cons. Armindo Monteiro], processo 3193/06 – 3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
[7] [Conselheiro Raul Borges, processo 07P4833, in www.dgsi.pt-].
[8] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário Código de Processo Penal à luz da Constituição da Republica e da Convenção Europeia dos direitos do Homem, 3ª ed. Pág. 1122.
[9] Sobre este ponto vg os Acórdãos do STJ de 14-03-2007 no processo 07P21, 23-05-2007 no processo 07P1498 e de 03-07-2008 no processo 08P1312 todos in www. dgsi.pt.
[10] Ac STJ de 21/3/2012 proferido no proc. relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro)..proc 130/10.0JAFAR.F1.S1
[11] in Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), Anotado  2ª edição, , 2004, citado no Ac da RP de 19-11-2008 proferido no proc. 0841639-
[12] Manuel. A Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 1979,. Pág 318.
[13] Ob.cit pág. 309.
[14] Lebre de Freitas, In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, p. 354, e na mesma obra, 2.º volume, 3.ª edição, pág. 599.
[15] Ob,cit pág. 320.
[16] Cfr Responsabilidade Penal dos Dirigentes das Sociedades", UCP, 2021, pág. 57.
[17] Ac.RP de 24/11/2021 proferido no proc. 82/13.5IDPRT-A.P1(relatora Eduarda Lobo).
[18] Cf Ac Relação do Porto de 19/12/2012 proferido no proc. 497/08.0GAMCN.P1 em que foi relator Vitor Morgado e ac relação do Porto de 13/10/2010 proferido no proc. 900/06.4JAPRT.P1 em que foi relator o ora conselheiro Melo Lima.
[19] Ac RP 18/1/2023, proferido no proc. 7930/19.4T9PRT.P1(relator William Themudo)
[20] Acórdãos desta Relação de 28/10/2021 proferido no proc. 321/19.9IDPRT.P1(relator NN Carreto) e de 26/1/2022 proferido no proc 321/19,9IDPRT.P1 (relatora Liliana de Páris Dias).
[21] Ac 19/4/2023 proferido no proc. 2460/20.4T8VFR.P1, (relator João Pedro Pereira Cardos).