Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0862/11.6BEALM
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:POLÍCIA MARÍTIMA
PROCEDIMENTO
COLOCAÇÃO
ESCOLHA
Sumário:O procedimento de colocação por escolha de pessoal graduado da polícia marítima assenta num acto discricionário do Comandante-Geral da Polícia Marítima.
Nº Convencional:JSTA00071134
Nº do Documento:SA1202104290862/11
Data de Entrada:01/13/2021
Recorrente:MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL
Recorrido 1:A………….
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:RCMPPM ART16
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


I - Relatório

1. A………, com os sinais dos autos, interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada [de ora em diante TAF de Almada], em 8 de Novembro de 2011, acção administrativa especial, contra o Ministério da Defesa Nacional (de ora em diante apenas MDN), na qual peticionou que fosse declarada a nulidade do “Regulamento de Colocações e Movimentos do Pessoal da Polícia Marítima” e anulado o acto praticado pelo Comandante-Geral da Polícia Marítima (CGPM), em 05.08.2011, constante da Ordem da Polícia Marítima n.º 23, de 24.08.2011, que determinou o seu movimento do Comando Local da Polícia Marítima (CLPM) de Lisboa para o CLPM de ..........

2. Por sentença do TAF de Almada, de 21 de Julho de 2017, foi a acção julgada improcedente.

3. Inconformado, o Autor interpôs recurso daquela decisão para o TCA Sul, que revogou a sentença e, julgando a acção procedente, por provada, em relação ao pedido de anulação do acto constante da OPM 23/24-08-2011, anulou o acto de colocação do Autor no Comando Local de ......... da Polícia Marítima.

4. É dessa decisão que o MDN veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, a qual foi admitida por acórdão de 10 de Dezembro de 2020, essencialmente, pelas seguintes razões: “[…] refira-se que se mostra objeto de dissídio questão que envolve a interpretação e aplicação do regime de colocações e movimentos do pessoal da Polícia Marítima - in casu de específicas categorias de pessoal em funções de chefia (no caso de subchefes) -, questão estatutária com interesse e relevância para o pessoal e para o funcionamento daquela força policial e que é suscetível de vir a colocar-se recorrentemente, pelo que assume relevância social, como é próprio da sua natureza estatutária, e é patente a virtualidade de expansão da controvérsia.
Para além disso revelaram-se, ainda, como diametralmente divergentes os juízos firmados pelas instâncias sobre a pretensão, fator esse que, sendo indiciador do melindre e da complexidade da questão, se vem a confirmar dado a mesma envolver complexidade jurídica superior ao comum, cuja solução se não colhe imediatamente do texto legal, exigindo-se, nessa medida, a fixação de orientação por este Supremo Tribunal como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.
Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, justificando-se in casu a quebra da regra da excecionalidade supra enunciada e a admissão da revista.”.

5 – O Demandado e aqui Recorrente, apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«[…]

A. O acórdão ora posto em crise concedeu provimento ao recurso interposto, por erro de facto e de direito, revogando a sentença recorrida e, em substituição, julgou a ação procedente, por provada, em relação ao pedido de anulação do ato constante da OPM 23/24-08-2011, anulando o ato de colocação do Autor no Comando Local de ......... da Polícia Marítima e julgou prejudicado o pedido de condenação à prática de ato devido.
B. O presente recurso reveste-se de importância fundamental pela sua relevância jurídica e social.
C. No que se refere à relevância social, a alteração e subversão dos mecanismos estabelecidos, em matéria de colocações de especificas categorias de pessoal da PM (funções de chefia, inclusivamente operacional no caso de subchefes), face ao entendimento do acórdão em questão, tem como potencial risco a criação de sérios constrangimentos na atividade operacional a nível superior, com direto impacto nas comunidades locais que são servidas pela ação pública da Polícia Marítima.
D. Assim como uma profunda alteração no seio da própria instituição, fazendo perigar e colocar em causa todo um sistema comummente aceite e compreendido pelo pessoal da PM, determinando uma profunda instabilidade em todas as situações de colocação por escolha - hoje existentes e consolidadas.
E. Do ponto de vista jurídico, a admissão do presente recurso de revista é necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que o entendimento vertido no acórdão de que se recorre, vem introduzir uma interpretação e aplicação jurídica dos pressupostos e modelos de conceito subjacentes ao Regulamento de movimentos, aprovado pelo Despacho do Comandante-Geral da Polícia Marítima n.º 1/2008.
F. O que extravasa do âmbito de intervenção do poder judicial, efetuando uma regulação própria dos mecanismos e modelos previstos e regulamentados em matéria de colocações e movimentos de pessoal da PM, como que se substituindo ao próprio Comandante-Geral da PM.
G. E subverte os pressupostos de aplicação do referido regulamento, fazendo aplicar à nomeação por escolha os critérios subjacentes aos modelos de colocação dos elementos da PM detentores das categorias de Agente.
H. A colocação/nomeação por escolha não é uma novidade, sendo que no ordenamento jurídico-estatutário de outras forças de segurança, encontram-se mecanismos similares, nomeadamente no artigo 101.º do Estatuto do Pessoal da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19/10 e no artigo 59.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22/3, o que possibilita a concessão de mecanismos específicos de gestão aos respetivos dirigentes máximos, por forma a assegurar as necessidades do serviço e o regular e adequado desempenho operacional.
I. O recurso ora apresentado tem por fundamento a verificação de um claro e notório erro de julgamento, porque incorre em erro quando determina que não se pode manter a interpretação adotada na sentença sob recurso e, consequentemente, no ato impugnado, por desrespeito aos critérios fixados no disposto no artigo 8.º do Regulamento de Colocações e Movimentos do Pessoal da Polícia Marítima, aplicável subsidiariamente ao artigo 16.º, por em ambos os casos se tratar de colocações por imposição, e ainda por desrespeito com o Despacho do Comando-Geral da Polícia Marítima n.º 1/2008, de 28 de julho.
J. O ato anulado foi praticado no âmbito de competência própria e exclusiva do Comandante-Geral da Polícia Marítima - respeitando, então, as normas legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente o RCMPPM, que continha normas claras objetivas e transparentes – configurando, assim, um mero ato de gestão de recursos humanos, que no caso assenta no poder discricionário do Comandante-Geral da Polícia Marítima.
K. O Comandante-Geral da Polícia Marítima é, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima (EPPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de Setembro, o órgão superior de comando da Polícia Marítima.
L. A gestão do pessoal da Polícia Marítima, nomeadamente ao nível de efetivos, carreiras, nomeações e movimentos, é uma decorrência lógica e natural das competências legalmente atribuídas ao Comandante-Geral, conforme legalmente estabelecido na alínea b) do artigo 5.º do EPPM.
M. Por seu Despacho n.º 1/2008, de 28 de Julho, o Comandante-Geral aprovou o Regulamento de Colocações e Movimentos do Pessoal da Polícia Marítima, publicado na OPM 17/28-07-2008.
N. O preenchimento dos lugares vagos, de acordo com o artigo 6.º do RCMPPM, é feito de acordo com as seguintes modalidades: colocação por oferecimento (artigo 7.º); colocação por imposição (artigo 8.º) e colocação por escolha (artigo 16.º).
O. No que se refere à colocação por escolha o artigo 16.º do RCMPPM determina que a colocação dos efetivos com categoria de subchefe, chefe, subinspetor e inspetor é feita por escolha do Comandante-Geral.
P. O artigo 16.º do RCMPPM é bastante claro e objetivo, prevendo que tal colocação é feita por escolha do Comandante-Geral, assim sendo é perfeitamente compreensível que não existam outros critérios previstos para esta colocação, tanto mais que se trata de uma modalidade de colocação de pessoal de características e natureza nominal, tendo em consideração a adequação do elemento escolhido ao Comando de destino e funções que no mesmo irá desempenhar.
Q. Tanto assim é que a decisão a que se referem os presentes autos foi tomada por escolha do Comandante-Geral e fundou-se na conveniência de serviço, consubstanciada na necessidade de o pessoal da Polícia Marítima periodicamente exercer funções pelos diferentes Comandos Locais, o que, aliás, constitui um pressuposto daquilo que é um normal percurso de carreira, tendo em consideração a ampla dispersão geográfica do dispositivo operacional e as diferentes realidades e contextos funcionais específicos que se colocam de forma diversa a cada Comando desta Polícia.
R. O entendimento constante do acórdão como que opera, por via judicial, uma alteração a um regulamento administrativo em que o Comandante-Geral da PM, entidade com competência para o efeito, pretendeu inequivocamente estabelecer três modalidades de colocação do pessoal da PM, e não duas.
S. A colocação por escolha (artigo 16.º do RCMPPM) distingue-se claramente da colocação por imposição (artigo 8.º do RCMPPM. Por um lado, porque a primeira apenas está prevista e reservada aos elementos detentores de categoria de subchefe, chefe, subinspetor e inspetor, destinando-se a segunda a regular as colocações para as restantes categorias. Por outro, porque a primeira possibilita efetivamente uma escolha do Comandante-Geral da PM, tendo em conta parâmetros de eficácia e de eficiência na prossecução do interesse público, as necessidades do serviço e adequabilidade ao local/funções a desempenhar, enquanto que, na segunda, é a aplicação dos critérios sucessivamente elencados no artigo 8.º do RCMPPM, e não uma escolha, que vai determinar a nomeação a efetuar.
T. Estando em causa uma escolha - no âmbito de apreciação discricionária do CGPM - a mesma não poderá depender de escalas ou do estabelecimento de critérios puramente fechados (estes sim aplicáveis ao pessoal com a categoria de agente), mas poderá considerar a satisfação das necessidades ou o interesse do serviço tomando, bem como a adequação profissional e funcional do elemento escolhido (subchefe, chefe, subinspetor ou inspetor) para a colocação no local/cargo para o qual o mesmo é afetado.
U. O entendimento de que existe uma lacuna a reclamar integração que, traduzindo-se na aplicação de um outro preceito do mesmo normativo, importa por um lado o completo esvaziamento prático da norma julgada lacunosa, e que sendo uma norma que se insere no âmbito da discricionariedade, tal contende com o princípio da separação de poderes, consagrado no n.º 1 do artigo 111.º da Constituição da República Portuguesa.
V. E, desvirtua os mecanismos estabelecidos no Despacho regulamentar do CGPM, em matéria de movimentos e colocações de pessoal, fazendo aplicar ao regime de colocações por escolha, previsto no artigo 16.º do mesmo regulamento (destinado exclusivamente às categorias de características funcionais com responsabilidades de chefia) os critérios aplicáveis aos demais modelos de colocação e movimento de pessoal (aplicáveis ao pessoal da PM com a categoria de agente).
W. Não teve o Tribunal a quo o devido cuidado de comparar o regime da colocação por escolha decorrente do RCMPPM de 2008, com o vigente no novo regulamento, sendo certo que se o tivesse feito, facilmente concluiria que o regime de colocação por escolha, embora com pequenas clarificações, continua igual, ou seja a ser feito por escolha do Comandante-Geral, sem que tenham sido estabelecidos novos critérios ou decalcados os critérios aplicáveis em matérias de outros modelos de colocação/nomeação.
X. De facto, bastará proceder a uma simples leitura da norma na versão do Regulamento atualmente em vigor, para se concluir que a redação introduzida ao mecanismo da nomeação / colocação por escolha, mais não fez, comparativamente com o Regulamento de 2008, que o abrir da possibilidade de recurso daquele mecanismo a outras situações, densificando no atual artigo 9.º os pressupostos atinentes àquele instrumento.
Y. Pressupostos esses que já estavam subjacentes à colocação do recorrente, então, no CLPM de ......... e que já eram válidos naquele momento, decorrente da fundamentação exarada no ato que a determinou, da mesma forma que o são hoje.
Z. Relativamente ao entendimento de que a Polícia Marítima não constitui uma força militar, antes civil, também este entendimento configura um claro erro de julgamento.
AA. Embora a condição de agente militarizado seja distinta da condição de militar, o Tribunal Constitucional considerou, no seu Acórdão n.º 103/87, de 24 de março de 1987, que “o conceito de "agentes militarizados" há-de ser entendido como referindo-se, não a agentes com um "estatuto idêntico”, mas antes a agentes que, sob certo ponto de vista, se encontram numa "situação organizatória" similar à dos militares”, acrescentando mais à frente que “[n]a verdade, o qualificativo "militarizado" aponta necessariamente para uma realidade que, por definição, ou na essência, não é militar, mas recebe certas características típicas da instituição militar, vindo a assumir uma feição similar à desta”. E, primando esta última pela sua organização vincadamente hierárquica, também na PM se faz sentir uma premente necessidade de proteger o interesse público através da salvaguarda dos valores da hierarquia, da coesão e da disciplina no seu seio, inviabilizando “que se consolide um eventual sentimento de incumprimento permissivo relativamente às ordens proferidas pela hierarquia”.
BB. Pelo exposto, se o pessoal da PM não pode ser considerado militar, certo é que, até pelo enquadramento estatutário incidente e natureza da estrutura orgânico-funcional em que se insere, fortemente hierarquizada e num quadro de desconcentração territorial amplo e vasto, contrariamente ao entendimento vertido no acórdão de que se recorre, não poderá ser considerada como simplesmente “civil” sem mais.
CC. O entendimento do tribunal a quo viola, assim, o disposto na alínea b) do artigo 5.º do Estatuto do Pessoal da Polícia Marítima, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248/95, de 21.09, bem como na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º, no artigo 6.º in fine e no artigo 16.º do “Regulamento de Colocações e Movimentos do Pessoal da Polícia Marítima” (RCMPPM), aprovado pelo Despacho do Comandante-Geral da Polícia Marítima n.º 1/2008, publicado na Ordem da Polícia Marítima n.º 17, de 28.07.2008.
DD. Pois que o ato anulado foi praticado no âmbito de competência própria e exclusiva do Comandante-Geral da Polícia Marítima - respeitando, então, as normas legais e regulamentares aplicáveis, respetivamente, o disposto nos artigos 2.º, n.º 1 alínea c), 6.º in fine e 16.º do RCMPPM ex vi alínea b) do artigo 5.º do EPPM.
Nestes termos e nos demais de direito, invocando-se o douto suprimento de Vossas Excelências, requer-se a admissão do presente recurso de revista, considerando-se verificados os pressupostos legalmente exigidos para a sua admissibilidade, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 150.º do CPTA, devendo ser-lhe concedido provimento e em consequência, ser revogado o mui douto Acórdão ora recorrido, assim se fazendo a costumada Justiça.


6 – O Recorrido A………. não apresentou contra-alegações

7 – O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado, não emitiu parecer.

8 – Substituídos os vistos legais pelo cumprimento das formalidades previstas no n.º 2 do artigo 657.º do CPC, vêm os autos à conferência para decisão.


II – Fundamentação

1. De facto
Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido (ampliada e corrigida face à matéria de facto assente na sentença exarada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada), a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.


2. De direito
2.1. As questões que vêm suscitadas no presente recurso consistem em saber se existe erro de julgamento (erro de direito) do TCA Sul, quer quando considera que a polícia marítima constitui uma força civil e não militar, quer quando qualifica o procedimento de “colocação por escolha”, aplicável à colocação e movimentação de graduados, como um procedimento de “colocação por imposição”, ao qual se aplicariam, subsidiariamente, as regras gerais da colocação por imposição dos movimentos de pessoal não graduado.

2.2. Lembremos que nos autos se discute a conformidade jurídico-legal do acto constante da OPM 23/24-08-2011 de colocação do Autor, que desde 2008 detinha a categoria de Subchefe da Polícia Marítima, no Comando Local de ......... da Polícia Marítima, com efeitos a partir de 2011, ano em que cessava a sua Comissão no COMAR.

Em primeira instância o recurso havia sido julgado improcedente por se entender que do disposto no artigo 16.º do “Regulamento de Colocações e Movimentos do Pessoal da Polícia Marítima” (de ora em diante apenas “Regulamento”), aprovado pelo Despacho do Comandante-Geral n.º 1/2008, de 28 de Julho, ao abrigo da competência prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de Setembro, resultava que a colocação obedecia a uma escolha, apenas limitada pelo disposto no artigo 17.º do mesmo Regulamento, a qual não enfermava de nenhum dos vícios que lhe tinham sido imputados na P. I.

Em sede de recurso, o TCA Sul fez outra interpretação deste procedimento, considerando que ao procedimento de escolha consagrado no referido artigo 16.º do “Regulamento” se teria de aplicar, subsidiariamente, o disposto no artigo 8.º do “Regulamento”, o que significava que a colocação se teria de efectuar, para além da necessidade e conveniência de serviço, também de acordo com os critérios de menor categoria e de menor antiguidade na categoria, pelo que, existindo outros graduados, com a mesma categoria do Autor e com menor antiguidade na categoria, e sem que o acto de colocação se tivesse fundamentado em quaisquer características ou requisitos de natureza pessoal que tornassem insubstituível a colocação do Autor, teria de anular-se o acto de colocação por violação do artigo 8.º do referido “Regulamento”.

2.3. É contra esta interpretação das normas do “Regulamento” e o resultado a que ela conduziu que o Ministério da Defesa Nacional se insurge no âmbito do presente recurso de revista. E com razão.

Com efeito, o acórdão recorrido faz uma errada interpretação das normas do “Regulamento” que temos vindo a analisar, ignorando a diferenciação que nele se estabelece entre o “procedimento” de colocação de graduados e o “procedimento” de colocação do pessoal não graduado. Vejamos.

2.3.1. O Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de Setembro, criou no Sistema da Autoridade Marítima a Polícia Marítima como “força policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM e à AMN, composta por militares da Armada e agentes militarizados”.

Com efeito, desde a aprovação do Decreto-Lei n.º 190/75, de 12 de Abril, que a Polícia Marítima passou a constituir um quadro de pessoal privativo do então Ministério da Marinha, constituído por pessoal militarizado, que assumiu funções até aí desempenhadas por militares da Armada. Trata-se, por conseguinte, de um quadro de polícia militarizado e não civil, como se afirma no acórdão recorrido. Uma característica que explica a estrutura hierárquica e de “comando pessoal” em que assenta a colocação dos efectivos.

2.3.2. Os membros da Polícia Marítima regem-se, actualmente, pelo respectivo Estatuto do Pessoal e nele se prevê que o Comandante-Geral é o órgão superior de comando da Polícia Marítima e a ele compete, entre outras coisas, assegurar a gestão do pessoal, nomeadamente ao nível de efectivos, carreiras, nomeações e movimentos.

É precisamente no âmbito da execução desta competência que foi aprovado o “Regulamento”, cujas normas temos vindo a referir e que estão na base no presente recurso.

Na verdade, o que essencialmente se discute nos autos é saber se a colocação do Autor, como Subchefe, no Comando Local da Polícia Marítima de ........., por “escolha do Comandante-Geral” (ponto Q da matéria de facto), ex vi do disposto no artigo 16.º do “Regulamento” se deve considerar um acto ilegal por o Autor ter previamente solicitado que se registassem como comandos locais para a sua mobilidade, pela seguinte ordem de preferência, Setúbal, Sines, Lisboa, Leixões, Aveiro, Funchal e ......... (ponto J da matéria de facto), e dois Subchefes, com a mesma categoria que o Autor e menor antiguidade na mesma categoria, terem ficado colocados em Comandos Locais que ele indicara preferencialmente, a saber: Setúbal e Sines [ponto FF) da matéria de facto].

Ora, o acórdão recorrido sustenta que essa ilegalidade se verifica por violação do artigo 8.º do “Regulamento”, onde se prevêem as regras para a colocação por imposição, considerando que essas regras se aplicam subsidiariamente à colocação do pessoal graduado no âmbito do procedimento por escolha previsto no artigo 16.º do “Regulamento”. O Recorrente Ministério da Defesa contesta essa interpretação, considerando que ela “subverte os pressupostos” do procedimento de nomeação por escolha, o qual tem “natureza nominal”, fundamentando-se na “adequação do elemento escolhido ao Comando de destino e funções que no mesmo irá desempenhar”, ou seja, sempre que estejam salvaguardados os limites previstos no artigo 17.º, a escolha tem por base um critério de “conveniência de serviço” que se inscreve exclusivamente no âmbito da margem de livre decisão do Comandante-Geral, assente em “parâmetros de eficácia e eficiência na prossecução do interesse público”, nas “necessidades do serviço” e na “adequabilidade ao local/funções a desempenhar”. E o Recorrente alerta ainda para as dificuldades que podem advir para a boa organização e correcto funcionamento deste corpo de polícia, assente numa cadeia hierárquica de comando, se as regras que determinam o preenchimento dos lugares de chefia por pessoal graduado deixar de respeitar estes critérios.

Assim, analisando as regras do “Regulamento”, concluímos que a interpretação literal dos preceitos em crise dá razão à tese aqui defendida pelo Recorrente, de que a colocação do Autor, por se tratar da categoria de Subchefe, dependia exclusivamente de escolha do Comandante-Geral.

Com efeito, o artigo 6.º dá conta de que, em geral, os lugares vagos (ou seja, os lugares a preencher anualmente nos diversos Comandos para efeito dos movimentos ordinários, artigo 5.º) são preenchidos por um de três instrumentos: i) oferecimento [após tomarem conhecimento do mapa dos lugares vagos, artigo 5.º n.º 2, os interessados manifestam a sua preferência e quando mais do que um candidato mostre preferência por um lugar vago, seguem-se os critérios de: primeiro, formação e experiência profissional mais adequadas a esse comendo; segundo, categoria mais elevada e, terceiro, maior antiguidade, artigo 7.º)]; ii) imposição [quando não existam candidaturas a um lugar vago, o Comandante-Geral determina a colocação tendo em conta os critérios: primeiro, da necessidade e conveniência de serviço; segundo, a menor categoria e; terceiro, a menor antiguidade na categoria, artigo 8.º] e iii) por escolha.

No caso dos efectivos com categoria de subchefe, chefe, subinspector e inspector, a colocação é expressamente feita por escolha do Comandante-Geral (artigo 16.º).

Em todos os casos, aplicam-se os limites do artigo 17.º a respeito da movimentação para fora do Comando Regional da área de residência.

Esta solução, de resto, manteve-se no novo Regulamento de Colocações e Nomeações do Pessoal da Polícia Marítima, aprovado pelo Despacho n.º 15/2016, que não sendo aplicável ao caso dos autos, pode ainda assim contribuir para a interpretação do artigo 16.º do “Regulamento”, aqui em apreço, uma vez que esta nova redacção do preceito normativo (o agora artigo 8.º) que disciplina as nomeações e colocações por escolha, consta de uma secção diferente das restantes modalidades de colocação por oferecimento e de colocação por imposição, vincando assim a diferença entre elas.

E quanto às regras ou parâmetros deste “procedimento de colocação por escolha” afirma-se no artigo 9.º deste novo Regulamento de Colocações que “A nomeação ou colocação por escolha resulta dos superiores interesses do serviço e tem em conta as qualificações técnicas, as qualidades pessoais do nomeado e as exigências do lugar ou das funções a desempenhar” e que “As nomeações e colocações por escolha podem, quando julgado conveniente, ser precedidas de convites na Ordem do Comando Geral da Polícia Marítima (OPM), com o objetivo de trazer ao conhecimento superior a identificação do pessoal que, satisfazendo os requisitos relativos ao lugar, manifestem interesse no seu provimento, sem prejuízo da escolha poder vir a recair fora do universo do pessoal que responder ao convite publicado”. Em outras palavras, o novo Regulamento, num esforço de clarificação das diferenças entre os procedimentos, veio tornar mais evidente que a colocação de graduados depende de uma escolha do Comandante-Geral (i. e. de um verdadeiro acto discricionário), determinada por razões de interesse público, em função do perfil dos profissionais.

É verdade que a regra que o artigo 16.º do “Regulamento” aqui em apreço encerra se aproxima mais dos critérios de colocação de forças militarizadas (por exemplo, do artigo 5.º das normas de nomeação e colocação do pessoal do quadro do pessoal militarizado da marinha, aprovadas pelo Despacho do Chefe do Estado-Maior da Armada n.º 7/18, de 23 de Março) do que das regras previstas para a colocação de graduados em outros corpos policiais em que a progressão na carreira se faz também por promoção segundo regras legais e não por concurso (artigos 12.º, 14.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 248/95). É o caso, por exemplo, da GNR, onde, de acordo com o n.º 5 do artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de Março, que aprovou o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, sempre que exista uma promoção, a nomeação faz-se por imposição, embora aqui se preveja o respeito pela antiguidade na indicação da ordem de preferência para as vagas disponíveis (artigo 61.º, n.º 6).

Todavia, esta “comparação”, “convocada” pelo elemento sistemático da interpretação jurídica, só teria relevância in casu se concluíssemos que o artigo 16.º do “Regulamento” não era claro na sua distinção face ao regime contemplado para a colocação por imposição do pessoal não graduado ou se se concluísse que a regra da colocação por escolha do Comandante-Geral era, em si, violadora de princípios ou regras legais, o que não é o caso.

No mais, não resulta também da matéria de facto assente, nem que o Autor estivesse integrado em alguma das limitações previstas no artigo 17.º do “Regulamento”, nem tão pouco que o acto de nomeação/colocação do Autor, aqui em apreço, tivesse sido motivado por razões alheias ao interesse do serviço ou que enfermasse de outros vícios que permitissem ao tribunal anular esta decisão de conteúdo essencialmente discricionário.

IV. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão do TCA Sul e julgar a acção improcedente, absolvendo a entidade demandada dos pedidos.

Custas pelo Recorrido


A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, tem voto de conformidade com o presente acórdão dos Senhores Juízes Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e José Francisco Fonseca da Paz.

Lisboa, 29 de Abril de 2021.

Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva