Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
229/11.6TTBGC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES LABORAIS E DE SEGURANÇA SOCIAL
CONTAGEM DOS PRAZOS
Nº do Documento: RP20120116229/11.6TTBGC.P1
Data do Acordão: 01/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Mantendo embora em 20 dias o prazo de interposição do recurso [cfr. Art.ºs 59.º, n.º 3 do RGCO e 33.º, n.º 2 do RJPCOLSS], o RJPCOLSS inovou quando mandou aplicar à contagem dos prazos para a prática de atos processuais as regras previstas no processo penal, embora estabeleça que não há suspensão da contagem dos prazos durante as férias judiciais, como dispõe o seu Art.º 6.º.
II - Assim, atualmente, são aplicáveis em matéria de contagem de prazos dos atos a praticar em processo contraordenacional as normas que diretamente regulam a matéria em sede de processo penal, bem como as regras de processo civil para que aquelas remetam.
III - A disciplina constante dos n.ºs 1 e 3 do Art.º 8.º do RJPCOLSS aplica-se apenas:
a) Às notificações a efetuar ao arguido,
b) Dos atos aí previstos e
c) Nos processos em que o arguido seja uma pessoa singular.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 819
Proc. N.º 229/11.6TTBGC.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…, Ld.ª., não se conformando com a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho [de ora em diante, designada apenas por ACT], que lhe aplicou a coima de € 3.315,00, pois a considerou autora material de uma contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas do Art.º 73.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro e do Art.º 554.º, n.º 4, alínea b) do CT2009[1], dela interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho.
Este entendeu que tal recurso era extemporâneo, tendo proferido adrede o seguinte despacho:
“A arguida B..., Lda. veio impugnar judicialmente a decisão da ACT - Centro Local do Nordeste Transmontano que lhe aplicou uma coima pela prática de uma contraordenação laboral.
Tal impugnação, porém, é extemporânea.
Com efeito, nos termos conjugados dos artigos 6° e 33° nº 2 da Lei 107/2009 de 14/09 (Regime Jurídico do Procedimento Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social - RGPCOLSS), do artigo 104° nº 1 do CPP e 144° nº 1 do Cód. de Proc. Civil, o prazo de interposição do recurso de impugnação é de 20 dias após a notificação da decisão de aplicação da coima, é contínuo e a sua contagem não se suspende durante as férias judiciais. Neste ponto, o RGPCOLSS diverge do regime fixado no art. 60° nº 1 do regime geral das contraordenações estabelecido no D.L. 433/82 de 27/10, que expressamente prevê a suspensão do prazo de impugnação aos sábados, domingos e feriados.
No caso presente a arguida e o seu ilustre mandatário foram notificados da decisão que aplicou a coima por meio de carta registada com aviso de receção expedida em 14/03/2011, recebida por este em 15/03/2011 (cf. fls. 48 e 54). Não se encontra junto aos autos o aviso de receção relativo à notificação da própria arguida. Contudo, esta recebeu a notificação, como resulta do requerimento de fls. 62 (para pagamento da coima em prestações), no qual faz referência expressa àquela notificação.
Presume-se, pois, nos termos do art. 113° n° 2 do CPP, ex vi art. 60° do RJPCOLSS e art. 41° n° 1 do RGCO, que a notificação ocorreu no terceiro dia útil posterior ao do registo, ou seja, em 17/03/2011.
Assim, nos termos do disposto no art. 47° n° 4 do RGCO, o prazo de impugnação terminou em 6/04/2011.
Ora, o requerimento de interposição do recurso e respetivas alegações foram remetidos à autoridade administrativa por telecópia expedida em 7/04/2011 (cf fls. 56), ou seja, um dia após o termo do prazo legal.
Daí que seja manifestamente extemporâneo o recurso de impugnação da arguida, o que, em conformidade com o disposto no art. 38° do RJPCOLSS, conduz à sua rejeição.
Pelo exposto, rejeito liminarmente o recurso de impugnação constante de fls. 56 e segs.”.
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a arguida para esta Relação[2], pedindo a respetiva revogação e a substituição por despacho que admita o recurso, tendo formulando a final as seguintes conclusões:

1ª) - A Lei nº 107/2009, de 14/09, criou várias normas que divergem do regime geral das contraordenações, entre as quais, o seu art° 8°, que prescreve para as noti­ficações em processo de contraordenação laboral e de segurança social, a utilização da carta registada com aviso de receção (nº 1) e que estipula que as notificações se consideram efetuadas "na data em que seja assinado o aviso de receção ou no 3º dia útil após essa data, quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notifi­cando".
2ª) - Não é por isso, necessário recorrer a qualquer disposição da legislação subsidiária (designadamente o art° 113°, nº 2 do C.P.P.), para se determinar a data em que se deve considerar (ou presumir como) efetuada a notificação realizada no pro­cesso de contraordenação laboral e de segurança social, uma vez que existe norma específica no regime jurídico do procedimento aplicável a estas contraordenações que diretamente regula e rege a questão.
3ª) - No caso dos autos, as notificações da decisão administrativa foram reme­tidas à sociedade arguida e ao seu mandatário em 14/03/2011, por carta registada com aviso de receção.
4ª) - Não se encontra contudo, junto aos autos o aviso de receção referente à notificação expedida à própria arguida, o qual é absolutamente necessário para determinar em que data esta se pode considerar notificada. Na falta de tal aviso, deveria o Tribunal solicitar à entidade administrativa recorrida a sua junção e caso eventualmente o mesmo se tenha extraviado, não pode considerar-se a arguida notifi­cada em data anterior à da apresentação nos autos, do requerimento de fls. 62, ou seja, 14/04/2011.
5ª) - O aviso de receção da notificação remetida ao mandatário da arguida foi assinado de facto em 15/03/2011, mas não pelo destinatário; antes sim, foi assinado "por pessoa diversa do notificando".
6ª) - Tal notificação considera-se portanto, efetuada no 3° dia útil após a data da assinatura do aviso de receção, ou seja, no dia 18/03/2011, pelo que o prazo de 20 dias para apresentação do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa só terminava, pelo menos, no dia 7/04/2011, data em que o ato foi validamente praticado através de telecópia.
7ª) - O presente recurso de impugnação judicial da decisão administrativa é por isso, e em qualquer caso, tempestivo.
8ª) - Foram violados os artigos 8°, nº 3 e 60°, da Lei nº 107/2009.

A Sr.ª Procuradora da República, no Tribunal a quo, apresentou a sua alegação de resposta ao recurso interposto pela arguida, que concluiu pela sua rejeição.
O Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, teve vista nos autos.
Admitido o recurso, o Tribunal a quo sustentou a decisão recorrida.
Correram os vistos legais.

Cumpre decidir.

Estão provados os factos constantes do relatório que antecede e ainda os seguintes:
a) – A arguida e o seu defensor foram notificados da decisão que aplicou a coima por carta registada com aviso de receção, sob a referência 061000107 e datada de 2011-03-14 – cfr. cota de fls. 48 e cartas de fls. 50 e 53.
b) – A carta dirigida ao defensor foi recebida em 2011-03-15, encontrando-se o respetivo aviso de receção assinado por pessoa diferente do advogado – cfr. fls. 54.
c) – O recurso da decisão da ACT foi interposto, por telecópia, em 2011-04-07 – cfr- fls. 56.
d) – A arguida requereu à ACT o pagamento da coima em prestações, pedido que deu entrada em 2011-04-13 naquela Autoridade, mediante requerimento que se reportava à “V/Referência nº 061000107 de 14/03/2011”. – cfr. fls. 62.

O Direito.
Estando o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se o recurso interposto para o Tribunal do Trabalho, da decisão proferida pela ACT, é tempestivo.
Vejamos.
A arguida e o seu defensor foram notificados da decisão da ACT que aplicou àquela uma coima, por carta registada com aviso de receção, sob a referência 061000107 e datada de 2011-03-14 – cfr. cota de fls. 48 e cartas de fls. 50 e 53 – sendo certo que a carta dirigida ao defensor foi recebida em 2011-03-15, encontrando-se o respetivo aviso de receção assinado, embora por pessoa diferente do advogado – cfr. fls. 54. Por outro lado, a arguida requereu à ACT o pagamento da coima em prestações, pedido que deu entrada em 2011-04-13, naquela Autoridade, mediante requerimento que se reportava à “V/Referência nº 061000107 de 14/03/2011”. – cfr. fls. 62.
Entende a arguida que, não se encontrando junto aos autos o aviso de receção da carta da sua notificação, apenas pode ser considerada notificada a decisão na data em que apresentou o pedido de pagamento da coima em prestações, ou seja, em 2011-04-13; por outro lado, assim não se entendendo, deve considerar-se que a arguida foi notificada no terceiro dia útil posterior à data em que se mostra assinado o aviso de receção da carta dirigida ao seu defensor, ou seja, 2011-03-18 [2011-03-15 + 3 dias úteis]. Assim, quer numa hipótese, quer noutra, a interposição do recurso, feita em 2011-04-07, mostra-se tempestiva, a seu ver.
Já o Tribunal a quo, no que foi acompanhado pela Exm.ª Sr.ª Procuradora da República, entendeu que as notificações foram efetuadas em 2011-03-14, que se presumem feitas no terceiro dia útil seguinte, pelo que o prazo de 20 dias para impugnar a decisão da ACT terminou em 2011-04-06, a determinar a extemporaneidade do ato praticado no dia 7, seguinte.
À data da instauração dos autos vigorava a Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que dispõe:
Artigo 6.º
Contagem dos prazos
1 – À contagem dos prazos para a prática de atos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal.
2 – A contagem referida no número anterior não se suspende durante as férias judiciais.
Artigo 8.º
Notificação por carta registada
1 – As notificações em processo de contraordenação são efetuadas por carta registada, com aviso de receção, sempre que se notifique o arguido do auto de notícia, da participação e da decisão da autoridade administrativa que lhe aplique coima, sanção acessória ou admoestação.
(…)
3 – A notificação por carta registada considera-se efetuada na data em que seja assinado o aviso de receção ou no 3.º dia útil após essa data, quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando.
Mantendo embora em 20 dias o prazo de interposição do recurso [cfr. Art.ºs 59.º, n.º 3 do RGCO e 33.º, n.º 2 do RJPCOLSS], parece que o RJPCOLSS inovou quando mandou aplicar à contagem dos prazos para a prática de atos processuais as regras previstas no processo penal, embora estabeleça que não há suspensão da contagem dos prazos durante as férias judiciais, como dispõe o seu Art.º 6.º, acima transcrito. Assim, são aplicáveis em matéria de contagem de prazos dos atos a praticar em processo contraordenacional as normas que diretamente regulam a matéria em sede de processo penal, bem como as regras de processo civil para que aquelas remetam.
Por outro lado, a disciplina constante dos dois números transcritos do Art.º 8.º do RJPCOLSS parece aplicar-se apenas às notificações a efetuar ao arguido e apenas dos atos aí previstos, por um lado e por outro, apenas nos processos em que o arguido seja uma pessoa singular. Na verdade, a regra geral sobre as notificações encontra-se no antecedente Art.º 7.º e, noutra vertente, o segmento constante do n.º 3 do Art.º 8.º “quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando” revela que o legislador se quis referir apenas a pessoas singulares, uma vez que as pessoas coletivas só podem agir através de pessoas físicas.
In casu, sendo a disciplina do referido Art.º 8.º do RJPCOLSS aplicável apenas a arguidos que sejam pessoas singulares, não poderá a ora recorrente servir-se da norma do n.º 3, pois o notificado foi o seu defensor e não a própria arguida e, mesmo que fosse esta, o resultado não seria diferente, uma vez que ela é uma pessoa coletiva, sociedade.
Por outro lado, não se mostrando junto o aviso de receção da carta dirigida à arguida, certo é que ela foi notificada em 2011-03-14, como ela própria confessa no requerimento em que solicitou o pagamento da coima em prestações e encontra-se em consonância com os demais elementos constantes dos autos, como sejam, a cota de fls. 48 e as cartas de fls. 50 e 53.
Ora, feita a notificação em tal data, presume-se efetuada no 3.º dia útil posterior ao do envio, como estabelece o Art.º 113.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, ex vi do disposto nos Art.ºs 60.º do RJPCOLSS e 41.º, n.º 1 do RGCO.
Daí que, presumindo-se a notificação efetuada em 2011-03-17, o prazo de 20 dias terminava em 2011-04-06, sendo extemporânea a prática do ato no dia 7, seguinte, como sucedeu.
Cremos, no entanto, que o recurso poderia ter sido recebido em tal dia, com pagamento de multa, atento o disposto no Art.º 145.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto nos Art.ºs 107.º, n.º 5 do Cód. Proc. Penal, 60.º do RJPCOLSS e 41.º, n.º 1 do RGCO. Na verdade, confrontando o disposto no Art.º 6.º do RJPCOLSS, que manda aplicar em matéria de contagem de prazos as normas constantes do processo penal, o qual remete, no seu Art.º 104.º, n.º 1, para as disposições do processo civil, com o consignado no Art.º 60.º do RGCO, logo verificamos que o legislador inovou. Realmente, o prazo de interposição de recurso da autoridade administrativa para o Tribunal do Trabalho não era judicial no contexto do RGCO, caracterizando-se pela suspensão da sua contagem aos sábados, domingos e feriados, mas não durante as férias judiciais, tal como previsto no Código do Procedimento Administrativo. No RJPCOLSS, embora não se suspendendo durante as férias judiciais, deixou de se suspender aos sábados, domingos e feriados, tendo-se tornado contínuo, tal como no processo civil – cfr. o disposto no Art.º 144.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil. Por isso, sendo aplicável à contagem dos prazos as disposições do Cód. Proc. Civil, cremos que também lhe deve ser aplicável o disposto no Art.º 145.º, n.º 5 deste diploma, ex vi do disposto nos Art.ºs 107.º, n.º 5 do Cód. Proc. Penal e 6.º do RJPCOLSS.
Na nossa hipótese, tendo o ato sido praticado no 1.º dia útil seguinte ao termo do prazo, 2011-04-07, deveria ter sido formulado à arguida convite no sentido do consignado no n.º 6 do referido Art.º 145.º do Cód. Proc. Civil.
Em síntese, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que formule à arguida convite no sentido do consignado no n.º 6 do Art.º 145.º do Cód. Proc. Civil.

Decisão.
Nestes termos, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que formule à arguida convite no sentido do consignado no n.º 6 do Art.º 145.º do Cód. Proc. Civil, seguindo depois a legal tramitação.
Sem custas.

Porto, 16-01-2012
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
______________
[1] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro e que entrou em vigor em 2009-02-17.
[2] Ato praticado no segundo dia útil posterior ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, como se vê dos respetivos DUC, comprovativo e índice de peça processual, a fls. 103 a 105.

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.