Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0428/15.1BELSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ACIDENTE DE SERVIÇO
COMISSÃO DE SERVIÇO
SUBSÍDIO
Sumário:O acórdão que diverge da sentença relativamente à questão de saber se deve cessar o pagamento de subsídios, atribuídos pelo exercício de funções em comissão de serviço, após a cessação desta comissão, merece revista clarificadora, por relevância jurídica.
Nº Convencional:JSTA000P32033
Nº do Documento:SA1202403210428/15
Recorrente:AA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. AA - autor desta «acção administrativa para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido contra actos ou omissões relativos à aplicação do DL nº503/99, de 20.11 - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 11.01.2024 - que concedendo parcial provimento ao recurso de «apelação» do réu - MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA/POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA [MAI/PSP] - o condenou, apenas, a pagar-lhe os subsídios em causa - de turno e piquete, especial de serviço e de refeição - até 31.12.2013, «data em que cessou a verificação dos demais pressupostos legais de atribuição desses suplementos», mantendo no demais a sentença aí recorrida - proferida pelo TAC de Lisboa em 03.10.2023.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância social e jurídica da questão» - artigo 150º, nº1, do CPTA.

O recorrido - MAI/PSP - apresentou contra-alegações nas quais defende, além do mais, a não admissão da «revista» por falta de verificação dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Na sequência do pedido formulado pelo autor - AA - e do julgamento de facto e de direito realizados, o tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - julgou a instância parcialmente extinta por inutilidade parcial superveniente da lide - em relação aos pedidos de condenação do MAI no pagamento de despesas suportadas pelo autor em resultado do acidente em serviço objecto dos autos, na parte relativa às despesas já reembolsadas pelos serviços da PSP, ao pedido de condenação da CGA no pagamento de despesas suportadas pelo autor em resultado do acidente em serviço objecto dos autos, após 24.09.2019, e ao pedido de reconhecimento da reintegração profissional do autor -, e condenou o réu - MAI/PSP - a pagar ao autor os subsídios de turno e piquete, especial de serviço e de refeição nos períodos peticionados, e despesas decorrentes do acidente do serviço, absolvendo-o do demais.

O tribunal de 2ª instância - TCAS - Secção de Contencioso Administrativo - Subsecção Social - concedeu parcial provimento à apelação do réu - MAI/PSP - e, em conformidade com o julgamento feito, apenas alterou a sentença recorrida «no tocante ao pagamento dos subsídios de turno e piquete, especial de serviço e de refeição», que limitou à data de 31.12.2013, «data em que cessou a verificação dos demais pressupostos legais de atribuição dos mesmos».

Diz-se no acórdão do tribunal de apelação, em sede conclusiva, que «a sentença recorrida decidiu, a final, condenar o réu MAI no pagamento dos subsídios de turno e piquete, especial de serviço, e de refeição, nos períodos supra explicitados, bem como no pagamento das despesas decorrentes do acidente, nos termos supra-referidos, olvidando por completo que, por despacho de 21.11.2013, do Comandante da ..., a comissão de serviço ao abrigo da qual o autor vinha exercendo as suas funções no ... daquela unidade - e que justificavam o pagamento dos suplementos remuneratórios peticionados na acção - não foi prorrogada, cessando em 31.12.2013 […], o que determinou o regresso do autor ao seu comando de origem [...], com apresentação no posto em 02.01-2014 […]. Pelo que se acabou de referir, a pretensão recursiva merece parcial provimento, razão pela qual se impõe restringir a fórmula dispositiva da sentença recorrida, limitando a condenação do MAI à data de 31.12.2013, data em que cessou a comissão de serviço do autor, e, com ela, a verificação dos demais pressupostos legais de atribuição dos referidos suplementos».

Agora é o autor que discorda, e pede «revista» do assim decidido no acórdão quanto à «limitação do pagamento dos referidos subsídios» à data da cessação da sua comissão de serviço, ou seja, a «31.12.2013». Alega que este acórdão faz um julgamento errado ao enveredar por tal limitação, pois que ela viola «a garantia prevista no artigo 15º do DL nº503/99, de 20.11» - conjugado com o seu artigo 19º -, fazendo dela uma incorrecta interpretação restritiva que resulta em tratamento discriminatório, violador dos artigos 13º e 59º, nº1 alínea f), da CRP, e destruidora da sua «razão de ser». Defende que o entendimento segundo o qual ele não tem direito aos referidos suplementos a partir do momento em que, após o acidente em serviço, não lhe foi renovada a «comissão de serviço» - ao abrigo da qual vinha, desde 2001, exercendo funções no ... - se traduz numa manifesta violação do disposto no «artigo 15º do DL nº503/99, de 20.11». Pretende que, em «revista», lhe seja reconhecido o direito de perceber os referidos suplementos durante todo o período em que esteve de baixa, ou seja, até à fixação da pensão de reforma por incapacidade.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Feita tal apreciação, cremos que a presente pretensão de revista deverá ser admitida. Na verdade, a questão em análise consiste, fundamentalmente, em saber se cessada comissão de serviço, após acidente em serviço, deve cessar o pagamento de subsídios - pagos por imposição do «artigo 15º do DL nº503/99, de 20.11» - que o sinistrado recebia devido às funções que desempenhava aquando do seu acidente. As instâncias divergiram no seu entendimento, a «questão» mostra-se de resolução algo complexa, devido aos regimes jurídicos que convoca e à interpretação constitucional conforme que impõe, e é certo que a sua resolução tem inegável interesse prático para a resolução concreta de outros casos semelhantes.

Assim, e sem mais delongas, quer em nome da necessidade de esclarecer, e solidificar, a decisão jurídica da referida questão, quer em nome da importância fundamental que lhe assiste, é de admitir a presente revista.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 21 de Março de 2024. – José Veloso (relator) - Teresa de Sousa - Fonseca da Paz.