Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0862/11.6BEALM |
Data do Acordão: | 04/29/2021 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | POLÍCIA MARÍTIMA PROCEDIMENTO COLOCAÇÃO ESCOLHA |
Sumário: | O procedimento de colocação por escolha de pessoal graduado da polícia marítima assenta num acto discricionário do Comandante-Geral da Polícia Marítima. |
Nº Convencional: | JSTA00071134 |
Nº do Documento: | SA1202104290862/11 |
Data de Entrada: | 01/13/2021 |
Recorrente: | MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL |
Recorrido 1: | A…………. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Legislação Nacional: | RCMPPM ART16 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1. A………, com os sinais dos autos, interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada [de ora em diante TAF de Almada], em 8 de Novembro de 2011, acção administrativa especial, contra o Ministério da Defesa Nacional (de ora em diante apenas MDN), na qual peticionou que fosse declarada a nulidade do “Regulamento de Colocações e Movimentos do Pessoal da Polícia Marítima” e anulado o acto praticado pelo Comandante-Geral da Polícia Marítima (CGPM), em 05.08.2011, constante da Ordem da Polícia Marítima n.º 23, de 24.08.2011, que determinou o seu movimento do Comando Local da Polícia Marítima (CLPM) de Lisboa para o CLPM de .......... 2. Por sentença do TAF de Almada, de 21 de Julho de 2017, foi a acção julgada improcedente. 3. Inconformado, o Autor interpôs recurso daquela decisão para o TCA Sul, que revogou a sentença e, julgando a acção procedente, por provada, em relação ao pedido de anulação do acto constante da OPM 23/24-08-2011, anulou o acto de colocação do Autor no Comando Local de ......... da Polícia Marítima. 4. É dessa decisão que o MDN veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, a qual foi admitida por acórdão de 10 de Dezembro de 2020, essencialmente, pelas seguintes razões: “[…] refira-se que se mostra objeto de dissídio questão que envolve a interpretação e aplicação do regime de colocações e movimentos do pessoal da Polícia Marítima - in casu de específicas categorias de pessoal em funções de chefia (no caso de subchefes) -, questão estatutária com interesse e relevância para o pessoal e para o funcionamento daquela força policial e que é suscetível de vir a colocar-se recorrentemente, pelo que assume relevância social, como é próprio da sua natureza estatutária, e é patente a virtualidade de expansão da controvérsia. Para além disso revelaram-se, ainda, como diametralmente divergentes os juízos firmados pelas instâncias sobre a pretensão, fator esse que, sendo indiciador do melindre e da complexidade da questão, se vem a confirmar dado a mesma envolver complexidade jurídica superior ao comum, cuja solução se não colhe imediatamente do texto legal, exigindo-se, nessa medida, a fixação de orientação por este Supremo Tribunal como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, justificando-se in casu a quebra da regra da excecionalidade supra enunciada e a admissão da revista.”. 5 – O Demandado e aqui Recorrente, apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] A. O acórdão ora posto em crise concedeu provimento ao recurso interposto, por erro de facto e de direito, revogando a sentença recorrida e, em substituição, julgou a ação procedente, por provada, em relação ao pedido de anulação do ato constante da OPM 23/24-08-2011, anulando o ato de colocação do Autor no Comando Local de ......... da Polícia Marítima e julgou prejudicado o pedido de condenação à prática de ato devido.
2.2. Lembremos que nos autos se discute a conformidade jurídico-legal do acto constante da OPM 23/24-08-2011 de colocação do Autor, que desde 2008 detinha a categoria de Subchefe da Polícia Marítima, no Comando Local de ......... da Polícia Marítima, com efeitos a partir de 2011, ano em que cessava a sua Comissão no COMAR. Em primeira instância o recurso havia sido julgado improcedente por se entender que do disposto no artigo 16.º do “Regulamento de Colocações e Movimentos do Pessoal da Polícia Marítima” (de ora em diante apenas “Regulamento”), aprovado pelo Despacho do Comandante-Geral n.º 1/2008, de 28 de Julho, ao abrigo da competência prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de Setembro, resultava que a colocação obedecia a uma escolha, apenas limitada pelo disposto no artigo 17.º do mesmo Regulamento, a qual não enfermava de nenhum dos vícios que lhe tinham sido imputados na P. I. Em sede de recurso, o TCA Sul fez outra interpretação deste procedimento, considerando que ao procedimento de escolha consagrado no referido artigo 16.º do “Regulamento” se teria de aplicar, subsidiariamente, o disposto no artigo 8.º do “Regulamento”, o que significava que a colocação se teria de efectuar, para além da necessidade e conveniência de serviço, também de acordo com os critérios de menor categoria e de menor antiguidade na categoria, pelo que, existindo outros graduados, com a mesma categoria do Autor e com menor antiguidade na categoria, e sem que o acto de colocação se tivesse fundamentado em quaisquer características ou requisitos de natureza pessoal que tornassem insubstituível a colocação do Autor, teria de anular-se o acto de colocação por violação do artigo 8.º do referido “Regulamento”.
2.3. É contra esta interpretação das normas do “Regulamento” e o resultado a que ela conduziu que o Ministério da Defesa Nacional se insurge no âmbito do presente recurso de revista. E com razão. Com efeito, o acórdão recorrido faz uma errada interpretação das normas do “Regulamento” que temos vindo a analisar, ignorando a diferenciação que nele se estabelece entre o “procedimento” de colocação de graduados e o “procedimento” de colocação do pessoal não graduado. Vejamos.
2.3.1. O Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de Setembro, criou no Sistema da Autoridade Marítima a Polícia Marítima como “força policial armada e uniformizada, dotada de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas ao SAM e à AMN, composta por militares da Armada e agentes militarizados”. Com efeito, desde a aprovação do Decreto-Lei n.º 190/75, de 12 de Abril, que a Polícia Marítima passou a constituir um quadro de pessoal privativo do então Ministério da Marinha, constituído por pessoal militarizado, que assumiu funções até aí desempenhadas por militares da Armada. Trata-se, por conseguinte, de um quadro de polícia militarizado e não civil, como se afirma no acórdão recorrido. Uma característica que explica a estrutura hierárquica e de “comando pessoal” em que assenta a colocação dos efectivos.
2.3.2. Os membros da Polícia Marítima regem-se, actualmente, pelo respectivo Estatuto do Pessoal e nele se prevê que o Comandante-Geral é o órgão superior de comando da Polícia Marítima e a ele compete, entre outras coisas, assegurar a gestão do pessoal, nomeadamente ao nível de efectivos, carreiras, nomeações e movimentos. É precisamente no âmbito da execução desta competência que foi aprovado o “Regulamento”, cujas normas temos vindo a referir e que estão na base no presente recurso. Na verdade, o que essencialmente se discute nos autos é saber se a colocação do Autor, como Subchefe, no Comando Local da Polícia Marítima de ........., por “escolha do Comandante-Geral” (ponto Q da matéria de facto), ex vi do disposto no artigo 16.º do “Regulamento” se deve considerar um acto ilegal por o Autor ter previamente solicitado que se registassem como comandos locais para a sua mobilidade, pela seguinte ordem de preferência, Setúbal, Sines, Lisboa, Leixões, Aveiro, Funchal e ......... (ponto J da matéria de facto), e dois Subchefes, com a mesma categoria que o Autor e menor antiguidade na mesma categoria, terem ficado colocados em Comandos Locais que ele indicara preferencialmente, a saber: Setúbal e Sines [ponto FF) da matéria de facto]. Ora, o acórdão recorrido sustenta que essa ilegalidade se verifica por violação do artigo 8.º do “Regulamento”, onde se prevêem as regras para a colocação por imposição, considerando que essas regras se aplicam subsidiariamente à colocação do pessoal graduado no âmbito do procedimento por escolha previsto no artigo 16.º do “Regulamento”. O Recorrente Ministério da Defesa contesta essa interpretação, considerando que ela “subverte os pressupostos” do procedimento de nomeação por escolha, o qual tem “natureza nominal”, fundamentando-se na “adequação do elemento escolhido ao Comando de destino e funções que no mesmo irá desempenhar”, ou seja, sempre que estejam salvaguardados os limites previstos no artigo 17.º, a escolha tem por base um critério de “conveniência de serviço” que se inscreve exclusivamente no âmbito da margem de livre decisão do Comandante-Geral, assente em “parâmetros de eficácia e eficiência na prossecução do interesse público”, nas “necessidades do serviço” e na “adequabilidade ao local/funções a desempenhar”. E o Recorrente alerta ainda para as dificuldades que podem advir para a boa organização e correcto funcionamento deste corpo de polícia, assente numa cadeia hierárquica de comando, se as regras que determinam o preenchimento dos lugares de chefia por pessoal graduado deixar de respeitar estes critérios. Assim, analisando as regras do “Regulamento”, concluímos que a interpretação literal dos preceitos em crise dá razão à tese aqui defendida pelo Recorrente, de que a colocação do Autor, por se tratar da categoria de Subchefe, dependia exclusivamente de escolha do Comandante-Geral. Com efeito, o artigo 6.º dá conta de que, em geral, os lugares vagos (ou seja, os lugares a preencher anualmente nos diversos Comandos para efeito dos movimentos ordinários, artigo 5.º) são preenchidos por um de três instrumentos: i) oferecimento [após tomarem conhecimento do mapa dos lugares vagos, artigo 5.º n.º 2, os interessados manifestam a sua preferência e quando mais do que um candidato mostre preferência por um lugar vago, seguem-se os critérios de: primeiro, formação e experiência profissional mais adequadas a esse comendo; segundo, categoria mais elevada e, terceiro, maior antiguidade, artigo 7.º)]; ii) imposição [quando não existam candidaturas a um lugar vago, o Comandante-Geral determina a colocação tendo em conta os critérios: primeiro, da necessidade e conveniência de serviço; segundo, a menor categoria e; terceiro, a menor antiguidade na categoria, artigo 8.º] e iii) por escolha. No caso dos efectivos com categoria de subchefe, chefe, subinspector e inspector, a colocação é expressamente feita por escolha do Comandante-Geral (artigo 16.º). Em todos os casos, aplicam-se os limites do artigo 17.º a respeito da movimentação para fora do Comando Regional da área de residência. Esta solução, de resto, manteve-se no novo Regulamento de Colocações e Nomeações do Pessoal da Polícia Marítima, aprovado pelo Despacho n.º 15/2016, que não sendo aplicável ao caso dos autos, pode ainda assim contribuir para a interpretação do artigo 16.º do “Regulamento”, aqui em apreço, uma vez que esta nova redacção do preceito normativo (o agora artigo 8.º) que disciplina as nomeações e colocações por escolha, consta de uma secção diferente das restantes modalidades de colocação por oferecimento e de colocação por imposição, vincando assim a diferença entre elas. E quanto às regras ou parâmetros deste “procedimento de colocação por escolha” afirma-se no artigo 9.º deste novo Regulamento de Colocações que “A nomeação ou colocação por escolha resulta dos superiores interesses do serviço e tem em conta as qualificações técnicas, as qualidades pessoais do nomeado e as exigências do lugar ou das funções a desempenhar” e que “As nomeações e colocações por escolha podem, quando julgado conveniente, ser precedidas de convites na Ordem do Comando Geral da Polícia Marítima (OPM), com o objetivo de trazer ao conhecimento superior a identificação do pessoal que, satisfazendo os requisitos relativos ao lugar, manifestem interesse no seu provimento, sem prejuízo da escolha poder vir a recair fora do universo do pessoal que responder ao convite publicado”. Em outras palavras, o novo Regulamento, num esforço de clarificação das diferenças entre os procedimentos, veio tornar mais evidente que a colocação de graduados depende de uma escolha do Comandante-Geral (i. e. de um verdadeiro acto discricionário), determinada por razões de interesse público, em função do perfil dos profissionais. É verdade que a regra que o artigo 16.º do “Regulamento” aqui em apreço encerra se aproxima mais dos critérios de colocação de forças militarizadas (por exemplo, do artigo 5.º das normas de nomeação e colocação do pessoal do quadro do pessoal militarizado da marinha, aprovadas pelo Despacho do Chefe do Estado-Maior da Armada n.º 7/18, de 23 de Março) do que das regras previstas para a colocação de graduados em outros corpos policiais em que a progressão na carreira se faz também por promoção segundo regras legais e não por concurso (artigos 12.º, 14.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 248/95). É o caso, por exemplo, da GNR, onde, de acordo com o n.º 5 do artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de Março, que aprovou o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, sempre que exista uma promoção, a nomeação faz-se por imposição, embora aqui se preveja o respeito pela antiguidade na indicação da ordem de preferência para as vagas disponíveis (artigo 61.º, n.º 6). Todavia, esta “comparação”, “convocada” pelo elemento sistemático da interpretação jurídica, só teria relevância in casu se concluíssemos que o artigo 16.º do “Regulamento” não era claro na sua distinção face ao regime contemplado para a colocação por imposição do pessoal não graduado ou se se concluísse que a regra da colocação por escolha do Comandante-Geral era, em si, violadora de princípios ou regras legais, o que não é o caso. No mais, não resulta também da matéria de facto assente, nem que o Autor estivesse integrado em alguma das limitações previstas no artigo 17.º do “Regulamento”, nem tão pouco que o acto de nomeação/colocação do Autor, aqui em apreço, tivesse sido motivado por razões alheias ao interesse do serviço ou que enfermasse de outros vícios que permitissem ao tribunal anular esta decisão de conteúdo essencialmente discricionário.
IV. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão do TCA Sul e julgar a acção improcedente, absolvendo a entidade demandada dos pedidos. Custas pelo Recorrido
Lisboa, 29 de Abril de 2021. Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva |