Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:06/01.2BTSNT
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:RECURSO
ISENÇÃO DE CUSTAS
CUSTAS DE PARTE
Sumário:I - Os requisitos para o conhecimento do mérito do recurso das decisões dos tribunais tributários com fundamento em oposição de julgados, previsto no art.280° n°5 CPPT, na redacção da Lei 82-B/2014, são idênticos aos requisitos globais para o conhecimento dos recursos interpostos com fundamento em oposição de acórdãos.
II - Assim, para que exista oposição, é necessário que se verifique identidade da questão fundamental de direito, ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, identidade de situações fácticas e antagonismo de soluções jurídicas.
III - Inexiste contradição sobre a mesma questão fundamental de direito se o Acórdão fundamento não considerou especificamente o disposto na norma legal que a decisão recorrida julgou determinante para a resolução da questão a decidir.
Nº Convencional:JSTA000P27579
Nº do Documento:SA22021042806/01
Data de Entrada:03/01/2021
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.........., S.G.P.S., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO


1. RELATÓRIO

1.1. A…………. S.G.P.S. S.A. intentou a presente Impugnação Judicial a 23 de Abril de 2001, pedindo a anulação da liquidação relativa a Imposto Sobre o Rendimento das pessoas Colectivas (IRC), do ano de 1995, no valor de € 1.670.755,13 (um milhão, seiscentos e setenta mil, setecentos e cinquenta e cinco euros e treze cêntimos).

1.2. Por sentença de 22 de Março de 2013 foi a referida acção julgada procedente, sentença que veio a ser confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido a 12 de Julho de 2017.

1.3. Apresentada pela Impugnante, a 15 de Setembro de 2017, a «nota discriminativa e justificativa das custas de parte» veio a Fazenda Pública requerer que fosse dispensada do seu pagamento, uma vez que, inserindo-se as custas de parte nas custas gerais do processo e estando destas isenta por o processo ter dado entrada em juízo antes do ano de 2004, não serem aquelas custas de parte exigíveis.

1.4. A Impugnante, notificada do mencionado requerimento, opôs-se ao deferimento da requerida dispensa, defendendo a aplicação aos autos da disciplina vertida no artigo 12.º, n.º 8 da Lei 7/12, de 13 de Fevereiro.

1.5. Após a Sra. Funcionária Contadora ter prestado a informação prevista no artigo 31.º, n.º 4 do RCP, em que verteu idêntico entendimento ao emitido pela Impugnante, a 14 de Maio de 2019 foi proferido despacho judicial indeferindo a reclamação da Fazenda Pública.

1.6. Inconformada, a Fazenda Pública, por requerimento entrado em juízo a 28 de Maio de 2019, interpôs recurso ao abrigo do n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, encerrando as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:

«I - O presente recurso vem interposto do despacho proferido pela Exma. Juiz do Tribunal a quo, que indeferiu a reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte no processo à margem referenciado.

II. Destarte, salvo o devido respeito pela opinião sufragada na decisão ora recorrida, somos da opinião que a Meritíssima Juiz a quo fez uma errada interpretação da lei aplicável à situação “sub judice”.

III. Considera, a Meritíssima Juiz no douto despacho aqui em crise que “(…) sendo o n.º7 do art.4º do RCP (na redacção actual) aplicável aos presente autos, a isenção de custas de que goza a recorrida Fazenda pública não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, devendo, por isso, suportá-las.”

IV. Neste pendor, o thema decidendum, assenta em determinar se, nos processos instaurados antes de 01/01/2004, onde a FP se encontrava isenta de custas, a mesma é, ou não, responsável pelo pagamento de custas de parte à parte vencedora.

V. É nosso entendimento que não poderá ser assacada, à FP, qualquer responsabilidade pelo pagamento das custas de parte cujo pagamento vem solicitado nos autos.

VI. Estamos perante uma impugnação judicial, deduzida contra o acto de liquidação de IRC referente ao exercício de 1995, tendo sido instaurada em 2001.

VII. Assim sendo, à mesma aplica-se o CCJ, aprovado pelo DL 224-A/96 de 26/11, na redação anterior às alterações introduzidas pelo DL 324/03 de 27/12, dado que estas só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor [de acordo com o disposto no art.° 14.° deste último diploma].

VIII. Desta forma, deve atender-se ao previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 2.º do CCJ, que contém uma isenção subjetiva, quanto a custas, relativamente ao Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados.

IX. Após a entrada em vigor do RCP, aprovado pelo DL 34/2008 de 26/2, a FP - atento o disposto no art.º 27.º deste diploma legal - continuou a beneficiar da referida isenção.

X. O mesmo se verificando, atualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei 7/2012 de 13/02, a qual, no n.º 4 do art.º 8.º, prevê que: "Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas."

XI. Nesta senda, abrangendo o conceito de custas processuais, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 3º do RCP, a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, tal isenção terá necessariamente de implicar a não obrigação de pagamento de custas de parte.

XII. Em função do exposto, dúvidas não restam de que o despacho recorrido fez uma aplicação inadequada das normas que regem as custas processuais razão pela qual não merecerá ser confirmado.

XIII. Nestes termos e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, o douto despacho ora recorrido, atendendo a que está em oposição com o entendimento perfilhado no Acórdão do STA proferido no processo n.º 499/17-30, fundamento do presente recurso interposto nos termos do art.280 n.º 5 do CPPT.

1.7. Apresentadas contra-alegações pela Impugnante, pugnou pela manutenção do despacho recorrido pelas razões de facto e de direito que, a final, em síntese adiantou e que infra transcrevemos:

«1. Bem andou o Tribunal a quo ao considerar que não obstante a isenção de custas de que beneficia a Fazenda Pública neste processo, esta é responsável pelo pagamento de custas de parte à Recorrida.

2. A Impugnação subjacente aos autos foi apresentada em Abril de 2001 e a nota discriminativa de custas de parte foi apresentada em 14 de Setembro de 2017.

3. Ora, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Dezembro proferido no processo n.º 499/17 a que faz menção a Fazenda Pública no seu requerimento de recurso, não apoia de modo algum a sua pretensão.

4. Esclarece o Pleno da Seção do Contencioso Tributário do STA, em decisão datada de 6 de junho de 2019, num processo em que se discutia a mesma isenção (Processo n.º 1/99.4BTLRS) que esse acórdão nada tem a ver com as custas de parte posto que nessa sede a questão a decidir era a de saber se «nos processos instaurados em data anterior a 01.01.2004, a Fazenda Pública é ou não devedora das custas - no seu conceito mais amplo- relativas aos processos em que litiga no caso de decair no todo ou em parte (…) e que a entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e a Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que introduziu alterações ao RCP, manteve inalterada a situação - relativamente à manutenção da isenção subjectiva de custas de que beneficia a Fazenda Pública relativamente aos processos iniciados antes de 1 de Janeiro de 2004 – (…), atento o disposto no art. 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 e no art. 8.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2012.

5. À data da instauração da impugnação dos Autos, ou seja, em Abril de 2001, previa o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CCJ que são isentos de custas “[o] Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados”, entre os quais a Fazenda Pública.

6. Porém, essa isenção estabelecida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CCJ que a Fazenda Pública quer ver aplicada, resultava limitada pelo n.º 1 do artigo 4.º do mesmo Código que esclarecia, de modo expresso, que a mesma não abrangia os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte.

7. Ora, estabelecendo o n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que se mantêm em vigor as isenções de custas que não encontrem reflexo no RCP, a isenção a aplicar à Fazenda Pública terá de ser aquela que resultava do CCJ, isenção essa que não incluía as custas de parte, as quais a Fazenda Pública sempre teve e sempre terá de suportar.

8. Não subsistem quaisquer dúvidas perante a jurisprudência firmada que também sempre se teria de relevar o disposto no n.º 12 do mesmo aludido artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que prevê norma especial quanto às custas de parte, esclarecendo que as regras do RCP àquelas atinentes se aplicam imediatamente a todos os processos pendentes.

9. Isso mesmo tem sido reiteradamente firmado na jurisprudência e.g. o Acórdão do STA de 23 de maio de 2018, segundo a qual «a isenção de custas não abarca as custas de parte pois também in casu «estando os presentes autos pendentes em 1/1/2004, as custas a aplicar continuam a ser determinadas pelas disposições do RCPT, com aplicação supletiva do CCJ (ex vi do art. 2º do RCPT), e não pelo disposto no RCP, (…). não obstante a apontada regra inerente às custas processuais, já no que especificamente respeita às custas de parte o legislador veio estabelecer, em 2012, no nº 12 do art. 8º da Lei nº 7/2012, de 13/2, uma diferente regra: as custas de parte, em todos os processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma Lei, são devidas nos termos aí expressos, salvo se a respectiva nota discriminativa tiver sido remetida às partes responsáveis em data anterior.

(…), a norma não exclui da aplicação de tais regras quaisquer processos, não excluindo designadamente os processos instaurados em data anterior a 1/1/2004, sendo que a expressão “todos” utilizado na norma não dá margem para outro entendimento(…).

10. Tudo visto, independentemente das normas que se considerem aplicáveis ao caso concreto, e sem que se ponha em causa a isenção de custas da Fazenda Pública no caso em apreço, dúvidas não podem subsistir de que as custas de parte cujo pagamento foi solicitado pela Recorrida são devidas e têm que ser suportadas pela Fazenda Pública impondo-se, em consequência, a confirmação do despacho recorrido, que também assim decidiu.

1.8. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e apresentados os mesmos com “termo de vista”, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto proferiu douto parecer no sentido de ser admitido o recurso, considerando que no que respeita à sua admissibilidade a mesma não é discutível, por ser aplicável ao caso o preceituado no n.º 5 do artigo 280.º do CPPT (na redacção que o mesmo dispunha antes da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro). Quanto ao mérito, que o recurso não merece provimento, em resumo nosso, por a Fazenda Pública, apesar de gozar de isenção de custas, não estar, por força do preceituado no nº 12 do artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, desonerada do pagamento das custas de parte devidas à parte vencedora.

1.9. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

2.2. No caso concreto, flui com clareza das conclusões que a questão principal que a Recorrente pretende ver decidida é a de saber se é ou não responsável pelo pagamento de custas de parte à Recorrida, defendendo que este recurso deve ser admitido por estar em frontal oposição com julgamento realizado através do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 499/17, de 20 de Dezembro de 2018 e julgado procedente por a jurisprudência acolhido nesse acórdão ser a correcta e que deve ser perfilhada, com a consequente revogação do despacho objecto de recurso.

2.3. Considerando o que ficou exposto, são duas as questões que temos que decidir.

A primeira prende-se com a própria admissibilidade do recurso jurisdicional, mais concretamente, aferir se no caso concreto se verificam os pressupostos que estavam consagrados no n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, na redacção que esta norma possuía à data da interposição do presente recurso (anterior à entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro).

A segunda com o mérito da pretensão, o que passa por, adquirida a oposição de julgados, decidir qual o sentido em que deve ser decidida a questão fundamental de direito suscitada, a saber, se a Fazenda Pública, nos processos entrados em juízo antes do ano de 2004, está ou não legalmente obrigada a suportar as custas de parte nos processos em que ficou vencida, apesar de estar isenta de custas.

3. FUNDAMENTAÇÃO

O despacho recorrido tem o seguinte teor:


Despacho

Vem a FP apresentar reclamação contra a nota justificativa de custas de parte, invocando que a isenção subjectiva de que goza, em face do processo ter sido instaurado antes de 1/1/2004, implica a não obrigação de pagamento de custas de parte nestes autos.

À questão deu já resposta o STA, entre outros no Ac. do STA n.º0490/17, de 23/05/2018, onde se escreveu:

“(…) em 20/4/2009 entrou em vigor o Regulamento das Custas Processuais (RCP) (Este Regulamento das Custas Processuais (RCP) foi aprovado pela Lei nº 34/2008, de 26/2, com as alterações introduzidas pela Declaração de Rectificação nº 22/2008, de 24/4, pela Lei nº 43/2008, de 27/8, pelo DL nº 181/2008, de 28/8 e pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12 (OE para 2009).

No art. 26º daquele DL n° 34/2008, previa-se que o RCP entraria em vigor a 1/9/2008.

Posteriormente, porém, o art. 1° do DL n° 181/2008 veio diferir a entrada em vigor para 5/1/2009 e acabou por ser o art. 156° da Lei n° 64-A/2008, que fixou a data de 20/4/2009 para a efectiva entrada em vigor do Regulamento.), no âmbito do qual se restringiram as isenções (subjectivas e/ou objectivas) de custas (cfr. art. 4º do RCP, bem como o Preâmbulo do DL nº 34/2008), afastando-se o paradigma até então estabelecido no Código das Custas Judiciais de 1996 (CCJ), no qual se contemplavam inúmeras isenções a diversas entidades, designadamente ao Estado e seus serviços ou organismos, tais como a Fazenda Pública (cfr. a al. a) do nº 1 do seu art. 2º).

Mas a par deste regime, e no que aos processos tributários respeita, vigorava o regime estabelecido no Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT), aprovado pelo DL nº 29/98, de 11/2, onde se estabelecia a aplicação supletiva do CCJ e legislação complementar (art. 2º do RCPT), a par da previsão de uma isenção subjectiva para o Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados, nos mesmos termos que se encontravam previstos no CCJ (v. al. a) do nº 1 do art. 3° do RCPT).

No caso vertente, a impugnação foi deduzida em Fevereiro de 1989, data em que estava em vigor o CCJ (que veio a ser revogado pelo DL nº 342/2003, de 27/12.

Contudo, ainda assim, não pode olvidar-se que apesar de o nº 6 do art. 4º deste DL nº 324/2003, ter revogado expressamente as disposições relativas aos processos judiciais tributários contidas no RCPT, essas disposições continuam a ser aplicáveis aos processos pendentes em 1/1/2004 (data da entrada em vigor do apontado DL nº 324/2003), pois as normas sobre custas tributárias por ele aditadas ao CCJ (ou seja, os arts. 73º-A a 73º-F) apenas eram aplicáveis aos processos instaurados a partir da data da sua entrada em vigor (cfr. art. 14º, nº 1), que ocorreu em 30/12/2003 (cfr, entre muitos outros, o ac. do STA, de 28/9/2011, no proc. nº 0772/11.

Ora, estando os presentes autos pendentes em 1/1/2004, as custas a aplicar continuam a ser determinadas pelas disposições do RCPT, com aplicação supletiva do CCJ (ex vi do art. 2º do RCPT), e não pelo disposto no RCP, sendo que, dado o disposto nos arts. 529º, nº 4 e 527º, nº 1, do CPC e considerando que as custas processuais integram, a par da taxa de justiça e dos encargos, as custas de parte, pareceria que a Fazenda Pública se encontraria dispensada o respectivo pagamento.

E só assim não é porque, não obstante a apontada regra inerente às custas processuais, já no que especificamente respeita às custas de parte o legislador veio estabelecer, em 2012, no nº 12 do art. 8º da Lei nº 7/2012, de 13/2, uma diferente regra: as custas de parte, em todos os processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma Lei, são devidas nos termos aí expressos, salvo se a respectiva nota discriminativa tiver sido remetida às partes responsáveis em data anterior. Como sublinha o MP, a norma não exclui da aplicação de tais regras quaisquer processos, não excluindo designadamente os processos instaurados em data anterior a 1/1/2004, sendo que a expressão “todos” utilizado na norma não dá margem para outro entendimento, falecendo a argumentação da recorrente no sentido de que a regra do n° 12 do art. 8° da Lei n° 7/2012 apenas se aplica às custas de parte nos processos instaurados a partir daquela data.

Em idêntico sentido se decidiu, aliás, nos acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, proferidos em 7/1/2016 e em 29/10/2015, respectivamente, no proc. nº 0315/15 e no proc. nº 061/14.

Em suma, sendo o n° 7 do art. 4° do RCP (na redação actual) aplicável aos presentes autos, a isenção de custas de que goza a recorrida Fazenda Pública não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, devendo, por isso, suportá-las.”

Em conclusão, improcede a reclamação».

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Da admissibilidade do recurso

3.2.1.1. Dissemos já que o presente recurso jurisdicional vem interposto ao abrigo do preceituado no n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, na redacção que este detinha antes da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de Dezembro, o que desde já relevamos uma vez que, como é sabido, este Supremo Tribunal Administrativo vem sublinhando de forma reiterada que os pressupostos que aí se encontravam consagrados para efeitos da sua admissão são distintos do que actualmente vigoram na norma que parcialmente lhe sucedeu (n.º 3 do artigo 280.º do CPPT).

3.2.1.2. Nessa medida, constitui ponto essencial identificar os pressupostos cujo preenchimento se impõe no caso da admissão do recurso com fundamento no n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, na redacção aplicável, o que fazemos transcrevendo a norma em aplicação:

«A existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.».

3.2.1.3. No caso, como passaremos a explicar, os pressupostos de admissibilidade não se verificam.

3.2.1.4. Efectivamente, sem prejuízo de se reconhecer que à luz do quadro jurídico emergente do n.º 5 do artigo 280.º do CPPT se não exigia que as decisões alegadamente em confronto se substanciassem apenas em sentenças, antes se admitindo que fossem invocados para o preenchimento dos pressupostos um acórdão de Tribunal Superior (como é o caso) e também sem prejuízo de reconhecer que o quadro à luz do qual foram proferidos o despacho recorrido e o acórdão deste Supremo Tribunal convocado como decisão oposta é substancialmente o mesmo, certo é que tal oposição não existe.

3.2.1.5. Como de forma lapidar se esclareceu no acórdão do Pleno desta Secção proferido no processo n.º 21/99.4BTLRS, em situação em tudo semelhante à dos autos [estava precisamente em questão saber se existia oposição quanto à mesma questão fundamental de direito entre os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Dezembro de 2017 (proferido no processo 499/17 e convocado pela Recorrente como fundamento da oposição) e de 23 de Maio de 2018 (proferido no processo n.º 490/17 invocado nas contra-alegações, em que se louvou integralmente, por transcrição, o despacho recorrido,] o fundamento de direito que determinou uma e outra das decisões não foi o mesmo.

3.2.1.6. Na verdade, como se disse no identificado Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso deste Supremo Tribunal, enquanto no despacho recorrido o indeferimento do pedido de dispensa de pagamento de custas de parte se alicerçou fundamentalmente na consideração do preceituado no artigo 8. º, n.º 12 da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Dezembro de 2017, que a Recorrente clama ter decidido em sentido oposto, aquele normativo não foi minimamente relevado, sendo outras as razões de facto relevadas, distintos os fundamentos jurídicos que suportaram a decisão e, ainda, como aí se deixou nítido, distinto o âmbito da questão analisada e que ditou o deferimento da pretensão.

3.2.1.6. Elucidativo da distinção que vimos afirmando são as passagens de uma e outra das decisões em confronto que aqui recuperamos.

3.2.1.7. No despacho recorrido escreveu-se: Vem a FP apresentar reclamação contra a nota justificativa de custas de parte, invocando que a isenção subjectiva de que goza, em face do processo ter sido instaurado antes de 1/1/2004, implica a não obrigação de pagamento de custas de parte nestes autos.

À questão deu já resposta o STA, entre outros no Ac. do STA n.º 0490/17, de 23/05/2018, onde se escreveu:

“(…) em 20/4/2009 entrou em vigor o Regulamento das Custas Processuais (RCP) (Este Regulamento das Custas Processuais (RCP) foi aprovado pela Lei nº 34/2008, de 26/2, com as alterações introduzidas pela Declaração de Rectificação nº 22/2008, de 24/4, pela Lei nº 43/2008, de 27/8, pelo DL nº 181/2008, de 28/8 e pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12 (OE para 2009).

No art. 26º daquele DL n° 34/2008, previa-se que o RCP entraria em vigor a 1/9/2008.

Posteriormente, porém, o art. 1° do DL n° 181/2008 veio diferir a entrada em vigor para 5/1/2009 e acabou por ser o art. 156° da Lei n° 64-A/2008, que fixou a data de 20/4/2009 para a efectiva entrada em vigor do Regulamento.), no âmbito do qual se restringiram as isenções (subjectivas e/ou objectivas) de custas (cfr. art. 4º do RCP, bem como o Preâmbulo do DL nº 34/2008), afastando-se o paradigma até então estabelecido no Código das Custas Judiciais de 1996 (CCJ), no qual se contemplavam inúmeras isenções a diversas entidades, designadamente ao Estado e seus serviços ou organismos, tais como a Fazenda Pública (cfr. a al. a) do nº 1 do seu art. 2º).

Mas a par deste regime, e no que aos processos tributários respeita, vigorava o regime estabelecido no Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT), aprovado pelo DL nº 29/98, de 11/2, onde se estabelecia a aplicação supletiva do CCJ e legislação complementar (art. 2º do RCPT), a par da previsão de uma isenção subjectiva para o Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados, nos mesmos termos que se encontravam previstos no CCJ (v. al. a) do nº 1 do art. 3° do RCPT).

No caso vertente, a impugnação foi deduzida em Fevereiro de 1989, data em que estava em vigor o CCJ (que veio a ser revogado pelo DL nº 342/2003, de 27/12.

Contudo, ainda assim, não pode olvidar-se que apesar de o nº 6 do art. 4º deste DL nº 324/2003, ter revogado expressamente as disposições relativas aos processos judiciais tributários contidas no RCPT, essas disposições continuam a ser aplicáveis aos processos pendentes em 1/1/2004 (data da entrada em vigor do apontado DL nº 324/2003), pois as normas sobre custas tributárias por ele aditadas ao CCJ (ou seja, os arts. 73º-A a 73º-F) apenas eram aplicáveis aos processos instaurados a partir da data da sua entrada em vigor (cfr. art. 14º, nº 1), que ocorreu em 30/12/2003 (cfr, entre muitos outros, o ac. do STA, de 28/9/2011, no proc. nº 0772/11.

Ora, estando os presentes autos pendentes em 1/1/2004, as custas a aplicar continuam a ser determinadas pelas disposições do RCPT, com aplicação supletiva do CCJ (ex vi do art. 2º do RCPT), e não pelo disposto no RCP, sendo que, dado o disposto nos arts. 529º, nº 4 e 527º, nº 1, do CPC e considerando que as custas processuais integram, a par da taxa de justiça e dos encargos, as custas de parte, pareceria que a Fazenda Pública se encontraria dispensada o respectivo pagamento.

E só assim não é porque, não obstante a apontada regra inerente às custas processuais, já no que especificamente respeita às custas de parte o legislador veio estabelecer, em 2012, no nº 12 do art. 8º da Lei nº 7/2012, de 13/2, uma diferente regra: as custas de parte, em todos os processos pendentes à data da entrada em vigor da mesma Lei, são devidas nos termos aí expressos, salvo se a respectiva nota discriminativa tiver sido remetida às partes responsáveis em data anterior. Como sublinha o MP, a norma não exclui da aplicação de tais regras quaisquer processos, não excluindo designadamente os processos instaurados em data anterior a 1/1/2004, sendo que a expressão “todos” utilizado na norma não dá margem para outro entendimento, falecendo a argumentação da recorrente no sentido de que a regra do n° 12 do art. 8° da Lei n° 7/2012 apenas se aplica às custas de parte nos processos instaurados a partir daquela data

3.2.18. No acórdão fundamento exarou-se o seguinte: “A questão que se coloca neste recurso passa por saber se nos processos instaurados em data anterior a 01.01.2004, como o dos autos, a Fazenda Pública é ou não devedora das custas -no seu conceito mais amplo- relativas aos processos em que litiga no caso de decair no todo ou em parte.

A questão surge porque na sentença proferida em primeira instância foi reconhecido que a mesma estava isenta de custas ao abrigo do disposto nos artigos 3°, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11/02, ex vi do artigo 14°, n.º 1 do DL n.º 324/03, de 27/12, enquanto que no TCA Sul, no acórdão que recaiu sobre o recurso interposto, se veio a consignar no tocante a custas "Custas pela Fazenda Pública".

Que nos processos instaurados em data anterior a 01.01.2004 a Fazenda Pública está isenta do pagamento de custas tem sido claramente dito por este Supremo Tribunal, por ser isso que resulta das normas aplicáveis, veja-se, por todos, o acórdão datado de 05.07.2017, recurso n.º 01405/16: Na verdade, no regime de custas anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro – diploma que introduziu alterações substanciais ao CCJ aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro -, a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º daquele Código das Custas Judiciais (Como, aliás, já antes, e sucessivamente, constava do art. 3.º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, do art. 5.º do Regulamento das Custas nos Processos das Contribuições e Impostos e do art. 2.º da Tabela das Custas no Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 42.150, de 12 de Fevereiro de 1959.).

As disposições que isentavam a Fazenda Pública de custas nos processos tributários foram revogadas pelo art. 4.º, n.ºs 4 e 5, do referido Decreto-Lei n.º 324/2003, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004 (cfr. art. 16.º, n.º 1, do mesmo diploma), deixando, desde essa data, a Fazenda Pública de beneficiar de isenção de custas.

No entanto, as alterações ao CCJ introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003 só são aplicáveis aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (cfr. o n.º 1 do seu art. 14.°), produzindo apenas efeitos, no que respeita às custas judiciais tributárias, a partir da data da transferência dos tribunais tributários para a tutela do Ministério da Justiça (cfr. art. 15.º, n.º 2), transferência que ocorreu na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, diploma legal que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação (cfr. respectivo art. 18.º).

É certo que, entretanto, entraram em vigor o Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e a Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que introduziu alterações ao RCP, mas a situação - relativamente à manutenção da isenção subjectiva de custas de que beneficia a Fazenda Pública relativamente aos processos iniciados antes de 1 de Janeiro de 2004 – manteve-se inalterada, atento o disposto no art. 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 e no art. 8.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2012.

Portanto, sabendo nós, por ser incontrovertido, que os presentes autos deram entrada em juízo em data anterior a 31.12.2003, sempre a Fazenda Pública estaria isenta do pagamento das custas, tal como foi correctamente reconhecido na sentença proferida no TAF de Sintra.

A questão coloca-se na fase processual da conta uma vez que no TCA Sul se consignou que as custas seriam a cargo da Fazenda Pública -julgou-se verificada a inutilidade superveniente da lide em decorrência da prescrição da dívida-, colocando-se ainda a questão de saber se lhe incumbe ou não suportar as custas de parte.

Ou seja, não há dúvida que nos presentes autos as custas nunca deveriam ser imputadas à Fazenda Pública, independentemente do desfecho que viessem a ter, apenas se pretendendo fazê-la incorrer em tais custos pelo facto de se ter deixado consignado no TCA Sul que as custas seriam a cargo da Fazenda Pública (na verdade, no TAF de Sintra consignou-se que a mesma estava isenta das mesmas).

No entanto, tal asserção, sem qualquer outra explicação por parte dos julgadores, não implica que o caso se deva subsumir a regras jurídicas diferentes daquelas que efectivamente lhe devem ser aplicadas, ou seja, tal singela ″afirmação″ condenatória, não tem por virtualidade a revogação das normas legais aplicáveis ao caso dos autos, que continuam a ser as que determinam a isenção de custas da recorrente. Assim, e porque a elaboração da conta deve respeitar escrupulosamente o determinado na decisão pelo juiz, mas de forma conjugada com o determinado na lei, apenas se pode concluir que a Fazenda Pública haverá de pagar as custas que legalmente forem devidas, isto é, apenas e só aquelas que a lei colocar a seu encargo».

(…)

Concluindo, assiste razão à Fazenda Pública quando pretende que na elaboração da conta de custas seja considerada a isenção legalmente estabelecida quanto a si, uma vez que a sua condenação em custas apenas abrange, naturalmente, aquela parte da qual não estiver isenta». (todas as partes a negrito são de nossa autoria)

3.2.1.7. Em suma, enquanto no despacho recorrido a questão se restringia exclusivamente à questão das custas de parte, não se tendo colocado aí qualquer de conflito entre as condenações em custas em 1ª instância e no acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, no acórdão invocado como alegadamente tendo perfilhado decisão em sentido oposto a questão apreciada, precisamente por aquele conflito existir e o Tribunal ter sido chamado a dirimi-lo, a questão revela-se muito mais ampla, reporta-se à isenção das custas em geral, firmando-se o entendimento que a Fazenda Pública está objectiva e subjectivamente isenta de custas, salvaguardando-se, no entanto, que essa isenção não abrangia a parte em que, por força da lei, não estivesse isenta.

3.2.1.8. Vale, pois, o que ficou dito, para que se conclua, como se fez no acórdão do Pleno desta Secção (ainda que por referência directa ao aresto que se reproduziu no despacho recorrido) que não há a oposição relativamente ao fundamento de direito que o n.º 5 do artigo 280.º do CPPT pressupõe. É distinta a amplitude da questão. É distinto o quadro jurídico que de forma determinante sustentou cada um dos julgamentos em confronto. É distinta a materialidade fáctica subjacente. E, muito particularmente relevante na compreensão da presente questão, é a ressalva consagrada na parte final do acórdão de 20 de Dezembro de 2017, na parte em que termina admitindo que a isenção não abrange a parte em que directamente o legislador a afastou (como é o caso das custas de parte), sendo, pois, neste contexto, forçoso concluir-se que não há oposição entre as decisões tomadas nos julgamentos em confronto.

3.2.1.9. Em conformidade, não estando verificados os pressupostos de admissibilidade consagrado no n.º 5 do artigo 280.º do CPPT, não tomaremos conhecimento do mérito do presente recurso.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, não tomar conhecimento do recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública.

Sem custas, nos preditos termos.

Registe e notifique.

Lisboa, 28 de Abril de 2021. – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Gustavo André Simões Lopes Courinha.