Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
309/10.5TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
EFEITO DO RECURSO
Nº do Documento: RP20110131309/10.5TTVNG.P1
Data do Acordão: 01/31/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – No regime actual das contra-ordenações laborais, o efeito regra do recurso na impugnação judicial passou a ser o devolutivo, atento o disposto no Art.º 35.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
II – Daí que no recurso para a Relação, por identidade, se não por maioria de razão, tal deve ser também o respectivo efeito, atento o disposto nos Art.º 50.º, n.º 4 e 35.º, n.º 1 da mesma Lei.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 755
Proc. N.º 309/10.5TTVNG.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Não se conformando com a sentença do Tribunal do Trabalho, proferida em 2010-05-11, que manteve a decisão da Autoridade Para as Condições de Trabalho [ACT][1] que lhe aplicou a coima única de € 42.000,00 pela prática, por negligência, de 5 contra-ordenações, previstas e punidas pela conjugação dos Art.º 267.º, n.º 4, alínea a), 255.º, 254.º, n.º 1, 266.º, 620.º, n.ºs 1, 2, alínea a), 3, alínea b), 4, alínea b) e 5, 669.º, n.ºs 1 e 2 e 687.º, n.ºs 2 e 3 do CT2003[2] e dos Art.ºs 278.º, n.ºs 4 e 6, 521.º, n.ºs 2 e 3 e 554.º, n.º 3, alínea b) do CT2009[3], bem como da cláusula 29.ª, n.º 2 do Contrato Colectivo de Trabalho outorgado entre a B……….[4] e a C……….[5][6], veio a arguida D………., Ld.ª recorrer para esta Relação, pedindo a revogação de tal decisão, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

A. Dispõe o artigo 379. °, n.º 1, aI. a) do CPP, que remete para o n.º 2 do artigo 374° do CPP que: "1. A sentença começa por um relatório, que contém: (...)
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal (...)".
B. Compulsados os autos, verifica-se que a Sentença, não preenche qualquer um dos requisitos supra mencionados.
C. Conforme decorre da Lei, o dever constitucional de fundamentação da sentença, basta-se com a exposição dos motivos de facto e de direito que suportam a decisão, bem como com o exame crítico das provas de que o Tribunal se socorreu para formar a sua convicção, incluindo os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios de lógica, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formasse em determinado sentido, ou a que o julgador valorasse de determinada forma os diversos meios de prova produzidos e analisados em audiência (Ac. do STJ de 14.06.2007, in www.dgsi.pt).
D. O art. 374°, n° 2, do C.P.P., aqui aplicado por força do art. 50°, nº 4, da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, impõe que a sentença tenha a enumeração dos factos provados e não provados.
E. No caso dos autos, a douta Sentença não refere quais os factos provados, não existindo igualmente menção dos factos não provados, razão pela qual não cumprindo as exigências de fundamentação por lei exigidas, viola o art. 374°, n° 2, do C.P.C., a acarretar nulidade da decisão nos termos do art° 379°, do CPP.
F. A Sentença recorrida não se encontra fundamentada de harmonia com a lei, pelo que procede também a nulidade da decisão, de harmonia com o art° 374°, nº 2 e 379, nº 1, a), do Código de Processo Penal.
G. De facto, limita-se a referir que "face à ausência do arguido e à não produção de qualquer outra prova, por concordar quer de facto quer de direito com a decisão condenatória da autoridade administrativa, mantenho-a nos seus precisos termos”.
H. Todavia, na Impugnação Judicial apresentada, alegam-se factos sobre os quais o Tribunal recorrido não se pronunciou, o que é tanto mais relevante quanto é certo que a Recorrente produziu prova documental que não foi valorizada, além de que a sentença recorrenda não se pronunciou sobre a invocada existência de crime continuado.
I. Tal factualidade, integrante do objecto do recurso na impugnação judicial, é necessária à decisão da causa, pelo que a sentença ao não contemplá-la na enumeração dos factos, (provados ou não provados), incorreu na alegada nulidade.
J. A douta sentença proferida é, assim, nula, por omissão de pronúncia, na medida em que o tribunal não se pronunciou sobre as questões que deveria apreciar, verificando-se a total omissão da motivação, de facto ou de direito, bem como das questões que suportam a mesma decisão, violando o disposto nos art. 374°, 379°, n.º 1, aI. a) e al. c), do CPP.
K. É certo que a ora Recorrente praticou os actos constantes dos respectivos autos de notícia.
L. Todavia, sempre se dirá que agiu num quadro de conflito de deveres.
M. Por um lado, cabia-lhe pagar impostos, por outro, pagar salários.
N. Tal conflito, traduzia-se, no primeiro caso, no dever de cumprir obrigações tributárias e, no segundo, no dever de pagar os salários e de observar as remunerações mínimas garantidas pela lei geral e pela convenção colectiva de trabalho aplicável.
O. Optou a Recorrente pela primeira daquelas alternativas tendo em conta a maior relevância dos interesses protegidos.
P. De uma terceira via não dispunha a Recorrente, tendo em conta as dificuldades financeiras envolventes, dificuldades essas com origem na sua difícil situação económica e financeira, directamente relacionada com o facto de se tratar de uma empresa que opera no problemático sector têxtil.
Q. Do exposto, resulta que a Recorrente agiu num quadro de conflito de deveres, nos termos do art. 36° do Código Penal.
R. Foi, pois, neste contexto desculpante que a Arguida, ora Recorrente, agiu, o que deve importar a sua absolvição.
S. E ainda que esse conflito de deveres não ocorresse, certo é que, ao invés do doutamente decidido, no sentido da verificação de um concurso de crimes, entende a Recorrente, por mero dever de cautela, e sem prescindir, que estamos na presença de um crime continuado.
T. Tal instituto sempre logra aplicabilidade por força do disposto no artigo 32° do RGCO, sendo certo que o nº 2 do artigo 30° do Código Penal regula que constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
U. São, assim, pressupostos do crime continuado, a realização plúrima do mesmo tipo de crime (in casu, a realização plúrima de vários tipos de contra-ordenações); a homogeneidade da forma de execução; a lesão do mesmo bem jurídico, (in casu, incumprimento de obrigações laborais de natureza pecuniária que visam proteger o trabalhador); a persistência de uma «situação exterior» que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente"., ou seja, a insuficiência de meios e consequente conflito de deveres.
V. Verificam-se, assim, todos os pressupostos de uma contra-ordenação continuada, pelo que, deveria ter sido aplicado à Arguida, ora Recorrente, uma coima única, cujo limite máximo resultasse da soma das coimas concretamente aplicadas, não podendo exceder o dobro do limite máximo mais elevado, nem ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às contra-ordenações (AC. STJ de 13.9.2007, in www.dgsi.pt).
W. Pelo expendido, a coima única, a aplicar no caso concreto, deveria ser apenas de Euro 7.752,00 (sete mil, setecentos e cinquenta e dois euros), por ser a aplicável à conduta mais grave que integra a continuação, nos termos do disposto no art. 79°, do Código Penal.
X. Ao contemplar diverso entendimento, a douta sentença recorrida violou, entre o demais, e salvo sempre o devido respeito, o disposto nos arts. 374. °, 379° n.º 1 aI. a) e c) do Código de Processo Penal; 30°, 36° e 79° do Código Penal.
Y. O que se deixa alegado, para todos os devidos efeitos legais, e designadamente para a alteração da douta sentença ora posta em crise.
A Sr.ª Procuradora da República, no Tribunal a quo, apresentou douta contra-alegação, concluindo pela improcedência do recurso.
Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto suscitou a questão prévia da alteração do efeito do recurso, de suspensivo para devolutivo e emitiu declaração de concordância com a contra-alegação referida.
Recebido o recurso e proferido o despacho previsto no Art.º 417.º do Cód. Proc. Penal, correram os legais vistos.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos considerados provados pela ACT:
1. A arguida, pessoa colectiva n.º ………, com sede e local de trabalho na Rua ………., n.º .., ………., Vila Nova de Gaia, dedica-se à actividade de fabricação de meias e similares de malhas.
2. A arguida foi constituída em 1949.
3. Em Outubro de 2008, a arguida tinha ao seu serviço 46 trabalhadores.
4. Em Outubro de 2009, a arguida tinha ao seu serviço 44 trabalhadores.
5. No dia 1 de Setembro de 2009, pelas 11 horas e 40 minutos, foi efectuada uma visita inspectiva ao estabelecimento da arguida situado na Rua ………., n.º .., ………., Vila Nova de Gaia.
6. Na data da visita inspectiva, a arguida mantinha, ao seu serviço, sob a sua autoridade e direcção, cerca de 43 trabalhadoras.
7. À data da visita inspectiva, a arguida não havia pago aos seus trabalhadores a totalidade das retribuições referentes aos meses de Dezembro de 2008 e Março de 2009.
8. A arguida apenas pagou aos trabalhadores metade (50%) das retribuições referentes aos meses de Dezembro de 2008 e Março de 2009.
9. Os trabalhadores da arguida gozaram, no ano de 2008, as férias referentes ao trabalho prestado no ano de 2007, vencidas a 1 de Janeiro de 2008.
10. À data da visita inspectiva, a arguida ainda não tinha pago aos seus trabalhadores o subsídio de férias correspondente às férias gozadas no ano de 2008 (férias reportadas ao trabalho prestado no ano de 2007, vencidas a 1 de Janeiro de 2008).
11. A arguida, em nenhum momento, assinou qualquer acordo escrito com os trabalhadores, de modo a estabelecer com eles diferente modalidade de pagamento do subsídio de férias.
12. À data da visita inspectiva, a arguida ainda não tinha pago aos seus trabalhadores o subsídio de Natal de 2008. 13. Vários trabalhadores da arguida auferiam mensalmente, como contrapartida do seu trabalho, uma retribuição inferior à retribuição mínima mensal garantida aprovada para o ano de 2009.
14. No ano de 2009, a trabalhadora E………. auferia mensalmente, como contrapartida do seu trabalho, a retribuição base de € 428.50 (quatrocentos e vinte e oito euros e cinquenta cêntimos).
15. A partir do mês de Julho de 2009, a arguida actualizou os salários dos seus trabalhadores, de acordo com a retribuição mínima mensal garantida.
16. Vários trabalhadores da arguida auferiam mensalmente, como contrapartida do seu trabalho, uma retribuição inferior à retribuição mínima aplicável ao sector têxtil e constante da tabela salarial para 2008.
17. A trabalhadora F………., com a categoria profissional de Distribuidora de Fios, auferiu, nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2008, a retribuição base mensal de € 410.50 (quatrocentos e dez euros e cinquenta cêntimos).
18. A arguida foi formalmente notificada para proceder ao apuramento de todos os valores em dívida aos trabalhadores, nomeadamente os valores referentes
- a metade (50%) da retribuição referente ao mês de Dezembro de 2008 e a metade (50%) da retribuição referente ao mês de Março de 2009,
- ao subsídio de férias correspondente às férias gozadas pelos trabalhadores no ano de 2008,
- ao subsídio de Natal de 2008,
- às diferenças salariais atinentes à retribuição mínima mensal garantida, desde Janeiro de 2009 até Junho de 2009,
- às diferenças salariais respeitantes à retribuição mínima aplicável ao sector têxtil e constante da tabela salarial para 2008, desde Janeiro de 2008 até Fevereiro de 2008,
bem como apresentar acordo escrito quanto ao pagamento de tais valores aos trabalhadores.
19. Até à data do levantamento dos autos de notícia, a arguida, na pessoa da Sra. Dra. G………., apenas entregou à Inspectora autuante as folhas de apuramento das quantias em dívida aos trabalhadores.
20. Até à data do levantamento dos autos de notícia, a arguida não pagou aos trabalhadores os montantes em dívida nem apresentou qualquer acordo escrito com os trabalhadores, tendo em vista esses pagamentos.
21. A arguida deve aos trabalhadores e à Segurança Social as seguintes quantias:
Aos trabalhadores
(i) o montante líquido total de € 11.502.52 (onze mil quinhentos e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), relativo a metade da retribuição correspondente ao mês de Dezembro de 2008;
(ii) o montante líquido total de € 16.356.58 (dezasseis mil trezentos e cinquenta e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), relativo a metade da retribuição correspondente ao mês de Março de 2009.
(iii) o montante líquido total de € 11.722.34 (onze mil setecentos e vinte e dois euros e trinta e quatro cêntimos), atinente ao subsídio de férias a pagar no ano de 2008.
(iv) o montante líquido total de € 11.236.01 (onze mil duzentos e trinta e seis euros e um cêntimo), a título de subsídio de Natal de 2008
(v) o montante líquido total de € 3.385.56 (três mil trezentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de diferenças salariais atinentes à retribuição mínima mensal garantida, desde Janeiro de 2009 até Junho de 2009
(vi) o montante líquido total de € 1.201.50 (mil duzentos e um euros e cinquenta cêntimos), a título de diferenças salariais respeitantes à retribuição mínima aplicável ao sector têxtil e constante da tabela salarial para 2008, desde Janeiro de 2008 até Fevereiro de 2008
À Segurança Social
(i) o montante de € 4.709.79 (quatro mil setecentos e nove euros e setenta e nove cêntimos), relativo a metade da retribuição correspondente ao mês de Dezembro de 2008; (ii) o montante de € 6.732.59 (seis mil setecentos e trinta e dois euros e cinquenta e nove cêntimos), relativo a metade da retribuição correspondente ao mês de Março de 2009.
(iii) o montante de € 4.596.88 (quatro mil quinhentos e noventa e seis euros e oitenta e oito cêntimos), relativo ao subsídio de férias a pagar no ano de 2008.
(iv) o montante de € 4.484.40 (quatro mil quatrocentos e oitenta e quatro euros e quarenta cêntimos), a título de subsídio de Natal de 2008
(v) o montante de € 1.321.89 (mil trezentos e vinte e um euros e oitenta e nove cêntimos), a título de diferenças salariais atinentes à retribuição mínima mensal garantida, desde Janeiro de 2009 até Junho de 2009
(vi) o montante de € 469.12 (quatrocentos e sessenta e nove euros e doze cêntimos), a título de diferenças salariais respeitantes à retribuição mínima aplicável ao sector têxtil e constante da tabela salarial para 2008.
22. A arguida sabia que o montante da retribuição devia estar à disposição dos seus trabalhadores na data de vencimento ou no dia útil imediatamente anterior.
23. A arguida sabia que, antes do início do período de férias, estava obrigada a pagar aos seus trabalhadores o subsídio de férias.
24. A arguida sabia que, até ao dia 15 de Dezembro de 2008, estava obrigada a pagar aos seus trabalhadores o subsídio de Natal de 2008.
25. A arguida sabia que estava obrigada a garantir aos seus trabalhadores a retribuição mínima mensal garantida para o ano de 2009, no valor de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
26. A arguida sabia que estava obrigada a cumprir com o Contrato Colectivo de Trabalho do sector têxtil (outorgado entre a B………. e a C………. ­Revisão global, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, n.º 42/2006, de 15 de Novembro, com última alteração salarial publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, n.º 8/2008, de 29 de Fevereiro), no sentido de, a par de outras obrigações, garantir aos seus trabalhadores a remuneração certa mínima mensal para cada categoria profissional constante da tabela do anexo IV-A.
27. Não obstante o conhecimento da arguida sobre as suas obrigações enquanto entidade empregadora, a arguida agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o incumprimento das obrigações legais e convencionais era punida nos termos da legislação e convenção colectiva aplicáveis.
28. A arguida tem a situação contributiva regularizada perante a Administração Fiscal.
29. No ano de 2007, a arguida apresentou um volume de negócios de € 1.073 957.28.
30. No ano de 2008, a arguida apresentou um volume de negócios de € 1.060 356,30.

O direito.
Sendo pelas conclusões respectivas que se delimita o respectivo objecto, são quatro as questões a decidir neste recurso, a saber:

I – O efeito do recurso.
II – A nulidade da sentença.
III – O conflito de deveres.
IV – A contra-ordenação continuada.
A 1.ª questão.
Entende o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, que deve ser alterado o efeito do recurso, de suspensivo – tal como o fixou o Tribunal do Trabalho, a fls. 200 – para devolutivo, como o refere na questão prévia que suscitou em seu douto parecer.
A arguida não tomou posição quanto ao respectivo teor.
Vejamos.
Tendo a sentença sido proferida em 2010-05-11, ao caso aplica-se a Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, que entrou em vigor em 2009-10-01, como flui do seu Art.º 65.º, n.º 1.
De acordo com o disposto no Art.º 50.º, n.º 4 do mesmo diploma, o recurso para a Relação “… segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam desta lei”.
E, de forma idêntica, dispunha – e continua a dispor – a norma que o antecedeu, o Art.º 74.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Daí que, anteriormente, face a tal remissão e atento o disposto no Art.º 408.º, n.º 1, alínea a) do Cód. Proc. Penal, se fixasse o efeito suspensivo ao recurso.
Acontece, porém, que a referida Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, inovou ao dispor no seu
Artigo 35.º
Efeitos da impugnação judicial
1 — A impugnação judicial tem efeito meramente devolutivo.
2 — A impugnação judicial tem efeito suspensivo se o recorrente depositar o valor da coima e das custas do processo, no prazo referido no n.º 2 do artigo 33.º, em instituição bancária aderente, a favor da autoridade administrativa competente que proferiu a decisão de aplicar a coima.
3 — O depósito referido no número anterior pode ser substituído por garantia bancária, na modalidade «à primeira solicitação».
Ora, passando o regime das contra-ordenações laborais a ter, em sede de recurso de impugnação da decisão administrativa para o Tribunal do Trabalho, norma especial quanto ao efeito do recurso, deverá entender-se que no recurso para a Relação a remissão do Art.º 50.º, n.º 4 do mesmo regime já não deverá ser efectuada, como anteriormente, para o processo penal, mas ter “em conta as especialidades que resultam desta lei”. Isto é, no recurso para a Relação já não deve ser atribuído o efeito suspensivo, mas o devolutivo, atento o disposto nos Art.º 50.º, n.º 4 e 35.º, n.º 1 da mesma Lei.
Tal entendimento é exigido pela unidade do sistema jurídico pois não faria sentido atribuir efeito devolutivo, possibilitando a imediata execução, ao recurso de uma decisão administrativa e não atribuir o mesmo efeito a uma decisão judicial, a sentença do Tribunal do Trabalho. Na verdade, se o legislador inovou, atribuindo, como regra, o efeito devolutivo à impugnação judicial, por igualdade, se não por maioria, de razão, deverá tal efeito devolutivo ser igualmente atribuído em sede de recurso da sentença do Tribunal do Trabalho para a Relação.
Daí que, a tal não obstando o disposto no Art.º 414.º, n.º 3 do Cód. Proc. Penal e concedendo provimento à invocada questão prévia suscitada pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto, se altere o efeito do presente recurso para devolutivo.

A 2.ª questão.
Pretende a recorrente que a sentença é nula, uma vez que omite os factos provados e o direito aplicável, bem como deixou de se pronunciar sobre questões que devia conhecer, como se vê das conclusões A. a J. Vejamos.
A recorrente fundamenta o seu recurso, nesta parte, no disposto nos Art.ºs 379.°, n.º 1, alíneas a) e c) e 374.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, ex vi do Art.º 50.º, n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Acontece, no entanto, que este novo regime das contra-ordenações laborais inovou também quando no seu Art.º 39.º, n.º 4, para além de reproduzir a norma do Art.º 64.º, n.º 4 do do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, fez o seguinte aditamento:
“...podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa”.
Ora, constando da sentença a concordância “…quer de facto quer de direito com a decisão condenatória da autoridade administrativa, [e, por isso] mantenho-a nos seus precisos termos”, não enferma a decisão de qualquer nulidade, pois o Tribunal a quo agiu dentro dos limites legais, agora inovados.
Por outro lado, não ocorreu qualquer omissão de pronúncia sobre questão que devesse ser conhecida, pois nenhuma prova nova foi oferecida na audiência de julgamento, como se vê da sentença e respectiva acta de julgamento, em que foi proferida. No entanto, mesmo que isso tivesse ocorrido, tal não conduziria à nulidade da sentença, uma vez que não constituiria uma questão em sentido próprio e, por outro lado, não teria ocorrido na sentença, mas antes e fora dela, isto é, na audiência de julgamento.
De resto, como se vê da conclusão K., a recorrente confessa ter praticado os factos dados como provados na decisão administrativa e acima transcritos, pois admite os constantes dos autos de notícia.
Improcedem, assim, as conclusões A. a J. do recurso.
A 3.ª questão.
Pretende a recorrente nas conclusões K. a R. que agiu em conflito de deveres pois, à falta de meios financeiros, ou pagava os impostos, ou pagava os salários e, correspondendo aqueles a valores superiores, optou pelo seu pagamento, pelo que não deverá ser punida, atento o disposto no Art.º 36.º do Cód. Penal.
Vejamos.
Dispõe o Art.º 36.º, n.º 1 do Cód. Penal:
“Não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar.”
Porém, a recorrente não provou os factos demonstrativos do quadro de conflito de deveres que invoca, pois não provou em concreto que tenha pago impostos, quais e respectivos montantes, não provou as suas dificuldades de tesouraria, nem a relação entre os montantes dos impostos e dos salários em dívida.
Tal determina, sem mais, a improcedência das referidas conclusões do recurso.

4.ª questão.
Pretende a recorrente nas restantes conclusões do recurso que, apesar de lhe terem sido instaurados 5 autos de notícia, praticou apenas uma contra-ordenação continuada.
Na verdade, refere, nomeadamente:
T. Tal instituto sempre logra aplicabilidade por força do disposto no artigo 32° do RGCO, sendo certo que o nº 2 do artigo 30° do Código Penal regula que constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
U. São, assim, pressupostos do crime continuado, a realização plúrima do mesmo tipo de crime (in casu, a realização plúrima de vários tipos de contra-ordenações); a homogeneidade da forma de execução; a lesão do mesmo bem jurídico, (in casu, incumprimento de obrigações laborais de natureza pecuniária que visam proteger o trabalhador); a persistência de uma «situação exterior» que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente"., ou seja, a insuficiência de meios e consequente conflito de deveres.

Sucede, no entanto, que a arguida nenhum facto provou acerca da situação exterior que terá propiciado a existência da unidade de resolução determinante da prática das 5 contra-ordenações, pelo que afastada fica a verificação da contra-ordenação continuada, com as legais consequências, mormente, ao nível da coima aplicada.
Improcedem, destarte, as restantes conclusões do recurso.
De todo o exposto resulta que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida.
Tal conclusão não é afastada pelas disposições constantes do CT2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor em 2009-02-17 [de acordo com o disposto no Art.º 2.º, n.º 2 da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, republicada pela Lei n.º 42/2007, de 24 de Agosto, segundo o qual, “Na falta de fixação do dia, os diplomas referidos … entram em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no 5.º dia após a publicação.”], pois elas não introduziram qualquer alteração mais favorável à recorrente nas correspondentes disposições do CT2003. Na verdade, os Art.ºs 267.º, n.º 4, alínea a), 255.º, 254.º, n.º 1, 266.º, 620.º, n.ºs 1, 2, alínea a), 3, alínea b), 4, alínea b) e 5, 669.º, n.ºs 1 e 2 e 687.º, n.ºs 2 e 3 do CT2003, têm idêntica redacção à dos Art.ºs, respectivamente, 278.º, n.ºs 1 e 6, 264º, 263.º, 273.º, 554.º, n.ºs 1, 2, alínea a), 3, alínea b), 4, alínea b) e 5, e 521.º, n.ºs 2 e 3 do CT2009.
Daí que, em resumo e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, se conclua que o CT2009 não é mais favorável à arguida, sendo de manter, também por esta banda, a decisão do Tribunal do Trabalho.

Decisão.
Nestes termos, acorda-se em julgar o recurso improcedente, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 Ucs.

Porto, 2011-01-31
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
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[1[Proferida em 2010-01-28.
[2] Aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
[3] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
[4] Abreviatura de B1………..
[5] Abreviatura de C1………..
[6] In Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 42, de 2006-11-15, com actualização na mesma publicação e série, n.º 8, de 2008-02-29.
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S U M Á R I O
I – No regime actual das contra-ordenações laborais, o efeito regra do recurso na impugnação judicial passou a ser o devolutivo, atento o disposto no Art.º 35.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
II – Daí que no recurso para a Relação, por identidade, se não por maioria de razão, tal deve ser também o respectivo efeito, atento o disposto nos Art.º 50.º, n.º 4 e 35.º, n.º 1 da mesma Lei.
III – Tal diploma também inovou no que se reporta à fundamentação da sentença, pois permite que ela se possa basear em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa, como resulta do disposto no Art.º 39.º, n.º 4 da referida Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.

Manuel Joaquim Ferreira da Costa