Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0741845
Nº Convencional: JTRP00040428
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
ADVERTÊNCIA
Nº do Documento: RP200706180741845
Data do Acordão: 06/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC SOCIAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 44 - FLS 235.
Área Temática: .
Sumário: O juízo de oportunidade ou conveniência do levantamento do auto de advertência, a que se reporta o art. 632º, n.º 1 do C. Trabalho (em detrimento do auto de notícia), está subtraído à possibilidade de posterior sindicância judicial, não sendo legalmente exigível à IGT o seu prévio levantamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Não se conformando com a decisão da Inspecção-Geral do Trabalho que lhe aplicou, em cúmulo jurídico, a coima de € 1.157,00 pela prática de duas contra-ordenações leves, previstas pela conjugação dos arts. 11, nºs 1, als. a) e c) e 31º, nº 1, al. c), do DL 358/89, de 17.10 e 620, nº 2, al. b) do Cód. Trabalho, veio a arguida B………., SA recorrer para o Tribunal do Trabalho.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou o recurso parcialmente procedente, condenando a arguida na coima de 6 UC por violação do disposto no citado artº 11º, nº 1, al. a), do DL 358/89 e absolvendo-a da contra-ordenação decorrente da imputada violação da al. c) do nº desse artº 11º.

Inconformada com tal decisão, interpôs a arguida recurso para esta Relação, pedindo que a sua absolvição da coima aplicada e tendo formulado a final as seguintes conclusões:
I. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 632º, do Código do Trabalho «Quando a contra-ordenação consistir em irregularidade sanável e da qual não tenha resultado prejuízo grave para os trabalhadores, para a administração do trabalho ou para a segurança social, o inspector do trabalho pode levantar auto de advertência, com a indicação da infracção verificada, das medidas recomendadas ao infractor e do prazo para seu cumprimento».
II. Ora, no caso sub judice, - o contrato de Trabalho Temporário não faz menção do respectivo número de contribuinte do regime geral de segurança social – estamos perante uma contra-ordenação leve, sendo certo que a mesma era sanável, dela não tendo resultado qualquer prejuízo grave para os trabalhadores, para a administração do trabalho ou para a segurança social.
III. Pelo que devia o Inspector-geral do Trabalho te roptado pelo elvantamento d eum auto de advertência em vez de um auto de notícia.
IV. De facto, e ainda que se entenda que o citado nº 1 do artigo 632º do Código do Trabalho concede uma mera faculdade ao Inspector da IGT para optar ou não pela aplicação de um auto de advertência, o certo é que tal faculdade não pode ser um poder arbitráio mas antes um poder-dever que não poerá deixar de ser exercido quando verificados os requisitos aí expressos.
V. Acresce que o exercício de tal poder-dever terá que ser avaliado pelos Tribunais, quando os mesmos sejam chamados a pronunciar-se sobre o mesmo.
VI. Assim não o entendendo, a douta sentença recorrida violou o disposto no nº 1 do artigo 623º, do Código do Trabalho.
VII. Razão pela qual deve tal sentença ser revogada e substituída por dou Acórdão que atenda ao exposto

O Exmº. Sr. Procurador da República, no Tribunal a quo, apresentou a sua alegação, pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta Relação, o Exmº Sr Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual a arguida, notificada, não se pronunciou.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Matéria de Facto Provada na 1ª Instância:

- Em visita inspectiva efectuada à B………., S.A., em 12 de Setembro de 2005, a IGT constatou que a empresa C………., S.A. tinha cedido um trabalhador temporário para utilização da recorrente, designadamente: D………., admitida em 25/10/04, com a categoria profissional de Praticante 1º ano polidor, auferindo a retribuição mensal de € 400,00, com contrato de utilização de trabalho temporário com a empresa mencionada, empresa C………., S.A..
- Na sequência daquela visita inspectiva foram a recorrente e a C………., S.A. notificadas para proceder à apresentação nos serviços da Inspecção Geral do Trabalho, em data acordada, de vários documentos, nomeadamente os contratos de utilização temporária.
- O Contrato de Utilização de Trabalho Temporário não faz menção do respectivo número de contribuinte do regime geral da segurança social.
- O Contrato de Utilização de Trabalho Temporário não faz menção das características genéricas do posto de trabalho a preencher.
- À data da visita inspectiva a arguida apresentava um volume de negócios de € 11.402.122,00.
*
III. O Direito.

Considerando as conclusões da motivação do recurso, a única questão suscitada consiste em saber se a Inspecção Geral do Trabalho (IGT), em vez do levantamento do auto de notícia, deveria ter levantado à arguida auto de advertência.

A arguida foi condenada por, no contrato de utilização de trabalho temporário, não ter feito menção do respectivo número de contribuinte do regime geral da Segurança Social, com o que violou a obrigação imposta no artº 11º, nº 1, al. a), do DL 358/89, de 17.10, incorrendo na contra-ordenação leve prevista no seu 31º, nº 1, al. c)[1].

Nos termos do art. 632º, nº 1, do Cód. Trabalho «quando a contra-ordenação consistir em irregularidade sanável e da qual não tenha resultado prejuízo grave para os trabalhadores, para a administração do trabalho ou para a segurança social, o inspector do trabalho pode levantar auto de advertência, (…).».
Como bem refere o Digno Magistrado do Mº Pº no seu douto parecer, o levantamento do auto de advertência, em detrimento do levantamento do auto de notícia, constitui uma faculdade concedida ao inspector do trabalho que, segundo um seu juízo de oportunidade, dela poderá fazer uso. É desde logo o que decorre da letra da lei que expressamente refere que pode e não que deve.
O auto de advertência, desde que verificados os pressupostos previstos no citado artº 632º, nº 1, do CT[2], está genericamente previsto para as diversas infracções laborais e não específica ou expressamente para a infracção em questão (ou para qualquer outra).
Atentos os princípios que presidem, regem e orientam a acção da IGT, designadamente no que se reporta ao acompanhamento, promoção da melhoria das condições de trabalho, informação e aconselhamento sobre o modo de cumprimento das disposições legais, sobressai a função pedagógica que preside à acção e inspectiva e, neste domínio, ganha relevo o auto de advertência.
No entanto, se a tais função ou vertente pedagógicas, que também, incumbe e deverá presidir à actuação da IGT, poderá, em algumas circunstâncias, justificar o prévio recurso à advertência, certo é que, por outro lado, a lei não impõe, seja para a infracção em questão nos autos, seja para qualquer outra infracção, a obrigatoriedade ou dever de prévio levantamento de auto de advertência, designadamente nos casos de irregularidade sanável, antes configurando-o como uma possibilidade cuja utilização é deixada ao critério, segundo um juízo de oportunidade, da IGT.
Por outro lado, a aplicação de coima em detrimento do mero levantamento de auto de advertência não se impõe, necessariamente, em face seja da natureza leve da contra-ordenação, seja da inexistência de prejuízo.
O juízo da conveniência e/ou oportunidade, ou não, do recurso à prévia advertência a que se reporta o citado artº 632º, nº 1, está, pois, subtraído à possibilidade de posterior sindicância judicial, não sendo legalmente exigível à IGT o seu prévio levantamento.
Já esta Relação, no seu acórdão de 09.07.01, in Colectânea de Jurisprudência, 2001, Tomo IV, pág. 247), se pronunciou no sentido de que a utilização pelo inspector autuante da faculdade que a lei lhe concede de em certas circunstâncias levantar mero auto de advertência, não é sindicável perante o tribunal, pois que se baseia em critérios de oportunidade que escapam ao controle do tribunal, entendimento este que não vemos razão para dele nos afastarmos.

De qualquer forma, no caso, não vemos que o levantamento do auto de advertência constituísse procedimento que se impusesse à IGT.
Na verdade, ainda que de natureza leve, é a própria lei que prevê que a violação da norma em questão constitua contra-ordenação, atribuindo-lhe, pois, relevância e importância contra-ordenacional.
Por outro lado, como se diz no Acórdão desta Relação de 26.04.2004, proferido no Processo nº 6870/03 e citado no douto Parecer do Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto, a faculdade conferida à IGT de, segundo critérios de oportunidade e conveniência, que só ele pode ponderar, tendo como objectivo o cumprimento da lei, levantamento de auto de advertência em detrimento de auto de notícia, compreender-se-á, por exemplo, com a entrada em vigor de nova lei que cria novas infracções e novas sanções, e nos seus primeiros tempos de vigência, justificando-se plenamente a actuação do inspector, no sentido de a fazer cumprir, não levantando, de imediato, auto de notícia mas antes auto de advertência com vista ao seu cumprimento.
Ora, não é esta a situação do caso em apreço, em que a obrigação violada e a previsão da respectiva contra-ordenação se verificam desde 1989[3], ou seja, há cerca de 16 anos (tendo como referência a data da prática dos factos), previsão essa que, refira-se, se mantém no novo regime jurídico do trabalho temporário aprovado pela recente Lei 19/07, de 22.05[4] (cfr. artºs 20º, nº 1, al. a) e 44º, nº 1, al. c)).

Embora não nas conclusões, a arguida, na motivação do recurso, refere ainda que a não sindicância, pelo tribunal, do recurso ou não ao auto de advertência por parte da IGT, poderá conduzir à arbitrariedade e à violação do princípio da igualdade.
Ainda que entendamos que está fora do controle judicial a censurabilidade, ou não, do juízo de oportunidade subjacente a tal decisão por parte da IGT, a verdade é que tal não se confunde com uma situação que, por (des)aplicação arbitrária do artº 632º, nº 1, do CT, determine a violação, em concreto, do princípio da igualdade tal como consagrado constitucionalmente .
No entanto, nos autos, a questão é suscitada pela arguida de forma apenas abstracta, não tendo ela alegado, nem tendo sido também provada qualquer factualidade susceptível de, em concreto, constituir violação do princípio da igualdade.

Considerando o que ficou referido, e porque a arguida cometeu a contra-ordenação pela qual foi punida pelo tribunal a quo, o qual graduou correctamente a coima aplicada (aliás, pelo mínimo legal), deverá o recurso improceder, mantendo-se a sentença recorrida.
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IV. Decisão:
Em face do exposto, acorda-se, em conferência, em rejeitar, o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida.

Porto, 18 de Junho de 2007
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa

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[1] Como já referido, a arguida foi absolvida da contra-ordenação que tinha por objecto a não indicação, no referido contrato, das «características genéricas do posto de trabalho a preencher».
[2] De forma essencialmente idêntica já tal estava previsto no artº 19º, nº 1, da anterior Lei 116/99, de 04.08.
[3] Já a obrigação e correspondente contra-ordenação estavam previstas na redacção original do DL 358/89 (anterior às alterações introduzidas pelas Leis 39/96, de 31.08 e 146/99, de 01.09.
[4] Que apenas entrará em vigor 30 dias após a data da sua publicação.