Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
196/09.6T4AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: ADMISSÃO DO RECURSO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
DECISÃO ADMINISTRATIVA
Nº do Documento: RP20101206196/09.6T4AVR.P1
Data do Acordão: 12/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - É com a decisão do Tribunal do Trabalho que o estatuto da arguida se estabiliza, uma vez que a remessa dos autos da ACT ao Tribunal equivale a acusação, a qual pode ser retirada pelo Ministério Público, podendo a ACT revogar a sua decisão até à remessa dos autos a juízo, como se vê do disposto nos Art.ºs 62.º e 65.º-A do RGCO, Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e dos Art.ºs 36.º, n.º 2, 37.º e 41.º do RPCOLSS, Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
II – Assim, para efeitos de admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação atende-se à lei vigente à data da decisão do Tribunal do Trabalho, mesmo que o montante da coima a considerar seja o aplicado pela ACT.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 726
Proc. N.º 196/09.6T4AVR.P1


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Não se conformando com o despacho do Tribunal do Trabalho de 2010-01-13 que revogou a decisão da Autoridade Para as Condições de Trabalho [de ora em diante, apenas, ACT] que aplicou a B………., Ld.ª a coima única de € 1.100,00 pela prática, por negligência, de duas contra-ordenações graves, previstas e punidas pela conjugação dos Art.ºs 7.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 561/2006, de 15 de Março, 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 272/89, de 19 de Agosto e 620.º, n.º 3, alínea a) do CT2003[1], veio a Exm.ª Senhora Procuradora da República recorrer para esta Relação, pedindo a revogação da referida decisão e tendo formulado a final as seguintes conclusões:

I - O presente recurso tem por objecto a decisão da Mª Juiz «a quo» que julgou procedente o recurso interposto e revogou a decisão do ACT Autoridade para as Condições de Trabalho, Centro Local do Baixo Vouga, decisão administrativa que condenou a ora recorrida no pagamento de uma coima de € 1.100, acrescida de custas legais, por alegada violação do disposto nos artigos 7° do DL 272/89 de 19.8 e regulamento (CE) n° 561/2006 , absolvendo, a arguida B………., Ldª por entender que às violações das disposições do Regulamento (CE) nº 561/2006 não é ainda aplicável o disposto no art° 10°, nº 3 do mesmo Regulamento, não havendo, para além disso, factos suficientes à imputação subjectiva da infracção à arguida.
II - A arguida vem acusada da prática de duas contra-ordenações graves previstas e punidas pelos artigos 8° do regulamento CE nº 561/2007 de 15.3. e 7°, nº 1, do DL 272/89 de 19.8, na redacção da Lei 114/99 de 3.8, conjugados com o disposto no art. 620°, nº 3 do Código do Trabalho, actual 554° 551, nº 1.
III - Com efeito, da prova documental junta aos autos -dois diagramas de registos de tacógrafos apensos aos autos(discos)- resulta que a arguida mantinha em circulação no dia 8 de Agosto de 2008 o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ...EL…, sem que o seu motorista C………., tivesse respeitado, nos dias 24.7.2008 e 4/5.8.2008 os períodos máximos de trabalho, uma vez que conduziu o referido veículo por um período superior a 4.30h, sem que tivesse efectuado uma pausa de pelo menos 45m ou 30+15m.-procº nº ……814 e ……815.
IV - O Regulamento CE nº 561/2007 de 15.3. no art° 1° estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte de mercadorias e de passageiros visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte rodoviário e melhorar as condições de trabalho e segurança rodoviária.
V - O art° 4, alínea g) , 7° e 8° daquele Regulamento regula os períodos de repouso diários e semanais.
VI - O Dec-Lei 237/2007 transpõe para a ordem jurídica interna portuguesa a Directiva 2002/15/CE relativa à organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transportes rodoviários efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento(CE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou pelo AETR-art° 1° sob a epígrafe Âmbito e objecto.
VII - E na alínea d) do seu nº 2 esclarece quem são esses trabalhadores móveis, como sendo «o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários, abrangida pelo Regulamento ou pelo AETR.
VIlI - Quanto aos regimes de descanso diário e semanal o art° 9° do cit. Dec-Lei remete para o Regulamento ou AETR, considerando contra-ordenação grave a violação do disposto nos artigos 8° e 9° e estabelecendo no seu art° 10º nº 2 uma norma semelhante à prevista no art° 10°, n° 3 daquele Regulamento no sentido da atribuição de responsabilidade ao empregador pelas infracções cometidas pelos condutores das empresas, responsabilidade essa que veio a ter consagração no actual Código do Trabalho art° 551 do CT.
IX - Ora o caso dos autos insere-se no art° 7° daquele regulamento(CE) 561/06, sendo aplicável aos autos o estatuído naquele DL 237/07, bem como o regime sancionatório estabelecido 7°, nº 1, do DL 272/89 de 19.8, na redacção da Lei 114/99 de 3.8, conjugados com o disposto no art 620°, n° 3 do Código do Trabalho, actual 554°.
X - O art° 10° nº 2 do citado DL prevê que a entidade patronal é responsável pelas infracções ao disposto nesse DL, constituindo contra-ordenação grave a violação do disposto no art° 9° (art° 16°) e o art° 10.°, nº 3 do Regulamento de 2006, responsabiliza as empresas de transportes pelas infracções cometidas pelos seus condutores. Vide Ac RP de 18.2.2008 e 29.9.2008.
XI - Pois, é a empresa quem organiza a actividade de transporte, determinando os horários de trabalho dos condutores das suas viaturas, o seu número, as cargas a efectuar, os tempos de repouso e todos os outros meios necessários á prossecução da actividade de transporte tendo meios de controlo sobre a actividade dos seus subordinados através do tacógrafo e podendo impor-lhes sanções disciplinares. (Cfr. art° 7° nº 1 e 8° do DL 272/89 na redacção da Lei 114/99 de 3.8.)-neste sentido Ac RP de 14.2.2005 e 17.5.2004 in www.dgsi.pt entre outros.
XIl - Por outro lado, verifica-se «in casu» que o auto de notícia e a decisão administrativa contêm os factos integradores não só da dimensão objectiva da infracção, não sendo necessário constar a indicação expressa da sua imputação à arguida a título de negligência.
XIlI - A própria enunciação da contra-ordenação constante do auto de notícia ­inculca a ideia de inobservância do dever objectivo de cuidado, a integrar o conceito de negligência, sem necessidade de outra alegação. Ac da RP de 20.11.2006 in www.dgsi.pt.
XIV - No sentido de que no auto de notícia não tinha que constar qualquer referência à imputação da contra-ordenação a título de dolo ou negligência o Ac RP de 21.11.2007 in www.dgsi.pt.
XV - Pelo que definindo-se a negligência, como a inobservância do dever objectivo de cuidado imposto por lei, aquela, traduz-se num comportamento por omissão, pelo que impondo a lei determinada conduta e provando-se que o agente não a adoptou, verifica-se desde logo a contra-ordenação imputável a título de negligência. Neste sentido o Ac RP de 15.5.2006, www.dgsi.pt.
XVI - Foram, assim violadas as normas previstas nos artigos 7° do regulamento CE nº 561/2007 de 15.3 e 7°, nº 1 do DL 272/89 de 19.8, na redacção da Lei 114/99 de 3.8, conjugados com o disposto no art. 620°, nº 3 do Código do Trabalho, actual 554º e 551, nº 1 do actual código e artº 8º, nº 4, do DL 237/07 de 19.6.

Nesta Relação, a Exm.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu declaração de concordância com a motivação do recurso do Ministério Público.

Seguidamente, o Relator proferiu decisão sumária, atento o disposto no Art.º 417.º, n.º 6 do Cód. Proc. Penal, no sentido da rejeição do recurso.
Veio, então, o Exm.º Senhor Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, requerer que sobre a matéria da referida decisão sumária recaia acórdão, atento o disposto no Art.º 417.º, n.º 8 do mesmo Cód. Proc. Penal.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos considerados provados pela ACT:

Quanto ao processo n.º……814:
4.1 - No dia 08 de Agosto de 2008, pelas 23 horas e 25 minutos, a arguida mantinha em circulação na A29 - área de serviço de ………, Norte/Sul, Ovar, comarca de Ovar, o tractor de mercadorias com a matrícula ..-EL-.., conduzido pelo motorista C………...
4.2 - A folha de registo relativa àquela viatura, àquele motorista e ao dia 21 de Julho de 2008 comprova que o referido condutor não beneficiou das pausas na condução a que estava legalmente obrigado.
De facto, a folha de registo apresenta registos de condução das 20 horas e 14 minutos do dia 21 de Julho de 2008 às 06 horas e 35 minutos do dia seguinte. A condução registada entre a 01 hora e 39 minutos e as 06 horas e 35 minutos, não foi interrompida ao fim de 04 horas e 30 minutos por uma pausa de, pelo menos, 45 minutos ou, em alternativa, uma pausa de, pelo menos, 15 minutos, seguida de uma pausa de, pelo menos, 30 minutos.
De facto, apenas se regista uma pausa de 15 minutos, entre a 01 hora e 40 minutos e a 01 hora e 55 minutos.
4.3 - De acordo com os elementos constantes do processo, a empresa, ora arguida, apresentou, em 2007, um volume de negócios de 102.855,61 euros.
Quanto ao processo n.º ……815:
4.4 - No dia 08 de Agosto de 2008, pelas 23 horas e 25 minutos, a arguida mantinha em circulação na A29 - área de serviço de ………., Norte/Sul, Ovar, comarca de Ovar, o tractor de mercadorias com a matrícula ..-EL-.., conduzido pelo motorista C………..
4.5 - A folha de registo relativa àquela viatura, àquele motorista e aos dias 04/05 de Agosto de 2008 comprova que o referido condutor não beneficiou das pausas na condução a que estava legalmente obrigado.
De facto, a folha de registo apresenta registos de condução das 21 horas do dia 04 de Agosto de 2008 às 06 horas e 40 minutos do dia seguinte. A condução registada entre a 01 hora e 39 minutos e as 06 horas e 35 minutos, não foi interrompida ao fim de 04 horas e 30 minutos por uma pausa de, pelo menos, 45 minutos ou, em alternativa, uma pausa de, pelo menos, 15 minutos, seguida de uma pausa de, pelo menos, 30 minutos.
De facto, apenas se regista uma pausa de 15 minutos, entre a 01 hora e 55 minutos e as 02 horas e 10 minutos.
4.6 - De acordo com os elementos constantes do processo, a empresa, ora arguida, apresentou, em 2007, um volume de negócios de 102.855,61 euros.

O direito.
Sendo pelas conclusões que se delimita o respectivo objecto, a única questão a decidir neste recurso consiste em saber se a decisão sumária deve ser revogada.
«Vejamos[2] o que em situação semelhante - Proc. N.º 40/09.4TTVLG.P2 - foi decidido:
“Dispõe a referida Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, de ora em diante designada apenas por RPCOLSS, o seguinte:
Artigo 49.º
Decisões judiciais que admitem recurso
1 — Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente;
Tal norma foi antecedida pelo Art.º 73.º do RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro que, na parte que ora interessa considerar, dispunha:
Artigo 73.º
Decisões judiciais que admitem recurso
1 — Pode recorrer-se para a relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º, quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a [50.000$00] € 249,40;
Face a esta sucessão de leis no tempo e sendo de € 800,00 o montante da coima [concretamente] aplicada, põe-se a questão de saber se o recurso para a Relação é admissível, sendo a resposta positiva se for aplicável a lei antiga e sendo a resposta negativa se for aplicável a lei nova.
Rege a matéria o Cód. Proc. Penal, ex vi do disposto no Art.º 41.º, n.º 1 do RGCO que, adrede, dispõe:
Artigo 5.º
Aplicação da lei processual penal no tempo
1 — A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
2 — A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa;
Portanto, sendo a lei processual penal de aplicação imediata, em princípio, coloca-se a questão de saber se, in casu, a aplicação deste comando agrava a posição processual da arguida, vale dizer, se a eliminação do – 2.º – recurso para a Relação se traduz numa limitação do seu direito de defesa.
Tem sido entendimento - pelo menos - predominante que o estatuto do arguido, também ao nível do direito de recorrer, se estabiliza aquando da prolação da sentença, com a aplicação de uma coima e não quando o processo é instaurado [ou quando o suspeito é constituído arguido, em processo crime, por exemplo].
Na verdade, dadas as vicissitudes processuais que podem ocorrer durante o processo, nomeadamente, se o procedimento contra-ordenacional for extinto por qualquer razão, se a ACT revogar a decisão administrativa de aplicação da coima, nos termos do Art.º 36.º, n.º 2 do RPCOLSS[3], se o Ministério Público decidir retirar a acusação nos termos do Art.º 41.º do RPCOLSS[4] e noutras situações paralelas, a posição do arguido pode ser alterada.
No entanto, havendo julgamento e uma decisão de condenação em coima [concreta], ficam reunidos os pressupostos para saber se o arguido pode recorrer, nomeadamente, a legitimidade e o interesse em agir, por exemplo, isto é, estabiliza-se o estatuto do arguido. Portanto, é neste momento que se fica a saber quais são os direitos e deveres do arguido, pelo que é de atender à lei que neste momento estiver em vigor, mesmo que ela seja diferente da que vigorava aquando da instauração do processo.
Daí que as normas constantes dos Art.ºs 73.º, n.º 1, alínea a) do RGCO e 49.º, n.º 1, alínea a) do RPCOLSS se reportem, expressamente, a coima aplicada.
Cfr., neste sentido, o Acórdão[5] n.º 4/2009 do Supremo Tribunal de Justiça de 2009-02-18, de fixação de jurisprudência, do qual data venia se reproduz o seguinte excerto:
“A divergência jurisprudencial instalada resulta — porventura inevitavelmente — da diferente e radical modificação dos pressupostos de recorribilidade para o Supremo Tribunal, de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância — os casos chamados de «dupla conforme» — previstos no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), em conjugação com o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPP.
Enquanto que, na redacção anterior, não era admissível recurso «de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções», após a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, passou a não ser admissível recurso «de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos». Na anterior redacção do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP a admissibilidade do recurso era aferida em função da pena abstractamente aplicada ao crime que estivesse em causa, sendo que com a nova redacção introduzida a admissibilidade do recurso é aferida em função da pena concretamente aplicada no caso.”
Veja-se também o sumário [parte] do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2009-11-04[6]:
“I - O direito ao recurso inscreve-se no leque dos direitos fundamentais do arguido no art. 32.º, da CRP, e foi consagrado pela revisão constitucional de 1997, enquanto afirmação de um “due process of law”, já que o Estado não deve limitar-se a afirmar a sua superioridade sobre o condenado, detendo o poder punitivo, sem assegurar àquele o direito ao reexame da questão por um outro tribunal, situado num plano superior, que lhe ofereça garantias de defesa e imparcialidade .
II - A nossa jurisprudência e a doutrina são unânimes em reconhecer que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum. Importa, no entanto, distinguir, para efeitos de aplicação da lei processual no tempo entre regras que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, estas de imediata aplicação, em virtude de se estar perante interesses públicos que afectam ou podem afectar direitos fundamentais valiosos como o da liberdade humana.
III - Para efeitos de aplicação da lei no tempo é de ponderar se, com ela, resulta agravamento da posição substantiva do arguido, levando na hipótese afirmativa, a que se devam ponderar as expectativas justas do recorrente em termos de continuar a deparar-se-lhe a possibilidade de recurso nos moldes firmados na lei antiga.
IV - O art. 5.º, n.º 2, do CPP, nos termos em que se mostra redigido, dispondo que a lei processual nova é de aplicação imediata a todos os processos pendentes, quando assuma uma natureza exclusivamente disciplinadora da ritologia processual – e não já quando da sua aplicabilidade imediata derive o agravamento ainda sensível da sua posição processual, nomeadamente quando seja afectado o direito de defesa do arguido ou quebra da unidade do processo –, vinca a natureza mista da norma, a um tempo de natureza formal e substantiva.
V - No âmbito dos direitos inscritos do arguido inclui-se o direito de recorrer de todas as decisões que lhe sejam desfavoráveis, (art. 61.º, n.º 1, al. i), do CPP) mas o preceito não declara quando nasce o direito ao recurso em concreto. Todavia, porque o arguido, na dinâmica processual, pode deixar de o ser, pode ser absolvido ou ver extinto o procedimento criminal, aquele direito só desponta reunidos que surjam os indispensáveis pressupostos, concentrados na forma e momento de emissão de decisão desfavorável. Só nessa altura surgem a legitimidade e o interesse em agir.
VI - Por isso que a simples pendência do processo à data da entrada em vigor da lei nova, atentas as vicissitudes processuais a que está sujeito o estatuto do arguido, não assegura, sem mais, desligadamente da decisão, de forma automática, o direito ao recurso.
VII - No caso de o acórdão da 1.ª instância ter sido proferido em momento posterior ao da entrada em vigor daquela alteração, os pressupostos do nascimento do recurso hão-de ser os reinantes nessa data.”
Por fim, cfr. também neste sentido, o Acórdão[7] n.º 263/2009 do Tribunal Constitucional de 2009-05-26, do qual data venia se reproduz o seguinte excerto:
“… o momento relevante para o exercício do direito de defesa do arguido, designadamente no que respeita à estratégia processual a adoptar, coincide com a prolação da sentença condenatória em primeira instância e a sua notificação ao arguido, pois só então se estabilizam os elementos essenciais a atender no exercício do aludido direito de defesa. Mostra-se, por isso, preservado, no essencial, o exercício do direito de defesa do arguido quanto à oportunidade da estratégia processual a adoptar.”
Estando assim clarificado que é de atender à lei em vigor à data em que for proferida a decisão que aplicou a coima, é inequívoco que é de aplicar a lei nova, ou seja, o RPCOLSS, Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, uma vez que a coima aplicada, de € 800,00, pela sentença do Tribunal do Trabalho de 2010-02-17, é muito inferior ao limite estabelecido no seu Art.º 49.º, n.º 1, alínea a), que é de 25 UC ou valor equivalente.
Daí que o recurso seja de rejeitar, por inadmissível.
Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se rejeita o recurso interposto...”
In casu, sendo a decisão da ACT condenatória – coima única de € 1.100,00 – e a do Tribunal do Trabalho absolutória, vejamos as normas aplicáveis.
Dispõe, adrede, a referida Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, RPCOLSS, o seguinte:
Artigo 49.º
Decisões judiciais que admitem recurso
1 — Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando:
a) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa competente tenha aplicado uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente, ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
Tal norma foi antecedida pelo Art.º 73.º do RGCO, Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro que, na parte que ora interessa considerar, dispunha:
Artigo 73.º
Decisões judiciais que admitem recurso
1 — Pode recorrer-se para a relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º, quando:
a) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a €249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
Ora, apesar da diferença relativamente ao caso anterior, pois na vertente hipótese não é condenatória a decisão do Tribunal do Trabalho, a verdade é que continua a ser com tal decisão que o estatuto da arguida se estabiliza, uma vez que a remessa dos autos da ACT ao Tribunal equivale a acusação, a qual pode ser retirada pelo Ministério Público, podendo a ACT revogar a sua decisão antes de enviar os autos a juízo, como se vê do disposto nos Art.ºs 62.º e 65.º-A do RGCO e dos Art.ºs 36.º, n.º 2, 37.º e 41.º do RPCOLSS. Assim, in casu, atende-se à lei vigente na data da decisão do Tribunal do Trabalho, embora o montante da coima a considerar seja o aplicado pela ACT.
Nestes termos, sendo de atender à lei em vigor à data em que for proferida a decisão do Tribunal do Trabalho, é inequívoco que é de aplicar a lei nova, ou seja, o RPCOLSS, Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, uma vez que a coima aplicada é de € 1.100,00, muito inferior ao limite estabelecido no seu Art.º 49.º, n.º 1, alínea c), que é de 25 UC ou valor equivalente.
Daí que o recurso seja de rejeitar, por inadmissível.».
Ora, estando nós de acordo com tal fundamentação, que ora se dá como integralmente reproduzida, entendemos também que o recurso deve ser rejeitado, uma vez que a coima única aplicada é de valor inferior ao montante mínimo a partir do qual o recurso é admissível para a Relação, atento o disposto no Art.º 49.º, n.º 1, alínea c) do RPCOLSS, Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Deve, assim, ser confirmada a decisão sumária proferida pelo Relator, atento o disposto no Art.º 417.º, n.º 6 do Cód. Proc. Penal.

Decisão.
Nestes termos, acorda-se em rejeitar o recurso, assim confirmando a decisão sumária proferida pelo Relator.
Sem custas.

Porto, 2010-12-06
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro

___________________
[1] Aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
[2] Acompanha-se aqui muito de perto o teor da decisão sumária proferida pelo Relator.
[3] Correspondente ao Art.º 62.º, n.º 2 do RGCO.
[4] Que foi antecedido pelo Art.º 65.º, n.º 2 do RGCO.
[5] In Diário da República, N.º 55, 1.ª série, de 2009-03-19.
[6] In www.dgsi.pt.
[7] In www.tribunalconstitucional.pt.


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S U M Á R I O

I - É com a decisão do Tribunal do Trabalho que o estatuto da arguida se estabiliza, uma vez que a remessa dos autos da ACT ao Tribunal equivale a acusação, a qual pode ser retirada pelo Ministério Público, podendo a ACT revogar a sua decisão até à remessa dos autos a juízo, como se vê do disposto nos Art.ºs 62.º e 65.º-A do RGCO, Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e dos Art.ºs 36.º, n.º 2, 37.º e 41.º do RPCOLSS, Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
II - Assim, atende-se à lei vigente na data da decisão do Tribunal do Trabalho, embora o montante da coima a considerar seja o aplicado pela ACT.
III - Ora, como a coima única aplicada é de valor inferior ao montante mínimo a partir do qual o recurso é admissível para a Relação, atento o disposto no Art.º 49.º, n.º 1, alínea c) do RPCOLSS, lei em vigor na data da prolação da decisão do Tribunal do Trabalho, deve o mesmo recurso ser rejeitado.
IV - Tendo o Relator proferido decisão sumária, atento o disposto no Art.º 417.º, n.º 6 do Cód. Proc. Penal, nesse sentido, tal despacho é de confirmar.

Manuel Joaquim Ferreira da Costa