Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0745882
Nº Convencional: JTRP00041126
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
NEGLIGÊNCIA
Nº do Documento: RP200803030745882
Data do Acordão: 03/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC CONTRAORDENACIONAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 51 - FLS 177.
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 8º,1 do DL 433/82, de 27/10, só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência, sendo que nas contra-ordenações laborais a negligência é sempre punível – art. 616º do CT
II - A negligência supõe o poder/dever de o responsável, embora não pretendendo cometer a infracção, actuar de modo diferente, de forma a impedir que a mesma se verifique. Assim, para que haja negligência basta que o agente omita ou se demita do exercício dos seus deveres/prerrogativas, designadamente de assegurar que o trabalho seja executado com observância das necessárias condições de segurança e observância do normativo legal que a isso se destina, cabendo-lhe adoptar as medidas adequadas ao cumprimento da lei.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 5882/07.4 Recurso Social
TT Penafiel, .º Juízo (Proc. nº …/05.6)
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 106-A)
Adjuntos: Desª. M. Fernanda Soares
Des. Ferreira da Costa (Reg. nº 866)


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B………., SA, impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida pela Inspecção Geral do Trabalho que, em processo de contra-ordenação, lhe aplicou a coima no valor de € 2.000,00, pela prática da contra-ordenação grave prevista no art. 39º do DL 82/99, na redacção dada pela Lei nº 113/99, de 03.08, e punível nos termos do art. 620º, nºs 3, al. e), e 5º, do Cód. Trabalho, contra-ordenação essa decorrente da infracção ao disposto nos artigos 4.º, nº 1, e 5.º, conjugados com os artigos 12.º e 18.º, do citado DL 82/99, de 16/03 e com o artigo 8.º, nºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14/1 e.

Realizada a audiência de julgamento e proferida sentença (fls. 163-170) julgando improcedente a impugnação judicial e mantendo a referida decisão, a arguida dela recorreu para este Tribunal da Relação, o qual, por acórdão de fls. 309 a 318, decidiu revogar a sentença recorrida e ordenar o reenvio do processo à 1º instância para repetição do julgamento com vista à averiguação das questões que nele se referem e subsequente conhecimento do mérito da causa.

Realizada nova audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida a decisão de fls. 435 a 457, que julgou a impugnação judicial improcedente, mantendo a decisão administrativa.

Inconformada, a arguida veio dela recorrer, pretendendo a sua absolvição, concluindo a sua motivação nos seguintes termos:

1ª. O direito a ser ouvido é uma das vertentes que assume o direito de defesa, traduzido na máxima latina audi alteram partae, e que consiste na obrigação que impende sobre a Administração de ouvir os interessados em momento prévio à prolação de decisão que possa afectar os direitos ou interesses dos Administrados; Consequentemente, o procedimento administrativo deverá desenvolver-se segundo o contraditório, onde seja claramente assegurada ao nível do processo a paridade entre a Administração e o Administrado

2ª. Quer na fase administrativa do processo quer na fase judicial, por imperativo do direito de defesa e da estrutura de natureza acusatória de todo o processo sancionatório, o princípio do contraditório não pode deixar de ser observado;

3ª. A tomada de decisão final em processo de cariz administrativo só é válida quando precedida de acto que tenha oferecido aos interessados a possibilidade efectiva de se pronunciarem sobre a proposta de decisão que lhes diga respeito;

4ª. “Tem inteira expressão neste ramo do direito o princípio do contraditório e da audiência, conforme resulta do artigo 50º da lei quadro, a entender com o conteúdo que lhe é dado por Figueiredo Dias [Direito Processual Penal, I, 1974, p. 153]: “oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo […]”. O direito de audição do arguido que se configura neste artigo corresponde àquilo que já Marcelo Caetano ensinava no seu Manual de Direito Administrativo, II, p. 1280, a propósito do processo administrativo de tipo sancionador, quando referia que “quer a lei o diga ou não, em tais processos há que respeitar o princípio de que ninguém pode ser condenado sem previamente ter sido ouvido, compreendendo-se neste direito natural de defesa a instrução contraditória” – cfr. António Leonês Dantas, Considerações sobre o processo das contra-ordenações – A fase administrativa”, RMP, n.º 61, pgs. 107 e 117;

5ª. Nos processos de índole sancionatória donde resulte a aplicação de uma coima, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, aplicando-se, devidamente adaptados, os direitos reguladores do processo criminal – ut, respectivamente, art. 41º, n.ºs 2 e 1, do RGCO;

6ª. Nessa conformidade, sempre que a administração exerce a sua actividade instrutória no âmbito de processo contra-ordenacional está especialmente obrigada a assegurar os princípios do contraditório (art. 18º, nºs 1 e 2, da CRP) e da audiência (art. 32º da CRP e arts. 50º e 58º, ambos do DL nº 433//82, de 27-10, doravante designado por IMOS), o que deve suceder, impreterivelmente, em momento anterior à prolação de decisão final no processo e sem quaisquer limitações e com total amplitude, sob pena de violação do disposto no art. 32º da CRP;

7ª. O arguido só será colocado na possibilidade de exercer cabalmente o direito de audição quando a autoridade administrativa lhe comunicar claramente todas as circunstâncias de tempo, modo e lugar da prática dos factos sob investigação, as normas tipificadoras da(s) infracção(pões) e as sanções (designadamente, coima) em que incorre – cfr. Simas Santos e J. Lopes de Sousa, in Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2001, Editores Viseis, a págs. 294/295; Ac. RP de 4-6-2003, DGSI doc. nº RP200306040340707;

8ª. O direito de defesa só fica assegurado se ao arguido for objectivamente dada a possibilidade de, por forma cabal e eficaz, apresentar os seus argumentos, produzir as provas que porventura entenda pertinentes e pronunciar-se sob as imputações que lhe são feitas, seja sob a forma oral (art. 101º do CPA), seja sob a forma escrita (art. 102º do CPA), necessariamente antes da prolação da decisão administrativa;

9ª. Em consonância, determina o art. 634º, nº 1, do CT que o auto de notícia e a participação têm que mencionar especificadamente os factos que constituem a contra-ordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos, pelo que o arguido não poderá ser condenado por factos distintos daqueles sobre que exerceu o direito de audição, sob pena de manifesto desrespeito das suas garantias de defesa, cuja consequência é a nulidade insuprível do processo (ut art. 119º, nº 1, al. c), do CPP ex vi do art. 41º do DL nº 433/82, de 27-10) e a invalidade da sanção aplicada – cfr. Acs. RP de 4-6-2003, DGSI doc. nº RP200306040340707 e de 7-5-1997, Recurso nº 10308; Acs. RL de 27-1-2004, DGSI proc. nº 10583/2003-5 e de 13-3-1990, BMJ 395º-650; Ac. de 20-5-1997, CJ 1997, t.3, pg. 283; João Soares Ribeiro, Contra-ordenações Laborais, pg. 144;

10ª. Do cotejo da factualidade do auto de notícia de fls. … com a factualidade assente na proposta do Sr. Instrutor de fls. … - que a decisão administrativa aderiu in totum, fazendo-a sua – resulta que esta última factualidade (conforme enunciada em 3. supra e que, brevitatis causa, aqui se reproduz), não consta do auto de notícia notificado à arguida, de sorte que, sobre esse acervo factual, a arguida não foi ouvida nem se pôde pronunciar;

11ª. Ocorreu, pois, uma manifesta violação dos princípios do contraditório e da audiência, com assento constitucional, que, de resto, a arguida expressamente invocou na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, concretamente sob os arts. 1º a 34º;

12ª. Na verdade, no caso dos autos verifica-se uma dupla violação do direito de defesa da arguida, a saber: a) Em primeiro lugar, porque, no termo da instrução contra-ordenacional, o órgão instrutor, incumprindo o disposto no art. 50º do RGCO, omitiu a notificação da arguida para esta se pronunciar sobre questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares de prova e juntar documentos; b) Em segundo lugar, porque a arguida foi condenada na decisão administrativa com base em factos sobre os quais não pôde exercer o contraditório por nem sequer constarem do auto de notícia; o que tudo melhor resulta dos fundamentos explanados sob os pontos 6. a 10. supra, e que, por economia, se reproduzem nesta sede de conclusões;

13ª. A violação do direito de audiência e defesa quando analisada, designadamente, à luz da parametria constitucional, integra, juridicamente qualificada, uma nulidade insanável, subsumível à previsão do art. 119º, al. c), do CPP; “Se ao direito de audiência do arguido passou a ser conferida dignidade constitucional, a postergação de tal direito só tem protecção adequada se tal omissão se considerar nulidade insanável, tal como sucede” – cfr. Ac. da RE de 20-5-1997, CJ ano 22, t.2-284 (na parte não sumariada); vd., tb., Ac. da RL de 13-3-1990, BMJ 395-650; Ac. da RE de 24-3-1992, CJ ano 17, t.2-308; Ac. da RP de 7-5-1997, Rec. n.º 10308; cfr., ainda, Acs. da RP de 11-11-1998 (Rec. 10842), de 21-1-1998 (Rec. 40729) e de 1-4-1998 (Rec. 40108); Ac. da RL de 11-3-1998 (Rec. 35233);

14ª. Acrescente-se, nesta sede, que a lei fulmina com a sanção de nulidade absoluta e insanável a violação do direito de defesa, não distinguindo para o efeito, de entre a materialidade sobre a qual o arguido não foi ouvido, entre factos relevantes e não relevantes;

15ª. Aliás, a relevância desses factos é implícita, pois doutra forma não faria sentido que a decisão da autoridade administrativa neles se apoiasse; “Como a jurisprudência tem assinalado, a ausência do arguido em relação à sua defesa não é só a ausência física mas também a ausência processual no sentido da impossibilidade do exercício do direito de defesa, sendo que as garantias que a lei prevê só se podem tornar efectivas tornando nulo, de forma insanável, o acto em que essas garantias não tenham sido respeitadas. O que significa que em tais casos se comete a nulidade prevista no artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal. A consequência é a prevista no artigo 122º, n.º 1, do mesmo diploma, ou seja, a invalidade do acto praticado bem como dos que dele dependerem” – cfr. Ac. de RL de 22-3-2001, Rec. n.º 650/01-9;

16ª. Não podia o tribunal a quo julgar sanada a nulidade por suposta irrelevância dos factos que, exorbitando do auto de notícia foram dados como provados e serviram de suporte à decisão administrativa condenatória: tal distinção, sobre ser arbitrária, não está reflectida na lei, para além de que, por definição, uma nulidade insanável não é susceptível, em circunstância alguma, de ser objecto de sanação;

17ª. Por representar uma frontal violação do direito de defesa reconhecido no processo contra-ordenacional pelo art. 50º do RGCO e garantido pelo n.º 10 do art. 32º da CRP, a decisão administrativa dos autos que aplicou à arguida a coima de € 2.000,00, padece de nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119, do CPP, o que acarrete a invalidade do acto praticado, bem como dos que dele dependem, nos termos do art. 122º, n.º 1, do mesmo diploma (vd. Simas-Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, pgs. 308 e 336;

18ª. Dispõe a Constituição, no n.° 1 do artigo 205°, que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”; Em simetria, este instituto da fundamentação das decisões encontra-se adjectivamente disciplinado no art. 97º, n.º 4, do CPP ex vi do art. 41º do RGCO;

19ª. Na sua génese radica a necessidade da decisão judicial persuadir os seus destinatários e a comunidade em geral, contribuindo para a sua eficácia; com efeito, A fundamentação permite, ainda, quer pelas próprias partes, quer, o que é de realçar, pelos tribunais de recurso, fazer, como refere Marques Ferreira, “intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso (...)” – cfr., Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal - o novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1992, pág. 230; vd. tb., Michele Taruffo, Note sulia garanzia costituzionale deita motivazione, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LV (1979), págs. 31-32;

20ª. Por outro lado, este dever de fundamentação constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto, o iuris dicere, na expressão latina, assumindo-se como garantia do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do Juiz e da imparcialidade das suas decisões - vd. Michele Taruffo, op. cit., pgs. 34-35; vd. tb., Pessoa Vaz, Direito Processual Civil - do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, pág. 211;

21ª. Em síntese, a exigência de fundamentação das decisões judiciais (cfr. art. 205º. n.°1, da CRP) ou da motivação da decisão radica em três razões fundamentais , a saber:
“1.° - Controlo da administração da justiça.
“2.° - Exclusão do carácter voluntarístico e subjectivo da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes:
“3.° - Melhor estruturação dos eventuais recursos, permitindo às partes em Juízo um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.” - cfr. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, Teoria da Constituição, 1998, pág. 583;

22ª. Neste segmento da omissão de fundamentação, a sentença recorrida apenas expressou conclusões, pois que não enunciou, minime que fosse, quais os pressupostos de facto e de direito determinantes da irrelevância da matéria em causa para a determinação da responsabilidade contra-ordenacional e consequente apreciação do mérito do recurso de impugnação;

23ª. De sorte que, ficaram sub specie entes as premissas do silogismo que levou a essa conclusão, o que impede a recorrente, à semelhança do que seguramente sucederá com tribunal ad quem, de perceber o iter cognitivo seguido na sentença recorria;

24ª. Ora, “em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção” (cfr. art. 64º, nºs. 3 e 4, do RGCO), sendo certo que, estando em causa uma sentença proferida em processo de contra-ordenação, são-lhe aplicáveis os requisitos constantes do art. 374º, nº 2, do CPP, por força do disposto no art. 41º, nº 1, do RGCO;

25ª. Por isso que, quando a decisão judicial não contém a exposição dos motivos de facto e de direito, que a fundamentam, como sucede no segmento decisório expressamente referido supra, preceitua o art. 379º, nº 1, alínea a), do CPP, que essa omissão é geradora de vício de nulidade da sentença, que expressamente se arguiu – cfr., entre outros, Ac. da RP de 19-4-2004, DGSI, RP200404190316542;

26ª. A pari, a interpretação feita na sentença recorrida do citado art. 374º, nº 2, do CPP, no sentido de se abster de fundamentar a decisão, é geradora de inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos arts. 205º, nº 1, da CRP;

27ª. Da definição legal constante do art. 614º do CT, extrai-se que a contra-ordenação é constituída por um facto material, que preencha um tipo descrito na lei, que tenha sido praticado culposamente e que naquele tipo esteja prevista a aplicação de uma coima;

28ª. O facto típico é composto pela conduta (acção ou omissão), pelo resultado, pela relação de causalidade e pela tipicidade; a antijuridicidade significa que para constituir contra-ordenação, o facto, para além de típico, deve também ser ilícito, contrário ao Direito;

29ª. Para a aplicação da sanção (rectius: coima), porém, é mister ainda que o facto, além de típico e antijurídico, seja censurável, isto é, reprovável; significa isto que a punição do agente tem de fundar-se num juízo de reprovação do autor pela formação da vontade e que a concreta sanção nunca pode ser mais grave do que aquele mereça segundo a sua culpa;

30ª. Donde, a descoberta da verdade material – que é o desígnio, valor e ascese de todo e qualquer processo, nomeadamente os de natureza sancionatória – não consiste somente na averiguação do ilícito material, mas também, e sobretudo, na indagação do elemento subjectivo da infracção, já que a imputação da responsabilidade contra-ordenacional só é possível se o comportamento do agente for censurável;

31ª. Os factos dados como provados na sentença recorrida – que o tribunal ad quem, funcionando como tribunal de revista e como última instância não pode sindicar (art. 75º, n.º 1, do RGCO) – não servem de suporte a um juízo de ilicitude.

32ª. Ao invés da conclusão alcança pela sentença recorrida, resulta dos autos a prova positiva de que a arguida cumpriu todas as normas de prevenção e segurança dos trabalhadores ao seu serviço, e que, designadamente:
- Identificou os riscos previsíveis na linha de extrusão;
- Deu formação e informação técnica específica, e instituiu procedimentos para a prevenção desses riscos;
- Restringiu unicamente a trabalhadores com aptidão e formação adequada o acesso e manuseamento do equipamento utilizado na linha de extrusão;
O que tudo melhor resulta de fls. 11 a 13 da sentença sub iuditio;

33ª. A sentença sob censura não dá como provado nenhum facto susceptível de, juridicamente qualificado, preencher a culpa da arguida (maxime sob a forma de negligência), sendo certo que essa factualidade não se presume, antes é elemento subjectivo do tipo, pelo que deve ser comprovada para que o ilícito negligente (tal como o doloso) seja preenchido;

34ª. O que é bastante e suficiente para afastar a imputada responsabilidade da arguida, pois “no direito de mera ordenação social a condenação não pode ter lugar independentemente de culpa” – Ac. da RP de 30-6-2004, Proc. 0413139;

35ª. Agir com culpa significa actuar por forma a que a conduta do agente mereça a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo; está, portanto, arredada a admissibilidade de uma responsabilidade objectiva, isto é, independente de um nexo de casualidade e de um juízo de imputação ético do facto lesivo;

36ª. O enunciado princípio dogmático e estruturante de todos os ordenamento jurídicos sancionatórios significa que a pena se funda na culpa do agente pela sua acção ou omissão, vale dizer, num juízo de reprovação do agente por não se ter conduzido em conformidade com o dever jurídico, suposto que o tivesse podido conhecer, motivar-se por ele e realizá-lo;

37ª. Flúi da literalidade expressa pelo n.º 1 do art. 18º do DL n.º 82/99, de 16-3, bem como da economia da citada norma, que os protectores nela previstos são aqueles – e apenas aqueles – que estejam aptos a impedir o contacto com as partes mecânicas do equipamento;

38ª. Sucede que, resulta provado nos autos, que na linha de extrusão em causa quando é necessário efectuar o corte e remoção de fios partidos, os rolos têm de estar acessíveis ao trabalhador que executa essa tarefa, pelo que não há objectivamente possibilidade de se colocarem protecções nos rolos que impeçam o acesso a eles ou à zona onde estão colocados, como também não é possível interromper-se o seu funcionamento; para assim concluir leiam-se os pontos 1 a 13 e 1 do acervo fáctico provado na sentença recorrida que, por mera economia, se dão aqui por reproduzidos;

39ª. Está, pois, assente nos autos que quando é necessário efectuar o corte e remoção de fios partidos, os rolos têm de estar acessíveis ao trabalhador que executa a tarefa, e tal operação tem de ser efectuada com a linha de extrusão em movimento; à luz desse concreto circunstancialismo, a existência de um protector nunca poderia prosseguir e acautelar a finalidade preventiva ínsita no n.º 1 do art. 18º do DL n.º 82/99, por isso que a operação de remoção dos fios partidos tem de ser executada em contacto com os rolos e com a linha de estiragem em movimento;

40ª. Isto é, ainda que existisse essa protecção, a mesma teria de ser retirada em toda e qualquer operação de remoção dos fios partidos pelo facto de a execução dessa tarefa pressupor necessariamente o acesso aos rolos por parte do operador;

41ª. De igual modo, a subida de posicionamento dos rolos seria indiferente para a produção do sinistro, pois nesse caso, para aceder aos fios ensarilhados, o infeliz trabalhador, em vez do banco indevidamente utilizado, teria, então, de recorrer a outro equipamento que lhe permitisse subir mais alto.

42ª. Assim sendo, como inequivocamente é, a arguida não pode ser censurada pela não adopção de uma medida que, no concreto circunstancialismo de funcionamento da linha de extrusão, seria absolutamente inidónea para evitar a produção de um sinistro.

43ª. Resulta da matéria de facto assente nos autos, e é, inclusive, reconhecido na sentença recorrida, que o acidente, visto na sua dinâmica e causalidade, ficou a dever-se à conduta inadvertida do trabalhador sinistrado, o qual, ignorando as instruções, procedimentos e regras ministradas pela arguida, subiu para um banco desprovido de fixação e, nessa posição sem o apoio dos pés do solo, debruçou-se sobre os rolos;

44ª. Sendo que não é exigível à arguida prever a negligência dos trabalhadores ao seu serviço, que nos termos do art. 274º do CT estão obrigados a cumprir as instruções do empregador em matéria de segurança;

45ª. Por outro lado, suposta a aplicabilidade, in casu, da provisão do art. 18.º, n.º1, do DL 82/99 (apenas admitida a benefício de raciocínio), o seu comando mostra-se respeitado, pois foi dada como provada a existência de dispositivos de segurança para paragem dos rolos, que é um meio preventivo alternativo dos protectores dessa norma;

46ª. Finalmente, do princípio da legalidade concretizado no art. 614º do CT (à semelhança do art. 1.º do RGCO), decorre que, para a conduta humana assumir a dignidade de uma infracção, é mister que coincida formalmente coma descrição feita numa norma legal que preveja a aplicação de uma coima;

47ª. Sucede que para efeitos de aplicação da coima, apenas os tipos legais previstos nos arts. 4.º e 5.º do DL 82/99 foram considerados violados na decisão administrativa (cfr., fls. 10 da proposta de decisão do instrutor);

48ª. Pelo que em face desse enquadramento incriminatório não pode a arguida ser sancionada com fundamento na alegada violação de outras normas jurídicas.

49ª. A sentença recorrida violou a normas legais supra citadas.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância contra-alegou no sentido do não provimento do recurso, no que foi acompanhado pela Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação em douto parecer que emitiu, que não mereceu resposta da Recorrente.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Matéria de Facto Provada na 1ª instância:

Da acusação (decisão administrativa):
1 – No dia 11 de Dezembro de 2003, o trabalhador C………., com a categoria profissional de Adjunto de Chefe de Secção, enquanto trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da recorrente/arguida, sofreu um acidente de trabalho do qual resultou a morte.
2 – Na data do acidente encontrava-se a operar na linha de extrusão, de pé em cima de um banco.
3 – O banco em questão era desprovido de qualquer processo de fixação.
4 – O trabalhador encontrava-se apoiado com uma mão no painel de botões, destinados ao arranque e paragem dos 2ºs rolos da supra citada linha, que se encontrava localizado por cima dos mesmos, e com a outra mão, com recurso a um “x-acto”, procedia ao corte e retiro dos monofilamentos que se encontravam partidos e enrolados nos referidos rolos.
5 – O equipamento utilizado foi identificado por Linha de Extrusão de Monofilamentos de Polietileno – n.º …, de marca ………., adquirida pela empresa em 1988.
6 – Em consequência do referido acidente foi a linha suspensa.

Da impugnação judicial:
1 – O processo de extrusão de monofilamentos de polietileno inclui uma operação de estiragem dos monofilamentos por forma a conferir-lhes características mecânicas adequadas ao seu uso final, consistindo esta operação em, sob condições controladas de temperatura, provocar um alongamento súbito do material.
2 – Para o efeito, as linhas de extrusão dispõe de dois conjuntos de Rolos de Puxo entre os quais é instalada uma estufa de aquecimento.
3 – Cada conjunto de rolos de puxo é constituído por pelo menos cinco rolos dispostos em dois andares e de velocidade controlável.
4 – Os fios provenientes da cabeça de extrusão, puxados pelos primeiros rolos, passam de seguida na estufa aquecida e são entregues ao puxo dos segundos rolos, que rodam a velocidade substancialmente superior aos primeiros, o que provoca o estiramento dos fios.
5 – A condução destas linhas exige que os filamentos saídos da cabeça de extrusão, depois de arrefecidos em água, sejam conduzidos e introduzidos manualmente nos primeiros rolos (já em marcha) e que ficam a assegurar o puxo dos fios a uma dada velocidade.
6 – Os fios têm então de ser conduzidos e introduzidos manualmente nos segundos rolos, também já em marcha, que ficarão a assegurar o seu puxo e que, devido à diferença de velocidades, garantem o estiramento dos fios.
7 – Finalmente, os fios são conduzidos e introduzidos manualmente nas bobinadeiras que asseguram o sem “embalamento” em bobines.
8 – O enfiamento de uma linha de extrusão pressupõe que os rolos de estiragem estejam em movimento e que o operador possa introduzir, cortar e remover os fios a estirar.
9 – Tal operação exige a proximidade dos operadores dos rolos e que estes a eles tenham acesso e aos fios que por eles são conduzidos.
10 – A operação descrita é muitas vezes repetida durante o processamento do material, já que são frequentes as situações em que um ou mais fios, não resistindo ao esforço do estiramento, sofrem fractura, tendo de ser reencaminhados.
11 – Em tais circunstâncias pode ainda acontecer que um ou mais fios partidos se enrolem nos rolos de estiragem o que obriga a que se cortem e removam os fios enrolados, sem alterar as condições de marcha da linha, já que a alteração dessas condições provocaria alteração das características técnicas do fio em produção.
12 – Tal situação ocorre sobretudo no início de trabalho da linha, durante e após o seu enfiamento e até atingir uma situação de estabilidade de temperaturas/velocidade – se a linha fosse parada para remover os fios partidos e enrolados nos rolos, todo o processo teria de ser reiniciado e as condições de estabilidade jamais seriam alcançadas.
13 – Por força destes condicionalismos, quando é necessário efectuar o corte e remoção de fios partidos, os rolos têm de estar acessíveis ao trabalhador que executa a tarefa.
14 – Os rolos têm grandes dimensões e rodam, durante a operação de enfiamento ou corte de fios a uma velocidade lenta.
15 – Essa linha de extrusão foi deslocada do estabelecimento fabril que a recorrente/arguida tem na cidade da Maia para o que possui em ………., Paredes, no início do ano de 2003 e, nessa altura, foi revista e rectificada.
16 – O procedimento que está definido pela recorrente/arguida para o enfiamento obriga a que o operador esteja de pé, junto aos rolos e que, em circunstância alguma, se debruce sobre eles.
17 – Também é regra da empresa que o operário que executa essa operação tem de estar sempre acompanhado de um outro funcionário com funções de vigilância e de auxílio.
18 – A recorrente/arguida é uma empresa certificada ao abrigo das normas ISSO 9001 e ISSO 9002.
19 – Todos os seus operadores de máquinas, sobretudos os de máquinas de extrusão, são previamente informados e instruídos para com elas trabalhar.
20 – Quando a máquina em causa nos autos foi deslocada para a unidade fabril de ………. houve o cuidado de ministrar formação aos operários que a iam manusear, através de um operador que já estava familiarizado com a máquina.
21 – O trabalhador acidentado prestava serviço na empresa há 14 anos e tinha reconhecida experiência e capacidade para efectuar a remoção de fios de rolos da linha de extrusão.
22 – O banco que o trabalhador sinistrado utilizava no momento do acidente não era instrumento ou ferramenta concebida ou autorizada para ser utilizada naquela operação.
23 – Esse banco destinava-se a permitir o acesso a uma tina de água, onde não existem peças móveis, de uma outra máquina.
24 – Faz parte dos procedimentos instituídos e das regras que são ministradas nas acções de formação do pessoal que trabalha nas linhas de extrusão que na operação de corte e remoção dos fios enrolados nos rolos, o operador tem de estar de pé, com os pés apoiados no solo, com o corpo posicionado ao lado dos rolos e virado de frente para eles.
25 – Faz também parte dos procedimentos que o operador deve manter alguma distância entre o seu corpo e os rolos e, em circunstância alguma, poderá apoiar-se em qualquer ponto das máquinas da linha de extrusão.
26 – Em 04-03-2004, o D………. considerou que a máquina em causa dispunha de todas as condições de laborar com segurança.
27 – A determinação de suspensão referida em 6 já foi levantada.
28 – Em 15-03-2003, o E………. fez uma visita ao estabelecimento fabril da recorrente/arguida, no âmbito da campanha de melhores condições de trabalho na indústria têxtil, em que a única falta que apontou nas linhas de extrusão foi a falta de sinalização dos riscos de queimadura.
Do julgamento
1 – Quando é necessário efectuar o corte e remoção de fios partidos, os rolos da linha de extrusão têm de estar acessíveis ao trabalhador que executa a tarefa, considerando o seu posicionamento ao lado dos rolos e virado de frente para eles ou por debaixo da máquina.
2 – Faz parte dos procedimentos instituídos e das regras que são ministradas nas acções de formação do pessoal que trabalha nas linhas de extrusão que na operação de corte ou remoção dos fios enrolados nos rolos, o operador esteja pela forma referida em 24 ou, então, por debaixo da máquina.
E ainda, em obediência ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto:
3 – À data de 11 de Dezembro de 2003, a máquina em causa não dispunha de qualquer protecção superior dos rolos que impedisse quedas dos trabalhadores que sobre eles se debruçassem no exercício do corte e retiro dos monofilamentos.
4 – À mesma data, os rolos encontravam-se a uma altura do solo (fileira superior) inferior a 1 metro.
5 – Posteriormente ao acidente, os rolos foram subidos ou alteados para uma altura do solo (fileira superior) de cerca de 1,50 metros.
6 – Posteriormente ao acidente, e com a subida dos rolos, foi colocada sobre a máquina uma protecção em rede.
7 – Tal protecção manteve-se nesse local durante cerca de um ano.
8 – Posteriormente, a mesma protecção foi retirada, por se ter considerado que poderia constituir risco de perigo de acidente ao dificultar o movimento amplo da mão do trabalhador no enfiamento.
9 – Com os rolos na posição referida em 4 era impossível o acesso por parte dos trabalhadores aos rolos pela parte debaixo da máquina, pelo que a operação de corte ou remoção dos fios enrolados nos rolos se fazia pela sua parte superior.
10 – Nessas circunstâncias, qualquer protecção superior dos rolos impediria o acesso dos trabalhadores aos mesmos para efectuarem as operações de corte e remoção.
10 – Com o alteamento dos rolos, tais operações passaram a ser feitas pela parte debaixo da máquina.
11 - À data de 11 de Dezembro de 2003, a máquina onde veio a ocorrer o sinistro dispunha de uma alavanca junto ao chão e de um cogumelo de segurança.
12 – O cogumelo de segurança estava em funcionamento no momento do acidente.
13 – A máquina, à data, não dispunha de fio de vida.
14 – Uma vez accionados, quer a alavanca, quer o fio de vida, quer o cogumelo de segurança, não implicam a imediata paragem dos rolos, porquanto a inércia os mantém em movimento durante mais alguns segundos.
15 – O trabalhador que acompanhava o sinistrado na operação que estava a ser por si realizada estava à distância de alguns metros e de costas, não podendo accionar, de imediato, qualquer daqueles mecanismos.
16 – Actualmente, a máquina em causa está provida de uma estrutura metálica e plástica em “L” que é erguida quando os trabalhadores necessitam de aceder aos rolos; de um fio de vida que acompanha toda a máquina e pode ser accionado em qualquer local do mesmo, de um pedal de segurança e de botoneiras de segurança.
*
III. O Direito.

1. De acordo com as conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes as questões que a mesma coloca:

A – Violação, na fase administrativa do processo, do direito de defesa;
B – Nulidade da sentença por omissão de fundamentação de facto e de direito;
C – Da (in)existência da contra-ordenação imputada e do elemento subjectivo.

2. O recurso da decisão da 1ª instância proferida em sede de impugnação judicial da decisão administrativa que aplique coima é restrito a matéria de direito (art. 75º, nº 1, do DL 433/82.
Por outro lado, e colmatados que foram os vícios apontados no primeiro acórdão desta Relação, não se verifica agora nenhum dos vícios de julgamento da matéria de facto a que se reporta o art. 410º, nº 2, do CPP, a qual, assim, se tem como assente.

3. Quanto à 1ª questão:
Violação, na fase administrativa do processo, do direito de defesa:
Alega a Recorrente, em síntese, (a) que no termo da instrução da fase administrativa do processo e antes da decisão administrativa, o instrutor não a notificou da proposta de decisão para se pronunciar e requerer diligências de prova e (b) que foi condenada na decisão administrativa com base em factos que não constavam da nota de culpa;
Considera, assim, que tal determina a preterição do seu direito de defesa (por violação dos direitos de audição e do contraditório – arts. 18º, nºs 1 e 2 e 32º da CRP, 50º e 58º do DL 433/82, de 27.10 e 101º e 102º do CPA), o que determina nulidade absoluta e insanável e acarreta a invalidade do acto praticado, bem como dos que dele dependerem (arts. 119º, nº 1, al. c), e 122º, nº 1, do CPP) e que não comporta a distinção, de entre a materialidade sobre a qual o arguido não foi ouvido, de entre factos relevantes e não relevantes. E, daí, que não pudesse o tribunal a quo julgar sanada a nulidade por suposta irrelevância dos factos em relação aos quais se verificaria.

Vejamos.

3.1. Relativamente à 1ª sub-questão (se a proposta de decisão deveria ter sido notificada à arguida antes da decisão):
O art. 32º, nº 10, da CRP refere que nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa, direitos esses que vieram a ser consagrados pelo legislador ordinário nos termos previstos no art. 50º do DL 433/82, de 27.10 (na redacção introduzida pelo DL 244/95, de 14.09), de harmonia com o qual não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre e, no que especificamente respeita às contra-ordenações laborais, nos termos do art. 635º do CT, de acordo com o qual o auto de notícia é notificado ao arguido, para, no prazo de 15 dias, apresentar resposta escrita, juntar documentos probatórios de que disponha e arrolar testemunhas, até ao máximo de três por cada infracção ou comparecer, para ser ouvido, em dia determinado. E, de harmonia com o artº 639º, nº 5, do CPT, finda a instrução, o funcionário ou o técnico referido no nº 1 pode elaborar proposta de decisão no prazo de 15 dias, dirigida à autoridade administrativa competente para a aplicação da coima, cuja decisão, quando concordante, pode ser expressa por simples remissão para os respectivos fundamentos.
Da tramitação do processo contra-ordenacional laboral decorre, pois, que o direito de audição e defesa é assegurado com a notificação do auto de notícia ao arguido que poderá assim exercitá-lo, respondendo e arrolando prova, não se exigindo, nem aliás se prevendo, a notificação da proposta de decisão, proposta esta que tem lugar no fim da fase da instrução, ou seja, após a realização das diligências probatórias a que se haja de proceder.
E o diploma quadro do regime contra-ordenacional (DL 433/82) também não prevê, nem exige, que a proposta de decisão seja previamente notificada ao arguido. Prevê, sim, o direito de audição, o qual é assegurado com a notificação do auto de notícia e com a possibilidade do requerimento de diligências probatórias.
Nem a Constituição, nem a lei, consagram, pois, a obrigatoriedade da notificação da proposta de decisão ao arguido, nem o direito deste se pronunciar sobre ela, nem, muito menos, o direito de requer, entre essa proposta e a decisão, diligências probatórias. E os direitos de audiência e de defesa constitucionalmente consagrados no art. 32º, nº 10, da CRP estão absolutamente assegurados nos termos da previsão das disposições legais mencionadas.

No caso, o auto de notícia foi notificado à Recorrente (cfr. fls. 13), esta apresentou a sua defesa escrita (cfr. fls. 18 a 25) e tendo requerido e produzido as diligências probatórias que entendeu (cfr. fls. 24, 25, 31 e 32).
Assim, e considerando o acima referido, a proposta de decisão não foi, nem tinha que ser, notificada à arguida, não tendo, por isso, sido preterido o seu direito de audiência e defesa e não ocorrendo a invocada nulidade.

3.2. Relativamente à 2ª sub-questão (condenação na decisão administrativa com base em factos que não constavam da nota de culpa):
Confrontando-se o auto de noticia e a proposta de decisão (para a qual a decisão administrativa remete), verifica-se que são os seguintes os factos que nesta se referem e que não constavam daquela:
«= Que na data do acidente alguém tentou accionar a barra que deveria estar colocada ao nível do solo mas que a mesma não funcionou,
= Que a máquina não estava munida com o dispositivo de segurança de uma alavanca de vidro, em «L» a qual deveria accionar um dispositivo imediato de paragem uma vez levantada,
= que um trabalhador correu para o fim da linha para tentar para-la no botão de emergência o qual no acto inspectivo apareceu partido.
= Que a linha só parou quando se desligou o quadro geral da luz,
=que era frequente os fios ficarem presos naquele lugar da máquina e que este era o procedimento habitual para os cortar,
=Em consequência do referido acidente, foi linha suspensa, conforme notificação imediata dos trabalhos.».
Verifica-se, assim, que a proposta de decisão tomou em consideração factos que não constavam do auto de notícia e sobre os quais não foi, na verdade, conferido à arguida o direito de defesa.
Sobre esta questão, a sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
A) – Violação dos princípios do contraditório e da audiência
Considera a recorrente/arguida que a decisão da autoridade administrativa que impugna deu como provados factos que não constam do auto de notícia, não lhe tendo dado a possibilidade de sobre eles se pronunciar, pelo que foram violados os princípios do contraditório (artigo 18.º/1 e 2 da CRP) e da audiência (artigo 50.º do RGCO), integrados no direito de defesa ampla, conforme consagrada no artigo 32.º da CRP.
Mais entende que a apontada omissão afecta a decisão recorrida de vício de nulidade insuprível, nos termos do disposto no artigo 119.º/1, al. c) do Cód. Proc. Penal ex vi artigo 41.º do RGCO.
Vejamos.
Dispõe o artigo 50.º do RGCO: «não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre».
Os direitos de audiência e de defesa do arguido em processo de contra-ordenação estão expressamente assegurados pelo n.º10 do artigo 32.º da CRP.
Como referem Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa[1], «o arguido tem direito de pronunciar-se não só sobre os factos que lhe são imputados, mas também sobre o seu enquadramento jurídico e sobre a sanção ou sanções que lhe podem ser aplicadas (…) a possibilidade de exercício deste direito supõe que seja feita a comunicação ao arguido, antes da decisão administrativa das sanções, sobre quais os factos que lhe são imputados, o enquadramento jurídico dos mesmos e a sanção ou sanções que a autoridade administrativa competente para aplicar a coima entende serem aplicáveis».
Ou seja, para que o princípio do contraditório consagrado no artigo 18.º/1 e 2 da CRP seja respeitado, em sede de processo contra-ordenacional, é necessário que ao arguido sejam dados a conhecer os factos que lhe são imputados, por forma a que este, no exercício do seu direito de defesa e antes de ser proferida a decisão da autoridade administrativa, possa pô-los em causa, produzindo a prova que achar oportuna.
Ora, no caso dos autos, constata-se que assiste razão à recorrente/arguida quando esta afirma que a autoridade administrativa deu como provados, na sua decisão, factos que não constavam do auto de notícia e sobre os quais não lhe foi dada a possibilidade de defesa, face à notificação que lhe foi feita para efeitos do disposto no artigo 635.º do Código do Trabalho.
Resta agora aferir qual a consequência dessa omissão.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, o Assento n.º 1/2003[2] veio dar resposta a tal questão ao fixar jurisprudência nos seguintes termos: «quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa».
Ou seja – e passamos a transcrever o ponto IV das conclusões vertidas em tal Acórdão – «se a notificação, tendo lugar, não fornecer (todos) os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade sanável (artigos 283.º/3 do Cód. Proc. Penal e artigo 41.º do RGCO), arguível pelo interessado/notificado (artigos 120.º/1 do Cód. Proc. Penal e 41.º/1 do RGCO), no prazo de 10 dias após a notificação (artigos 105.º/1 do Cód. Proc. Penal e 41.º/1 do RGCO), perante a própria administração ou, judicialmente, no acto de impugnação (artigos 212.º/3, al. c) e 41.º/1 do RGCO). Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa (artigos 121.º/2, al. d) e 3, al. c) e 122.º/1 do Cód. Proc. Penal e 41.º/1 do RGCO). Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada (artigos 121.º/1, al. c) do Cód. Proc. Penal e 41.º/1 do RGCO).
Ora, in casu, a recorrente/arguida veio arguir a referida nulidade em sede de impugnação judicial da decisão administrativa.
Poderíamos, pois, dizer, com o citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, que apontada nulidade se encontra sanada.
Sucede, contudo, que a recorrente/arguida, na impugnação judicial por si apresentada, “não abarcou os aspectos de facto omissos na notificação, mas presentes na decisão”.
Será, então, que deveremos concluir pela nulidade daquela notificação e da subsequente decisão administrativa, devendo-se remeter os autos novamente à autoridade administrativa para que refaça processo, em obediência ao disposto na lei?
Parece-me que não.
De facto, a matéria em causa, pese embora tenha sido considerada na decisão administrativa, não é relevante para o apuramento da responsabilidade contra-ordenacional da recorrente/arguida. Assim, para nós, e sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, bastará expurgar dessa mesma decisão os factos em causa para que a nulidade se considere suprida, assim se evitando a inutilização de todo o processado posterior à notificação do auto de notícia.
Ou seja, porque, em nosso entender, os factos que constam da decisão administrativa e não estão incluídos no auto de notícia não são relevantes para a apreciação do mérito do presente recurso de contra-ordenação, considera-se sanada a invocada nulidade.

Estamos de acordo com tais considerações.
Com efeito, da doutrina constante do Assento n.º 1/2003 decorre que a consideração, na decisão administrativa, dos factos supra referidos sem que sobre eles a arguida haja tido oportunidade de se defender (pois que não constavam do auto de notícia) posterga o direito de audiência e defesa, constituindo nulidade. Mas desse Assento decorre, também e ao contrário do que defende a Recorrente, que tal consubstancia nulidade sanável (nos termos dos artºs 283º, nº 3 e 120º, nº 1, ambos do CPP) e não nulidade insanável (art. 119º do CPP).
E pese embora a arguida, na impugnação judicial dessa decisão, não haja abarcado os aspectos de facto omissos na notificação, mas presentes na decisão (donde decorreria que a nulidade não teria sido sanada), afigura-se-nos, ainda assim, ser de manter a decisão ora recorrida.
Vejamos porquê.
Independentemente da relevância, ou não, dos factos em questão para a decisão da causa, o certo é que a Mmª Juíza os não considerou na decisão recorrida. E, ao a eles não atender, tal significa que não foi postergado o direito de defesa da arguida a cuja tutela se destinava a invocada nulidade, podendo, quando muito, dizer-se que, sem eles, a decisão recorrida não disporia da factualidade necessária ou suficiente que suportasse a decisão (mormente condenatória). Essa é, no entanto, questão que se prende com o julgamento da causa, com o seu mérito, mas não já com a preterição do direito de defesa e consequente nulidade.
Por outro lado, dispõe o art. 122º do CPP que:
1. As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
2. A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena sempre que necessário e possível, a sua repetição, (…).
3. Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.
Ora, afigura-se- nos que o tribunal a quo mais não fez do que, nos termos do citado preceito, recorrer ao principio do aproveitamento dos actos processuais. Considerou inválido o acto (decisão administrativa) na parte em que se encontrava afectada pelo vício, deste o expurgando, mas, em relação aos demais actos que poderiam ser salvos do efeito da nulidade (decisão administrativa, na parte restante), aproveitando-os. E é neste âmbito que se insere o juízo feito pela 1ª instância quanto à irrelevância dos factos em relação aos quais se verificava o vício, ao qual, salvo melhor opinião, nada obstava. Aliás, o tribunal a quo, de entre esses factos, não fez qualquer distinção entre factos que seriam relevantes ou não relevantes. Considerou, sim, que o vício não inquinava a totalidade do acto (decisão administrativa), pelo que, na parte não inquinada, aproveitou-o, em consonância com o que se dispõe no nº 3 do art. 122º.

4. Quanto à 2ª questão:
Nulidade da sentença por omissão de fundamentação de facto e de direito
Alega a Recorrente que a sentença recorrida não enunciou os pressupostos de facto e de direito determinantes do juízo sobre a irrelevância da matéria de facto referida no ponto precedente (i.é, da matéria sobre a qual foi preterido, na decisão administrativa, o direito de defesa) para a determinação da responsabilidade contra-ordenacional e consequente apreciação do mérito do recurso de impugnação. Considera, assim, que foi violado o dever de fundamentação das decisões judiciais (art. 374º, nº 2, do CPP) o que geraria a nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. a), do CPP.
Antes de mais, importa referir que a factualidade em questão não se prendia com matéria que fosse alegada pela arguida e que interessasse à sua defesa, mas sim que, a porventura interessar, interessaria à acusação na medida em que visa, no mínimo, reforçar a verificação da imputada violação de regras de segurança e a prática da contra-ordenação. E, por outro lado, a decisão recorrida, nessa parte, não é proferida contra a arguida, mas sim a seu favor, não lhe sendo, pois, desfavorável, mas sim favorável. Assim, e desde logo, nem se nos afigura que, nos termos do artº 401º do CPP (cfr. nºs 1, al. b) e 2) a arguida tenha legitimidade e interesse em agir para, nessa parte, recorrer, sendo certo que, do ponto de vista substantivo, a consideração e atendibilidade dos factos em questão não lhe traria qualquer benefício.
De todo o modo, dir-se-á o seguinte:
Nos termos do disposto no art. 374º, nº 2, do CPP, ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível, completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, estipulando o art. 379º, nº 1, al. a), que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no artigo 374º, nºs 2 e 3, alínea b).
No caso, o tribunal a quo enumerou os factos provados e não provados, procedeu ao exame crítico das provas que teve em consideração para tal decisão de facto, e fez o enquadramento jurídico da questão, justificando a decisão de condenação de forma cabal, o que, aliás, a Recorrente não põe em questão, pelo que deu cumprimento ao citado preceito. E não tendo a sentença considerado, sequer, os factos sobre os quais foi preterido o direito de defesa, os quais foram excluídos do julgamento, não tinha, naturalmente, que, quanto a eles, proceder a qualquer fundamentação.
Esta prende-se com uma alegada falta de fundamentação do entendimento sufragado, em sede de questão prévia, de que tais factos seriam irrelevantes.
As decisões judicias devem, na verdade, ser fundamentadas.
Porém, e como se tem entendido, apenas a falta de fundamentação da decisão, e não já a sua deficiência ou insuficiência, seria susceptível de a inquinar.
No caso, a decisão foi a de expurgar a decisão administrativa dos factos viciados, constituindo a alegada irrelevância dos mesmos a sua fundamentação, pelo que consideramos que nem a decisão padeceria do apontado vício de falta de fundamentação.
Mas, e ainda que assim não fosse, afigura-se-nos que não estaria em causa o disposto no artº 374º, nº 2, e, por consequência, a nulidade cominada no art. 379º, n 1, al. a), mas sim a aplicação do artº 380º, nº 1, al. a), do mesmo, o que não determinaria a nulidade da sentença, mas sim a sua correcção que, se o processo já tiver subido em recurso da sentença, poderá ser feita pelo tribunal competente para conhecer do recurso.
Ora, a fundamentação dessa irrelevância, considerada pelo tribunal a quo, decorre e está implícita, como bem refere a Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta no seu primeiro parecer (relativo ao 1º recurso e em que a Recorrente já suscitava a questão), nos factos que na sentença a quo foram considerados provados e na decisão de julgar improcedente a impugnação judicial com base nos mesmos factos. E, mais acrescenta, que questão diversa desta, porém, é saber se, efectivamente, os factos que na douta sentença a quo foram considerados provados são suficientes para integrar todos os elementos típicos do ilícito contra-ordenacional pelo qual a arguida foi condenada. Só que, neste plano de análise, já não estamos a tratar de qualquer nulidade da sentença, mas de um vício de julgamento da matéria de facto, previsto no art. 410º, nº 2, al. a), do CPP, (…).

5. Quanto à 3ª questão:
Da (in)existência da contra-ordenação imputada e do elemento subjectivo.

5.1. Da inexistência da contra-ordenação imputada:

Entende a Recorrente, em síntese, que: os factos dados como provados na sentença não constituem a prática do ilícito contra-ordenacional que lhe foi imputado na decisão administrativa; que cumpriu todas as normas de prevenção e segurança, tendo identificado os riscos previsíveis na linha de extrusão, bem como dado formação e informação técnica específica, instituído procedimentos para a prevenção desses riscos e restringido o acesso e manuseamento do equipamento utilizado nessa linha a (apenas) trabalhadores com aptidão e formação adequada; do art. 18º, nº 1, do DL 82/99, os protectores nela previstos são apenas os que sejam aptos a impedir o contacto com as partes mecânicas do equipamento; no caso, o trabalho em questão (corte e remoção de fios partidos) implica necessariamente que os rolos estejam acessíveis ao trabalhador que a executa, sendo objectivamente impossível a colocação de protecções que impeçam o acesso aos mesmos, como não é possível interromper-se o seu funcionamento; assim, ainda que a protecção existisse, ela teria que ser retirada para a execução de tal tarefa; também a subida do posicionamento dos rolos seria indiferente para a produção do sinistro, pois, nesse caso, para aceder aos fios ensarilhados, o sinistrado, em vez do banco, teria de recorrer a outro equipamento que lhe permitisse subir mais alto; a medida em questão, no concreto circunstancialismo, seria assim inidónea para evitar a produção do acidente; este ficou a dever-se a conduta inadvertida do sinistrado que, também, ignorou as instruções, procedimentos e regras ministradas pela arguida (que subiu para um banco desprovido de fixação); o art. 18º, nº 1, foi respeitado pois ficou provada a existência de dispositivos de segurança para paragem dos rolos, que é um meio preventivo alternativo dos protectores; e, por outro lado, por força do princípio da legalidade, não pode a arguida ser condenada com fundamento na violação de outras normas jurídicas.

A sentença recorrida entendeu, em síntese, que. A alavanca de pé e cogumelo de segurança não tinham a virtualidade de determinar a paragem imediata da máquina, não evitando a acidente; e se, à data do acidente, não era possível, como não era, a colocação de uma estrutura de protecção superior que impedisse o contacto com os rolos, tal acontecia porque os rolos estavam demasiado baixos, não podendo os trabalhadores operar por baixo dos mesmos, tendo que o fazer por cima, sendo que à arguida tinha bastado subir esse posicionamento, assim permitindo aos trabalhadores que a operação de enfiamento fosse feita de pé, de frente para os rolos, e que a operação de corte e remoção o fosse pela parte de baixo da máquina. E, por outro lado, esse posicionamento dos rolos já não impedia a existência da estrutura de protecção superior.
E, desde já, se dirá que concordamos com a sentença recorrida.
Mas vejamos porquê.

5.1.1.A arguida foi acusada no auto de noticia, bem como na subsequente decisão administrativa, de ter exposto os trabalhadores que operavam na linha de extrusão de monofilamentos de poloetileno a riscos decorrentes da existência de zonas perigosas no equipamento sem que tivessem sido adoptados dispositivos de protecção que impedissem o seu acesso por forma a garantir a segurança e saúde dos trabalhadores durante a sua utilização. E, aí, foi-lhe imputada a violação do disposto nos arts. 4º e 5º, nº 1, conjugado com os arts. 12º e 18 do DL 82/99, de 16.03 e 8º, nºs 1, 2 e 3, do DL 441/91, de 14.11, e de, por consequência, haver cometido a contra-odenação grave prevista no art. 39º do DL 82/99, de 16.03, na redacção dada pela Lei 113/99, de 03.08.
O DL 82/99[3], dispõe sobre prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, estipulando que:
Artigo 4º
Obrigações gerais do empregador
A fim de assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a) Assegurar que os equipamentos de trabalho sejam adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantam a segurança e saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
b) (…)
c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, (…);
d) Se os procedimentos referidos nas alíneas anteriores não permitirem assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos ainda existentes;
e) (…).
Artigo 5º
Requisitos mínimos de segurança e regras de utilização de equipamentos de trabalho
1. Os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança constantes do capítulo II, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2. Os equipamentos de trabalho móveis e os equipamentos destinados à elevação de cargas que sejam colocados à disposição dos trabalhadores antes de 8 de Dezembro de 1998 devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança constantes do capítulo II até 8 de Dezembro de 2002.
3. (…)
4. (…).
Artigo 12º
Âmbito
1. Os requisitos mínimos previstos no presente capítulo são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado.
2. (…)
(…)
Artigo 18º
Riscos de contacto mecânico
1. Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
2. (…)
Artigo 39º[4]
Contra-ordenações
Constitui contra-ordenação grave a violação dos artigos 5º a 11º.

Importa referir que as normas constantes dos arts. 12º e 18º se inserem no Capítulo II.
Por sua vez, os nºs 1 e 2 do art. 8º do DL 441/91, de 14.11[5], consagram a obrigação do empregador assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho (nº 1), devendo ser tidos em conta os princípios de prevenção definidos nas diversas alíneas do nº 2, de entre as quais, na al. a), em que se prescreve o seguinte: Proceder, na concepção das instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção. O nº 3 determina que na aplicação das medidas de prevenção o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação e da informação, (…), bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar, tendo em conta, em qualquer caso, a evolução técnica.

No caso, da matéria de facto provada decorre, indiscutivelmente, que o equipamento mecânico em questão e a forma como com ele se procedia ao corte e remoção dos fios partidos possibilitava ou potenciava o risco de contacto com esse equipamento, tanto mais sendo certo que as tarefas a executar tinham que ser levadas a cabo com os rolos em movimento e considerando o posicionamento que os trabalhadores deveriam adoptar para a levar a cabo (de pé, junto aos rolos e sem sobre eles se debruçar), posicionamento esse que, como é bom de ver, tanto mais dificultará a operação de corte e remoção dos fios quanto ela tenha que ser levada a cabo nos rolos mais afastados. E o posicionamento desses rolos, que se encontravam à data dos factos a uma altura inferior a um metro do solo, impossibilitava que as tarefas em questão (corte e remoção dos fios) fosse feita pela parte de baixo da máquina, bem como a colocação de protecção superior aos mesmos. Mas, como bem salienta a sentença recorrida, já assim não seria se, a essa data, os rolos se encontrassem a uma altura superior, tal como, aliás, veio a acontecer posteriormente. Com efeito, se assim fosse, a tarefa de corte e remoção seria feita por baixo o que não só evitava os riscos de contacto que existiam se feita por cima, como permitia que o equipamento dispusesse de protecção superior. E, se colocados os rolos a altura superior, a protecção dos mesmos que posteriormente veio a ser adoptada também não impedia a execução manual das tarefas de condução dos filamentos saídos da cabeça de extrusão e sua introdução nos rolos e bobinadeiras (cfr. nºs 5 a 7 dos factos que, constantes da impugnação judicial, resultaram provados), pois que poderia a estrutura de protecção ser erguida quando os trabalhadores necessitassem de aceder aos rolos (cfr. nº 16 dos factos provados na 2ª audiência de julgamento).
O equipamento mecânico em questão era composto por elementos móveis susceptíveis de causarem acidente por contacto mecânico, pelo que, nos termos do art 18º do DL 82/99, deveriam dispor de protectores que impedissem o acesso a essas zonas. E a isso não obsta o facto de esses protectores terem que ser retirados/içados aquando das operações manuais que, necessariamente, têm que ser levadas a cabo sem eles.
É que, e desde logo, as medidas de segurança não se destinam, apenas, a evitar o risco de acidente por parte dos trabalhadores que operem e quando operem com as máquinas, mas também a evitá-lo em relação a todos os trabalhadores, com excepção, no caso concreto, daqueles que tenham que aceder manualmente ao equipamento e quando o tenham que fazer.
Por outro lado é irrelevante que a protecção fosse inapta para produzir o acidente que, em concreto, se relata nos autos.
A violação das regras de segurança e o cometimento da correspondente contra-ordenação não existe, apenas, quando ocorre um acidente; ela coloca-se a montante do acidente, pelo que, ainda que este não tivesse existido, ter-se-ia verificado a infracção.
Mas nem se poderá dizer que a protecção seria inapta para a ocorrência do acidente.
É que se os rolos tivessem colocados em posição superior e a protecção colocada, o trabalhador acidentado poderia proceder à tarefa em questão por baixo dos mesmos, não tendo que o fazer por cima (seja ou não em cima de um banco, sendo que, ainda que o fosse com os pés assentes no solo, o risco de contacto com o equipamento é expectável ou previsível), pelo que é destituído de fundamento válido a conclusão da Recorrente de que o trabalhador, ainda assim, teria recorrido a equipamento que lhe permitisse subir mais alto.
Também é irrelevante o argumento da arguida de que, tendo o sinistrado subido para o banco, ignorou as instruções, procedimentos e regras por ela ministradas. Como já referido, antes da inobservância dessa instrução pelo sinistrado, a arguida ignorou ou mal avaliou os riscos que o equipamento apresentava, mormente na execução das tarefas de corte e remoção os fios e inobservou as regras que lhe impunham a obrigação de minimizar os riscos de acidente (art. 4º, al. d), do DL 82/99), designadamente a obrigação de adequar e adaptar o equipamento (cfr. al. a) do mesmo), tomar em consideração os postos de trabalho e posição dos trabalhadores durante a utilização do equipamento (al. c)), bem como a obrigação de proceder, na concepção da instalações, locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis (e, na operação de corte e remoção dos fios, era previsível o risco de contacto com os rolos), combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos (art. 8º, nº 1, al. a) do DL 441/91). As ordens, instrução e formação dada pela arguida de que as operações apenas se deveriam executar com os pés assentes no solo e sem se debruçar sobre eles eram, no mínimo, insuficientes a evitar o risco, nem dispensavam a obrigação de colocação de uma protecção. Aliás, e diga-se, temos alguma dificuldade em perceber, como é que (necessariamente afastado a uma distância mínima do rolo por forma a evitar nele tocar), se poderia proceder ao corte e remoção dos fios sem que «em circunstância alguma, se debruce sobre eles», como foi transmitido pela arguida aos trabalhadores.
Alega ainda a arguida que o art. 18º, nº 1, foi respeitado pois ficou provada a existência de dispositivos de segurança para paragem dos rolos, que é um meio preventivo alternativo dos protectores.
Está provado que o equipamento não dispunha de um fio de vida, mas dispunha de uma alavanca junto ao chão e de um cogumelo de segurança. Está também provado que, uma vez accionados, quer a alavanca, quer o fio de vida, quer o cogumelo de segurança, não implicam a imediata paragem dos rolos, porquanto a inércia os mantém em movimento durante mais alguns segundos. Ora, tanto basta para se concluir que nem a alavanca, nem o cogumelo de segurança, eram suficientes para evitar o risco e dispensar a alteração do posicionamento dos rolos e a colocação da protecção, tal como posteriormente se veio a verificar. Aliás, estando a alavanca colocada no chão, nem se vê que, apanhado o trabalhador nos rolos, consiga accioná-la. E se é salutar a regra instituída pela arguida, de que o trabalho deve ser executado na presença de um outro trabalhador (que a poderia accionar), tal não é, ou pode não ser, suficiente, sendo certo que sempre poderá e deverá contar-se com a possibilidade de alguma situação imprevista, designadamente decorrente de alguma imprevidência e distracção, até porque, e como se disse, os acidentes podem ocorrer não apenas no momento e pelo trabalhador que esteja a operar com o equipamento. Por outro lado, o equipamento não dispunha de linha de vida que fizesse parar imediata e totalmente os rolos. Esses meios não dispensavam, pois, a arguida de subir os rolos e de colocar uma protecção que resguardasse o contacto com equipamento nos momentos em que não fosse estritamente indispensável manuseá-lo manualmente.

Entendemos, pois, que a arguida violou a obrigação legal, prevista nos arts. 5º nº 1, conjugado com os artºs 12º e 18º do DL 82/99, de dotar o equipamento de protecção adequada, protecção essa que era viável (para tanto bastando que tivesse subido a altura dos rolos), assim cometendo a contra-ordenação pela qual foi condenada e não se verificando a violação do invocado princípio da legalidade e tipicidade. A contra-ordenação está tipificada e o comportamento da arguida subsume-se a essa tipificação.

5.2. Do elemento subjectivo da infracção:

E, ao contrário do que entende a arguida, a matéria de facto permite concluir pela verificação do elemento subjectivo da infracção.
A arguida agiu com negligência, e esse título foi condenada, a qual se infere e decorre da materialidade fáctica em que se consubstancia a infracção.
Nos termos do artº 8º, nº1, do DL 433/82, de 27.10[6], só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência, sendo que , nas contra-ordenações laborais, a negligência é sempre punível – artº 616º do CT.
De harmonia com o artº 15º do Cód. Penal, aplicável ex vi do artº 32º do DL 433/82, Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preencha um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.
A negligência supõe, assim, o poder/dever de o responsável, embora não pretendendo cometer a infracção, ter no entanto o poder ou a possibilidade de actuar de modo diferente por forma a impedir que ela se verificasse. Aliás, nem necessário é que aquele tenha conhecimento de que a infracção esteja ou possa ser cometida (em tal caso poder-se-ia até cair no dolo, quiçá na sua forma eventual), bastando que omita ou se demita do exercício dos seus deveres/prerrogativas, designadamente, de assegurar que o trabalho seja executado com observância das necessárias condições de segurança e observância do normativo legal que a isso se destina, cabendo-lhe implementar e adoptar as medidas adequadas ao cumprimento da lei, medidas essas que, no caso, passavam pelas que já acima foram referidas.
Ora, no caso, a arguida não avaliou correcta ou cabalmente a perigosidade do equipamento e das (pelo menos algumas) tarefas que com ele eram levadas a cabo, e os riscos que poderiam advir para os trabalhadores, sendo que poderia e deveria tê-lo feito, adoptando as outras medidas cuja violação lhe foi imputada na decisão recorrida e que, posteriormente vieram a ser executadas – elevação dos rolos e colocação da protecção na parte superior dos mesmos - e não como o fez, fazendo apenas recair sobre os trabalhadores a obrigação de não entrarem em contacto com o equipamento.

A arguida agiu, pois, com negligência.

Pelo que ficou referido, impõe-se concluir pela improcedência da totalidade das conclusões do recurso, afigurando-se-nos, ainda, que o montante concreto da coima aplicada é correcto, proporcional e adequado à ilicitude do comportamento (atento o elevado risco que o equipamento comportava) e à culpabilidade da arguida (que, ainda na forma de negligência, se nos afigura de intensidade moderada).
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IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se, em conferência, em rejeitar o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça devida.

Porto, 03.03.08
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa

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[1] In Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, artigo 50.º.
[2] DR, I Série, 25-01-2003, pag. 554.
[3] O DL 82/99 foi entretanto alterado pelo DL 50/05, de 25.02, cuja regulamentação é, no entanto e no que ao caso se reporta, idêntica – cfr. arts. 3º, 4º, 16º e 43º.
[4] Na redacção introduzida pelo art. 7º da L. 113/99, de 03.08 e DL 136/2002, de 16.05.
[5] De forma idêntica dispõe o art. 273º do Cód. Trabalho.
[6] O qual foi alterado pelos seguintes diplomas: DL 356/89, de 17.10, DL 244/95, de 14.09 e Lei 109/2001, de 24.12.