Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1500/07.7TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP00043587
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
Nº do Documento: RP201002221500/07.7TTPRT.P1
Data do Acordão: 02/22/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONTRA-ORDENACIONAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO SOCIAL - LIVRO 97 - FLS. 70.
Área Temática: .
Sumário: I- Nos termos do art. 624º do Código do Trabalho, quando a violação da lei afectar uma pluralidade de trabalhadores individualmente considerados, o número de infracções corresponde ao número de trabalhadores concretamente afectados, nos termos e com os limites previstos em legislação especial.
II- Os limites são os decorrentes das regras relativas ao concurso de infracções previstas no art. 19º do Dec. Lei 433/82, de 27/10 (RGCO), que determina o seguinte: “1. Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicáveis às infracções em concurso. 2. A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso. 3. A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. 421
Rec. CO 1500.07.7TTPRT.P1
(Rec. CO 1500.07.TTPRT)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B………….., LDA. recorre da decisão do Tribunal do Trabalho do Porto que, julgando parcialmente o recurso que interpusera da decisão da autoridade administrativa lhe aplicou a coima de euros 6.000,00 por violação do disposto na Cl.ª 119.ª, n.º 3 e art.º 162.º do contrato Colectivo de trabalho aplicável ao sector e artigos 620.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 687.º, n.º 2 do Código do Trabalho (falta de pagamento de retribuições aos trabalhadores).

Conclui a recorrente as suas alegações de recurso do seguinte modo:
Os factos provados são insuficientes para sustentar a decisão proferida, que padece do vício do art.º 410, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP).
Em virtude do concurso de contra-ordenações a recorrente deveria ser punida com uma pensa única não superior a 10 UC, de acordo com o art.º 19.º, n.º 2, do RGCO e art.º 620.º, n.º 2,alínea a), do Código do Trabalho.

Foi admitido o recurso.

O MP teve vista dos autos e elaborou parecer no sentido do provimento do recurso.

2. Matéria de Facto
Encontram-se provados os seguintes factos:
1. No dia 12 de Fevereiro de 2007, a inspectora do IDICT efectuou visita ao estabelecimento da recorrente, sito no Rua ………, …., no Porto, onde verificou que a retribuição de Fevereiro da 2007, devida a alguns trabalhadores daquela apenas lhes fora paga em 07 de Março de 2007.
2. Tendo apresentado documentos solicitados pelo IDICT, verificou-se que tal havia ocorrido relativamente a 30 trabalhadores ao serviço da arguida.
3. Posteriormente, em 08 de Março de 2007, a arguida foi advertida para proceder ao pagamento da retribuição dos seus trabalhadores, a partir de Abril desse ano, até ao último dia útil de cada mês.
4. A recorrente efectuou o pagamento da retribuição dos seus trabalhadores, referente ao mês de Março de 2007, apenas em 09 de Abril de 2007.
5. O IDICT elaborou, em 02 de Julho de 2007, proposta de decisão, na qual se deram como provados os factos constantes do auto de notícia referido no ponto 1. e se propôs a aplicação de uma coima de €20.000,00 por infracção ao disposto na Cl.ª 119.ª. n.º 3 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a C…………. e o D………….., publicado no BTE, n.º 23, I série, de 22 de Junho de 2006, e com regulamento de extensão constante da Portaria n.º 297/07, de 16 de Março, publicada no DR, n.º 54, I série.
6. O Delegado da Área Inspectiva proferiu decisão em 06 de Julho de 2007, onde se refere que “no uso da delegação de competências que em mim foi delegada pelo Senhor Inspector-Geral do Trabalho, conforme despacho n.º 19984/2004 (2.ª Série), publicado no Diário da República – II Série de 24/09/2004, concordo com a proposta acima referida, a fls. 63-68 dos autos, que aqui dou por inteiramente reproduzida nos termos do n.º 5 do art.º 639 do Código do Trabalho, passando a fazer parte integrante da presente decisão, aplicando à impugnante a coima de vinte mil euros, a pagar em dez dias após o termo do prazo para recurso, tornando-se exequível em vinte dias se não fosse entretanto impugnada judicialmente.
7. A sociedade impugnante interpôs recurso da referida decisão para este Tribunal do Trabalho em 03 de Agosto de 2007
8. A autoridade recorrida, por despacho de 04 de Julho de 2007, manteve a decisão que havia tomado, no sentido de aplicar à recorrente a referida coima.
9. A recorrente em Janeiro de 2005, teve um volume de negócios de €881.838,79.
10. Em Janeiro de 2007, teve um índice de ocupação de 13,49 % (correspondente à venda de 527 quartos) ao preço médio por quarto de €41,47 e, em Fevereiro de 2007, o índice de ocupação foi de 18,40 % (649 quartos à média de €41,47/quarto) e de 28,57 % em Março de 2007 (€40,00 em média por quarto).
11. As despesas da recorrente com o consumo de água e electricidade apenas foram pagas após aviso de corte.

3. O Direito
O recurso nas contra-ordenações em segunda instância é restrito à matéria de direito, como resulta do art.º 75.º, do DL 433/82, de 27.10 (RGCO), por força do art. 615 do Código do Trabalho, salvo verificando-se a existência de vícios no julgamento da matéria de facto previstos no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), caso em que, no recurso penal restrito à matéria de direito, a Relação pode e deve alterar a matéria de facto, se dispuser de todos os elementos probatórios necessários para o efeito; ou, não dispondo desses elementos, deverá a Relação reenviar os autos à 1.ª instância, para sanação do vício de acordo com os artigos 426.º e 431.º, alínea a), do CPP - o que não sucede no presente caso.

As questões que importa apreciar – o objecto do recurso - consistem em saber se:

1. Ocorre violação do art.º 410.º, n.º 2 do CPP.
2. O montante máximo da coima deve ser reduzido

3.1 Da violação do art.º 410.º, n.º 2 do CPP
Importa atentar, a propósito desta matéria, que a decisão recorrida foi proferida na sequencia do acórdão desta relação (fls. 155 a 161) que ordenou devolução dos autos ao tribunal a quo a fim de ser proferida decisão em conformidade com o art.º 620.º, n.º 5, do Código do Trabalho, e após se proferir sentença em conformidade com o restante decidido.
A matéria em causa já foi apreciada no referido acórdão. Aí se disse que “analisando os factos provados podemos concluir que inexiste o invocado vício na medida em que se mostra provado que a arguida só procedeu ao pagamento dos salários referentes ao mês de Março de 2007 no dia 9 de Abril desse ano e deveria ter feito o pagamento até ao último dia útil daquele mês, conforme determina o n.º 3 da cláusula 119.ª do CCT aplicável.”
Sendo idênticos os factos nas duas sentenças, e também idênticas, quanto a este aspecto, as alegações e conclusões de recurso, apenas pode concluir-se que ocorre o trânsito em julgado quanto à presente questão. Nada mais havendo, assim, a apreciar.

3.2 Da redução do montante máximo da coima
Pretende a recorrente que em consequência de um concurso de contra-ordenações a coima única a aplicar nunca poderia exceder 10 UC por força do art.º 19.º do RGCO e 620.º, n.º2, alínea a) do Código do Trabalho (CT).
De acordo com o art.º 19.º do RGCO,
“1. Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicáveis às infracções em concurso.
2. A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.
3. A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações.”
Acontece que por força do art.º 624.º do Código do Trabalho, quando a violação da lei afectar uma pluralidade de trabalhadores individualmente considerados, o número de infracções corresponde ao número de trabalhadores concretamente afectados, nos termos e com os limites previstos em legislação especial.
Na presente situação a contra-ordenação diz respeito a 30 trabalhadores, que não receberam atempadamente o seu salário.
As contra-ordenações praticadas pela arguida são puníveis em caso de negligência (o que não se discute), com uma coima entre 2 e 5 UC (art.º 620.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho). Assim, ponderando a gravidade da contra-ordenação em causa, a culpa da arguida e a sua situação económica acima retratada, consideramos ajustado fixar por cada contra-ordenação, a coima de 3 UC, o que se traduziria no cúmulo material de 90 UC, face ao número de trabalhadores. Tendo, porém, em conta os limites decorrentes dos n.ºs 2 e 3 do referido art.º 19.º, a coima a aplicar, terá como valor máximo 10 UC e o mínimo 3 UC, pelo que se considera adequado neste caso, em face do circunstancialismo descrito, fixar a coima total e única em 7 UC (euros 672,00).
O regime decorrente do novo Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, não é concretamente mais favorável à arguida (art.º 3.º, n.º 2, do RGCO), uma vez que a conduta desta é punida como contra-ordenação leve (art.º 521.º, n.º 2), e em caso de negligência, à semelhança do que ocorre no âmbito do CT de 2003, com a coima de 2 UC a 5 UC (art.º 554.º, n.º 2, alínea a)).
Procedem, assim, as conclusões de recurso.

4.Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso da arguida, alterando-se a decisão recorrida pelo que, pela prática das contra-ordenações de que vinha acusada (Cl.ª 119.ª, n.º 3 e art.º 162.º do CCT aplicável e artigos 620.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 687.º, n.º 2 do Código do Trabalho), condena-se a mesma na coima total e única de 7 UC (euros 672,00).

Sem custas.

Porto, 2010-02-22
Albertina das Dores N. Aveiro Pereira
Paula A. P. G. Leal S. Mayor de Carvalho