Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0883/16
Data do Acordão:11/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:LOCAÇÃO FINANCEIRA
CONTRATO
Sumário:I - Para definir se o contrato é ou não um contrato de lease-back, inexistindo um conceito autónomo — para efeitos tributários — sobre o que é um contrato, ao abrigo do disposto no art.º 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, teremos de nos socorrer dos conceitos e regras jurídicas próprias de cada um dos institutos e daí subsumir o seu tratamento fiscal.
II - O regime jurídico dos contratos, locação financeira e arrendamento comercial de prédios urbanos está no DL n.º 149/95, de 24/06, na redacção introduzida pelos Decreto-Lei n.° 265/97 e Decreto-Lei n.° 285/2001, enquanto o regime jurídico do arrendamento comercial se encontra no Decreto-Lei n.° 321-B/90, de 15 de Outubro e RAU - Regime do Arrendamento Urbano - Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2001, de 11/05, e, art.ºs 1064º e seguintes do Código Civil e não, em quaisquer normas contabilísticas.
III - Estas destinam-se não a estabelecer o regime jurídico dos contratos mas a estruturar de forma uniforme, na União Europeia a preparação das demonstrações financeiras das empresas. São normas contabilísticas e de relato financeiro, com o propósito de proporcionar informação útil à tomada de decisões económicas pelos agentes económicos.
IV - Para estarmos perante um contrato de locação financeira a escolha do bem compete ao locatário e, fica desde o início do contrato estabelecido que o locatário pode adquirir a propriedade da coisa locada, no termo do contrato, e, pelo preço determinado, ou determinável, desde o momento de celebração do contrato, sendo estes os elementos estruturais e essenciais de diferenciação deste contrato com a simples locação de coisas.
Nº Convencional:JSTA00070409
Nº do Documento:SA2201711150883
Data de Entrada:07/07/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUG JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIRC01 ART25 N1 N2.
LGT98 ART11 N2.
DL144/95 DE 1995/06/24 ART4.
DL 321-B/90 DE 1990/10/15.
CCIV66 ART1064 ART405.
DL 285/2001 DE 2001/11/03.
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto
. 11 de Março de 2016


Julgou a presente acção totalmente procedente, anulando o acto de liquidação impugnado, que corresponde à anulação parcial da liquidação adicional, referente à venda do imóvel e a condeno da AT a restituir a quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios à taxa de 4% desde a data do pagamento do imposto até ao integral cumprimento.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública, no processo de impugnação judicial nº 31/08.2BEPRT, instaurado por A…………… S.A., contra o acto liquidação adicional de IRC, do exercício de 2003, na importância de € 152 174,35, veio interpôr o presente recurso da sentença supra mencionada, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A. Salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação e aplicação da lei.

B. Concluiu o douto tribunal a quo que a impugnante, aqui recorrida, não celebrou com o Fundo de Investimento Imobiliário Aberto “B………. Imonegócios” representado pela “B……… Imofundos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário; SA”, contrato de locação financeira, julgando totalmente procedente a Impugnação Judicial, anulando o acto de liquidação impugnado, liquidação adicional, na parte referente à venda do imóvel e a condenação da AT a restituir a quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios à taxa de 4% desde a data do pagamento do imposto até ao integral cumprimento.

C. A Fazenda Pública não concorda com o sentido decisório do tribunal a quo e entende que a sentença evidencia errada interpretação e aplicação da lei tributária.

D. Com efeito, dos elementos recolhidos em sede de inspecção, aqueles Serviços só poderiam ter concluído que a operação em causa, de alienação do imóvel da sede da impugnante, seguida da sua locação só teria enquadramento no n.º 2 do art.º 25º do CIRC.

E. Da análise aos elementos que integram os autos, verifica-se que os Serviços de inspecção qualificaram correcta e legalmente a operação em causa como Lease-Back.

F. Concretizando; a AT concluiu “ (…) Em termos substanciais esta operação foi um puro financiamento, uma vez que o bem objecto do contrato se manteve na posse do locatário, sendo esta a perspectiva que o art.º 25º do CIRC acolheu.
Como resulta desta norma valorimétrica, não há lugar ao apuramento de qualquer resultado (mais valia ou menos valia) na alienação do bem por se entender que, em substância, não há lugar a alienação alguma.”

G. Pelo que se mostram fundamentadas as correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção.

H. Mais a propósito da invocada Directriz Contabilística nº 25, refere o relatório da inspecção tributária.. “(…) E se é certo que a Directriz Contabilística n.º 25 define no seu ponto n.º 3 o conceito de locação financeira tal como a Norma Internacional de Contabilidade (IAS17) já que a Directriz é a transposição para o Direito Interno da Norma Internacional.
Também é certo que o ponto 4 da mesma Directriz classifica como locação financeira a locação que à data do início da operação verificar uma das seguintes condições:
“a) (…)
b) Exista uma opção de compra a um preço que se espera seja suficientemente inferior ao justo valor do bem à data do exercício da opção e de tal modo que à data do início da locação seja quase certo que a opção venha a ser exercida de tal modo que, à data do início da locação, seja quase certo que a opção venha a ser exercida;
c) (…)”
Ora, a opção de compra existe.(…)”

I. No caso que ora se analisa, dúvidas não persistem de que, em causa está uma operação em que a impugnante vende o seu edifício sede a uma sociedade de locação, que imediatamente lhe arrenda, tendo sido desde logo reconhecido o exercício ao direito de opção de compra no fim do período de locação.

J. Mesmo que se considere tratar-se de uma operação de locação financeira, a via da neutralidade fiscal tem de ser prosseguida, uma vez que os pressupostos determinantes da aplicação do art.º 25º do CIRC permanecem; ou seja, a venda seguida de locação;

K. Devendo sobrepor-se-lhe a avaliação da substância das operações.

L. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por fazer uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no artigo 25º do CIRC e incorrecta interpretação da Directriz n.º 25.


Requereu que seja dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida.

A recorrida A…………, S.A., apresentou contra-alegações, em suporte da decisão recorrida que culminam com as seguintes conclusões:
A. O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida referente à liquidação adicional de IRC do exercício de 2003, no valor de EUR 152.174,35.

B. Entendeu o Douto Tribunal a quo que o ato tributário objeto dos presentes autos deveria ser anulado, em virtude da anulação da correção relativa a venda do imóvel da sede, uma vez que, tal como sustentado pela ora Recorrida, não estávamos perante uma operação de locação financeira na modalidade de lease back, pelo que não se aplica o disposto no número 2 do artigo 25 do Código do IRC, assentando a posição da AT em errados pressupostos, o que motiva a anulação da liquidação ora sindicada e o direito da Recorrida ao reembolso do imposto, acrescido de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43º da LGT.

C. Entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo efetuou uma errada interpretação e aplicação da lei no caso em apreço e que a sentença ora recorrida viola o disposto no artigo 25.º do CIRC, sustentando que,” Independentemente dos termos e condições em que tal operação se efectua, pois o conceito de Lease-Back, tal como defendido no normativo legal ora em questão, não especifica quais os termos do contrato que têm que se verificar.”

D. A questão material controvertida objeto do presente recurso prende-se com a qualificação do contrato celebrado pela Recorrida como um contrato de locação financeira, de modo a que possamos concluir pela aplicação direta do regime fiscal previsto no artigo 25.º do CIRC (como pretende a AT).
E. Para sustentar a sua posição, a Administração Tributária invocou, no relatório final, conforme, aliás, resulta das alegações de recurso da ora Recorrente, e remetendo para o relatório de inspeção referente ao exercício de 2001, que a alienação do imóvel da Sede, seguida do seu arrendamento pelo comprador ao anterior proprietário, com imediato estabelecimento de opção de compra no final da respetiva locação, consubstancia uma operação de Lease-back, pelo que deverá a mesma enquadrar-se no n.º 2 do artigo 25.º do CIRC, continuando o bem a ser reintegrado para efeitos fiscais pela Recorrida.

F. A posição da Fazenda Pública, para além de carecer de base legal, viola o artigo 25.º do CIRC e as diretrizes contabilísticas em vigor, enfermando, ainda, de manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, conforme amplamente demonstrado nos presentes autos.

G. Inexistindo um conceito autónomo – para efeitos tributários – sobre o recorte das duas figuras contratuais em apreço (leasing e arrendamento comercial), parece inequívoco que teremos de nos socorrer dos conceitos e regras jurídicas próprias de cada um dos institutos e daí subsumir o seu tratamento fiscal.

H. O contrato de locação financeira (leasing) encontra-se regulamentado no Decreto-Lei n.º 149/95, na redação introduzida pelos Decreto-Lei n.º 265/97 e Decreto-Lei n.º 285/2001 e consiste num contrato pelo qual o Locador (empresa de Leasing) cede ao Locatário (cliente), por um prazo determinado, o gozo temporário de um bem, móvel ou imóvel, mediante o pagamento de um montante periódico (renda) e, relativamente ao qual, o Locatário possui uma opção de compra no final do mesmo prazo, mediante o pagamento de montante pré-determinado (valor residual).

I. De igual modo, será, ainda, de referir que a operação de Lease-back é um caso particular de Locação Financeira que consiste na venda de um bem móvel ou imóvel, pelo Locatário ao Locador, que posteriormente lhe cede o mesmo bem, em regime de Locação Financeira.

J. Uma análise superficial dos regimes jurídicos do arrendamento comercial e da locação financeira poderá levar à conclusão que a única diferença entre estes dois institutos (quando se trate de bens imóveis) consiste na previsão de uma opção de compra nos contratos de locação financeira, sendo esta, aliás, uma das suas características essenciais.

K. Contudo tal não será bem assim, uma vez que no contrato de leasing, a renda não corresponde ao valor locativo do bem, uma vez que não é a simples contrapartida da sua utilização, antes incorporando um elemento de financiamento, permitindo a amortização do bem no final do contrato e incorporar a margem financeira da locadora (daí aliás a sua atualização ser aferida, por norma, por referência a uma taxa de juro de referência no mercado monetário, a EURIBOR a 1, 3 ou 6 meses); a conservação e manutenção do bem locado são sempre da responsabilidade do locatário no contrato de leasing; o valor residual (opção de compra) corresponde por norma à diferença entre o valor de aquisição do bem, deduzido da amortização do bem ao longo do período de duração do contrato; no contrato de leasing há uma efetiva transferência de todos os riscos e vantagens inerentes ao bem locado do locador para o locatário.

L. SALDANHA SANCHES no seu Parecer junto aos autos em 1.ª instância, afirma, “A argumentação da Administração atinge o auge da confusão e incompreensão na aplicação da lei quando procura demonstrar que a A'.......... tem ratios financeiros que denunciam problemas de liquidez e que, por isso, terá recorrido ao leasing financeiro: se a A'.......... vendeu a sua sede e pretendia continuar a usá-la, é de supor que estivesse com necessidade de financiamento. Mas concluir, daqui, que ela realizou um lease back apesar de não se encontrar no contrato por si celebrado nenhuma das características destes contratos, como deixámos demonstrado, representa uma precipitação e um primarismo nas formulação das suas conclusões perfeitamente inadmissível”.

M. Ora, uma análise dos dois contratos em apreço nos presentes autos permite extrair as seguintes conclusões: (i) As rendas são atualizadas anualmente mediante a aplicação dos coeficientes de atualização publicados pelo Governo; (ii) O B………… IMOFUNDOS é responsável pelas obras de conservação e manutenção de natureza estrutural; (iii) O valor de opção de compra corresponde na exata medida ao valor real do imóvel (igual ao seu valor de compra), acrescido de uma atualização em função da taxa anual média de inflação e de um “prémio de exercício de opção” a favor do B…………. IMOFUNDOS;

N. Não é verdadeira a afirmação constante no relatório de inspeção tributária em conforme a opção de compra corresponde precisamente ao valor da venda do respectivo imóvel ao B……… IMOFUNDOS;

O. O contrato celebrado entre a Recorrida e o B……… IMOFUNDOS não poderá ser qualificado como consubstanciando um contrato de locação financeira, uma vez que inexiste qualquer componente de financiamento na relação contratual estabelecida entre as partes, nem tão pouco é observado o regime jurídico (na suas cláusulas essenciais) do contrato de locação financeira, o que inviabiliza o entendimento da Recorrente quanto à aplicação do regime previsto no artigo 25.º do CIRC e que motivará a improcedência do presente recurso.

P. A própria Diretriz Contabilística n.º 25 estabelece que, para efeitos de classificação de uma qualquer operação de locação, o que releva é a substância da operação, e não a sua forma jurídica, sendo de classificar a locação financeira sempre que haja uma efetiva transferência do risco e vantagens da detenção do bem locado para a esfera do locador.

Q. A Norma Internacional de Contabilidade (IAS 17) classifica o contrato de locação financeira como “uma locação que transfere substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à posse de um ativo, podendo o título de propriedade ser ou não ser eventualmente transferido”, para ainda se acrescentar “os riscos incluem as possibilidades de perdas devidas a alterações nas condições económicas. As vantagens podem ser representadas pela expectativa de funcionamento lucrativo durante a vida económica do activo e de ganhos derivados de aumentos de valor ou de realização de um valor residual”.

R. Se é verdade que deve prevalecer a substância económica nos contratos de locação financeira, é precisamente por materialmente o contrato celebrado pela Recorrida não consubstanciar uma operação de venda, seguida de locação, que o regime do artigo 25º do CIRC não se lhe pode aplicar.

S. É precisamente por estar ciente desta realidade que a Recorrente chega a afirmar “Mesmo que se considere tratar-se de uma operação de locação financeira, a via da neutralidade fiscal tem de ser prosseguida, uma vez que os pressupostos determinantes da aplicação do art.º 25º do CIRC permanecem, ou seja, a venda seguida de locação, devendo sobrepor-se-lhe a avaliação da substância das operações”.

T. Trata-se de uma confissão, expressa, da falta de bondade da posição expressa pela Fazenda Pública, a qual ignora olimpicamente o elemento literal da norma – que se refere expressamente a venda de bens seguida de locação financeira – como ignora todas as regras elementares de hermenêutica, que exigem naturalmente que os conceitos usados na terminologia fiscal tenham em conta os ramos de direito de que provêm.

U. O que a tese peregrina da Recorrente professa é no fundo desconsiderar a letra e nominis da lei, as cláusulas contratuais e a substância do contrato de forma a, então, sim se encontrar algum arrimo na sua interpretação.

V. Resumindo, é evidente que os contratos celebrados entre o B……… IMOFUNDOS e a Recorrida não consubstanciam contratos de locação financeira (na modalidade do Lease-back), não bastando o estabelecimento de uma cláusula de opção de compra no final do contrato para que os contratos em causa possam ser enquadrados naquela figura contratual, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de não aplicação do regime previsto no artigo 25.º do CIRC como pretende a AT.

W. Conclui-se, deste modo, pela ilegalidade da liquidação adicional no respeitante ao acréscimo ao lucro tributável da Recorrida referente ao exercício de 2003, decorrente da desconsideração da mais-valia relativa ao exercício de 2001, o que determinará a anulação parcial do ato tributário sindicado, tudo com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito da Recorrida ao reembolso do imposto acrescido dos juros indemnizatórios, tal como determinado na decisão ora recorrida, o que motivará a manifesta improcedência do presente recurso.


O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso dado que «(…) Ora, em função do que se referiu e como bem decidiu a sentença recorrida, da factualidade apurada resulta que o contrato celebrado não é, substancialmente, um contrato de locação financeira, na modalidade de lease-back.
Na verdade, resulta do clausulado que não houve transferência para o locatário de parte substancial dos riscos e vantagens inerentes à detenção do bem, pois que a recorrida apenas é responsável pelo recheio e equipamento, bem como por danos decorrentes de obras que venha a realizar.
As rendas são actualizadas anualmente mediante a aplicação dos coeficientes de actualização para as rendas não habitacionais publicados pelo Governo.
O valor de opção de compra corresponde ao valor real do imóvel, ou seja, ao valor de compra, acrescido de uma actualização em função da taxa anual média de inflação e de um «prémio de exercício de opção» a favor do B……….. IMOFUNDOS.
A simples existência da cláusula de opção de compra pelo locatário, nos citados moldes, só por si, não é suficiente para caracterizar o contrato celebrado como contrato de locação financeira.
Assim sendo, salvo melhor juízo, não há fundamento legal para a aplicação ao caso em análise do normativo do artigo 25.º/2 do CIRC.».


A Sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. A Impugnante tem por objecto social a comercialização e distribuição de produtos farmacêuticos - P.A.;

2. Com origem na ordem de serviço n.º OI200600315, de 29.05.2006, a impugnante foi sujeita a inspecção no âmbito do exercício de 2003 - fls. 39, dos autos e PA em anexo;

3. A impugnante foi notificada do projecto de relatório de inspecção, no qual a AT propôs correcções à matéria colectável de IRC do exercício de 2003, no valor total de €376.615,56 - fls. 41 e ss.;

4. A impugnante contestou as correcções propostas referentes à venda do imóvel da sede e à desconsideração como custo das ofertas concedidas durante o exercício de 2003 - fls. 97 a 113;

5. A impugnante foi notificada do relatório final de inspecção que manteve as correcções efectuadas - fls. 115 a 147;

6. Em 13.08.20007 a AT procedeu à liquidação n.º 20078310015459, com um valor a pagar de €152.174,35 - fls. 149, dos autos;

7. No referido relatório de inspecção, relativamente à venda do imóvel da sede, consta o seguinte:
B) venda do imóvel sede em 2001
Em 27 de Dezembro de 2001 a “A'………….., SA” alienou ao Fundo de Investimento Imobiliário Aberto “B……………. Imonegócios”, representado pela “B………… Imofundos-Investimento Imobiliário Aberto “B………… Imonegócios”, representado pela “B………… Imofundos-Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA” o imóveI sito na R. ……….. n.° …….. a ……….. O valor da referida alienação totalizou 700.000.000$00 (€ 3.491.585,28). De imediato é celebrado com o referido Fundo um contrato de arrendamento com inicio em 1 de Janeiro de 2002.
A empresa infringiu o nº 2 artº 25° do CIRC, conforme explanação no ponto III – 1-1-3 do relatório referente a 2001 e que se dá aqui por reproduzido neste ponto, sendo a correcção a efectuar no exercício, de 2001 de 96.286.697$00 (€ 480.276,02), a favor do sujeito passivo, procedendo-se nos exercícios seguintes à correcção a favor do Estado de acordo com os cálculos constantes do anexo 1 ao relatório de 2001- actual anexo 2.
Assim e em conformidade com os cálculos e fundamentos apresentados no ponto III-1.1.2 propõe-se uma correcção a favor do sujeito passivo de € 63,436,66 (correspondentes a amortizações e reintegrações não efectuadas sobre o edifício, de € 54.136,18 e € 9.300,48 acrescidas no quadro 07 da mod, 22 de IRC, campo 216, respeitantes a 10% da mais-valia não tributada associada ao reinvestimento no terreno) e uma correcção a favor do Estado, de € 313,149,60, correspondentes aos montantes pagos a título de rendas do edifício,
Da confrontação dos valores acima referidos (€ 313.149,60 - € 63.436,66), propõe-se um acréscimo ao lucro tributável no montante de € 249.712,94 (ver ponto III – 1.1.2).
Após a alienação, foi celebrado com o referido fundo, um contrato de arrendamento com início em 1 de janeiro de 2002.
Da apreciação de toda a envolvente do negócio, concluiu-se que, na essência, tratava-se de uma verdadeira operação de crédito a médio/longo prazo, o que vulgarmente se designa por Lease-Back. E para uma melhor compreensão das razões invocadas pela Administração Fiscal, passa-se a transcrever, na integra, a fundamentação constante do ponto III - 1-1-1-3 do relatório de inspecção relativo a 2001:
Em 27 de Dezembro de 2001 a “A'……………, SA” alienou ao Fundo de Investimento Imobiliário Aberto “B…………….. Imofundos-Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA” o Imóvel sito na R. B…………….. n° ……… a …….. O valor da referida alienação totalizou 700.000.000$00. De imediato é celebrado com o referido Fundo um contrato de arrendamento com início em 1 de Janeiro de 2002.
Prevê o contrato de arrendamento, na sua cláusula terceira, que o prazo inicial de arrendamento tem a duração efectiva de 6 anos sendo que, findo esse prazo inicial de 6 anos, o contrato renovar-se-á automaticamente por períodos de um ano, caso não seja denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de seis meses em relação ao termo do prazo de duração ou ao termo do prazo da renovação.
No fim do prazo inicial de 6 anos a “A'………….. S.A” tem uma opção de compra do imóvel por um preço de 3.491.585 Euros, acrescido da taxa de inflação média anual e de uma mais-valia no montante de 250.000 Euros.
Ou seja, no final do prazo inicial de 6 anos a opção de compra é equivalente ao preço de venda acordado em 27 de Dezembro de 2001.
Trata-se, na essência, de uma verdadeira operação de crédito a médio/longo prazo o que vulgarmente se designa por Lease-Back.
Na realidade o Lease-Back consiste na venda, por uma determinada entidade, do seu próprio edifício fabril ou comercial a uma sociedade de locação que, de imediato, o arrenda ao vendedor e ao qual é desde logo reconhecida a opção de compra, do referido imóvel, a exercer no fim do período de locação.
O bem imóvel cedido não chega e sair da empresa cedente verificando-se nesta a entrada de capitais frescos, em consequência da mudança de propriedade jurídica dos referidos bens.
Estas operações de Lease-Back sendo normalmente excepcionais são aplicadas em norma a empresas de rendibilidade satisfatória e num quadro de condições bem definido.
Foi o que se verificou no caso em apreço. Tanto mais que a operação do Lease-Back, dada a circunstância de se ter realizado com um Fundo de Investimento Imobiliário usufruiu do Beneficio Fiscal de Isenção de Sisa nos termos do artº 1º do Dec. Lei 1/87 de 3 de Janeiro.
De facto a actividade exercida pela “A'………….., SA exige um elevado nível de meios financeiros disponíveis.
E, analisando a estrutura do balanço desta entidade, relativamente aos exercícios de 2000 e 2001, constata-se que quer o seu grau de autonomia financeira (7,5% em 2000 contra 7,4% em 2001), quer o seu rácio de Liquidez (0,94 em 2000 e 0,86 em 2001) são muito baixos.
Foi talvez essa preocupação que levou à movimentação contabilística operada em finais de Junho de 2001, mais precisamente com data de 29 de Junho, ao relevar-se numa conta de Depósitos à Ordem valores que totalizaram 1.226.162.776$00 por contrapartida de uma conta 26892 designada “Difª da conta 118” isto é, Diferenças da Conta Caixa por lançamentos automáticos (saco),
O movimento de anulação foi efectuado com dela de 1 de Julho de 2001.
De igual modo, em 31 de Dezembro de 2001, foi relevado contabilisticamente na conta 12-Transferência de Contas por contrapartida de uma conta 21140-Clientes Diversos o valor de 595.734.153$00.
Também este movimento foi anulado em 31 de Janeiro 2002.
São tudo movimentos contabilísticos cujo objectivo final é única e exclusivamente melhorar os rácios de liquidez distorcendo desse modo a informação financeira que se pretende verdadeira e apropriada da situação financeira da empresa.
Face ao exposto concluímos que a operação efectuada, de alienação do imóvel de sede, tem enquadramento no nº 2 do artº 25º do CIRC, já que se trata de uma venda de bens seguida de locação financeira.
E, face ao disposto no nº 1 do referido art° 25º não há lugar ao apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais em consequência dessa entrega, continuando o bem a ser reintegrado para efeitos fiscais pela “A'…………… SA” de acordo com o regime que vinha sendo seguido até então. A correcção a efectuar no exercício de 2001 será de 480.276,02 Euros, a favor do sujeito passivo, procedendo-se nos exercícios seguintes à correcção e favor do Estado de acordo com os cálculos constantes do Anexo nº 1, a este relatório.
De acordo com as anteditas conclusões, por um lado enquadrou-se a operação no nº 2 do artº 25° do CIRC, já que se tratou de uma venda de bens seguida de locação financeira, não havendo lugar ao apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais em consequência dessa entrega, continuando o bem a ser reintegrado para efeitos fiscais pela AUF, de acordo com o regime que vinha sendo seguido até então e, por outro lado, procedeu-se a uma correcção a favor do sujeito passivo, efectuada no exercício de 2001, de € 480,276,02 devendo-se proceder, nos exercícios seguintes, à correcção a favor do Estado.
Assim, para o exercício em apreciação, e de acordo com os cálculos constantes do mapa construído em 2001 e que faz parte integrante do anexo nº 2 ao presente projecto de relatório (anexo 1 ao relatório de 2001), conjuntamente com os valores constantes na rubrica 6221902 — Rendas e Alugueres Porto, temos:
A correcção a efectuar a favor do sujeito passivo importa no montante de € 63.436,66, correspondente às amortizações e reintegrações não efectuadas sobre o edifício, de € 54,138,18 e € 9.300,48, respectivamente, acrescidas no quadro 07 da mod. 22 de IRC, campo 216, respeitantes a 10% da mais-valia não tributada associada ao reinvestimento no terreno:
A correcção a favor do Estado importa no montante de € 313.149,60, correspondentes aos montantes pagos a título de rendas do edifício (renda mensal de € 28.095,80X12 meses) no exercido e análise.
Concluindo, e em conformidade com o que acima foi dito e calculado, propõe-se um acréscimo ao lucro tributável no montante de € 249.712,94 (€ 313.149,60 - € 63.436,66).

8. A impugnante vendeu ao B…………… Imofundos um imóvel sito no Porto, pelo valor de €3.491.858,28 - Relatório de inspecção e acordo das partes;

9. Simultaneamente o B………… Imofundos deu de arrendamento à impugnante o referido imóvel pelo período de seis anos, com renovação automática pelo período de 1 ano - fls. 282 a 288;

10. Tendo o valor da renda sido estipulado em €25.189,00 - cláusula quinta, do contrato de fls. 284;

11. No referido contrato ficou estipulado que o locador fica obrigado a contratar um seguro para o locado que cubra no mínimo os riscos de incêndio, raio, explosão, tempestades e danos por água, ficando a locatária obrigada a assegurar um seguro de recheio e equipamento - clausula sexta, do contrato de fls. 284;

12. Ficou também estabelecido que a locatária será exclusivamente responsável por quaisquer danos ou prejuízos causados por força ou em conexão com as obras por ela realizadas - clausula sétima, do contrato de fls. 284;

13. No referido contrato prevê-se que findo o prazo inicial de 6 anos a locatária tem opção de compra do locado por um preço de €3.491.585,00 acrescido da taxa de inflação média anual e de uma mais-valia no montante de €250.000, - clausula terceira, n.º 3, do contrato de fls. 284.
Questão objecto de recurso
- qualificação do contrato - locação financeira/arrendamento comercial


A Administração Tributária em acção de fiscalização à recorrida, considerou que o contrato de venda seguido de arrendamento do imóvel que pertencia à impugnante consubstancia um contrato de lease-back e, nessa medida enquadrável no disposto no art.º 25.º, n.º 2 do CIRC o que importou um acréscimo ao lucro tributável da Impugnante referente ao exercício de 2003, decorrente da diferença entre a «correcção a favor do Estado importa no montante de € 313.149,60, correspondentes aos montantes pagos a título de rendas do edifício» e «a correcção a efectuar a favor do sujeito passivo importa no montante de € 63.436,66, correspondente às amortizações e reintegrações não efectuadas sobre o edifício, de € 54,138,18 e € 9.300,48, respectivamente, acrescidas no quadro 07 da mod. 22 de IRC, campo 216, respeitantes a 10% da mais-valia não tributada associada ao reinvestimento no terreno».
A Administração Tributária remetendo para o relatório de inspecção referente ao exercício de 2001, considerou que a alienação do imóvel da sede da impugnante, seguida do seu arrendamento pelo comprador ao anterior proprietário, com imediato estabelecimento de opção de compra no final da respectiva locação, consubstancia uma operação de lease-back pelo que, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 25.° do Código do IRC, não há lugar ao apuramento de qualquer resultado para efeitos fiscais em consequência dessa entrega, continuando o bem a ser reintegrado para efeitos fiscais pela Impugnante.
Diversamente, entende a recorrente, no que se mostra apoiada pela sentença recorrida e pelo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo, estarmos perante um manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito dado a operação negocial em análise ser um contrato de venda do imóvel, seguido da sua mera locação, sem qualquer enquadramento naquele preceito legal.
A sentença recorrida sumariou os fundamentos invocados pela impugnante para desqualificar como contrato de lease-back o contrato em discussão nos autos:

· A soma das rendas de 6 anos são inferiores ao preço a pagar a final, pelo que se fosse uma locação financeira ao valor da renda seria de abater o valor do juro implícito no financiamento;
· O facto de na locação financeira haver uma efectiva transferência de risco e vantagem da detenção do bem para a esfera do locador, sendo que no caso em apreço na eventualidade de perda total do bem a impugnante não esta obrigada a indemnizar o senhorio;
· A opção de compra estabelecida corresponde ao valor de venda actualizado pela taxa de inflação média anual acrescida de uma mais-valia de €250.000,00 a qual não corresponde ao valor residual do bem findo o contrato de locação.
· Uma parte substancial dos riscos não são transferidos para o locador.
Está em causa definir se o contrato é ou não um contrato de lease-back. Inexistindo um conceito autónomo — para efeitos tributários — sobre o que é um contrato de leasing e o que é um contrato de arrendamento comercial, ao abrigo do disposto no art.º 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, teremos de nos socorrer dos conceitos e regras jurídicas próprias de cada um dos institutos e daí subsumir o seu tratamento fiscal.
Sobre esta qualificação jurídica dos contratos em apreço, a sentença referiu que:
«Importa assim qualificar o contrato celebrado entre a impugnante e o B…………. Imofundos referente ao imóvel sito no Porto, determinando se é uma locação financeira com o imóvel a ser inscrito no activo imobilizado do balanço da locatária ou de uma locação operacional ficando por isso no balanço da locadora.
O regime jurídico da locação financeira encontra-se regulado pelo DL n.º 149/95, de 24/06, dispondo-se no seu art.º 1, o seguinte:
Noção
Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.
A Directriz Contabilística n.º 25, no seu n.º 3 e 4, estabelece o seguinte:
3. Definições
Locação - é um acordo pelo qual o locador transfere para o locatário, por contrapartida de um pagamento ou série de pagamentos, o direito à utilização de um determinado bem, por um período de tempo acordado.
Locação financeira - é uma locação em que, em substância, o locador transfere para o locatário todos os riscos e vantagens inerentes à detenção de um dado activo, independentemente de o título de propriedade poder ou não vir a ser transferido.
Locação operacional - é uma locação que não seja de considerar como financeira.
4. Classificação Contabilística de Locações
Para a classificação contabilística de qualquer locação em operacional ou financeira é relevante a substância da operação que lhe está subjacente independentemente da sua forma legal.
Neste contexto, uma locação é considerada como financeira quando, à data do início da operação, se verificar uma das seguintes situações:
a) haja acordo de transferência da propriedade no final do prazo de locação;
b) exista uma opção de compra a um preço que se espera seja suficientemente inferior ao justo valor do bem à data do exercício da opção e de tal modo que, à data do inicio da locação, seja quase certo que a opção venha a ser exercida;
c) o prazo da locação abranja a maior parte da vida útil do bem, mesmo que a propriedade não seja transferido;
d) à data do início da locação, o valor presente (actual ou descontado) dos pagamentos da locação (incluindo o da opção de compra e expurgados de quaisquer encargos adicionais, como por exemplo seguros) seja igual ou superior ao justo valor do bem;
e) os activos locados sejam de tal especificidade que apenas o locatário os possa usar sem neles sejam feitas modificações importantes.
Tendo em conta os elementos constantes daquela Directriz Contabilística citada para se efectuar a distinção entre locação financeira e locação operacional e os elementos constantes do probatório, nomeadamente, os que resultam do teor do contrato celebrado entre a impugnante e a locadora, afigura-se-nos que assiste razão à impugnante, na medida em que não se verifica o preenchimento de todos aqueles elementos.
Com efeito, na locação financeira exige-se uma efectiva transferência de risco e vantagem da detenção do bem para a esfera do locador, sendo que no caso em apreço não se verifica essa transferência, já que do teor do contrato resulta que a impugnante apenas é responsável pelo recheio e equipamento, bem como por danos decorrentes de obras que venha a realizar.
Por outro lado, a existência de uma opção de compra a um preço suficientemente inferior ao justo valor do bem à data do exercício da opção também não se verifica, pois que no contrato ficou estabelecido que a opção de compra corresponde ao valor de venda actualizado pela taxa de inflação média anual acrescida de uma mais-valia de €250.000,00, o que não corresponde ao valor residual do bem findo o contrato de locação.
Mesmo relativamente ao prazo em que já é possível fazer a opção de compra que é ao fim de 6 anos de vigência do contrato, verifica-se que o valor das rendas até essa data é bastante inferior ao valor da venda.
Nestes termos, resta verificar pela ilegalidade da liquidação.»
A qualificação do contrato de locação financeira há-de fazer-se tendo em conta o seu regime legal, vigente à data dos factos tributários constante do DL n.º 149/95, de 24/06, na redacção introduzida pelos Decreto-Lei n.° 265/97 e Decreto-Lei n.° 285/2001, enquanto o regime jurídico do arrendamento comercial se encontra no Decreto-Lei n.° 321-B/90, de 15 de Outubro e RAU - Regime do Arrendamento Urbano - Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2001, de 11/05, e, art.ºs 1064º e seguintes do Código Civil.
O regime jurídico destes dois contratos, locação financeira e arrendamento comercial de prédios urbanos está nos citados diplomas e não, como parece ter entendido a sentença recorrida, em quaisquer normas contabilísticas. Estas destinam-se não a estabelecer o regime jurídico dos contratos mas a estruturar de forma uniforme, na União Europeia a preparação das demonstrações financeiras das empresas, seguindo essas normas contabilísticas e de relato financeiro, com o propósito de proporcionar informação útil à tomada de decisões económicas que os agentes económicos adoptam quando, nomeadamente:
a) Decidem quando comprar, deter ou vender um investimento em capital próprio;
b) Avaliam o zelo ou a responsabilidade do órgão de gestão;
c) Avaliam a capacidade de a entidade pagar e proporcionar outros benefícios aos seus empregados;
d) Avaliam a segurança das quantias emprestadas à entidade;
e) Determinam as políticas fiscais;
f) Determinam os lucros e dividendos distribuíveis;
g) Preparam e usam as estatísticas sobre o rendimento nacional; ou
h) Regulam as atividades das entidades.
As normas de contabilidade não apresentam concepções da locação e da locação financeira diametralmente opostas às do direito privado, mas também não são totalmente coincidentes com estas devendo ceder, neste caso, perante o direito dos contratos, que tem força legal e é o meio adequado à classificação dos contratos, sob pena de permitirmos que o Direito de contabilidade passe a conformar os tipos contratuais previstos e regulados na lei “contra legen” e não “secundum legen”.
A distinção entre os dois contratos está fixada na lei assente nos referidos elementos e só ela pode nortear o caminho de qualificação jurídica dos contratos. Bem certo que sabemos que o contrato de locação financeira surgiu nos países anglo-saxónicos, como um mero instrumento financeiro para solucionar algumas necessidades das sociedades e das pessoas singulares na sua actividade económica e a sua utilização rapidamente se alargou à satisfação de um número muito variado e pouco classificável de necessidades das sociedades e das pessoas singulares. Porém, isso não permite que a relevância da sua função financeira permita ocultar as suas características jurídicas (estruturais), ou que se confunda o objectivo económico do contrato e os instrumentos legais da prossecução daquele, subordinando, incorrectamente, estes instrumentos legais à finalidade económica ou mesmo à disciplina contabilística a que são actualmente subordinados. Embora os aspectos financeiros, económicos ou contabilísticos possam ter importantes consequências práticas e servir auxiliar na compreensão da figura em análise, a caracterização do contrato de locação financeira, à semelhança do que ocorre com qualquer outro contrato, tem de assentar na sua estrutura jurídica, na sua regulamentação legal e em não quaisquer outros aspectos, sejam financeiros, económicos ou contabilísticos, seguindo os ensinamentos de Diogo Leite de Campos - Locação Financeira (Leasing) e Locação, (Estudo preparatório de uma reforma legislativa), Lisboa, 1994.
A sentença recorrida, que a este propósito fez uma incorporação de quanto se disse no parecer junto aos autos elaborado pelo Prof.º Saldanha Sanches, não fundamenta juridicamente a sua opção nem afasta as normas de aplicação subsidiária da Lei Geral Tributária, art.º 2.º, e de interpretação, art.º 11.º. Do mesmo modo, ainda que o CIRC tenha como objecto proceder à adaptação do código, também às normas internacionais de contabilidade adoptadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística, segundo o seu art.º 1.º, de modo algum se descortina nesse diploma legal que a definição dos contratos passe a ser a tida em conta para efeitos fiscais pelos efeitos e regras contabilísticos, a menos que a lei, concretamente, assim decida, o que no caso concreto se não verifica.
Começando pela análise dos elementos essenciais, estruturantes do contrato de locação financeira que permitem distingui-lo do contrato de arrendamento de imóvel verificamos que segundo o DL n.º 149/95, de 24/06, a locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados, art.º 1.
O art.º 4.º deste diploma na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho indicava que:
Rendas e valor residual
1 - A renda deve permitir, dentro do período de vigência do contrato, a recuperação de mais de metade do capital correspondente ao valor do bem locado e cobrir todos os encargos e a margem de lucro do locador, correspondendo o valor residual do bem ao montante não recuperado.
2 - Compete ao Banco de Portugal estabelecer os limites mínimos e máximos do valor residual, tendo em atenção, designadamente, a evolução da economia portuguesa e do sector da actividade de locação financeira.
3 - Enquanto o Banco de Portugal não fizer uso da competência a que se refere o número antecedente, o valor residual não pode ser inferior a 2% do valor do bem locado e, relativamente aos bens móveis, não pode ser superior a 25%.
4 - A data de vencimento da primeira renda não pode ultrapassar o decurso de um ano sobre a data a partir da qual o contrato produz efeitos.
5 - Entre o vencimento de cada renda não pode mediar mais de um ano.
6 - O valor de cada renda não pode ser inferior ao valor dos juros correspondentes ao período a que a renda respeite.
Tal preceito foi revogado Decreto-Lei n.º 285/2001, de 3 de Novembro, pelo que os elementos integrantes do cálculo da renda mensal neste artigo mencionados, à data dos factos tributários já não eram elementos necessários ou que sirvam, de qualquer modo, para definir os elementos estruturantes desse contrato, celebrado em 27 de Dezembro de 2001, e que permitem diferenciá-lo de outros institutos jurídicos próximos.
No contrato de locação financeira são obrigações do locador, nomeadamente:
«a) Adquirir ou mandar construir o bem a locar;
b) Conceder o gozo do bem para os fins a que se destina;
c) Vender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato;
Os encargos com despesas, art.º 14.º, ficam a cargo do locatário, se nada for convencionado em contrário, o mesmo se verificando com o risco de perda ou deterioração do bem, art.º 15.º.
Poderemos, pois, concluir que o contrato de locação financeira, sendo próximo do contrato de locação de que o arrendamento de bens imóveis é uma espécie, acrescenta algumas características distintivas à “base” constituída pelo contrato de locação. Em ambos os contratos existe a obrigação do locador de ceder o gozo de uma coisa de que continua a ser proprietário, tendo a contraparte o direito de exigir aquela cedência e obtendo um gozo temporário e retribuído da coisa locada.
Mas, diversamente do que ocorre na simples locação, para que esteja em causa uma locação financeira o objecto do contrato é adquirido ou construído por indicação do locatário tendo este direito de adquirir a coisa decorrido o prazo acordado por um preço que deve ser determinado no contrato ou, pelo menos determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.
Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 285/2001, de 3 de Novembro a conformação legal do contrato de locação financeira impunha que a renda fixada fosse estabelecida em montantes que permitissem uma parcial ou integral amortização do valor do bem locado, deixando cair tal imposição, seguramente para poder corresponder a um mais amplo grupo de interesses económicos e financeiros. No momento em que foi celebrado o contrato, ou contratos, a determinação do valor da renda, como um dos conteúdos essenciais do contrato de locação financeira, era completamente livre de quaisquer linhas orientadoras e entregue ao princípio da liberdade contratual, art.º 405.º do Código Civil. O mesmo se passava quanto à determinação do valor residual, pelo que deixou de fazer, a partir daí, qualquer sentido a exigência que que a doutrina estabelecia de que o valor residual não coincidisse com o valor de mercado do bem, sob pena de deixarmos de estar perante um contrato de locação financeira. Havia uma lógica da regulamentação jurídica para assim entender que alicerçava uma das diferenças essenciais entre a simples locação e a locação financeira no facto de o valor das rendas compreender uma parte da amortização do valor do bem que impunha que o valor residual tivesse que ser sempre inferior ao valor de mercado do bem, visto o locador ter já recebido, ao longo da vigência do contrato, uma parte substancial desse valor. Tendo o legislador revogado tais normas quanto ao montante seja das rendas, seja do valor residual do bem, sem as ter substituído por outro mecanismo com a mesma eficácia e sem revogar o regime jurídico da locação financeira, só podemos concluir que subsiste diferença entre a locação e a locação financeira, ou não estariam vigentes dois diversos regimes, e que a diferença está sobretudo em que na locação não está prevista expressamente nem a possibilidade de adquirir o bem, nem está desde o início fixado o valor pelo qual o locatário, no termo da vigência do contrato de locação financeira poderá adquirir o bem locado, independentemente de este poder ou não coincidir com o valor do mercado do bem, e, no contrato de locação financeira a escolha do bem compete ao locatário.
Sempre foi possível e, continua a ser, que num contrato de locação, chegado ao seu termo, possa o locatário adquirir a propriedade do bem que tomou de locação. As partes são livres de celebrarem os contratos que entenderem tendo, por isso sempre a possibilidade de celebrar contratos de compra e venda de imóveis, mesmo que o comprador haja sido anteriormente locatário do bem. Serão é dois contratos separados, sem qualquer ligação jurídica que não seja o objecto negocial e as partes contratantes.
Para estarmos perante um contrato de locação financeira a escolha do bem compete ao locatário e, fica desde o início do contrato estabelecido que o locatário pode adquirir a propriedade da coisa locada, no termo do contrato, e, pelo preço determinado, ou determinável desde o momento de celebração do contrato, sendo estes os elementos estruturais e essenciais de diferenciação deste contrato com a simples locação de coisas.
Analisada a matéria de facto verificamos que os dois elementos se mostram reunidos. Não se trata de um contrato de locação financeira simples, mas de um contrato de lease-back, criado para corresponder a interesses financeiros de financiamento imediato do locatário que larga mão de um imóvel de sua propriedade que vende ao locador – em verdade ainda exercendo o seu poder de escolha do bem – para imediatamente o tomar de locação financeira, fixando-se quer o valor da renda, quer a duração do contrato, quer a opção de compra, a exercer pelo locatário do bem locado no termo do contrato, quer o valor pelo qual este poderá adquirir, então, o bem locado.
Foi este o enquadramento jurídico do contrato celebrado pela impugnante, aqui em discussão, a que procedeu a Administração Tributária, retirando como consequência a aplicação do disposto no art.º 25.º, n.º 2 do CIRC em fundamentação do acto de liquidação adicional que elaborou, sem que possa indicar-se qual o erro sobre os pressupostos de facto ou de direito que tal procedimento possa encerrar.
A sentença recorrida fez uma errada qualificação jurídica do contrato, como vimos, e, daí concluiu ser ilegal o acto de liquidação impugnado, pelo que se impõe a sua revogação por ter incorrido em erro de julgamento.
O acto de liquidação impugnado não enferma dos vícios que lhe eram apontados pela impugnante, pelo que deve subsistir na ordem jurídica.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a impugnação
Custas em ambas as instâncias, pela recorrida.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 15 de Novembro de 2017. - Ana Paula Lobo (relatora) - Francisco Rothes - Ascensão Lopes.