Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0741672
Nº Convencional: JTRP00040689
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RP200710220741672
Data do Acordão: 10/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC CONTRAORDENACIONAL.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 46 - FLS 304.
Área Temática: .
Sumário: Há insuficiência da matéria de facto para a decisão da causa, quando a sentença recorrida dá como provado o que o auto de notícia consigna, sem que no entanto dê como “provado” ou “não provado” os concretos factos que dele constam.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Não se conformando com a decisão da Inspecção-Geral do Trabalho que, em cada um dos Processos ..8/05 e ..7/05[1], lhe aplicou a coima de €11.000,00 pela prática de uma contra-ordenação muito grave, prevista e punida pela conjugação dos arts 25º, nº 4, do DL 272/2003, de 29.10, 620º, nº 4, al. e), 622º, nº 1 e 626º do Cód. do Trabalho, a arguida B………., SA, recorreu para o Tribunal do Trabalho.

Realizadas as audiências de julgamento (nos Processos ..8/05 e ..7/05)[2], foi, em cada um desses processos, proferida sentença que «julgou parcialmente procedente o recurso interposto nestes autos e, consequentemente, alterando a decisão administrativa que condenou o recorrente na coima de €11.000, procedendo-se à fixação da coima no mínimo legal»[3].

Na sequência de requerimento de aclaração formulado, pela arguida, em ambos os Processos [4], o Sr. Juiz do Tribunal a quo, a fls. 115 do Proc. ..7/05 e a fls. 124 do Proc. ..8/05 (neste dando por reproduzido o despacho de fls. 115 daquele), proferiu despacho de aclaração, esclarecendo haver considerado que a infracção imputada em ambos os processos consubstanciava uma conduta única, constituindo uma única infracção, devendo considerar-se como coima única a coima neles aplicada.

A arguida formulou novo requerimento de aclaração, solicitando (tal como já havia requerido no requerimento de aclaração anterior), que fosse esclarecido se o montante da coima aplicada, que foi fixado no «mínimo legal» se quantificava em 90 UC e, ainda, em face do despacho de aclaração anterior e a fim de evitar duplicação de actos processuais e equívocos diversos, requereu o arquivamento de um dos processos.

O Sr. Juiz, a fls. 139 (do Proc. ..8/05), proferiu despacho a mandar apensar o Proc. ..7/05 ao Proc. ..8/05 e, a fls. 143, deu novo despacho dando por reproduzido o de fls. 115 do Proc. ..7/05, acima referido.

Inconformada com a sentença, a arguida interpôs recurso para esta Relação, pedindo que se anule a sentença pela verificação das nulidades que invoca, ou, subsidiariamente, pela incorrecta aplicação do direito, seja a mesma revogada e substituída por outra que a absolva da prática da contra-ordenação em apreço, tendo formulado as seguintes conclusões:

«A – NULIDADES DA SENTENÇA:
A.1) DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA PROVADA (art.º 410.º n.º 2 al. c) C.P.P)
1.º
Da leitura da matéria de facto provada não se vê como pôde o Tribunal a quo concluir pela violação, por banda da arguida, da norma legal pela qual vinha acusada.
Na verdade, facto algum se vislumbra que possa permitir a conclusão de que a B………., SA, enquanto entidade empregadora, não adoptou as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho.
2.º
É que, a ora Recorrente vem expressamente condenada pela violação da alínea m) do art. 22º do Dec.-Lei nº 273/2003, de 29.10, segundo a qual “na execução da obra, os empregadores devem adoptar as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho previstas em regulamentação específica.”.
3.º
Mas, tal como se lê da matéria de facto provada supra transcrita, e na medida em que a B………., SA apenas intervinha nos trabalhos em apreciação enquanto entidade executante (nos termos e para os efeitos do Dec.-Lei nº 273/2003) e não como entidade empregadora, não pode aquela norma, ser-lhe aplicável, e muito menos fundamentar a sua condenação pela prática de contra-ordenação, que só pode ser imputada a empregadores.

Assim sendo, se verifica a nulidade da decisão ora em crise, prevista no art. 410º nº 2 al. a) do Código de Processo Penal – Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

A.2 – DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA (art.º 410.º n.º 3, com remissão para a al. c) do art.º 379.º do C.P.P)
4.º
Alegou a Recorrente em sede de Impugnação Judicial que, para o caso de o Meritíssimo Juiz a quo entender ser de aceitar a remissão levada a cabo na decisão da IGT, e tomar a proposta do Exmo. Senhor Instrutor como a única peça processual a ter em conta, a mesma seria, ainda assim nula por falta de fundamentação, já que, apesar da expressa impugnação que a Arguida deduziu em relação aos factos constantes do auto de notícia (cfr. nºs 2 e seguintes da contestação), a IGT concluiu somente que a defesa apresentada “não pôs em causa o merecimento do auto” (?).
5.º
Verifica-se ainda dos autos que a esta remissão para a proposta do instrutor do processo, antecede uma outra remissão incorporadora, agora relativamente aos factos constantes do auto de notícia, elaborado pela Exma. Sra. Inspectora do Trabalho.
E assim, quando a posição do autuante se mostra sucessiva, literal e redutoramente “assimilada” pelos restantes intervenientes do processo (da parte sancionatória), sem que se registe uma análise própria ou manifestação da perspectiva pessoal sobre o objecto do mesmo, o resultado final é o de que a condenação administrativa se limita a ser o resultado de dupla remissão de peças processuais, desde o auto de notícia à proposta do instrutor.
6.º
De facto, a leitura da decisão do Exma. Senhora Delegada, bem como, da proposta do Exmo. Sr. Instrutor do processo, resulta clara a falta de indicação dos elementos especificamente exigidos pelo n.º 1 do art. 58º da LCO. A autoridade administrativa limita-se, nesta sede, a remeter para a proposta, e desta para o auto de noticia, não expondo, por isso, de nenhuma forma, os factos ilícitos que considerou provados e não provados, a sua imputação à ora arguida e os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão (cfr. art. 58º nº 1 als. b) e c) LCO, arts. 379º nº 1 al. a) nº 3 al. b), e 374º nº 2 do Código de Processo Penal (aplicável ex vi art. 41º LCO).
7.º
Acerca desta matéria não se pronunciou o Meritíssimo Juiz a quo.
De facto, a decisão ora em crise vai no sentido de admitir que “a simples remissão, na decisão administrativa, para os factos constantes da proposta, não implica qualquer nulidade ou inexistência, no quadro do art.º 125.º do Código do Procedimento Administrativo.”, sendo que, como se disse, nada refere aquela douta decisão, quanto à afectação da decisão administrativa pelo vício de nulidade por falta de fundamentação, em virtude da remissão inserta na mesma para proposta que remete para os factos constantes do auto de notícia despoletador do processo.

Por via desta omissão, isto é, por se não ter pronunciado o Tribunal a quo sobre questão que lhe foi colocada, se reputa padecer a decisão ora em crise do vício de nulidade por omissão de pronúncia (arts. 379º nº 1 al. c) e 410.º n.º 3 do Código de Processo Penal.

B) DO ERRO DE JULGAMENTO NO QUE RESPEITA À NULIDADE E QUESTÕES DE DIREITO INVOCADAS NA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL INTERPOSTA DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA:

B.1.1) - FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E DE DECISÃO DA IGT:
8.º
Por força da entrada em vigor da regra do art. 639º nº 5 do Código do Trabalho, concedeu-se (permitiu-se) à autoridade administrativa propriamente dita (a Exma. Senhora Delegada da IGT) que passasse a proferir decisão por mera remissão para os fundamentos de proposta anterior.
Mas, precisamente pelo objecto legalmente previsto para esta remissão, pelo menos em relação à questão concreta da decisão de aplicação de coima e da determinação da específica medida desta, a autoridade administrativa não pode recorrer-se da invocada norma do Código do Trabalho, pois que continua a ser legalmente obrigado a tomar a sua própria posição subjectiva sobre o objecto do processo, e pela forma que a Lei taxativamente define.
9.º
Assim, a decisão da autoridade administrativa, ainda que se baseie em remissão para proposta anterior do instrutor, está sujeita ao condicionalismo de ser o decisor incumbido por Lei de a proferir em sentido próprio: Ou seja, a determinar a coima aplicável e eventualmente as sanções acessórias que ao caso couberem.
ORA, quanto a isto, convém ter presente que a proposta dos autos (que a decisão assimila como sua parte integrante) extravasa claramente tal limitação, pois que é ela que define a coima a aplicar em concreto ao arguido, chegando ao ponto de tratar da matéria das custas do processo.
É pois inválida a remissão da decisão do Delegado da IGT para uma coima concreta determinada por proposta do instrutor da fase administrativa, até porque, como será bom de ver, é na determinação da medida concreta da pena que particularmente se faz sentir a necessidade de cumprimento do dever de fundamentação das decisões por parte da autoridade administrativa, em ordem a permitir aferir da respectiva justiça e proporcionalidade.

POR OUTRO LADO (e sem conceder),
10.º
Ainda que se aceite a remissão excessivamente abrangente levada a cabo na douta decisão, e se tome a proposta do Exmo. Senhor Instrutor como a única peça processual a ter em conta para efeitos de conformação ou impugnação da condenação por parte da Arguida no âmbito do presente procedimento, a verdade é que a mesma, de per si, é, também ela, nula por falta de fundamentação.
Com efeito, apesar da expressa impugnação que a Arguida deduziu em relação aos factos constantes do auto de notícia (cfr. nºs 2 e seguintes da contestação), concluiu-se – de forma completamente abusiva e infundada, diga-se – que a defesa apresentada “não pôs em causa o merecimento do auto” (?).
(…) e assim, com base nos factos materiais constantes do processo e confessados (?) em sede de resposta escrita, se têm como provados os elementos do Auto devido ao seu valor documental, conforme resulta do disposto nos arts. 369º e 371º do Código Civil. Pelo que se considera provada toda a matéria constante do auto já anteriormente aqui referida e descrita.
11.º
Assim, à remissão dos motivos da decisão a tomar pela Exma. Sra. Delegada da IGT para o teor da proposta do instrutor do processo, verificamos que a esta proposta antecede uma outra remissão incorporadora relativamente aos factos constantes do auto de notícia, elaborada pela Exma. Sra. Inspectora do Trabalho.
Quando a posição do autuante vem sucessivamente sendo assimilada pelos restantes actores do processo (da parte sancionatória), sem que se registe uma manifestação do cunho ou perspectiva pessoal sobre o objecto do mesmo, quer do instrutor quer do delegado, o resultado final só pode ser o da condenação do particular por quem com ele contactou no terreno e levantou o auto – com que o que isso implica em termos permissividade de abusos, arbítrios e (insindicáveis) subjectividades.
12.º
Ora, da leitura da decisão do Exma. Senhora Delegada, bem como, da proposta do Exmo. Sr. Instrutor do processo, resulta clara e inequívoca a falta de indicação dos elementos especificamente exigidos pelo n.º 1 do art. 58º da LCO.
A autoridade administrativa limita-se, nessa sede, a remeter para a proposta, e desta para o auto de noticia, não expondo, por isso, de nenhuma forma, os factos ilícitos que considerou provados e não provados, a sua imputação à ora arguida e os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.
13.º
Verifica-se, portanto, a violação da obrigação legal de fundamentação imposta à autoridade administrativa em sede de decisão no procedimento contra-ordenacional, e mesmo da falta de sanção propriamente dita aplicada pela Exma. Delegada da IGT (na medida em que se se limitou aqui a dar por reproduzida a proposta do instrutor, que, nesta parte, nada poderia propor, e, por isso, será sempre ilegal); violação essa que, nos termos dos arts. 379º nº 1 al. a) nº 3 al. b), e 374º nº 2 do Código de Processo Penal (aplicável ex vi art. 41º LCO), conduz à nulidade da decisão, o que ora se requer seja declarado por esse Venerando Tribunal.

B.1.2) - VIOLAÇÃO DAS GARANTIAS DE IMPARCIALIDADE E OBJECTIVIDADE:
14.º
Dos autos, verifica-se que a entidade que, em 15.11.2004, primeiramente confirma o auto de notícia (por força do que estatui o art. 7º nº 3 do DL 102/2000, de 2 Junho – Estatuto da Inspecção de Trabalho), é a mesma que veio agora a tomar a decisão final de aplicação de coima. Constituindo regra elementar da protecção do cidadão (e da capacidade de distanciamento e da objectividade e isenção do próprio decisor) que quem acuse seja entidade e pessoa diversa da que procede ao julgamento do processo, daqui decorre a nulidade da decisão do IGT, pela violação das garantias de defesa do Arguido, consubstanciada na coincidência subjectiva entre a pessoa que confirmou o auto e a que decidiu a aplicação da sanção.
15ª
Sendo o risco (para a objectividade do interveniente) relativo à actividade instrutória notoriamente inferior ao da decisão final, é evidente que, não podendo ser instrutor quem lavrou o auto de notícia, por maioria de razão, também não deverá (rectius: não poderá), ser julgador quem previamente tenha conferido à acusação plena eficácia jurídica (se a lei proíbe o menos, seguramente não admitirá o mais): se o legislador, com a preocupação de garantir a imparcialidade da autoridade administrativa impediu o autuante de ter intervenção instrutória no processo (art. 629º nº 2, Código do Trabalho) a que tivesse dado origem, por maioria de razão se deve considerar impedido de intervir no processo e de proferir a decisão final o Delegado que confirma o auto que está na origem de tal processo.
16ª
Nestes termos, invoca-se a nulidade da decisão da IGT, por manifesta violação do disposto nos arts. 32º nº 10, 266º n.º 2, 17º e 18º, todos da C.R.P., bem como dos arts. 41º nº 2 do RGCO, e 40º e 41º n.º 3 do C.P.P. (estes aplicados e adaptados, nos termos e por força do art.º 41º nº 1 do RGCO), bem como, subsidiariamente, a inconstitucionalidade das normas do art. 635º e 639º nº 2 do Código do Trabalho, quando interpretadas conjuntamente, e no sentido de não excluírem a intervenção da mesma pessoa como confirmante do auto de notícia e como aplicador da coima.

B.1.3) – DA ALTERAÇÃO DO OBJECTO DO PROCESSO:
18ª
Da leitura das notificações da instauração dos processos (acto correspondente à “acusação” na fase administrativa), e em relação à Arguida ora Recorrente, decorre que os Processos com nºs administrativos …….15 e …….16, vêm respectivamente sustentados na violação das normas dos arts. 40º e 42º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (Decreto nº 41.821, de 11.08.1958), vindo ainda ambas as “infracções” estribadas em termos (excessivamente) genéricos em desrespeito aos “arts. 272º, 273º e 274º” do Código do Trabalho. E sem que nunca se tenha chegado a esclarecer qual, ou quais, em concreto da regras daqueles três artigos do Código do Trabalho se entendeu estar(em) em causa, a verdade é que, perscrutando as decisões recorridas, concluímos que, para além dos mesmos arts. 40º e 42º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, a Recorrente vem agora condenada pela violação das normas da al. m) do artigo 22º e 25º nº 4 do DL 273/2003, de 29 de Outubro e do art. 11º da Portaria nº 101/96, de 3 de Abril.
19ª
Como será bom de ver, esta modificação da qualificação jurídica dos factos em causa levada a cabo pela autoridade administrativa entre os actos da “acusação” e da decisão administrativa, configura, de acordo com o ensinamento do Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA (CURSO DE PROCESSO PENAL, Verbo Editora, Vol. III, pag. 44), uma verdadeira alteração substancial ao objecto do processo, porquanto a Arguida vê-se (apenas) agora confrontada com a invocação de normas sancionatórias que nunca antes lhe haviam sido opostas, como devido, em termos de se poder pronunciar sobre a respectiva pertinência e aplicabilidade aos factos em apreço.
Donde tudo deflui estarmos perante a situação prevista no art 359º e 379º 1 b), do C.P.P., o que comina a decisão com nulidade insanável, o que expressamente se invoca.

B.1.4) – DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA RECORRENTE:
DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 617º Nº 2, DO CÓDIGO DO TRABALHO:
20ª
Como corolário do princípio do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana, a Culpa assenta no carácter estritamente pessoal e intransmissível da manifestação de vontade anti-jurídica: ninguém pode ser condenado por crime ou contra-ordenação emergente de conduta alheia (cfr. arts. 1º, 8º, 10º, 11º, 16º nº 2, 18º nº 1 do Dec.-Lei nº 433/82, de 27.10, e arts. 13º, 40º, nº 2, e 71º nº 1 do Código Penal).
21ª
Esta questão coloca-se com particular acuidade no que toca à estatuição do regime da responsabilidade solidária em relação ao empreiteiro geral pelas coimas emergentes de contra-ordenações praticadas pelos subempreiteiros.
22ª
Conforme defendido pelo PROF. ALMEIDA COSTA (“A propósito do Novo Código do Trabalho: bem jurídico e pluralidade de infracções”, in LIBER DISCIPULORUM PARA JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Coimbra Editora, 2003, pags. 1041-1044), por muito louváveis que sejam, ou possam ser, as motivações político-económicas do Estado, elas não podem nunca superiorizar-se às regras e princípios jurídico-constitucionais basilares num Estado de Direito – aceitá-lo, seria admitir a negação deste último.
23ª
Transcrevendo, com a devida vénia, o pensamento daquele Ilustre Professor, assiste-se aqui ao “… o absurdo de um regime que se pretende de “direito sancionatório” e acaba por perverter a própria “essência” da sanção, transformando-a numa “prestação pecuniária” independente da pessoa do infractor e da respectiva culpa. No presente contexto, importa, acima de tudo, salientar a aludida subordinação da punição do “contratante” ao grau de censura (dolosa ou negligente) do “subcontratante” – circunstância que viola frontalmente o princípio da culpa e, nessa medida, fundamenta a inequívoca inconstitucionalidade do regime plasmado no nº2 do artigo 617º do CT. Na parte correspondente, o que se afirma aplica-se, também, ao nº 3 do mesmo dispositivo.”
24ª
Que o princípio da culpa vigora no direito contra-ordenacional laboral demonstram-no desde logo as normas dos nºs 1, 2, 3, e 10º do art. 32º da Constituição da República, arts. 8º, 32º e 41º do Dec.-Lei nº 433/82, de 27.10, e 614º do Código do Trabalho. E que esta Culpa (não conformação subjectiva do agente face à ordem jurídica, por referência a essenciais valores éticos ou sociais, conforme se trate do Direito Penal ou de Mera Ordenação Social) é pessoal e intransmissível, demonstram-no as regras dos arts. 30º nº 3 e 32º da Constituição da República, e, por todos, 11º, 29º, 20º nº 2, e 71 do Código Penal (já para não insistir nos arts. 8º nº 1, 9º nº 1, 16º nº 2 e 18º nº 1 do Dec.-Lei nº 433/82).
25ª
A norma do art. 617º nº 2 do Código do Trabalho prescreve que o contratante será solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada ao subcontrante, salvo se demonstrar que agiu sem a diligência devida. Ou seja, ao se impor ao arguido um verdadeiro ónus de alegação e prova da respectiva inocência, institui-se um “tipo de ilícito” (da responsabilidade solidária) assente na presunção da culpabilidade do arguido.
26ª
Mas como a Constituição da República Portuguesa estatui que o processo criminal/contra-ordenacional “assegura todas as garantias de defesa” (sendo que obrigar o visado a provar que “não é culpado” não será certamente uma dessas garantias) e que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação” (art. 32 nº 1 e 2), não é possível considerar a norma do Código do Trabalho do art. 617º nº 2 compatível com aquela exigência – material e processual – da nossa Lei Fundamental.

B.1.4) – DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA RECORRENTE:
DA VIOLAÇÃO DAS GARANTIAS DE DEFESA:
27ª
Ao contrário do que sucedeu com a responsabilidade pela “sua” contra-ordenação, a Arguida viu-se com a decisão final do processo na fase administrativa, pela primeira vez, confrontada com a possibilidade real de ter que responder por actos (assumidamente – até pela IGT) alheios, e logo com o pagamento de(s) coima(s).
28ª
Mas mandam as boas regras e princípios nesta matéria (e o art. 637º do Código do Trabalho) que, à aplicação de uma qualquer sanção, seja dada ao visado (ao menos) a faculdade de se defender, mesmo em relação aos pressupostos em que assenta tal responsabilidade solidária (cfr. J. SOARES RIBEIRO, RESPONSABILIDADE PELA SEGURANÇA NA CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS, Almedina, 2005, pag. 83):
29ª
O exercício do direito de defesa em processo de contra-ordenação goza de consagração constitucional (art. 32º nº 10, CRP), sendo a sua violação cominada com a nulidade prevista no art. 119º al c) do Código do Processo Penal (vide, por todos, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04.06.2003, Proc. nº 0340707, e Assento nº 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça de 16.10.2003 – DR, Série I-A, de 25.01.2003), pelo que se invoca a nulidade da decisão recorrida, na parte respeitante à alegada responsabilidade solidária da aqui Recorrente, pelo pagamento das coimas.

II – DA MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO:
30.º
Conforme resulta da matéria de facto dada por provada na douta decisão em crise, a aqui Recorrente não “intervinha” naquela frente de trabalho como empregadora, mas tão-só enquanto entidade executante.
31.º
Da mesma forma, resulta da decisão em crise que a responsabilidade pela execução da frente de trabalhos em questão encontrava-se exclusivamente atribuída aos subempreiteiros identificados no auto de notícia, quais sejam, C………., LDA., D………., LDA e E………., LDA.
32.º
Assim, todos e quaisquer cuidados em matéria de segurança, colectiva e individual, a ter em conta na execução das tarefas em causa seriam (foram) encarados pelos diversos subempreiteiros, nomeadamente pela C………., Lda, enquanto subempreiteiro principal, como sua responsabilidade. Nesta óptica, como aliás se lê da douta sentença, e por exigência da B………., SA, também o subempreiteiro detinha um Plano de Segurança e Saúde próprio, aplicável aos trabalhos adjudicados.
33.º
Assim sendo, à ora Recorrente competiria unicamente assegurar o respeito pelas boas regras da arte (técnica e de segurança), sempre na qualidade de entidade executante, em relação ao seu subempreiteiro, em termos de acompanhamento/fiscalização regular do desenvolvimento dos trabalhos.
E essa sua obrigação, como igualmente resulta da decisão em crise, foi integralmente cumprida: “A recorrente possui de serviços e agentes de segurança que, com regularidade, inspeccionam o andamento das obras de que está incumbida, em ordem ao controlo da respectiva concretização, em termos de segurança.”
34.º
Ainda que assim não fosse, isto é, que o Tribunal a quo não tivesse dado por provada a matéria supra referida, sempre se diria que a norma cuja violação se imputa à arguida no presente processo se destina unicamente ás obrigações dos empregadores (qualidade que, como também ficou expressamente consignado na douta sentença, a B………., SA não detinha, na execução dos trabalhos em apreciação).
De facto, a ora Recorrente vem apenas expressamente condenada pela violação da alínea m) do art. 22º do Dec.-Lei nº 273/2003, de 29.10, segundo a qual “na execução da obra, os empregadores devem adoptar as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho previstas em regulamentação específica.”
Assim sendo, inexistem nos presentes autos quaisquer fundamentos para se concluir pela condenação da ora Recorrente no presente processo.
35.º
Resta, por fim, reiterar a impossibilidade legal de manutenção da condenação da ora Recorrente como solidariamente responsável pelo pagamento das coimas aplicadas aos subempreiteiros identificados nos autos.
Na verdade, no âmbito das empreitadas de construção civil com recurso a subempreitada, terão necessariamente que ser diferentes as obrigações e cuidados na prática do subempreiteiro e do empreiteiro geral. Sob pena de, assim não sucedendo (isto é, inexistindo uma clara demarcação entre a intervenção de um e do outro no mesmo local e tempo), se propiciarem as condições de insegurança no trabalho, por via de descoordenações de actividades entre as várias empresas, homens e máquinas.
Cfr. a este respeito a douta opinião de J. SOARES RIBEIRO, in RESPONSABILIDADE PELA SEGURANÇA NA CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS, Almedina, 2005, pag. 186 (supra transcrita supra).
36.º
Pelo exposto, e dado que a Recorrente não reveste nos presentes autos a qualidade de empregadora e a execução das actividades em causa havia sido transferida por contrato de subempreitada para a Arguida C………., Lda (que, por sua vez, subcontratou os 3º e 4º Arguidos), não pode a ora Recorrente ser responsabilizada objectiva e/ou subjectivamente pela contra-ordenação do art. 22º al. m) do Dec. -Lei nº 273/2003.
Até porque, além de cumprir com os seus deveres de normal fiscalização dos trabalhos (e ainda que assim não fosse), a norma em causa apenas a responsabiliza na sua relação com o subcontratante directo (C………., Lda), o que tanto vale para a responsabilidade directa pela contra-ordenação, como para a responsabilidade solidária pelo pagamento das coimas aplicadas aos “sub-subempreiteiros”.».

O Sr. Procurador da República, no Tribunal a quo, apresentou a sua alegação, concluindo no sentido da rejeição do recurso, sem conhecimento do seu objecto e, sem prescindir, no sentido do seu não provimento.

Nesta Relação, a Exmª Srª Procuradora da República emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.

A Recorrente tomou posição acerca do teor de tal parecer, dele discordando.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Matéria de Facto Provada na 1ª Instância:

O Sr. Juiz, no que se reporta à matéria de facto, referiu o seguinte nas sentenças proferidas em ambos os processos (447/05 e 448/05):

«Do conteúdo dos autos resultam, em síntese, provados os seguintes factos:

- O auto de notícia de fls. 4 a 9 deste processo, consigna que, em Outubro de 2004, na obra de construção do aproveitamento F………., ………. estavam em curso obras sem que, os trabalhadores que aí operavam, estivessem munidos com equipamento de protecção colectiva ou individual que impedissem a sua queda em altura;

- A referida altura prolongava-se por 35 metros;

- A recorrente era a entidade executante da obra, a qual, todavia, estava a ser levada a cabo pelos subempreiteiros identificados no auto de notícia;

- A B………., SA, que tinha um Plano de Higiene e Segurança informou, do mesmo, o principal subempreiteiro C………., Lda, o qual, por sua vez, era detentor próprio de idêntico instrumento;

- A recorrente possui de serviços e agentes de segurança que, com regularidade, inspeccionam o andamento das obras de que está incumbida, em ordem ao controlo da respectiva concretização, em termos de segurança;

- Porém, na data em que se verificou o acto inspectivo do IDICT, a recorrente ainda não levara a cabo a inspecção em apreço.

Não se provaram outros factos com relevância para a respectiva decisão.».
*
III. O Direito.

1. Questões prévias:

1.1. Suscita o recorrido a questão prévia da rejeição do recurso, sem conhecimento do seu objecto.
Para tanto, e em síntese, alega que: o artº 669º do CPC é inaplicável ao processo penal, pois que existe o artº 380º do CPP, o qual prevê um mecanismo de correcção da sentença quando esta não enferma de nulidade e que pressupõe que o requerente dela (sentença) não discorda; dela discordando, teria que recorrer, sob pena de preclusão de tal direito processual.
Não tem razão.
Nos termos do disposto no rtº 380º, nº 1, al. b), o tribunal procederá, oficiosamente, à correcção da sentença quando esta contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. Nada dispondo, no entanto, quanto ao início de contagem do prazo para interposição do recurso, aplicar-se-á o disposto no artº 686º, nº 1, do CPC (ex vi do disposto nos arts. 41º, nº 1, do DL 433/82 e 4º do CPP), nos termos do qual o prazo apenas começará a correr depois da notificação da decisão sobre o requerimento de correcções da sentença. Aliás, assim não poderia deixar de ser uma vez que, contendo a sentença obscuridade ou ambiguidade, só depois de esclarecida a questão poderá o interessado, na posse de todos os elementos, decidir da interposição, ou não, de recurso e formular correcta ou adequadamente as suas alegações. Acresce que, nos termos do artº 669, nº 2, do CPC aplicável ao processo penal, a decisão que defira a rectificação, esclarecimento ou reforma considera-se parte integrante da sentença. Nem, por outro lado, o pedido de correcção perante ambiguidade ou obscuridade da sentença consubstancia ou representa aceitação da decisão recorrida ou renúncia ao recurso.
O recurso é, assim, admissível e tempestivo.

1.2. Ainda que após a prolacção das duas sentenças de teor idêntico e condenando a arguida em coima de montante idêntico (cada uma delas proferida em cada um dos Processos ..7/05 e ..8/05), o Sr. Juiz do Tribunal a quo mandou apensar os dois processos, proferindo, na sequência de requerimento de aclaração, decisão no sentido de que nesses processos estava em questão uma única e mesma contra-ordenação e, bem assim, que as decisões de aplicação de coima constantes dessas sentenças consubstanciavam também uma única e mesma coima.
Tal decisão considera-se parte integrante da sentença e não foi impugnada nem pelo Ministério Público, nem pela arguida (a única que recorreu da sentença) , pelo que, atenta a proibição da reformatio in pejus consagrada no art. 72º - A do DL 433/82 (preceito aditado pelo DL 244/95, de 14.09), se considera, nessa parte, transitada em julgado, não podendo vir a ser alterada, mormente em desfavor da arguida.

2. De acordo com as conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes as questões que a mesma coloca:

a) Nulidades da sentença por insuficiência da matéria de facto e omissão de pronúncia;

b) Nulidades da decisão administrativa (invalidade da remissão, feita na decisão do delegado da IGT, para coima concreta constante da proposta de decisão do instrutor; falta de fundamentação da própria proposta de decisão; coincidência entre a entidade que a profere e a que confirma o auto de notícia; alteração do objecto do processo, preterição do direito de defesa [5]);

c) Inconstitucionalidade dos artºs 635º e 639º, nº 2, do CT, quando interpretadas conjuntamente e no sentido de não excluírem a intervenção da mesma pessoa como confirmante do auto de notícia e como aplicador da coima.

d) Inconstitucionalidade do art. 617º, nº 2, do Cód. Trabalho (responsabilidade solidária da Recorrente);

d) Nâo lhe é imputável a infracção, uma vez que não é empregadora, mas sim executante.

3. Quanto às nulidades da sentença:

No que se reporta à nulidade da sentença por insuficiência da matéria de facto (art. 410º, nº 2, al. c), do CPP) alega a arguida que, tendo sido condenada por violação do disposto na al. m) do art. 22º do DL 273/03, de 29.10, da matéria de facto provada resulta que a arguida era mera executante, dela não constando factualidade que permita a conclusão de que era entidade empregadora.

Quanto à nulidade por omissão de pronúncia (art. 410º, nº 3, com remissão para a al. c) do artº 379º, ambos do CPP), alega a arguida que a sentença recorrida não se pronunciou sobre várias (que indica) questões que havia invocado em sede de impugnação judicial da decisão administrativa.

3.1. Vejamos, antes de mais, qual o enquadramento legal pertinente à apreciação das nulidades da sentença:
Em matéria contra-ordenacional, a 2ª instância apenas conhece em matéria de direito, podendo ela alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus (cfr. Art. 75º, nºs 1 e 2, al. a), do DL 433/82).
Nos termos do disposto no art. 374º do CPP[6], a sentença deve conter «(...) a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.» (nº 2) (o sublinhado é nosso).
A omissão de tais requisitos constitui nulidade da sentença – cfr. Art. 379º, nº 1, al. a) -, assim como a constitui, também, a omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar – cfr. citado art. 379º, nº 1, al. c).
Com se tem entendido, tais nulidades não são de conhecimento oficioso[7].
Todavia, dispõe também o art. 410º, nºs 2 e 3, do CPP que:
«2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.».
E, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ de 19.10.95, in DR I Série, de 28.12.95, é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410º, nº 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
Importa também referir que a insuficiência para a decisão da matéria de facto ocorre quando esta é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa, isto é, quando da factualidade verida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.[8].
Por outro lado, quanto à omissão de pronúncia, e como é sabido, o conceito de questão não se confunde com as razões ou argumentos utilizados que tendem a suportar a solução da questão.

3.2. No caso em apreço:

3.2.1. Quanto à nulidade da sentença por insuficiência da matéria de facto:

À arguida foi imputada, seja nos autos de notícia, seja nas decisões administrativas (por remissão para as propostas de decisão), a violação do disposto nos arts. 40º e 42º do DL 41.821, de 11.08.58 [9] e, em consequência, a contra-ordenação muito grave prevista no nº 4 do art. 25º do DL 273/03, de 29.10.03.
Nos autos de notícia constava[10]:
- Ser a arguida [11] autuada «comparticipadamente» e na qualidade de entidade executante e empregador;
- No dia 10.09.04, pelas 11 horas, na obra de construção do aproveitamento F.......... – F1.........., Ldª (..........), estarem em curso trabalhos de construção da referida ........., nomeadamente de armação de ferro, colocação de lajes e soldadura, sob o tabuleiro da mesma,
- Os trabalhos da responsabilidade da arguida estarem a ser executados, entre outros, pelo trabalhador G.........., com a categoria profissional de pedreiro;
- O referido trabalhador e os demais trabalhadores das entidades referidas no auto de notícia, também aí autuadas, coordenados pelo encarregado da arguida na altura da visita, estarem a trabalhar e/ou terem acesso, em toda a extensão do tabuleiro da .........., à bordadura da laje do mesmo, sem que existisse protecção colectiva suficiente e adequada (guarda-corpos) que evitasse o risco de queda em altura dos trabalhadores em obra;
- Na preparação da cofragem para a execução do referido tabuleiro não existirem plataformas de trabalho ou arnês de segurança que evitassem a queda em altura;
- Por outro lado, no tabuleiro dessa .........., onde os referidos trabalhadores circulavam, existir uma abertura para o interior, com cerca de 4/5 metros de profundidade e largura, com ferros em espera ao longo de toda a bordadura, susceptibilizando a queda para o interior dos trabalhadores que no cumprimento das suas funções, se viam obrigados a circular no local.

Ora, não podemos deixar de considerar que a decisão relativa à matéria de facto consignada na sentença proferida pela 1ª instância é deficiente e insuficiente para a decisão da causa, não consignando (como provado ou não provado) factualidade que se mostra relevante e necessária a essa decisão.
Vejamos.
Da sentença deverá constar a enumeração dos factos provados e não provados, enumeração essa que, e desde logo, não deve, nem pode, ser feita por síntese do que resulta do conteúdo dos autos, tal como o faz a sentença recorrida, devendo antes ser feita de forma exaustiva, cabal e esclarecedora da factualidade pertinente.
É o que decorre do art. 374º, nº 2, do CPP, o que bem se compreende, tendo em conta que a decisão de facto reveste-se de fundamental e primordial importância na decisão das causas submetidas a apreciação e decisão dos tribunais, sendo certo que dela dependerá a aplicação do direito, imprescindibilidade essa, aliás, tanto mais justificada e compreensível quando, em sede recursiva, o tribunal superior apenas conheça em matéria de direito (como é o caso da Relação em matéria contra-ordenacional).
Feito tal reparo, há que dizer o seguinte:
A sentença recorrida dá como provado, em primeiro lugar, o que o auto de notícia consigna, sem que, no entanto, dê como provado (ou não[12]), os concretos factos que dele constam, o que, naturalmente, constituem realidades bem distintas.
Uma coisa é o que o autante consigna no auto de notícia (ou o decisor na decisão administrativa) e, outra, a verificação (ou não), isto é, a prova (ou não), em sede judicial e efectuada a audiência de julgamento, dos factos relatados no auto de notícia.
Ora, o sr. Juiz, deixando, no primeiro ponto da matéria de facto, consignado, apenas, o que consta do auto de notícia, nada diz quanto à prova, ou não, dos factos que dele constam, designadamente quanto: identificação do local e dos trabalhos que estariam a ser levados a cabo, data da prática dos factos imputados, factos concretizadores do risco envolvido e da necessidade das medidas de protecção indicadas (guarda-corpos, plataformas de trabalho, arnês de segurança), existência (ou não) no local dos referidos guarda-corpos, plataformas de trabalho, arnês de segurança, existência, ou não, de trabalhadores com acesso ao local e entidades empregadoras e se a arguida, apesar de executante da obra e de esta ser levada a cabo por subempreiteiros, tinha, ou não, trabalhadores seus na execução da mesma e/ou com acesso ao local, designadamente o trabalhador G.........., pedreiro, referido no auto de notícia.
Esclareça-se que, tal como referido pela arguida, tendo-lhe sido imputada a contra-ordenação prevista no art. 25º, nº 4, do DL 273/03[13], necessário se afigura saber se os trabalhos que estariam a ser levados a cabo no local em questão eram (tal como referido no auto de notícia), ou não, também executados por trabalhador da arguida, facto este sobre o qual, como acima o dissemos, não decorre da decisão de facto do tribunal a quo.
As apontadadas omissões consubstanciam a nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. a) (arguida pela Recorrente), bem como o vício apontado no art. 410º, nº 1, al. a), do CPP (este, de conhecimento oficioso), determinando a anulação da sentença recorrida e, nos termos do art. 426º, nº 1, do CPP, o reenvio do processo para novo julgamento relativamente às questões acima identificadas.

Assim, e nesta parte, procedem as conclusões da Recorrente.

3.2.2. Quanto à nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 410º, nº 3, com remissão para a al. c) do artº 379º, ambos do CPP):

Alega a arguida que a sentença recorrida não se pronunciou sobre as seguintes questões que havia invocado em sede de impugnação judicial da decisão administrativa:

(a) nulidade da decisão administrativa por não se ter ela pronunciado sobre a defesa que por si havia sido aduzida na resposta subsequente à notificação do auto de notícia;

(b) dupla remissão da decisão administrativa (já que esta remete para a proposta de decisão e, esta, por sua vez, para o auto de notícia), sem que haja uma análise própria efectuada pelos demais intervenientes (que não o autuante) sobre o objecto do processo;

(c) omissão da própria proposta de decisão, para a qual a decisão administrativa remete, quanto aos factos que considerou provados e não provados, à imputação dos mesmos à arguida e aos motivos de facto e de direito em que se fundamentam.

Com efeito, a arguida, na impugnação judicial da decisão administrativa, invocou a sua nulidade com tais fundamentos.
Na sentença recorrida, o Sr. Juiz, conhecendo da questão relativa, como nela se refere, à «nulidade da decisão recorrida por inexistência de fundamentação fáctica e juridica, com omissão de pronúncia», entendeu que a simples remissão, na decisão administrativa, para os factos constantes da proposta, não implica, no quadro do artº 125º do CPA, qualquer nulidade ou inexistência e que tal decisão não é uma sentença, nem se lhe pode equiparar, sendo-se, na fase administrativa, menos exigente que no âmbito do processo penal.
Ou seja, entendeu, pelas razõs apontadas, que a decisão administrativa não era nula, assim conhecendo e pronunciando-se, ainda que de forma sintética, sobre a questão invocada pela arguida. E, daí, que inexista o apontado vício de omissão de pronúncia.
Como já o dissemos, tal vício pressupõe o não conhecimento, pelo juiz, de questões suscitadas, mas não já de (todos) os argumentos invocados, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões da Recorrente.

4. Quanto às nulidades da decisão administrativa:

Entende a recorrente que a decisão administrativa é nula, para tanto invocando, em síntese: (a), a invalidade da remissão, feita na decisão do Delegado da IGT, para coima concreta constante da proposta de decisão do instrutor; (b) falta de fundamentação da própria proposta de decisão; (c) coincidência entre a entidade que profere a decisão e a que confirma o auto de notícia; (d) alteração do objecto do processo e (e), preterição do direito de defesa[14].

4.1. Quanto à invalidade da remissão feita na decisão do delegado da IGT para coima concreta constante da proposta de decisão do instrutor:
Entende a Recorrente que essa remissão não é válida, mais acrescentando que tal se traduz na falta de sanção propriamente dita pois que o decisor é legalmente obrigado a tomar a sua própria posição subjectiva sobre o objecto do processo e pela forma que a lei taxativamene define.
A questão da remissão da decisão administrativa para a proposta de decisão tem sido largamente apreciada pela jurisprudência, que tem entendido ser ela, nos termos do artº 125º do Código do Procedimento Administrativo, admissível. E, resolvendo eventuais dúvidas, veio o artº 639º, nº 5, do Cód. Trabalho admitir, expressamente, a possibilidade de a decisão, quando concordante com a proposta de decisão, poder ser expressa por simples remissão para os respectivos fundamentos.
E, no que se reporta à alegada remissão da decisão para uma sanção concreta proposta pelo instrutor, a questão, nos autos, nem se coloca, sendo certo que, nestes, a decisão administrativa proferida pela Exmª Delegada da IGT, que consta de fls. 35, não aplica uma sanção por mera remissão, antes aplicando-a expressamente na própria decisão, apenas remetendo para a proposta os fundamentos dessa decisão. Com efeito, nesta, após se remeter para a proposta do instrutor e referir-se estar-se de acordo com ela, diz-se ainda que «Nestes termos, aplico a B.........., SA a coima de Euros 11000,00 (Onze mil euros).».
A decisão de determinação e aplicação da coima em concreto resultante de uma análise e ponderação subjectiva, a efecutar pelo próprio decisor (Delegado da IGT), não foi, pois, posta em causa nos autos, pelo que, neste particular, nada inquina a decisão administrativa.

4.2. Quanto à falta de fundamentação da própria proposta de decisão:

Entende ainda Recorrente a própria proposta de decisão não se encontra fundamentada, pelo que, também por isso, a decisão, feita por remissão para os fundamentos da proposta, não se encontraria fundamentada.
E, para tanto, diz que essa proposta não aprecia a defesa por si aduzida na resposta ao auto de notícia (limitando-se a dizer que a defesa «não pôs em causa o merecimento do auto»), que remete para a factualidade do auto de notícia, não podendo a condenação administrativa limitar-se a ser o resultado de dupla remissão (art. 41º, nº 2, do DL 433/82, 55º e 262º, nº 1, do CPP e 158º, nº 2, do CPC), não expondo os factos ilícitos que considerou provados e não provados, a sua imputação à arguida e os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.
Admitida que é a possibiidade de remissão da decisão administrativa para os fundamentos da proposta de decisão, necessário é, contudo, que esta se encontre fundamentada de harmonia com o disposto no art. 58º, nº 1 do DL 433/82, nos termos do qual a decisão que aplica a coima deverá conter, para além da identificação dos arguidos [al. a)] e a coima e as sanções acessórias [(al. d)], também a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas [(al. b)] e a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão. [(al. c)].;
No caso, as propostas de decisão começam por um relatório onde, para além do mais, se identificam os arguidos (entre os quais a ora Recorrente), se descrevem expressamente os factos relatados no auto de notícia e se refere, em síntese, o teor da defesa apresentada pela arguida, acrescentando-se que «não obstante a defesa, a arguida confessa que lhe competia assegurar o respeito pelas boas regras da arte (técnica e de segurança)»; segue-se-lhe a parte relativa aos «Factos Provados» , na qual se refere que «a defesa apresentada não põe em causa o merecimento do Auto, tanto mais que a arguida confessa tanto que não foram implantadas as medidas previstas, como que era a esta que competia assegurar o respeito pela segurança e assim, com base nos factos materiais constantes do processo e confessados em sede de resposta escrita, se têm como provados os elementos do Auto devido ao seu valor documental, conforme resulta do disposto nos artigos 369º e 371º do Código Civil. Pelo que se considera provada toda a matéria constante do auto já anteriormente aqui referida e descrita.», seguindo-se o enquadramento jurídico, com indicação das normas que considerou aplicáveis [artºs 40º e 42º do DL 41.821, de 11.08, 22º, al. m) e 25º, nº 4, do DL 273/03, 11º da Portaria 101/96, de 03.04, e dos demais preceitos do Cód. Trabalho de que resulta o montante da coima aplicável e proposta].
Daqui se vê que não assiste razão à arguida.
Referindo-se expressamente no relatório da proposta a concreta factualidade e, alguns passos adiante, dando-a como provada (com indicação da correspondente fundamentação) e por reproduzida, está suficiente e cabalmente indicada a matéria de facto que suporta a decisão, não ocorrendo remissão para o auto de notícia. Por outro lado, foi dado cumprimento ao demais exigido no art. 58º, imputando-se a infracção à arguida e indicando-se, nomeadamente, as normas infringidas, as que tipificam a contra-ordenação e as relativas à moldura da coima.
E a proposta pronunciou-se, também, sobre a defesa da arguida, rejeitando-a por, considerando a matéria de facto que entendeu provada, entender que a mesma não obstava ao cometimento da infracção. É isso o que decorre do que acima deixamos transcrito Aliás, nem o art. 58º impõe que a autoridade adminsitrativa rebata, ponto por ponto ou de forma exaustiva, a fundamentação aduzida na defesa apresentada pelo arguido.
A decisão administrativa não padece, pois, da apontada nulidade, improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.

4.3. Quanto à (alegada) coincidência entre a entidade que profere a decisão administrativa e a que confirma o auto de notícia e insconstitucionalidade dos artºs 635º e 639º, nº 2, quando interpretados conjugadamente no sentido acima apontado.

Alega a Recorrente que, constituindo regra elementar a de que quem acuse seja entidade diferente da que proceda ao julgamento do processo, a confirmação do auto de notícia pelo Delegado da IGT viola as garantias de imparcialidade, objectividade e defesa do arguido; mais acrescenta que se o instrutor não poderá ser quem levanta o auto de notícia (art. 629º, nº 2, do CT), por maioria de razão também o julgador não poderá ser quem previamente tenha conferido à acusação plena eficácia jurídica. A assim se não entender, seriam violados os arts. 32º, nº 10, 266º, nº 2, 17º e 18º da CRP, 41º, nº 2, do DL 433/82 e 40º e 41º, nº 3, do CPP, como inconstitucionais seriam as normas dos arts. 635º e 639º, nº 2, do CT quando interpretadas conjuntamente e no sentido de não excluírem a intervenção da mesma pessoa como confirmante do auto de notícia e como aplicador da coima.
Embora discutíveis a natureza e finalidade da confirmação do auto de notícia, afigurava-se-nos que ela mais não constituía do que fazer depender a eficácia do auto da apreciação superior quanto às condições formais da sua legalidade[15], o que envolvia um juízo sobre a conformidade meramente formal do auto de notícia e não já um juízo sobre a verificação da materialidade da infracção; e, como também se nos afigura, do ponto de vista das garantias de imparcialidade, objectividade e direito de defesa é completamente diferente a posição do autuante que exercesse as funções de instrutor (instruindo um processo no qual ele próprio assumiria a posição de participante e testemunha dos factos) da do decisor que confirmou o auto de notícia, o qual, nesta sede – confirmação do auto - tão-só verifica da referida conformidade formal do auto de notícia, apreciação esta que em nada afecta o direito de defesa do arguido, que sempre poderá deduzir a sua defesa e sendo certo que a instrução será levada a cabo por entidade diferente quer do autuante, quer do decisor.
Aliás, no próprio processo penal, também o juiz profere despacho de recebimento (ou não) da acusação e, nem por isso, fica impedido de intervir no julgamento.
Acrescente-se que também se tem entendido [cfr. Acórdão desta Relação, de 28.02.05, n CJ, 2005, T I, pág. 238 e ss.] que o auto de notícia não equivale à acusação em processo penal. Como se refere no citado aresto «a acusação será antes antes a decisão proferida a final, conforme é defendido no Assento 1/03, publicado no DR, I Série, nº 21, de 25.01.03 ... «Em suma, a decisão administrativa de aplicação da coima só virtualmente constituirá uma «condenação», pois que, se impugnada, tudo se passa como se, desde o momento em que é proferida a decisão, esta fosse uma acusação.».
De todo o modo, a confirmação do auto de notícia, que se manteve até à anterior Lei 116/99, veio a ser revogada pelo actual Cód. Trabalho, conforme decorre do disposto no art. 635º, preceito este que já não prevê tal formalidade.
E, no caso, os autos de notícia em questão não foram objecto de confirmação, como deles decorre, sendo certo que no canto superior direito dos mesmos foi aposta não a confirmação, mas sim um «visto».
A este propósito, refere a arguida na sua resposta ao Parecer da Exmª Srª Procuradora, que, apesar da diferente designação, é a mesma a natureza e finalidade do visto, mais acrescentando que, não tendo o tribunal a quo posto em questão que se trataria de uma confirmação (e não tendo o Mº Pº recorrido, nessa parte, da sentença), não se poderia, agora, questionar da sua existência, devendo a mesma – confirmação – ter-se por verificada.
Ainda que fosse a mesma a natureza e finalidade do visto – o que não se nos afigura, nem se encontra demonstrado que assim seja (já que o visto mais não é do que isso mesmo – a indicação de que se viu)– sempre improcederiam, pelas razões acima referidas, as alegadas nulidade e inconstitucionalidade, não se vendo que seja violado o disposto nos arts. 40º [16] e 41º do CPP ou que seja afrontado o direito de audiência e defesa (art. 32º, nº 10 da CRP) e/ou os princípios da imparcialdiade e justiça (e demais referidos no art. 266º, nº 2 da CRP).
Por outro lado, os autos de notícia constam dos autos, deles resultando, inequivocamente, que o que neles se encontra aposto é a expressão «visto» e não a de «confirmação», pelo que não se vê que não possa o tribunal ad quem, mormente ao abrigo do art. 410º, nº 2, al. c), do CPP, conhecer de tal facto.
A decisão administrativa não padece, pois, da apontada nulidade, nem se verifica a alegada inconstitucionalidade dos artºs. 635º e 639º, nº 2, do Cód. Trabalho, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.

4.4. Da nulidade por alteração do objecto do processo:

Alega a Recorrente que na notificação da acusação foi-lhe imputada a violação dos arts. 40º e 42º do RHSTCC e 272º e 273º do CT, sendo que, na decisão administrativa, para além daquelas normas, lhe foi ainda imputada a violação dos artsº. 22º, al. m) e 25º, nº 4, do DL 273/03, de 29.10 e do art. 11º da Portaria 101/96, de 03.04, o que detrminaria nulidade insanável (art. 359º e 379º, nº 1, al. b), do CPP.
Não lhe assiste razão.
Nos autos de notícia, notificados à arguida para o exercício do direito de defesa, imputa-se-lhe a violação dos artºs 40º e 42º do RHSTCC, 272º e 273º do CT e a prática de uma «Contra-odenação Muito Grave, nos termos do nº 4 do Artigo 25º do Decereto-Lei nº 273/03, de 29.10.2003», preceitos estes que são os também imputados na decisão administrativa.
Por outro lado, o apelo que, em sede de fundamentação jurídica, se faz a os arts. 22º, al. m)[17] do DL 272/73 e 11º da Portaria 101/96, de 03.04[18], mais não constituem que normas de carácter genérico e não consubstanciando qualquer alteração, seja ela substancial ou não substancial dos factos, nem tão pouco das normas violadas (estas as dos artºs 40º e 42º do RSTCC) e da que prevê a infracção (art. 25º, nº 4, do DL 273/03).
A decisão administrativa não consubstancia, assim, qualquer alteração do objecto do processo, não tendo, consequentemente, sido cometida a nulidade apontada pela arguida.

4.5. Da preterição do direito de defesa na parte respeitante à alegada responsabilidade solidária da arguida pelo pagamento das coimas em que terão sido condenadas as demais empresas subempreiteiras:
A este propósito, alega a arguida que a responsabilidade solidária apenas lhe foi imputada na decisão administrativa (e não já no auto de notícia e/ou na notificação deste), o que violaria o seu direito de defesa, determinando a nulidade da sentença.
Ainda que na proposta de decisão se refira ser de salientar que, nos termos do nº 2 do artigo 617 do Código do Trabalho a arguida, na qualidade de empreiteiro geral e entidade empregadora, é solidariamente responsável pelo pagamento das coimas aplicadas aos subempreiteiros, a verdade é que a decisão administrativa não proferiu decisão condenatória da arguida no pagamento solidário das coimas que terão (o que nem se encontra demonstrado nos autos) sido aplicadas às demais empresas autuadas conjuntamente, nela apenas se condenando a arguida na coima de €11.000,00. E, esclareça-se, pese embora a decisão administrativa remeta para a proposta e a dê por reproduzida, tal remissão tem-se por efectuada para os fundamentos da proposta (cfr. Art. 639º, nº 5, do CT), não dispensando a concreta decisão de condenação.
E, por outro lado, não se vê que a sentença recorrida contemple decisão condenatória da arguida no pagamento solidário das coimas aplicadas a outras entidades, sendo certo que ela apenas condenou a arguida em coima que fixou no «mínimo legal»
Deste modo, inexistindo condenação da arguida no pagamento solidário de outras coimas, a questão da nulidade da decisão administrativa por preterição do direito de defesa quanto à responsabilidade solidária da arguida nem se coloca, carecendo de interesse o por esta invocado a este propósito, e não tendo, assim, sido cometida a invocada nulidade.

5. Quanto à inconstitucionalidade do art. 617º, nº 2, do Cód. Trabalho (responsabilidade solidária da Recorrente):

Tem-se aqui por reproduzido o que se disse no ponto imediatamente antecedente, pelo que, não tendo sido proferida decisão (administrativa e/ou judicial) de condenação solidária da arguida no pagamento de coima aplicada a outras entidades, carece de total interesse a apreciação da questão suscitada. Aliás, o arguido apenas detém legitimidade e interesse em recorrer das decisões que contra ele sejam proferidas [cfr. Art. 401º, al. b), do CPP], sendo que, neste particular e pela apontada razão, a arguida carece de legitimidade e interesse em agir E, daí, que não se conheça da mesma.

6. Quanto à não imputabilidade da infracção à arguida, por não deter ela a qualidade de empregadora, mas sim de executante:

Alega a arguida que não era empregadora (sendo que os subempreiteiros é que o seriam), mas mera executante pelo que não lhe são imputáveis as infracções cometidas.
A apreciação desta questão fica prejudicada pela anulação e reenvio do processo à 1ª instância determinada no ponto III. 3.2.1., sendo certo que a matéria de facto a apurar se prende com a questão ora suscitada.
*
IV. Decisão:

Em face do exposto, acorda-se, em audiência de julgamento, em anular a sentença recorrida, determinando-se o reenvio do processo à 1ª instância para novo julgamento com vista a apurar as questões mencionadas no ponto III. 3.2.1. deste acórdão, quais sejam: identificação do local e dos trabalhos que estariam a ser levados a cabo, data da prática dos factos imputados, factos concretizadores do risco envolvido e da necessidade das medidas de protecção indicadas (guarda-corpos, plataformas de trabalho, arnês de segurança), existência (ou não) no local dos referidos guarda-corpos, plataformas de trabalho, arnês de segurança, existência, ou não, de trabalhadores com acesso ao local e entidades empregadoras e se a arguida, apesar de executante da obra e de esta ser levada a cabo por subempreiteiros, tinha, ou não, trabalhadores seus na execução da mesma e/ou com acesso ao local, designadamente o trabalhador G.........., pedreiro, referido no auto de notícia.

Quanto ao mais suscitado no recurso: nega-se-lhe provimento (relativamente às restantes nulidades da sentença e da decisão administrativa invocadas e à inconstitucionalidade dos arts. 635º e 639, nº 2, do Cód. Trabalho, na interpretação apontada pela arguida); não se conhece do objecto do recurso quanto à questão da inconstitucionalidade do art. 617º, nº 2, do Cód. Trabalho; e considera-se prejudicado o conhecimento da questão da imputabilidade da infracção à arguida.

Sem custas.

Porto, 22 de Outubro de 2007
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa

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[1] Numeração do Tribunal do Trabalho de Vila Real e a que correspondem, respectivamente, os processos administrativos nºs …….15 e …….16.
[2] Conforme actas, respectivamente, de fls. 102/ 103 e 90/91.
[3] As quais constam de fls. 104 a 110 do Proc. ..8/05 e de fls. 92 a 98.
[4] Solicitando que, uma vez que a audiência de julgamento, segundo se refere, teria tido lugar em conjunto, se esclarecesse se: foi aplicada uma só coima por se haver sido considerado, tal como havia defendido na impugnação judicial, que as imputações constantes dos dois processos administrativos constituiriam a prática de uma única contra-ordenação; ou se tal situação traduziria a apensação (também então requerida) dos dois processos, reflectindo o cúmulo jurídico das coimas singularmente aplicadas em cada um dos processos; e se «o mínimo legal» da coima que se refere na sentença se quantifica em 90 UC, por aplicação do disposto no art. 25º, nº 4, do DL 273/03 e do art. 620º, nº 4, al. e), do Cód. Trab.
[5] Porquanto a responsabilidade solidária apenas teria sido imputada à arguida na decisão administrativa.
[6] O CPP é subsidiariamente aplicável em matéria contra-ordenacional ex vi do disposto no art. 41º do DL 433/82.
[7] Neste sentido, cfr. Acórdãos da. RP de 27.01.03 e de 15.10.03, in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. parecer do Exmº. Sr. Procurador Geral Adjunto, junto desta Relação, emitido no Processo 5011/06.4.
[9] Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, de ora em diante apenas designado por RSTCC.
[10] Matéria que foi dada como assente na decisão administrativa.
[11] E as demais empresas neles referidas.
[12] Refira-se que, em relação aos factos não provados, o Tribunal a quo apenas refere que Não se provaram outros factos com relevância para a respectiva decisão, sem que, contudo, os especifique, desconhecendo-se qual a factualidade que, na perspectiva do Sr. Juiz, seria relevante para a decisão e que teria considerado como não provada.
[13] No qual se refere que «Constitui contra-ordenação muito grave, imputável ao empregador ou a trabalhador independente, a violação por algum deles do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, (…)»
[14] A responsabilidade solidária apenas teria sido imputada à arguida na decisão administrativa.
[15] Cfr., neste sentido, João Soares Ribeiro, in Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico Anotado contido no Código do Trabalho, 2ª Edição, p.173/174.
[16] Sobre este, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional 129/07, in DR, II Série, de 24.04.07, que não julgou inconstitucional o art. 40º, quando interpretado no sentido de permitir a intervenção simultânea, no julgamento, de juiz que, findo o 1º interrogatório judicial do arguido detido, decretou a prisão preventiva e de juiz que, no decorrer do inquérito, manteve a prisão preventiva e, posteriormente à acusação, indeferiu o pedido da sua revogação.
[17] No qual se diz que na execução da obra, os empregadores devem adoptar as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho previstas na regulamentação específica.
[18] Que refere que «Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectivas e eficazes ou na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de segurança no trabalho de Construção Civil.».