Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01305/16
Data do Acordão:06/28/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
LIQUIDAÇÃO CORRECTIVA
PRAZO
Sumário:A contagem do prazo a que alude o artigo 78º, n.º 1 da LGT, tem o seu termo inicial com a liquidação inicial e não com a liquidação correctiva.
Nº Convencional:JSTA000P22063
Nº do Documento:SA22017062801305
Data de Entrada:11/21/2016
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A…………, SA, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação por si deduzida, contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão da matéria tributável relativa a IRC de 2008.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1- A impugnante entregou a declaração de IRC do ano de 2008, em 19/05/2009, dando origem à liquidação n° 20092500092444, de 16/06/2009.
2- A impugnante apresentou, em 19/05/2010, declaração de substituição relativa a IRC do mesmo ano de 2008, originando a liquidação n° 2010 250009105, de 25/05/2010.
3- Esta liquidação nº 2010 201000908 anulou a liquidação n° 20092500092444.
4- O Tribunal a quo calculou o prazo do pedido de revisão da matéria tributária em referência a uma liquidação que foi anulada, a n° 2009 2500092444.
5- A interpretação do Tribunal a quo viola o princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 8° da LGT.
6- A liquidação que está em vigor na ordem jurídica é a n° 2010 250009105 e é esta que terá que ser tida em conta para todos os efeitos, nomeadamente, de contagem do prazo para efectuar o pedido de revisão da matéria tributária.
7- O prazo do pedido de revisão deve ser contado a partir de 25/05/2010, data da liquidação n° 2010250009105.
8- O pedido de revisão da matéria tributária foi efectuado em 23/12/2013.
9- O pedido de revisão da matéria tributaria é tempestivo.
10- Foram violadas as normas constantes dos artigos 8° e 78° da LGT e, em consequência, o artigo 103° n° 3 da CRP.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso com base na seguinte fundamentação que, na parte relevante, se transcreve:
(….) Questão decidenda: prazo para apresentação de pedido de revisão de acto tributário na sequência de entrega de declaração de substituição pelo sujeito passivo que gera segundo acto de liquidação.
1. Podendo a administração tributária proceder à revisão do acto tributário por iniciativa própria, no prazo que lhe é conferido (4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo não tiver sido pago) com fundamento em erro imputável aos serviços, pode igualmente fazê-lo a pedido do sujeito passivo, ainda que após o termo do prazo que a este é concedido para formular o pedido por iniciativa própria (arts. 49° n°1 e 78° nºs 1 e 7 LGT/art.86° n°4 al. a) CPPT; na doutrina Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária comentada e anotada 4ª edição 2012 pp.705/706)
Esta interpretação, embora permitindo um alargamento do período de instabilidade da situação tributária, com preterição do valor da segurança jurídica, resulta da aplicação dos princípios da decisão, legalidade, justiça, igualdade e imparcialidade (art. 266° n° 2 CRP; art.56° n° 1 LGT) (cf. designadamente, acórdãos STA-SCT 20.03.2002 processo n° 26 580; 29.10.2003 processo n° 462/03; 11.05.2005 processo n° 319/05; 22.03.2011 processo n° 1009/10)
Para efeitos de revisão oficiosa, considera-se imputável aos serviços o erro na autoliquidação (art.78° n° 2 LGT, vigente no ano 2008)
2. A norma constante do art. 59° n° 6 CPPT é aplicável quando a declaração de substituição, apresentada após a liquidação, favorece o sujeito passivo; neste caso, se este não impugnar administrativa ou contenciosamente ou formular pedido de revisão o acto tributário consolidar-se-á na ordem jurídica, não podendo ser alterado.
Não obstante, resultando da declaração de substituição uma nova liquidação, ela será passível de impugnação administrativa ou contenciosa, nos prazos gerais, sob pena de violação da garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva, traduzida na possibilidade de impugnação de quaisquer actos administrativos lesivos, ou da garantia de revisão dos actos tributários, oficiosa ou por iniciativa dos interessados (art. 268° n° 4 CRP; art.54° al. c) LGT) (neste sentido Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 2006 Volume I p. 454)
3. Neste contexto, deve ser considerado tempestivo o pedido de revisão oficiosa formulado em 23.12.2013, tendo por objecto a segunda liquidação efectuada em 25.05.2010 (substitutiva da primeira liquidação efectuada em 16.06.2009), resultante da declaração de substituição apresentada em 19.05.2010 (factos provados n° 2/5; art 78° n° 1 LGT)
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com o seguinte dispositivo:
- declaração de tempestividade do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação;
- devolução do processo ao tribunal recorrido, o qual deverá comunicar a decisão do recurso ao SF Maia»

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou como provado os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. A impugnante, A…………, S.A., no dia 19.5.2009, apresentou declaração de rendimentos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) — Modelo 22, relativo ao lucro tributável do exercício de 2008, tendo aplicado a taxa de tributação autónoma de 10% e preenchido o campo 365 da dita declaração como valor de € 31.981,92 (fls. 39 a 41).
2. Em 16.06.2009, foi emitida em nome da impugnante a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2008 n.º 2009 2500092444 (cfr. fls. 24 do PA).
3. Em 19.05.2010, a impugnante submeteu uma declaração de substituição, na qual apenas alterou o campo 234 relativo aos benefícios fiscais a deduzir (fls. 10 a 12 do PA).
4. Em 25.05.2010, foi emitida em nome da impugnante a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2008 n° 2010250009105 (fls. 24 do PA).
5. Em 17.06.2010, foi emitida nota de demonstração de acerto de contas n° 2010 1641012 (fls. 9 do PA).
6. Em 23.12.2013, foi remetido pela impugnante, via correio, requerimento, dirigido ao Director do Serviço de Finanças da Maia, nos termos do qual pede, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, a revisão da matéria tributária respeitante a IRC de 2008, constante da liquidação n.º 2010 2500009105, com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 5°, n° 1, da Lei n° 64/2008, de 5 de Dezembro, por violação do artigo 103°, n.º 3, da CRP (fls. 27 a 31 do PA).
7. Em 12.5.2014, pelo Chefe da Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e a Despesa foi proferido despacho de indeferimento do pedido de revisão por o mesmo ter sido apresentado para além do prazo previsto no n° 1 do artigo 78.º da LGT (fls. 16 a 18 do PA).
8. Em 19.5.2014, foi assinado o aviso de recepção relativo a carta de notificação da decisão do pedido de revisão dirigida à impugnante (fls. 14 do PA).

6. Do objecto do recurso

Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do recurso consiste em saber se, tal como decidiu a sentença recorrida, é intempestivo o pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação do IRC apresentado pela impugnante e ora recorrente, respeitante ao ano de 2008.

A sentença recorrida considerou improcedente a impugnação apresentada pela A…………, SA, ora recorrente, porque o prazo para pedir a revisão da liquidação iniciado em 16-06-2009 terminou em 16.06.2013.
Ponderou-se na sentença recorrida que no caso vertente, houve duas liquidações: uma emitida em 16.6.2009 e outra em 25.5.2010 e que esta última se ficou a dever à apresentação de declaração de substituição, por parte da impugnante, na qual a mesma alterou apenas o montante de benefícios fiscais a deduzir e deu origem a reembolso.

Mais se considerou que sendo o fundamento do pedido de revisão a ilegalidade da liquidação em virtude de a taxa aplicável às despesas de representação e com viaturas ligeiras de passageiros resultar de lei que veio a ser declarada inconstitucional, a liquidação a considerar é a primeira, uma vez que a segunda respeitou a outra matéria (dedução de benefícios fiscais) que nada tem a ver com o pedido de revisão.

No prosseguimento de tal discurso argumentativo entendeu-se ainda que resulta do n° 6 do artigo 59º do CPPT que a declaração de substituição não pode ter a virtualidade de alargar o prazo de impugnação dos actos de liquidação.
E com base em tal fundamentação concluiu a decisão recorrida que, iniciando-se em 16.06.2009, o prazo para pedir a revisão da liquidação terminou em 16.06.2013, sendo o pedido apresentado pela impugnante intempestivo.

Contra o assim decidido, defende a recorrente que o prazo a ter em conta não é o da primeira liquidação, mas aquele decorrente da apresentação da declaração de substituição, cuja liquidação ocorreu em 25-05-2010, pelo que deve ser considerado tempestivo o pedido de revisão oficiosa apresentado em 23.12.2013 (que teve como objecto a liquidação efectuada em 25.05.2010).
A questão nestes termos suscitada – e que se reconduz a saber se a liquidação decorrente de declaração de substituição – parcial - abre novo prazo para a dedução da revisão do acto tributário de liquidação quando à luz da liquidação substituída tal prazo já se havia esgotado - é em tudo idêntica à questão foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo no acórdão 1042/16, de 21.06.2016, interposto pela mesma recorrente, sendo idênticas as alegações de recurso e os pressupostos de facto, pelo que se acompanhará a argumentação jurídica aduzida naquele aresto, por com a respectiva fundamentação concordarmos, e também tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC).
Será, pois, pertinente referir o que sobre tal matéria se decidiu no supra citado Acórdão 1042/16: (…..) Dispunha à data o artigo 59º do CPPT sob a epígrafe “Início do procedimento”:
1 - O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente.
2 - O apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.
3 - Em caso de erro de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes, estas podem ser substituídas:
a) Seja qual for a situação da declaração a substituir, se ainda decorrer o prazo legal da respectiva entrega;
b) Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional que ao caso couber, quando desta declaração resultar imposto superior ou reembolso inferior ao anteriormente apurado, nos seguintes prazos:
I) Nos 30 dias seguintes ao termo do prazo legal, seja qual for a situação da declaração a substituir;
II) Até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação, para a correcção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada;
III) (…)
4 – (…)
5 – (…)
6 - Da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário, que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas.
7 – (…)
Por sua vez dispunha o artigo 104º, n.º 2 do CIRC em que condições poderia haver reembolso de IRS, ou seja, sempre que o valor já entregue a título de imposto ou de adiantamento seja superior àquele que é efectivamente devido.
Tal como resulta da leitura do disposto no artigo 59º acima reproduzido, a declaração de substituição, como a que está em causa nos autos (como se percebe da matéria de facto, a recorrente tendo detectado um erro material na sua primeira declaração do exercício, no segmento respeitante aos benefícios fiscais, apresentou declaração de substituição para efeitos de correcção de tal erro que veio a dar origem ao reembolso de imposto já pago em virtude da liquidação efectuada na sequência da primeira liquidação), não se destina a obter a anulação total da anterior liquidação, antes se destina a obter a correcção da anterior declaração que deu origem ao acto de liquidação, por a mesma enfermar de erros ou omissões imputáveis ao contribuinte.
Ou seja, a liquidação inicial efectuada com base na primeira declaração mantém-se, mas agora com as correcções que lhe são introduzidas pela declaração de substituição, não se trata de uma liquidação nova, antes trata-se da mesma liquidação devidamente corrigida.
E, nesta medida, é que o legislador dispôs no n.º 6 deste preceito legal, que da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário, que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas, precisamente porque a liquidação efectuada não perde a sua identidade nem desaparece, apenas lhe são introduzidas correcções de modo a que a mesma corresponda o mais fielmente possível à realidade.
Na verdade, só esta interpretação destes preceitos legais pode respeitar o disposto no artigo 8º, n.º 2, al. e) da LGT, pois se assim não fosse estaria encontrada uma forma de contornar os prazos peremptórios estabelecidos pelo legislador como forma de salvaguardar a segurança jurídica.
Assim, é evidente que a contagem do prazo a que alude o artigo 78º, n.º 1 da LGT, tem o seu termo inicial com a liquidação inicial e não com a liquidação correctiva.» (fim de citação).
É esta a jurisprudência que se reitera, por com a respectiva fundamentação concordarmos, e, por isso, se conclui também que, no momento em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa - 23.12.2013 - já se havia completado o prazo de 4 anos a que alude aquele artigo 78º, n.º 1, uma vez que a liquidação que veio a ser corrigida foi emitida em 16.06.2009.

O recurso não merece, pois, provimento,

7. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 28 de Junho de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.